segunda-feira, abril 18, 2005

o "bode expiatório"

mais trechos explosivos do livro "cabeça de porco", vamos? pode parecer que este blog está ficando temático, mas não está - tudo isso é sobre a gente, mora no nosso quintal. a gente só quer ser feliz nesta grande favela chamada brasil em que a gente nasceu.

a felicidade que me move, hoje, é a de ficar sabendo que tem gente da central única das favelas passeando aqui pelo blog, o que me enche de orgulho e alegria. aliás, fico pensando que, nestes menos de quatro meses de atividade, este blog tem me dado uma alegria especial: noto que, embora modesto, ele tem se tornado um espaço democrático, freqüentado livremente por tipos tão variados quanto advogados, jornalistas, professores, músicos, publicitários, ativistas sociais, dramaturgos, artistas plásticos, designers, sambistas, rappers, roteiristas, cineastas, roqueiros, emepebistas, desempregados, estudantes, parentes (sem nepotismo!), pessoas cujas origens e profissões desconheço, de todos os sexos e cores. não havia me dado conta disso até agora, mas não é uma prova viva de que a gente adora quando tudo se mistura?

neste pedaço, nos convido a pensar sobre invisibilidade, violência, confinamento, medo etc. nos convido a pensar um pouquinho sobre o "bode expiatório", com a ajuda de luiz eduardo soares (& mv bill & celso athayde). nos convido a brincar de traçar paralelos entre as camadas sociais que nos constituem: a pensar que aquela "ovelha negra" na nossa família lá de casa é parente do "delinqüente" na esquina familiar lá do bairro, que é parente da favela na grande família brasileira, que é parente de áfricas e brasis na imensa família planetária, que... ao trecho, então (em negrito, desta vez, ficam os conceitos que mais me impressionaram):

"quando seria necessário reforçar a auto-estima dos jovens transgressores no processo de sua recuperação e mudança, as instituições jurídico-políticas os encaminham na direção contrária: punem, humilham e dizem a eles: ‘vocês são o lixo da humanidade’. é isso que lhes é dito quando são enviados às instituições ‘socio-educativas’, que não merecem o nome que têm – o nome mais parece uma ironia. sendo lixo, sabendo-se lixo, pensando que é este o juízo que a sociedade faz sobre eles, o que se pode esperar? que eles se comportem em conformidade com o que eles mesmos e os demais pensam deles: sejam lixo, façam sujeira, vivam como abutres alimentando-se do lixo e da morte. as instituições os condenam à morte simbólica e moral, na medida em que matam seu futuro, eliminando as chances de acolhimento, revalorização, mudança e recomeço. foi dada a partida no círculo vicioso da violência e da intolerância. o desfecho é previsível; a profecia se cumprirá: reincidência. a carreira do crime é uma parceria entre a disposição de alguém para transgredir as normas da sociedade e a disposição da sociedade para não permitir que essa pessoa desista. as instituições públicas são cúmplices da criminalização ao encetarem esta dinâmica mórbida, lançando ao fogo do inferno carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis – mais vulneráveis dos pontos de vista social, econômico, cultural e psicológico. esmagando a auto-estima do adolescente que errou, a sociedade lava as mãos, mais ou menos consciente de que está armando uma bomba-relógio contra si mesma, contudo feliz, estupidamente feliz por celebrar e consagrar seus preconceitos. o preço desta consagração autocomplacente é a violência. violência da qual, entretanto, a sociedade não pode prescindir (mesmo sofrendo tanto com ela), porque deseja continuar dispondo do bode expiatório para expiar seus males e exorcizar sua insegurança mais profunda, aquela que advém do reconhecimento de sua própria finitude, isto é, da sua mutabilidade – a história é para as sociedades o que a morte representa para os indivíduos. é preciso manter a todo custo a geografia moral: de um lado, o bem; de outro, o mal. pague-se o preço que for, mesmo que o preço seja a preservação das condições que propiciam a existência do mal. tudo para que cada um de nós jamais encontre, em si mesmo, o outro lado; tudo para que a sociedade e suas instituições possam preservar intocado seu espelho idealizador. a invisibilidade de uns serve à invisibilidade que mais importa, aquela que sustenta uma certa visão do mundo."

[lendo isso tudo e pensando no estado de são paulo, em que vivo, percebo estarrecido que o estimado governador geraldo alckmin, com suas excelentíssimas unidades da febem, nunca ouviu falar (ou, se ouviu, não quis escutar) de psicologia social. acorda, seu geraldo, desparalisa, toma tento. daqui de baixinho a gente vai também tentando fazer a nossa parte, ok?]