sexta-feira, março 20, 2009

é pau, é pedra, é pena

segue abaixo uma das várias boas entrevistas feitas para a reportagem "caiu na rede é peixe", da "carta capital" 538, nas bancas neste fim-de-semana.

trata-se de pena schmidt, ex-executivo, diretor e produtor de gravadoras mulltinacionais (esteve na warner à época do advento de titãs, ira!, ultraje a rigor e outros), ex-dono do selo independente tinitus, ex-presidente de associação de gravadoras independentes, diretor de palco em grandes festivais de música, atual diretor do auditório ibirapuera (patrocinado pela telefônica tim, registre-se). entre muitas outras coisas.

a quantidade de temas importantes - e fascinantes - aqui abordados é praticamente incontável, então elejo apenas algumas frases e termos-chave para ressaltar com negritos. mas a íntegra é que é, uma verdadeira aula de amor à música.

à entrevista, ela fala por si só:


pedro alexandre sanches - gostaria de ouvir suas opiniões sobre o modo como hoje se compartilha música, via blogs e comunidades virtuais, sobre a repressão por parte das gravadoras e sobre o fechamento da comunidade discografias, no orkut. ela foi fechada, na verdade pelos próprios coordenadores...

pena schmidt - ...atendendo a pedidos, né? você não está no twitter, não, está?

pas - estou, mas não me habituei ainda...

ps - estou começando a me divertir com isso, botei uns três comentários sobre isso hoje [segunda-feira 16]. pintou um link que o leoni botou e eu passei para frente, de uma matéria de um cara inglês que escreveu de uma forma sensacional. assim: devemos esperar consolidar o modelo do negócio, ou podemos pular no abismo?

pas - o cara é de gravadora?

ps - é. ele explica, um raciocínio bacana, não é meu, mas está lá. meu, a revolução dos livros no tempo do gutemberg foi feita assim. ninguém sabia para onde ia, nem o que fazer. a igreja e o estado eram contra, por princípio, e de repente um fulano inventou o livro menorzinho, que gastava menos papel, era mais rápido de imprimir. e foi, acabou, não teve como segurar ou administrar. é a mesma coisa. aí tem uma frase no final, extraída da internet de 1990 e poucos, o cara dizia assim, ó: "se um garoto de 14 anos nas horas de folga pode detonar o seu negócio, e ainda por cima não por ódio, mas por amor, você tem um problema" [ri].

pas - é até uma mistura de amor e ódio, não?

ps - mas é por amor à música. aí os caras vão lá e tiram 920 mil inscritos na comunidade, quase 1 milhão de amantes de música. botei um comentariozinho assim: "marketing moderno: a indústria da música vai vender os seus produtos para quem não gosta de música". são 920 mil consumidores a menos. você acha que são 920 mil que vão gostar mais das companhias, que vão tentar entender o porquê das coisas? não, é gente que está sendo alienada.

pas - é a já velha máxima de que a indústria está brigando com quem ela deveria agradar.

ps - é, e que negócio pode prosperar nessas condições? botei uma frasezinha lá, um resumo: na verdade temos uma defesa de modelo de negócios. se alega a defesa do direito autoral para fazer esse tipo movimento, de fechar site. mas de verdade é só a defesa de um modelo de negócio, de um modelo que demonstra ser incompetente para cuidar dos interesses dos autores.

pas - você está dizendo que não é verdade que eles tenham o interesse de defender o direito autoral? é discurso?

ps - é, só discurso, porque o que estão defendendo é o modelo de negócio deles.

pas - eles é que não sobrevivem se pararem de vender disco.

