cultura livre, leve e solta
série jabá vol. iv, "carta capital" 368, 16 de novembro de 2005.
ou melhor, não é exatamente a continuação da série jabá. talvez seja da série pós-jabá ou antijabá vol. i, ou algo híbrido entre umas pontas e as outras. ou um passeio pelo admirável mundo novo (que, não, não tem nada a ver com o sorumbático imaginário pessimista de aldous huxley, nem muito menos com o país das maravilhas nw wave da mtv).
o que vai aí embaixo é de suma e estratégica importância, diz respeito ao futuro da humanidade em larga e dramática escala. quem orquestra o tema é o fenomenal livro "cultura livre", de lawrence lessig. que, como o link colado em cima do título aí atrás quer fazer deduzir, já está deliciosamente disponível para leitura ampla, geral, irrestrita & gratuita em português, a partir do site do habilíssimo projeto trama universitário.
a propósito, antes de entrar de vez no assunto, olha só que demais. uma idéia engenhosa do compositor, pós-doutorando e blogueiro (sim, crianças, é possível ser tudo isso ao mesmo tempo agora) henry burnett resultou num tópico empolgante, perturbador. chama-se "mil tons" o texto, que principia pela tão propalada crise da música popular brasileira para chegar a conclusões surpreendentes. para demonstrar que não, não estamos em tempos de "crise criativa", mas sim de "explosão criativa", burnett vai até o acervo digital espontâneo da trama virtual e encontra lá, naquele instante congelado no tempo, 46.587 arquivos de música disponíveis, de 17.988 artistas diferentes. a seguir burnett vai até o dicionário cravo alvim da música popular brasileira e descobre que ali estão agrupados, entre verbetes que abrangem a história da mpb em toda sua direção, 7.568 artistas - 10.000 estrelas a menos que as reunidas em tempo curtíssimo no elenco da trama virtual, como conclui o autor, ulalá, ulalá, ulalá.
crise de criatividade? mano, só se for na casa branca, no palácio do planalto, em hollywood, na globo, na "folha", na sony & bmg, na warner, na nike, na coca-cola, na c&a, no mcdonalds, no uó do borogodó. aqui ao ar livre o que se respira é criatividade, lenha na fogueira, produtividade, comunicação.
ah, mas já que um assunto puxa o outro... o henry burnett também integra um tal "coletivo mpb", um mini-coletivo de sociólogos, músicos, filósofos, compositores e professores (sim, todos eles ao mesmo tempo, agora, misturados), no texto grupal "a morte e a morte da canção", que parece conter algumas idéias avançadas sobre a mpb e o "futuro" e o "futuro" da mpb. está na densa e compenetrada revista eletrônica trópico, espia só e fica ligada, mana.
ih, que puxa, esta "pequena" introdução acabou resultando numa apetitosa trilha de miolinhos de pão, ops, de links que, atirados por joãozinho e mariazinha, vão dar numa bruxa coletiva (e nada papona) de vários bons exemplares da luta por uma produção cultural que consiga se afirmar, de algum modo, independente (ih, ficou faltando o blog do pas, né?, mas, bem, você já está nele mesmo...). então vamos nessa, que tá bom à beça, em busca da "cultura livre", em tributo à cultura (que está tentando ser) livre:
CULTURA LIVRE EM GUERRA
A gana em "preservar" o Mickey expõe as entranhas do direito autoral
Por Pedro Alexandre Sanches
Um advogado entrou em disputa judicial com Mickey Mouse. A estratégia de defesa de Mickey contou com o lobby de um congressista e ex-cantor chamado Sonny Bono, que nos anos 60 integrara a dupla de pop chiclete Sonny & Cher. O camundongo derrotou o advogado Lawrence Lessig na Suprema Corte dos EUA. Parece argumento debilóide de Hollywood, mas é a mais crua "vida real".
