terça-feira, novembro 29, 2005

outros rumos, novos nunos, todos os olhares

foi sob o impacto de remixá-lo às palavras escritas no tópico abaixo (e aos desdobramentos que elas suscitaram - alô, alessandra, vange, samira, alô, rapazes briguentos) que ouvi pela primeira vez o novo disco do blueseiro nuno mindelis, "mindelis apresenta: outros nunos" (gravadora eldorado, 2005). sem nutrir maiores identificações & paixões pelo blues, vi piscarem as luzinhas que pisca-piscavam "outros nunos", e fui.
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pois o blueseiro desta vez concebeu um disco que não é de blues, e esse outro pisca-pisca também reluziu instantâneo, a bordo das seguintes sedutoras palavras escritas pelo autor sobre a obra & encartadas pelo autor no miolo da obra: "é uma necessidade orgânica, urge pari-lo das entranhas mais profundas do meu físico e do meu espírito. mais do que 'outros nunos', este disco diz mais de mim próprio do que todos os outros que até hoje fiz".
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opa, bacana esse treco de dizer mais e mais e mais sobre si, mais que sempre, mais que nunca. quem precisa de tanto segredo?
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pois é. angolano exilado em são paulo há dez mil anos atrás, o autor andou feeling the blues por aqui o tempo todo, até mesmo sob (ele conta no mesmo texto) toneladas de audições de chico, toquinho & vinicius, baden, "os dois carlos, roberto e erasmo, e os novos baianos também". "é evidente a distância entre toda essa realidade e a de uma plantação de algodão no mississippi, embora igualmente as houvesse no úmido e colonizado solo angolando", revela o autor em estado de remix, equiparando em novíssima proporção o que antes sobressaltava e o que antes camuflava.
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do chacoalhado entre tantas fronteiras delicadas, nasceu um disco que desmonta, com muito medo (como confessa já a primeira faixa, "tenho medo", escrita e cantada pelo notório guitarrista de blues), os compartimentos estanques em que ele ainda se continha, quando morava numa identidade fixa, atópica, recortada nas molduras do blues, e numas poucas outras mais.
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muro derrubado, fronteiras afrontadas: as confissões de medo vêm comentadas em rhythm'n'poetry improvisado pelo paulista rappin' hood, que conta que morre de medo de bush e se prepara para entrar rimando feliz por sobre a segunda faixa, "mas que nada", samba esquema novo safra 1963 do carioca jorge ben. angola, congo, benguela, monjolo, cabinda, mina & banzo afro-brasileiro, disse o angolano-paulistano branquelo-blueseiro ao remixar jorge ben & rappin' hood, blues afro-norte-americano & samba afro-brasileiro, onde-quando tudo se mistura.
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"rei dos animais", escrita de punho próprio apesar de suscitar nexo distante com o "samba dos animais" de jorge mautner, é unida, fixada e justaposta a uma influência inesperada: "como dois animais", do pernambucano alceu valença, blues-maracatu, samba dobrado, foi divino brinquedo, e muito mais.
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encravada entre o "rei dos animais" e "como dois aniais", a caravela singra para redescobrir portugal e pedro abrunhosa, "se eu fosse um dia o teu olhar", mansa e melancólica balada, mais banjo, mais banzo, mais banzé.
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e então o blues volta ao disco de não-blues, deslizando pela corrente marítima imensamente mansa de "gosto do jeito", blues de nuno mindelis, anticiclone antitropical. quem vem jantar e cantar desta vez é zélia duncan, folk-blueseira que, antes de outros nunos, já andou se transformando em outras e se espraiando em sambista, em mulata branquela, em cantora do rádio, em deusa de outras ruas.
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lá adiante, "bossa folk", um instrumental solitário do autor, circulará o furacão a bordo de um violão cigano, num banzo flamenco-cigano-judeu tipo andaluzia, tipo leste europeu, num vôo de alma nômade semi-aprisionada, semi-medrosa num mistro de liberdade-incredulidade. bossa esquema novo.
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o samba esquema novo reaparece em mais uma releitura de jorge ben 1963, de "chove chuva", a caravela das índias ocidentais desviando a rota e indo parar no caribe, na república dominicana, em cuba, ave, che.
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pouco antes, antes de se afro-latinizar, o autor enfileirara ironicamente siglas chatas popularíssimas - iptu, ipva, hiv, acm, ibope, mec, pcc, fhc, mtv, mst, spam, cê tá entendendo?
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antes de enfileirar, perguntara, indignado: "ô, cadê o meu disco do tchucbandiones?".
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(intermezzo: tchucbandiones, grupo jovem dos sertões paulistanos, integra o núcleo reco-head de criação, de que também participam jumbo elektro, cérebro eletrônico, labo, grupos novos que transbordam da terra feito pequenos lulinhas sem-multinacional. labo, leia no tópico abaixo, foi a espinha sonoro-dorsal do espetáculo de des-reconstrução de "tropicália ou panis et circensis", dias atrás, aqui em são paulo, desperta, são paulo.)
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faixa 11, "são paulo" deglute tropicálias e jumbelektros para afirmar que, yes, nós have os anos 80. "são paulo" é um rock da banda operária paulistíssima 365, grândola, vila morena, que o autor reformula em sambossa, em bossa folk, em bossa-supla, em elo perdido com os tempos da delicadeza: "é inverno no meu coração", "frio e garoa na escuridão", "sem são paulo o meu mundo é a solidão", "diga sim, que eu digo não", "desperta, são paulo".
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"diga sim, que eu digo não." diga não, que eu digo sim, com quantos nãos se faz um sim?
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"sem são paulo o meu mundo é a solidão", ok? podes aceitar tal subversão?
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"desperta, são paulo." desperta, são paulo (brasil).
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nem falei sobre todas as faixas, ok?
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resguardado por um elenco remixado de parceiros reais e/ou simbólicos (alô, rappin' hood, jorge ben, alceu valença, pedro abrunhosa, zélia duncan, tchucbandiones, 365 etc.), o autor, nuno mindelis, tem então de encerrar o disco. fá-lo-á (fi-lo, porque qui-lo, entende?) com "fica para o próximo disco", canção-confissão-deduração-exposição de si próprio e do elenco bem maior de estrelas que sonhou agrupar em "outros nunos". aqui remixados, os versos de "fica para o próximo disco" falam sozinhos:
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"pedi uma letra ao lenine
ele estava ocupado
tava indo pra lisboa pra cuidar de um outro lado
mas meu sempre obrigado!