ps - não sabem fazer de outra maneira, e querem que o mundo todo pare para eles, para eles continuarem sem descer do mundo. não estão tendo capacidade a se adaptar a um novo meio de comunicação. estamos falando de uma indústria que sempre lidou com essa ambiguidade. a indústria, sempre, desde o seu princípio, deu para poder vender. no tempo que a música ainda era no piano de rolo, chiquinha gonzaga e zequinha de abreu eram demonstradores de loja. ficavam tocando piano para chamar atenção das pessoas. as primeiras vitrolas ficavam na calçada tocando música. quando começam a rádio nacional e as gravadoras, já era exatamente isso: toca no rádio para vender o disco, e de lá até 1990 e... quando mesmo fechou a última rádio de música [risos]? ainda tem uma ou outra, né? enfim, o caminho normal seria am, fm, mp3. os três significam a mesma coisa, veículos para divulgar. a indústria se recusou a entender a internet como isso. dá até para entender no primeiro momento, mas se recusou a se adaptar, pô, durante já 15 anos, dez no mínimo.

pas - e há uma contradição nisso, porque, tudo bem, a veiculação de música gratuita em rádio e tevê está regulamentada, eles recebem por ela, mas nesses meios ninguém reclama de que a música está sendo dada de graça ao consumidor.

ps - eles se recusaram a entender internet como um meio de comunicação. se recusaram a sentar na mesa e propor, conversar e buscar dinheiro no ecad [escritório central de administração e distribuição, que centraliza o recolhimento e repasse de direitos para os autores]. re-cu-sa-ram o direito do ecad de buscar dinheiro dentro da internet. se existe é uma coisa minúscula, quando na verdade deviam ter se juntado e forçado o ecad a se tornar um distribuidor.

pas - mas não é o ecad ou o brasil - a indústria daqui não está sempre simplesmente cumprindo ordens das matrizes lá fora?

ps - sem a menor dúvida. isso é outra parte do discurso do problema. uma parte do problema se chama internet e suas relações com a indústria, a outra parte do problema se chama multinacionais, as majors, a centralização do mercado versus o mercado, ou versus o público consumidor. a centralização é isto: quatro companhias administradas de londres, sem contato com seus consumidores. não existe mais produtor, departamento artístico nem porra nenhuma dentro de companhia de música. eles são só administradores mercantis.

pas - antes era napster, kaazaa, e-mule. agora a cultura dos blogs e, no caso brasileiro, do orkut suplantou aquilo, tornou tudo mais fácil ainda. como você vê isso?

ps - é o famoso "a tecnologia sempre vence", quem falou isso? as coisas são afetadas pelo avanço da tecnologia que é inexorável, o avanço da capacidade de atender demandas, o pc mais rápido, a memória mais barata, a banda se proliferando, o celular se transformando num mobile, numa unidade móvel manual, que tem banda, processamento, teclado, fala por escrito, tira foto, carrega música. não é isso? as pessoas compram, e usam, e querem mais. na fase atual o transporte de dados é uníquo, já está no ser humano. alguém falava outro dia que 97% dos cidadãos brasileiros usam o google [será mesmo, pena, tudo isso?]. não precisa ter computador ou celular, se encosta numa lan house e a primeira coisa que se aprende é usar o google.

pas - e, supostamente, é justamente o google que a indústria estaria pressionando para fechar as comunidades.

ps - tem uma escola de pensamento falando que existe uma batalha oculta para que se acabe o direito autoral, vinda para o interesse da microsoft, da intel, do google. [suspira] é fácil, né?, fulanizar os problemas.

pas - mas você acha que não tem cabimento isso?

ps - não é verdade, não é possível. o direito autoral da música nessa história, como a gente dizia antigamente, é o cocô do cavalo do bandido, perdido lá numa nuvem de poeira no fim do horizonte. estávamos falando de uma outra coisa, que é modelo de negócio. como se vai querer enfrentar tudo que estamos descrevendo, a mudança da sociedade?

pas - no fim do horizonte você veria algum consenso que pudesse ser criado para encontrar soluções? não se sai mais desta fase apenas de repressão, que não funciona, até aqui não tem funcionado.

