terça-feira, abril 12, 2005

cabeça de nego *

estou devorando, estarrecido, o livro "cabeça de porco" (objetiva, 2005). como já citei de raspão antes, foi escrito em parceria por luiz eduardo soares (que é antropólogo, cientista político e filósofo e foi subsecretário de segurança pública do estado do rio de janeiro), mv bill (rapper carioca) e celso athayde (empresário de hip hop e co-fundador da central única das favelas); pelo que entendi, ainda houve a participação, não creditada no rol dos autores, de miriam guindani (doutora em serviço social).

nem saberia agora explicar direito do que se trata, mas o texto "conspiração contra a mudança", em especial, é a coisa mais impactante que leio desde, sei lá, "as horas"... vai um trechinho, só, que blog também é cultura:

"há, portanto, um conluio da coletividade, uma espécie de surda conspiração contra a mudança, ainda que esta seja desejada pelas instituições e pela comunidade diretamente envolvidas no processo. também aqui funciona um sistema: quando alguém é mau, outros são bons; se um é louco, outros são saudáveis; se alguém tem problemas, outros não têm. além disso, quando uma criança apresenta deficiências - e com ela, por extensão, sua família -, muitas outras famílias são redimidas de suas culpas e pecados, e podem celebrar seu sucesso, assim com todo um conjunto de profissionais - e suas funções se valorizam. só haverá vitoriosos se houver perdedores. se ninguém ocupar esta última posição, será preciso atribuí-la alguém, mesmo que ao preço da artificialidade e da crueldade. a conseqüência mais grave é a crença que se instala no espírito da própria criança acusada de que ela é, efetiva e essencialmente, assim... daí em diante, a tendência será a confirmação do prognóstico. a profecia tenderá a se autocumprir."

voltando ao mesmo tema, mais adiante, já num outro texto: "não há pavor comparável àquele que sentimos ante a mais remota possibilidade de nossa própria mudança. nós sonhamos com a mudança positiva dos outros, no entanto, tememos a nossa. até nossa mudança positiva nós tememos, porque, se ela pode ocorrer, qualquer outra transformação também pode sobrevir" [cê tá entendendo por que luiz eduardo soares convoca mv bill e celso athayde a dividir o livro com ele, por que o cara os move do papel social deles para um outro, do qual pareciam irremediavelmente condenados a nunca participar?].

vem cá, ê você (nós)? será que você (nós) consegue (conseguimos) aplicar isso aí na sua (nossa) própria vida? fora da retórica do vencedor e do perdedor, do bandido e do mocinho, do favelado e da patricinha, quem é você, vocezinho, você sozinho? quais são as suas fobias? você consegue listá-las, investigá-las, acariciá-las, movê-las, as suas próprias fobias? subvertendo os titãs (do iê-iê-iê): você tem medo de quê?

(p.s. promocional: um pirulito pra quem escrever o primeiro comentário deste tópico!)

(* o título deste tópico é uma homenagem ao fenomenal disco homônimo, de joão bosco, que saiu pela barclay/polygram em 1986 e desde então, se não estou enganado, nunca mais foi reeditado. alô, dona universal! muda!?!)