A história não só não é ficção como rendeu um livro que, ele próprio, também parece (mas não é) uma peça de ficção. Cultura Livre, escrito de punho próprio por Lessig e lançado em 2004, acaba de ganhar uma edição brasileira, que só pode ser adquirida de uma maneira: gratuitamente.
O pó de pirlimpimpim capaz de dar liga a todas essas peças aparentemente inverossímeis é a causa a que Lessig se empenha desde 1997: a luta pela distensão da legislação vigente de direitos autorais (os copyrights, no linguajar em inglês com que são conhecidos e protegidos em todo o planeta). Para o autor, tal legislação caducou e se tornou cerceadora voraz de liberdade de expressão e criação artística neste mundo pós-internet, download, MP3, blog, fotolog etc.
Foi essa a causa do confronto aberto entre o homem e o simpático e quase heróico rato gerado em 1928 pela imaginação de Walt Disney. Obedecendo à legislação de proteção de copyright, em 1998, ao completar 70 anos de idade, Mickey adquiriria maioridade e ficaria independente de papai Disney. Cairia em domínio público e passaria a ser livremente manipulável não só pelo conglomerado que seu criador deixou como herança, mas por qualquer um, com qualquer finalidade, comercial ou não.
A Disney se apavorou com a idéia de perder a varinha de condão de lucro que as orelhas redondas do camundongo propiciavam por quase quatro gerações. Lessig não conseguiu barrar a aprovação do Ato Sonny Bono no Congresso, que estendeu por mais 20 anos, até 2018, a escravidão de Mickey (e de toda e qualquer obra criativa de faixa etária semelhante). O político Bono morrera pouco antes, e virou nome de lei porque, segundo teria afirmado sua viúva, acreditava que o copyright deveria ser eterno.
Segundo defende Lessig em Cultura Livre, não foi a convicção dos congressistas, mas sim um forte lobby econômico que deu vitória à perpetuação da proteção. Em 1790, a primeira lei de copyright estipulou que as criações seriam protegidas por 14 anos; de 1962 para cá, sob pressão de uma indústria cultural em brutal ascensão, houve 11 prorrogações consecutivas, rumo, talvez, à eternidade sonhada por Sonny.
De acordo com Lessig, dez dos 13 congressistas empenhados na aprovação do Ato Sonny Bono teriam sido irrigados pela Disney com o máximo de contribuição eleitoral permitida por lei. O conglomerado formado pelas maiores produtoras de cinema e gravadoras de discos dos EUA teria gastado US$ 1,5 milhão em lobby eleitoral em 1998, US$ 200 mil dos quais teriam ido diretamente para contribuições de campanha. "Estima-se que a Disney tenha contribuído com mais de US$ 800 mil para campanhas de reeleição na época", escreve.
O livro esmiúça esse e outros embates entre aqueles que apelida de "guerreiros" e "extremistas" do copyright e o seu próprio grupo, tachado pelos opositores como "esquerdista" e, idem, "extremista". Defende a idéia avessa, do copyleft e dos chamados Creative Commons, contracorrente que defende, em vez do lema de "todos os direitos reservados", um outro mais tolerante e maleável, de "alguns direitos reservados".
No percurso, aborda uma série saborosa de exemplos e estudos de caso, demonstrando que os que hoje mais se debatem contra a pirataria on-line fundaram seus próprios impérios na prática da... pirataria.
Relembra, por exemplo, que Mickey Mouse veio ao mundo no desenho animado Steamboat Willie, uma paródia do filme Steamboat Bill, Jr., do comediante Buster Keaton, que por sua vez se referia à música Steamboat Bill. Acrescenta que grande parte da obra cinematográfica de Disney (Branca de Neve, Pinóquio, Cinderela...) era apropriação criativa, sem copyright, de contos de fadas de Irmãos Grimm e anexos.
"A indústria cinematográfica de Hollywood foi construída por piratas em fuga", provoca, descrevendo a migração de criadores para a Califórnia, no início do século XX, para escapar ao controle de patentes.