ps - acho que uma próxima fase que pode se transformar em algo contemporâneo nos próximos anos é que algumas sociedades já enxergam isso como um problema de estado. deixou de ser um problema consumidor versus fornecedor, problema de procon. não, o estado precisa ajudar o mercado a se rearrumar. e uma das coisas que o estado tem o poder de resolver é atuar pela legislação, certo? do que estamos falando?, esqueci?, por causa de 22 pessoas 50 milhões se transformaram em criminosos? não, acho que é mais fácil a gente refazer a legislação para encarar a realidade social. na inglaterra já tem uma provocação do governo, que uma hora vai andar para frente. o governo está emitindo opiniões ou se manifestando a respeito do assunto, com certa frequência, de falar sobre cultura digital, de ir nos encontros da indústria e dizer "por que vocês não se entendem?, por que os distribuidores de banda larga e os distribuidores de conteúdo não sentam numa mesa e resolvem?", incentivando o dia que a telefônica for conversar com o ecad, que é uma das alternativas.

pas - na verdade a telefônica está deixando o ecad se enforcar sozinho, não?

ps - entendeu? a lei me permite fazer o que faço sem precisar me mover, e o ecad fala "só vou conseguir me mover se eu chamar todo mundo de bandido, pirata, ladrão", e nessa noção de "estou sendo perseguido até a morte, vou morrer". o estado se manifesta, há algumas tentativas de começar a discutir no canadá, na frança...

pas - pode-se dizer que no brasil também, não? o ministério da cultura também faz um pouco isso.

ps - existe uma preocupação de falar a respeito. ainda não é uma tentativa, mas é um movimento na direção de se discutir uma nova lei do direito autoral. sim, vai ter que passar por isso. o direito autoral no brasil faz parte da constituição, tem uma lei própria, é muito bem amarrado. e essas amarrações todas foram feitas de comum acordo com a indústria, 30, 40, 50, 60 anos atrás.

pas - você palpitaria que o brasil vai ficar a reboque, vai esperar acontecer em outros lugares para fazer igual, ou podemos tomar nossas próprias atitudes?

ps - é tudo muito difícil, né? temos aí uma campanha para presidente, já pensou se isso vira pauta? quando você olha, pô, isso não é problema tão sério assim, vamos falar de educação, de saúde. mas se continuar essa política uma hora as pessoas se declararão de saco cheio. e a gente não pode ficar sem leis.

pas - você vê alguma possibilidade de que dê certo a repressão por parte da indústria, da apcm [associação antipirataria cinema e música], um negócio que foi criado aqui?

ps - o que está se fazendo é gerar massa crítica para amanhã pressionar seu deputado e dizer: "deputado, assim não dá, vamos mudar essa lei". até ontem, era uma situação de incomodar pessoinhas físicas, tirar do ar sitezinhos, coisas miúdas. agora, não, começou uma coisa de tirar sites de formadores de opiniões - de formadores de opinão cheios de opinião, dos blogs. eles começam a enfrentar uma cultura que hoje é mais madura. o cara que está baixando sua música pela internet hoje vai começar a falar de "meus direitos digitais", que também é outro discurso interessante, direitos da cópia, como existem direitos humanos, da mulher, dos gays. agora quais são meus direitos digitais, que advêm do fato de eu ser fluente na cultura digital, de ela fazer parte da minha vida 24 horas por dia?

pas - mas muitos desses tem discursos precários também, não? às vezes se aproveitam da vitimização da indústria e meio repetem o discurso, se dizem perseguidos por ela, e não vai muito além disso. alguns dizem que só disponibilizam discos fora de catálogo e que pirataria é disponibilizar novidades. não faz sentido chamar alguns desses de piratas, ou criminosos?

ps - não sei, pedro, é tão difícil... a lei é o fato, a gente tem que trabalhar em cima dela. a lei diz que você não pode tirar seu cd para dentro do seu ipod, ponto final. o crime não é muito diferente de disponibilizar no seu site mediante um link ou colocar dentro do seu ipod. esse tipo de mudança de formato ou disponibilização não pode, fim, ponto. então tem alguma coisa errada com a lei, vamos começar por aí? o bom senso diz que sim. começa o chamado direito das ruas: eu já paguei, quantas vezes vou precisar pagar pela música?

