quarta-feira, abril 13, 2005

a mulher invisível *

mais um pedaço irresistível do "cabeça de porco", do luiz eduardo soares (& mv bill & celso athayde). os grifos são todos meus - brinco por sobre o texto (direito sagrado de todo leitor, certo?) colocando:
itálico nas palavras que me machucam;
negrito nas palavras que me aliviam;
negritálico nas palavras que aliviam & machucam.
o papo agora é invisibilidade.

"um jovem pobre e negro caminhando pelas ruas de uma grande cidade brasileira é um ser socialmente invisível. (...) há muitos modos de ser invisível e várias razões para sê-lo. no caso desse nosso personagem, a invisibilidade decorre principalmente do preconceito ou da indiferença. uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele ou ela um estigma, um preconceito. quando o fazemos, anulamos a pessoa e só vemos o reflexo da nossa própria intolerância. tudo aquilo que distingue a pessoa, tornando-a um indivíduo, tudo o que nela é singular desaparece. o estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a classificação que lhe impomos.
quem está ali na esquina não é o pedro, o roberto ou a maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e qualidades, suas emoções e medos, suas ambições e desejos. quem está ali é o 'moleque perigoso' ou a 'guria perdida', cujo comportamento passa a ser previsível. lançar sobre uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente.
essa é a caprichosa incongruência do estigma, que acaba funcionando como uma forma de ocultá-lo da consciência crítica de quem o pratica: a interpretação que suscita será sempre comprovada pela prática não por estar certa, mas por promover o resultado temido. os cientistas sociais diriam que este é um caso típico de 'profecia que se autocumpre'."

ei, você aí? itálico ou negrito? você se sente invisível?

(* este título homenageia a deliciosa faixa homônima do grande disco "e a vida continua", de ritchie, lançado pela epic/cbs em 1984 e desde então nunca mais reeditado, salvo engano meu. alô, dona sony & bmg! muda?!!?)