disse que precisava muito
me expressar em português
citando a lusofonia ele disse, prescindimos da palavra
eu e você

liguei para o arnaldo antunes
ele ainda não tinha voltado
voltaria só depois acho que era feriado
estava fora até dia dois

liguei para o gavin, o irmão
peguei o número do nando reis
mas ainda não liguei
mas ainda não liguei, não liguei, não
sei lá por que razão

fica para o próximo disco
seja em que formato for
talvez não seja um cd
só uma música no computador

liguei pro walter franco
pedi um texto muito dele
ficou de me ligar de volta
alguém o aguardava, já na porta

escrevi para o erasmo
pra fazer um disco junto
mandei mensagem longa
razoavelmente longa, onde explicava tudo
ou quase tudo...

pedi recado pro alceu
por intermédio de um amigo meu
era pra ele dar uma canja numa música dele mesmo (mesmo)
o celular não respondeu (deu) (eu)

fica para o próximo cd
seja em que arquivo for
talvez não seja mais assim
só um registro no computador

fica para o próximo registro
seja em que arquivo for
talvez não seja um cd
só uma música no computador (dor)

(...)"
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hum, um remix entre nuno mindelis, márcia jezebel, antonio vieira e rita ribeiro, como seria? "meu cu, lenine/ meu cu, arnaldo antunes/ meu cu, nando reis/ meu cu, walter franco/ meu cu, erasmo carlos/ meu cu, alceu valença/ se você não quer, tem quem queira", mas com muito amor & carinho. porque nestes dias de 2005, camaradinhas, antes só & acompanhado do que acompanhado ou do que só.
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êêêita, mundo novo sem fronteira.