pas - tanto que todos os blogueiros argumentam que não ganham nada com isso, que fazem sem fins lucrativos.

ps - isso. todo mundo nessa hora fica sem razão e com razão. sem razão pela lei, não tem como dizer que disponibilizar catálogo é menos crime que disponibilizar novidade. não é, é tudo igual. pode ser um pouquinho menos criminoso, mas é criminoso. a lei não dá abertura, não se encontra, não tem esse momento de contato com a realidade digital. então o resto todo é batalha de palavras, em defesa do meu negócio. "porque a internet fechou as lojas de discos", não é verdade. "porque quem tem a cópia pirata não compra disco", não é verdade. "cada vez que circula um disco pirata deixa de circular um disco legal", não é verdade. é guerra de propaganda. eu até diria até que é tentativa de se posicionar melhor para o momento em que haverá essa transação, para segurar meus direitos.

pas - pena, você esteve lá dentro por muito tempo. por que o catálogo das gravadoras não está disponível para download legal e pago? reclamam que os outros estão fazendo, mas não se faz nada, pelo menos aqui no brasil simplesmente não dão a alternativa. assim a indústria não fica sem discurso?

ps - pedro, de novo, são vários problemas complicados, grandes, enormes, mas um se chama joão, outro antônio, outro manoel. são problemas diferentes. o problema de onde está o conteúdo da indústria fonográfica, do que foi feito com ele, é assim: entre 1985 e 1990 houve uma mudança que foi a globalização que causou, a consolidação das empresas. aí você tinha empresas que eram tocadas por donos do negócio que tinham conhecimento artístico, de música, cultura popular, que tinham um passado, as continental, chantecler, beverly. você leu o livro da márcia tosta dias, "os donos da voz"?

pas - sim.

ps - ela faz lá um balanço na hora certa, acho que eram 17 companhias nacionais, que de repente fecharam todas, e entraram os conglomerados multinacionais que existem até hoje. a política dos conglomerados era pouco artista para vender muito. artista bom é o que vende 10 milhões. é melhor vender para 20 compradores que para 5 mil - e aí acabaram com as lojinhas, entraram os supermercados e as redes de lojas. esse tipo de política comercial, custo-benefício, a visão de administrador sem contato com o negócio, olhando só planilha, levou para isso, cara. hoje exacerbou de uma forma que, assim, para que lançar os discos velhos da angela maria? para que lançar uma caixa que vai vender 500 discos em seis meses e nunca mais?

pas - mas exatamente por isso, por que não colocar os discos da angela maria no site deles, por 50 centavos, ou o que for?

ps - pelo que estou te dizendo: não são administrados por gente que entende que isso tem valor. eles não entendem, um site de 920 mil pessoas se manifestando diariamente a favor da música não é a favor do negócio deles. o negócio deles é: que disco vai vender? então vende o que vende, fim. o resto não é problema meu. e o fato de eu ser dono do repertório, de eu estar sentado em cima do repertório, é problema meu, você não tem nada a ver com isso, não é problema da cultura.

pas - ou seja, no modo de ver deles a gente não tem nem o direito de cobrar isso?

ps - a lei diz que não. eles são legítimos representantes dos autores. por isso digo que entra uma questão de estado. não sou eu, não é você, talvez não seja a imprensa que vai ser capaz de forçar um dono de negócio a mudar sua política. os consumidores já se manifestaram contra, agora a imprensa talvez se manifeste contra, mas isso tudo ainda não tem o poder. a crise econômica global? os caras estão na última volta do torniquete, mas não abrem mão. está se transformando num teste de resistência.

pas - parece muito suicida, você concorda?

ps - 100%, eles não sabem o que fazer porque não são do ramo. o iron maiden esteve aí com 60 mil espectadores, certo? você acha que tem disco do iron maiden nas lojas por causa disso? não. acha que existe algum site que venda tudo do iron maiden por 5 reais? não tem.