Lessig insiste em repetir que não, não é portador de idéias subversivas ou radicais. A necessidade, argumenta, é de que se revise uma legislação pública que, desde o advento da internet, vem abocanhando nacos polpudos antes pertencentes à vida privada dos cidadãos. Coibir com processos milionários adolescentes que fazem troca virtual caseira e não comercial de música seria, para ele, um modo de travestir de suposto interesse público a defesa oligopolista de interesses comerciais privados.
Ao longo do livro, o autor oferece alternativas em abundância para um modelo de coexistência entre os dois pólos, em que objetivos privados não continuassem a agir como bloqueadores de cultura e controladores de criatividade.
Por impalpáveis que possam parecer, tais alternativas já são testadas na vida prática, como no caso dos criadores que optam pela licença do Creative Commons (www.creativecommons.org), pela idéia de "generosidade intelectual" em oposição à de "proteção intelectual".
O Brasil seria um foco privilegiado de disseminação dessas experiências, segundo expõe no prefácio à edição local o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas Ronaldo Lemos, que coordena o projeto Creative Commons no País.
Por sinal, Lessig cita nominalmente o Ministério da Cultura de Gilberto Gil, um dos que endossaram em termos artísticos e políticos a ideologia de Creative Commons. O diretor de políticas digitais do MinC, Cláudio Prado, refaz o nexo a CartaCapital: "Gil é o único ministro de Estado a dizer que o copyright não serve para o século XXI e que a distribuição digital requer uma regulação totalmente nova".
O prefácio de Lemos fala, por exemplo, do Portal Domínio Público (www. dominiopublico.gov.br), mantido pelo Ministério da Educação, em que podem ser baixadas e impressas livremente cópias de obras em domínio público, da popular literatura de Machado de Assis a textos raros do dramaturgo Qorpo Santo. Ícone dramático da literatura brasileira, a Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, foi das primeiras obras a receber alforria no ciberespaço verde-amarelo.
Outro caso citado é o do município pernambucano de Olinda, que aderiu em bloco aos Creative Commons e prepara projeto de documentação virtual de conteúdo livre de carnaval, música pop, teatro, patrimônio histórico etc., a ser usado livremente, em escala global.
Em entrevista, Lemos menciona um ponto de perigo, contrabalançando com a celebração do diretor do MinC: "A posição do Brasil é preocupante. O País sofre pressões dos mais diversos agentes para que sua legislação se torne cada vez mais parecida com a dos EUA. As mudanças que a indústria norte-americana tenta impor aos demais países são totalmente injustificáveis do ponto de vista econômico e social. Nesse sentido, sou bastante pessimista, pois essas pressões são muito fortes".
Além de pessimista, Lemos também é a ponte que nos reconduz ao aparente enredo de ficção dos parágrafos iniciais. Foi ele o intermediário que levou a obra de Lessig à gravadora independente Trama e à editora Francis, que acabaram executando a prensagem em português de Cultura Livre. O livro foi traduzido dentro do sistema Creative Commons (e de uma quantidade exagerada de erros de gramática, revisão e afins), sem qualquer custo imposto aos editores, desde que não seja distribuído com fins comerciais.
O projeto Trama Universitário bancou e reservou 250 cópias gratuitas do livro para presentear cada um dos participantes do II Encontro Nacional de Mídia Universitária, em setembro. Um segundo lote será enviado, também gratuitamente, a mil bibliotecas e universidades Brasil afora. "Convivemos com dois mundos, temos uma gravadora e uma editora tradicional, mas ao mesmo tempo queremos os novos caminhos, que já estão bastante infiltrados na sociedade", justifica André Szajman, um dos co-presidentes da Trama.
