sexta-feira, fevereiro 04, 2005

pílulas falantes (e serpentinas)

ai, eu num agüento esse nelson rodrigues, viu? já leu "o óbvio ululante" (1968, republicado e ampliado em 1993 por ruy castro e pela companhia das letras), que reúne as crônicas dele n'"o globo" entre 1967 e 1968? tem uma de 18 de dezembro de 1967, chamada "onde estão os negros?", que é uma coisa. ele vinha falando do sartre, expressando seu tédio profundo por sartre (obrigado, nelson, por purgar o tédio profundo que sinto por sartre, por beckett, por todos esses existencialistas chatos de galocha, por todo esse nhenhenhém). comentava nelson que sartre, visitando o brasil, comia jabuticabas com desprezo enquanto perguntava bem blasé (bem carão, diríamos hoje) "e os negros, onde é que estão os negros?". aí nelson, o "reacionário", pavimentava, magistral, concordando a contragosto com sartre: "há qualquer coisa de sinistro no descaro com que estamos sempre dispostos a proclamar - 'somos uma democracia racial'. desde garoto, porém, eu sentia a solidão negra. eis o que aprendi do brasil - aqui o branco não gosta do preto; e o preto também não gosta do preto". eu, do alto do meu blog e de 2005, acrescentaria: e o preto não gosta do branco; e o branco também não gosta do branco.

poucos dias antes dessa crônica, o anjo pornográfico lembrara da humilhação que sentira na escola quando pequeno, no dia em que sua professora o espezinhou e maltratou em classe aberta, ao descobrir piolhos em seus cabelos. aí vem nelson, flor de obsessão, me encher de paixão e me congelar o sangue por segundos: "quase no fim do recreio estava eu no fundo do pátio. e, de repente, vem uma pretinha lá da minha aula. pára diante de mim, ri para mim. olha para um lado, para outro e para trás. estávamos sós, maravilhosamente sós. seu riso não tem os dentes da frente. diz baixinho - 'eu também tenho piolhos, lêndeas'". fica claro que a identidade entre nelson e a coleguinha se dá por marginalidade - a pele preta dela, os piolhos dele (e dela), a humilhação cotidiana dos dois, a pobreza de ambos. para nelson rodrigues, em 1967, ser marginal, pobre (e preto) não era só "doença", era "doença" contagiosa (ainda que pouco grave), feito pediculose. pegava. "não fique perto de pobre, porque pega." ouço essas coisas todas e me pergunto: quantos e quais desses valores invertidos já se foram em 2005? quantos e quais desses valores virados ao avesso ainda prevalecem em 2005? carnaval despontando no país, quem vai de camarote? quem vai no cordão? quem vai na pipoca?
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sei que jabuticaba tem casca preta como breu e sumo branco como a neve, mas de que cor é mesmo o caroço?
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e esse roberto carlos, hein?, como está mudado esse rei! comemora "liberei geral", fantasia-se de marinheiro showman dentro dum navio transatlântico (e quase dentro do carnaval), freqüenta cassino flutuante até as 5h da manhã, faz zombaria da época em que ele próprio "fazia curso para ser santo" (monica bergamo viu e contou)... ó, eu amo esse rei-plebeu, cada dia mais. e, desculpa, essa bola já estava cantada (leia, por favor, o último capítulo do meu "como dois e dois são cinco"), né? uou, espera, pára: isso não é um auto-elogio do pedro alexandre sanches!!! mareou. não fui eu que cantei essa bola! a bola quicava por aí, oh, arautos da infelicidade, e é simples assim: se o brasil está ficando melhor e mais livre e mais saudável (desde antes, mas em especial desde 1º de janeiro de 2003), é obrigatório que a mais poderosa e sensível e aguçada antena brasileira fique melhor e mais livre e mais saudável juntinho com o brasil, como um e um são um par. pois é. roberto carlos, flor de compulsão, está melhorando, dia após dia, minuto após minuto, segundo após segundo. que deus dê vida longa a nosso rei-plebeu, ela será também nossa saúde [mas onde está erasmo carlos?]!
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boa cirurgia no narigão, mr. da silva. esquindô!
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ah, falando em mudança. depois ninguém acredita quando digo que o mundo está ao contrário e ninguém reparou (alô, nando reis!). meus queridos erika palomino e andré fischer não param de me surpreender. uma diz que agora mudou e já gosta de samba, mangueira, paulinho da viola, carmen miranda, joão gilberto. outro embarca com o rei-plebeu no naviozão costa victoria e discoteca roberto carlos no site do mix brasil, até "como dois e dois"! até nina lemos eu tive a honra de ver sambando no pé, enquanto eu tocava samba bleque na casa de cris naumovs, na festa de claudia lima (nina, eu sei que você sempre gostou de samba, mas é que eu nunca tinha te visto sambar...). adooooooooooro!!! e é por isso que eu digo: não são só o mundo e roberto carlos que estão virados do avesso. liberou geral. esquindô!
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está, está tudo virado, do avesso: caetano veloso vai passar o carnaval em pernambuco!!!! só falta jamelão vir para são paulo puxar samba-enredo da vai-vai! só falta o bush ir passar o feriado com o chávez na venezuela! só falta caetano veloso dizer que gilberto gil é cafona (ou vice-versa)!
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e hoje é aniversário de marcia bechara. odoyá (é assim que fala?), marcia bechara! mais mil anos de felicidade!
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marcia bechara bronqueou, eu não posso deixar de lembrar: pílula falante é um negócio que emília, no sítio do picapau amarelo de mr. monteiro lobato, tomou quando sua dona narizinho decidiu que queria uma boneca falante. desabalaram-se as duas para o reino das águas claras, para uma consulta com o grande dr. caramujo, detentor da fórmula da pílula falante. chegadas lá, descobriram que o major sapo (esqueci o nome do sapo, meu deus!), chefe de segurança do reino do príncipe escamoso, havia tomado todas as pílulas, pensando que eram pedrinhas - por que diabos o sapo gostava de engolir pedrinhas? [sapo engole pedrinhas e a gente engole sapo, será que é isso? o sapo é barbudo?] pois bem, dr. caramujo abriu a barriga do sapo (pobre sapo, sempre sobra pro sapo!), para extrair as pílulas e a dor na barriga do sapo soldado plebeu. das entranhas do sapo, a pílula falante foi parar diretamente no estômago de macela de emília, essa boneca. e a boneca se pôs a falar (ou, como cantou uma vez baby consuelo, emília "tagarelou, tagarelou a falar" - o rock está em "pirlimpimpim", som livre, 1981, mesmo disco em que dona ivone lara nos convida para o "sítio do picapau, na festa de narizinho", esquindô!). e sabe o que foi a primeira coisa que emília disse ao adquirir a faculdade de falar? "estou com um horrível gosto de sapo na boca."
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sapo cururu... na beira do rio... quando o sapo canta, maninha, é porque tem frio... mesmo que seja barbudo.
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agora só depois do carnaval. hoje só amanhã. tem, mas acabou. ótimo carnaval, país tropical! esquindô, lelê! eu prefiro as curvas!