pas - sua opinião particular é que eles não vão vencer essa guerra? ou pode ser que sim?

ps - eles vencerem essa guerra significa o quê? que o ipod será retirado do mercado? a lei será cumprida? você sabe essa história de que para cada ipod vendido são vendidas só 20 músicas no site da apple? é só fazer a conta, quantos ipods venderam e quantas músicas venderam.

pas - conclusão óbvia...

ps - todo ipod é ilegal. especialmente no brasil, onde é proibido pela lei tirar do seu cd para dentro do ipod.

pas - se no brasil não existe itunes, então aqui 100% dos ipods são ilegais.

ps - isso. no momento em que não sei quantas centenas de milhões já devem ter tocadores de mp3 no brasil, você acha que consegue tirar do mercado um aparelho que já cabem três dentro de uma caixa de fósforos?

pas - mas você acredita que podem tentar fazer isso? acho que não, né?

ps - essa seria a vitória deles.

pas - mas seria a vitória confiscando o aparelho que faz tocar música.

ps - se exacerbar, seria a próxima batalha. só não entram nessa porque eles não são bobos. a indústria fonográfica inteira, que é zero vírgula alguma coisa no orçamento da apple, vai brigar com a apple? você acha que querem bater de frente com a apple? não. então ficam nessa sacanagem. a indústria sempre teve esse desembaraço no trato com a imprensa, a indústria é do espetáculo. está promovendo um espetáculo de martirização.

pas - e a gente vê isso acontecendo em várias áreas, a "folha de s.paulo" chamando a ditadura de "ditabranda" e deixando seus leitores indignados com ela, por que estão fazendo isso? todo mundo pulando no abismo [silêncio]. você conhece blogueiros que põem música na internet?

ps - não, mas eu sei quem não faz isso, por exemplo, que é a maria luiza kfouri, que tem o site discos do brasil, que acho maravilhoso, e nunca foi a esse ponto para tentar manter aberta uma linha de diálogo - mas por mera decência da parte dela, porque ela não tem apoio de ninguém em lugar nenhum.

pas - haveria gente de dentro da indústria colocando música nos blogs?

ps - estamos falando de que, de vazamento?

pas - é, de pré-lançamentos, por exemplo.

ps - mas, pedro, isso existe desde que fizeram duas cópias do primeiro acetato. sempre, sempre. isso não é privilégio de hoje. e pior, a indústria sempre deitou e rolou com o vazamento do disco novo do roberto carlos ou do michael jackson, desde os anos 1960.

pas - hoje já não deita e rola mais.

ps - hoje, não. hoje ela simplesmente não sabe o que fazer com isso. como chama aquele cara que toma conta da propriedade do patrão capitalista? é só isso, o raciocínio é que está escapando uma galinha do meu galinheiro. não que ele possa fazer uso disso, não tem a menor noção de que isso pode ser uma coisa boa.

pas - perguntando de outro modo, qual é para você o perfil do blogueiro disponibilizador de música?

ps - não sei, pelo que a gente varre de um lado a outro, você tem o fã da banda, o colecionador que disponibiliza obras completas...

pas - ...por que o colecionador vai dar de presente para os outros? a gente não é da época em que ele tinha sua coleção como uma relíquia?

ps - sim. e ficava em casa. porque não podia andar com ela por aí, precisaria de um carrinho de mão. então o que ele fazia? chamava os amigos para vir tomar cerveja em casa para poder partilhar. colecionador solitário é tema de filme, não existe. a coleção é feita para a gente dividir, e nos acharmos, os que gostamos de raul seixas. o que os caras fazem? embrulham para presente, que o mundo goste do que eu gosto. é proselitismo de causa própria mesmo, quero mais que todo mundo ouça minhas obras completas.

pas - se alguém pedisse a você "me dá seu ipod inteiro para eu copiar", você daria, com prazer?

ps - depende de com quem estou falando. é igualzinho quem me pede para emprestar meu canivete suíço. para uns eu empresto, para outros digo que não trouxe. a relação aí tem sempre um filtro.