De quebra, afirma que, antes do fim do ano, Cultura Livre deverá estar disponível em www.tramauniversitario.com.br, para leitura e impressão gratuita (e não comercial). Por ora, o livro mantém-se fora das livrarias tradicionais, que não costumam veicular esse modelo gratuito de literatura de não-ficção.
ou melhor, não é exatamente a continuação da série jabá. talvez seja da série pós-jabá ou antijabá vol. i, ou algo híbrido entre umas pontas e as outras. ou um passeio pelo admirável mundo novo (que, não, não tem nada a ver com o sorumbático imaginário pessimista de aldous huxley, nem muito menos com o país das maravilhas nw wave da mtv).
o que vai aí embaixo é de suma e estratégica importância, diz respeito ao futuro da humanidade em larga e dramática escala. quem orquestra o tema é o fenomenal livro "cultura livre", de lawrence lessig. que, como o link colado em cima do título aí atrás quer fazer deduzir, já está deliciosamente disponível para leitura ampla, geral, irrestrita & gratuita em português, a partir do site do habilíssimo projeto trama universitário.
a propósito, antes de entrar de vez no assunto, olha só que demais. uma idéia engenhosa do compositor, pós-doutorando e blogueiro (sim, crianças, é possível ser tudo isso ao mesmo tempo agora) henry burnett resultou num tópico empolgante, perturbador. chama-se "mil tons" o texto, que principia pela tão propalada crise da música popular brasileira para chegar a conclusões surpreendentes. para demonstrar que não, não estamos em tempos de "crise criativa", mas sim de "explosão criativa", burnett vai até o acervo digital espontâneo da trama virtual e encontra lá, naquele instante congelado no tempo, 46.587 arquivos de música disponíveis, de 17.988 artistas diferentes. a seguir burnett vai até o dicionário cravo alvim da música popular brasileira e descobre que ali estão agrupados, entre verbetes que abrangem a história da mpb em toda sua direção, 7.568 artistas - 10.000 estrelas a menos que as reunidas em tempo curtíssimo no elenco da trama virtual, como conclui o autor, ulalá, ulalá, ulalá.
crise de criatividade? mano, só se for na casa branca, no palácio do planalto, em hollywood, na globo, na "folha", na sony & bmg, na warner, na nike, na coca-cola, na c&a, no mcdonalds, no uó do borogodó. aqui ao ar livre o que se respira é criatividade, lenha na fogueira, produtividade, comunicação.
ah, mas já que um assunto puxa o outro... o henry burnett também integra um tal "coletivo mpb", um mini-coletivo de sociólogos, músicos, filósofos, compositores e professores (sim, todos eles ao mesmo tempo, agora, misturados), no texto grupal "a morte e a morte da canção", que parece conter algumas idéias avançadas sobre a mpb e o "futuro" e o "futuro" da mpb. está na densa e compenetrada revista eletrônica trópico, espia só e fica ligada, mana.
ih, que puxa, esta "pequena" introdução acabou resultando numa apetitosa trilha de miolinhos de pão, ops, de links que, atirados por joãozinho e mariazinha, vão dar numa bruxa coletiva (e nada papona) de vários bons exemplares da luta por uma produção cultural que consiga se afirmar, de algum modo, independente (ih, ficou faltando o blog do pas, né?, mas, bem, você já está nele mesmo...). então vamos nessa, que tá bom à beça, em busca da "cultura livre", em tributo à cultura (que está tentando ser) livre:
CULTURA LIVRE EM GUERRA
A gana em "preservar" o Mickey expõe as entranhas do direito autoral
Por Pedro Alexandre Sanches
Um advogado entrou em disputa judicial com Mickey Mouse. A estratégia de defesa de Mickey contou com o lobby de um congressista e ex-cantor chamado Sonny Bono, que nos anos 60 integrara a dupla de pop chiclete Sonny & Cher. O camundongo derrotou o advogado Lawrence Lessig na Suprema Corte dos EUA. Parece argumento debilóide de Hollywood, mas é a mais crua "vida real".
A história não só não é ficção como rendeu um livro que, ele próprio, também parece (mas não é) uma peça de ficção. Cultura Livre, escrito de punho próprio por Lessig e lançado em 2004, acaba de ganhar uma edição brasileira, que só pode ser adquirida de uma maneira: gratuitamente.
