segunda-feira, maio 02, 2005

in nineteen eighty five

hum, eu preciso parar de ter vergonha de gostar de reality shows. gosto à beça de alguns. era fissurado na primeira casa dos artistas, ainda me lembro com ternura de tiazinha, xis e feiticeira, na segunda. acompanho com interesse o big brother, vibrei especialmente com as duas últimas edições. sim, o mundo cão continua a morar nesses programas (como, de resto, mora no mundo inteiro, mesmo ali na sua esquina). talvez nunca vá deixar de morar na tv (e aqui). mas alguma coisa está acontecendo diante dos nossos narizes, e ela pertence ao mundo-não-cão, repara aí.
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com a primeira casa dos artistas, um padrão de trilha sonora inteligente invadiu com a alegria de um desfile de escola de samba a estupefaciente tv brasileira (alô, laura finocchiaro!). o big brother, em plena rede globo, vem amplificando as conquistas musicais de laura no sbt (aliás, não canso de me espantar quando penso, como o zoyd já andou lembrando aqui, que a editora-chefe do bbb é fernanda scalzo, minha sutil e elegante "professora" no curso de trainee da "folha de são paulo", há mais de dez anos).
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assim como me assusto de ver gente conhecida (ou egressa de círculos "moderninhos", quando não "mal-humoradinhos" mesmo) nos bastidores desses programas, de um tempo para cá também me refestelo de ver pessoas da vida realmente real penetrando de pouquinho em pouquinho esse tipo de programa. não vou ficar listando, porque a cida..., porque o jean..., todo mundo já sabe.
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e agora o novo susto. seu silvio santos (o roberto carlos dos apresentadores de tv) estréia mais uma "casa dos artistas", em sua nova edição rebatizada como "o grande perdedor". o grande... perdedor???????? o mundo está ao contrário e ninguém reparou??? "quem vai querer anunciar num programa desses?", ouço já as vozes da derrota ribombando. ah, tá, "perdedor" se refere a perder peso, porque as 14 cobaias humanas desta vez são, todas, pessoas com pesos acima da média (e não do "normal", como os cultores da fictícia "normalidade" ainda gostam de proclamar). gordos, diria o linguagar vulgar, ou habitual, ou politicamente grosseiro.
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não tive que me esforçar muito para não resistir a grudar na tv do seu silvio no programa de estréia. e fquei pasmo de bater de cara com um desfile de gente interessante, espirituosa, bonita (além de um pequeno susto - alô, ricardo!!!!!! alôôôôô, joana!!!!). de gente que sorri, canta, namora e fala de peito aberto sobre ser socialmente maltratado, sobre ficar triste, sobre ter síndrome de pânico. não vai faltar quem venha dizer que o programa é freak show do mundo-cão, não vai faltar silvio santos derrapando nos próprios preconceitos e nas próprias grosserias (foram várias, nesse primeiro dia, dedicadas principalmente à moça supostamente triste e ao moço de 195 quilos que declarou em público a relação entre seu peso e sua síndrome de pânico). mas eu vi outra coisa, bem outra coisa, no meio dos clichês de crueldade, futilidade e boçalidade que a tv, sim, continua sempre e sempre e sempre a veicular.
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vi sinais mais fortes do que nunca de que está sob ataque crescente e coordenado a ditadura televisiva dos padrões estéticos, da superficialidade, da banalidade, da burrice, do preconceito, do obscurantismo, da mentira. os 14 sofredores que vão se humilhar diante das câmeras do "grande perdedor" têm tudo para ser desbravadores de uma época de padrões mais arejados, de convenções menos nazistas - de diversidade, enfim. e, quanto à humilhação, não há de ser assim tão pior que a humilhação que qualquer pessoa nessa condição já sofre no ônibus, na padaria, na praia, no playcenter, na sala da casa da tia, no banheiro trancado dentro de casa.
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sobre a resistência que "o grande perdedor" certamente vai provocar, eu, que sou magro, faço minhas as palavras anônimas de um queridíssimo amigo e jornalista de primeira categoria, que já andou às voltas com a balança e assim comentou o assunto comigo: "as pessoas adoram esculachar os gordos, têm inveja de vê-los em um programa de tv, aquele povo que é segregado social e sexualmente, se dando bem...".
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é preciso pagar para ver, mas de cara também me sinto fortemente feliz de ver um programa protagonizado exclusivamente por pessoas gordas - já andamos tendo negros, gays, empregadas domésticas, misses & outros "excêntricos" desafiando a ditadura do bonitão branco & da dondoca desmiolada, é hora de avançar um pouquinho mais, de ousar cada vez mais. bravo, seu silvio.
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e no meio do caminho havia um "kinsey", quem foi ver no cinema? pouco me importa que é hollywood ou que o formato de biografia continua a render filmes que ficam chatos quando os personagens-tema entram em "decadência". estou maravilhado até agora em acompanhar a trajetória do dr. kinsey, um norte-americano que cansou de pesquisar a diversidade das vespas e foi pesquisar a diversidade (sexual) dos seres humanos - inspirado, certamente, em si mesmo e nos traumas sexuais herdados de um pobre pai pastor sofredor. é hollywood, sim, mas se hollywood pode nos transmitir cenas admiráveis como a do slide de um pênis penetrando numa vagina, a das tensões e sofrimentos de sr. e sra. kinsey ao aceitar recíprocas estripulias sexuais, a do excitadíssimo beijo gay de dr. kinsey (liam neeson, admirável ator véio) etc. etc. etc., então... viva hollywood, ora bolas!!!
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se lá no início era o mundo-cão da televisão, deixa eu tentar agora passear um instante pela nobreza milenar do teatro. importo lá do orkut um depoimento-questionamento do drefer, que me contou/perguntou o seguinte: "pedro, você poderia explicar o que o gilberto gil fez para o teatro brasileiro? assisti à peça do gerald thomas, e é um rancor, sabe?... não entendi nada, nada, nada... acho que preferia ter ido a um show do gilberto gil mesmo...". xiii.
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poizé... acho que o próprio drefer já dá a solução, ao mencionar o bicho feio do rancor. rancor, né, drefer?, é algo que todo mundo tem em alguma medida, e um negócio que não encontra explicação lá no gilberto gil... se o rancor é do gerald, então nasceu nele, fermentou, ganhou mundo, virou teatro, bateu aqui na gente e, acredite, mais cedo ou mais tarde vai ser vomitado para dentro, todo de volta, pelo próprio "autor" do rancor...
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sei lá, não sei, não quero opinar mais a fundo sem ter visto. mas, colhendo dados sobre as geraldthomices dos últimos anos (crônicas, delírios de grandeza sob os escombros do world trade center, blog, rancores internos cuspidos milhares de quilômetros até as paredes paradas peladas do ministério da cultura etc. etc. etc.)... bem, o mundo-cão também pode co-habitar as nobrezas seculares das artes altas, não é que pode?
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aliás, soube lá na praça benedito calixto, no sábado, por uma estudante de jornalismo da escola metodista, que um notório acadêmico da usp, entrevistado por ela, cuspiu fogo diante de pergunta sobre se o movimento da jovem guarda significou uma pequena revolução comportamental. respondeu ele (não menciono o nome para não ser invasivo com a estudante, por mim mencionava facinho, eca) que o iê-iê-iê não revolucionou porcaria nenhuma. ai, minha santa paciência, com quantos tijolos dourados se faz essa longa, longa estrada?
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hello, mr. david bowie, hi, mrs. tina turner... we want you, big brothers.