pas - pergunto para você porque confesso que me dá uma tremedeira pensar nisso. passei a vida inteira fazendo aquilo, está tudo dentro de um ipod e posso entregar para todo mundo.

ps - mas é para qualquer um? se alguém esbarrar com você na rua vendo um fone no seu ouvido e pedir para copiar, você deixa? ainda não. daqui a uns anos talvez isso seja tão social quanto perguntar que horas são. você não perde nada, certo?

pas - certo, é isso que a própria indústria não entende. mas porque ela ganha dinheiro com isso, ao contrário do consumidor comum.

ps - pedro, você viu o livro "a morte do cd", o livro virtual?

pas - não vi.

ps - pô, anota aí, pel'amor de deus. é futurodamusica.com.br. sérgio amadeu fez uma coletânea de textos, e eu pus meu texto lá. é bacana, uns 20 artiguinhos de pessoas lidando com a morte do cd.

pas - espera, eu interrompi, você estava falando os perfis do blogueiros, o fã da banda, o colecionador, quem mais?

ps - quem mais? acho que tem uma categoria de agitadores que promovem festas, inventam gírias ou modas na escola e de repente falam "o negócio é soltar meus discos na internet", muito mais como postura que como qualquer outro raciocínio.

pas - um suposto inimigo da indústria, estaria entre eles?

ps - não existe isso, cara! não é possível alguém ser inimigo da gessy lever por princípio, ela faz o sabonete que eu uso.

pas - existe o "no logo"...

ps - não, isso tudo é imaginação fértil, vai. não é um fato. não existe o ativismo anti. os independentes, que teriam todas as razões e até suas perdas de negócios pelo modelo maldito que os caras inventaram, não chegam nesse ponto, não batem de frente. eu como presidente fazia isso, o atual presidente faz, a gente prefere tentar achar um diálogo, o que temos no mínimo em comum.

pas - é que pelo menos no discurso existe muito isso, a oposição à indústria, se não como motivo pelo menos como pretexto.

ps - é difícil falar de esquerda e de direita hoje, porque fica tudo muito fraco, mas...

pas - os terroristas?...

ps - tá, até tem um trecho dos que se exprimem através da internet que tentam criar um discurso contra. mas, na soma de tudo que se acha por aí, acho que é cada vez menos. não é importante, significativo. tem a ver com gente frustrada, "não consegui dar certo com minha banda". a oposição a esse modelo comercial, de negócios, é o creative commons - não é, eles se colocam como sendo complementares, não querem acabar com o direito autoral. o direito autoral acha que o creative commons é um inimigo, que é o inimigo, e se puder detona, se tiver oportunidade diz que é coisa de criança e ridiculariza gilberto gil porque ele se diz a favor, mas não põe sua obra dentro. mas o outro lado fala: "não, não sou seu inimigo, você tem que continuar existindo e eu quero ser uma alternativa, uma válvula de escape para uma outra coisa". os independentes não são inimigos da grande indústria, não estão em guerra declarada. ouvi um cara dizer outro dia que é um filósofo da música. tá bom, vamos dizer que há uma certa filosofia, os futurólogos que ficam falando do futuro da música. eu parei, tá?, decretei que não falo mais do assunto [ri], o presente já é confuso o suficiente. são pessoas que ficam fazendo um discurso filosófico neste sentido que nós dois estamos tendo aqui, de conversar sobre o assunto e tentar enxergar, ir apalpando o assunto para entendê-lo, porque é complexo para caramba.

pas - mas é fascinante também, né?

ps - fascinante, especialmente se você souber algumas coisas que estão acontecendo nessa trama - o papel dos editores, da sociedade, o que faz a gravadora, o independente, onde entra o google no meio disso tudo, por que o nó é impossível de desatar. é um nó que se estende por procuração em cinco camadas, uma atrás da outra: o dono original que assina um papel que passou procuração para outro representar que virou sub-editor que cedeu a música para não sei quem... o autor tem o direito de dizer não, portanto ele tem que ser consultado, em qualquer circunstância.

pas - o autor fica um pouco boiando dentro do tiroteio. falam em nome dele, mas ele próprio não se coloca muito, não se sabe o que ele pensa.

ps - sim, a não ser que ele seja diretor de sociedade autoral.

pas - a não ser que ele seja o fernando brant.

pas - ou ronaldo bastos. ou walter franco aqui em são paulo. mas o discurso deles é muito assim, de "manutenção do meu condomínio". já tentei conversar sobre creative commons, "você já leu o que é?", "não, não li, não quero saber e tenho ódio de quem já leu". é um pouco por aí. mas o quê?, a gente estava falando de quem disponibiliza música? os seres humanos normais, 98% da quantidade dos que disponibilizam música. gente que já ultrapassou esse primeiro impulso que você tinha quando alguém pedia para copiar seu ipod, de ainda não dizer "sim" imediatamente. quem tem de 14 a 34 anos hoje em dia não vê o menor problema, já sabe que não dói, pode pegar, sirva-se. o impulso é igual a você ter um radinho de pilha e o cara falar "posso ficar perto para ouvir o fim do jogo?".

pas - vou perguntar, você responde se quiser: você já disponibilzou música?

ps - [suspira] no tempo do napster.

pas - hoje isso é igual a perguntar "você usa maconha?".

ps - é. era muito simples, muito fácil, era quase semi-automático. entrava música por música, você tinha uma bibliotequinha ali e tudo que você tinha ficava no mesmo lugar. a estrutura era meio pronta para isso. hoje em dia eu pego torrent? pego. pego música uma por uma? cada vez menos. é mais difícil de achar. onde circulam músicas sozinhas, kaazaa, é muito poluído, um ambiente que ficou muito cheio de cópia fácil, empresa de vigilância lançando vírus, sacanagem. tô fora, isso é perda de tempo. agora, se você entra no pirate bay e pergunta se tem raul seixas, ele fala que tem obras completas, que venha. se eu quisesse achar raul no meu supermercado mais próximo, que era o último lugar que vendia música, não tem mais, o que eu faço? para você ver como tudo isso inclusive é anacrônico, chega aqui na minha mesa a dani gurgel. o que faço para saber quem é dani gurgel? entro no youtube, no myspace e no google, acabou. você vê o filme, ouve músicas que ela mesma botou lá e o google te dá uma cobertura. e se eu perguntar: "google, você me acha um mp3 da dani gurgel?", ele imediatamente me entrega onde está esse arquivo! não é questão mais nem de pirate bay, é o google, o google sabe onde está tudo.

pas - você acha que vão fechar o pirate bay?

ps - é só em abril que a gente vai saber o resultado, né? minha expectativa é que não. a defesa foi muito frágil, muito tecnicista. os caras ainda estão achando que existe uma galinha que foge do galinheiro pelo buraco, mas não é nada disso. eu acho que o resultado disso tudo é ter um profundo incômodo na sociedade. pode se transformar num futuro incômodo.

pas - explica?

ps - talvez seja necessário mudar as leis, sim, porque tudo isso nos incomoda. nos coloca na condição de criminosos e não diz respeito mais ao que está acontecendo hoje. não há prejuízo, não há nenhum tipo de mercadoria roubada.

pas - a mercadoria é virtual.

ps - é. é aquela história, se a minha vela acesa acende a sua vela você não me roubou o fogo.

pas - e a mídia tarda em tentar se debruçar sobre o assunto, não?

ps - cá entre nós? o problema não é de muito fácil comunicação. é uma coisa que afeta todo mundo, música, diz respeito a 100% da população. mas realmente você acha que tem alguém preocupado de se sentir criminoso? não. acha que alguém está deixando de fazer as coisas? não. e não acredito que a campanha publicitária ou o fechamento do site vá mudar a vida das pessoas de verdade. fechou uma? vão nascer muitas, muitas discografias.