O pó de pirlimpimpim capaz de dar liga a todas essas peças aparentemente inverossímeis é a causa a que Lessig se empenha desde 1997: a luta pela distensão da legislação vigente de direitos autorais (os copyrights, no linguajar em inglês com que são conhecidos e protegidos em todo o planeta). Para o autor, tal legislação caducou e se tornou cerceadora voraz de liberdade de expressão e criação artística neste mundo pós-internet, download, MP3, blog, fotolog etc.
Foi essa a causa do confronto aberto entre o homem e o simpático e quase heróico rato gerado em 1928 pela imaginação de Walt Disney. Obedecendo à legislação de proteção de copyright, em 1998, ao completar 70 anos de idade, Mickey adquiriria maioridade e ficaria independente de papai Disney. Cairia em domínio público e passaria a ser livremente manipulável não só pelo conglomerado que seu criador deixou como herança, mas por qualquer um, com qualquer finalidade, comercial ou não.
A Disney se apavorou com a idéia de perder a varinha de condão de lucro que as orelhas redondas do camundongo propiciavam por quase quatro gerações. Lessig não conseguiu barrar a aprovação do Ato Sonny Bono no Congresso, que estendeu por mais 20 anos, até 2018, a escravidão de Mickey (e de toda e qualquer obra criativa de faixa etária semelhante). O político Bono morrera pouco antes, e virou nome de lei porque, segundo teria afirmado sua viúva, acreditava que o copyright deveria ser eterno.
Segundo defende Lessig em Cultura Livre, não foi a convicção dos congressistas, mas sim um forte lobby econômico que deu vitória à perpetuação da proteção. Em 1790, a primeira lei de copyright estipulou que as criações seriam protegidas por 14 anos; de 1962 para cá, sob pressão de uma indústria cultural em brutal ascensão, houve 11 prorrogações consecutivas, rumo, talvez, à eternidade sonhada por Sonny.
De acordo com Lessig, dez dos 13 congressistas empenhados na aprovação do Ato Sonny Bono teriam sido irrigados pela Disney com o máximo de contribuição eleitoral permitida por lei. O conglomerado formado pelas maiores produtoras de cinema e gravadoras de discos dos EUA teria gastado US$ 1,5 milhão em lobby eleitoral em 1998, US$ 200 mil dos quais teriam ido diretamente para contribuições de campanha. "Estima-se que a Disney tenha contribuído com mais de US$ 800 mil para campanhas de reeleição na época", escreve.
O livro esmiúça esse e outros embates entre aqueles que apelida de "guerreiros" e "extremistas" do copyright e o seu próprio grupo, tachado pelos opositores como "esquerdista" e, idem, "extremista". Defende a idéia avessa, do copyleft e dos chamados Creative Commons, contracorrente que defende, em vez do lema de "todos os direitos reservados", um outro mais tolerante e maleável, de "alguns direitos reservados".
No percurso, aborda uma série saborosa de exemplos e estudos de caso, demonstrando que os que hoje mais se debatem contra a pirataria on-line fundaram seus próprios impérios na prática da... pirataria.
Relembra, por exemplo, que Mickey Mouse veio ao mundo no desenho animado Steamboat Willie, uma paródia do filme Steamboat Bill, Jr., do comediante Buster Keaton, que por sua vez se referia à música Steamboat Bill. Acrescenta que grande parte da obra cinematográfica de Disney (Branca de Neve, Pinóquio, Cinderela...) era apropriação criativa, sem copyright, de contos de fadas de Irmãos Grimm e anexos.
"A indústria cinematográfica de Hollywood foi construída por piratas em fuga", provoca, descrevendo a migração de criadores para a Califórnia, no início do século XX, para escapar ao controle de patentes.
Lessig insiste em repetir que não, não é portador de idéias subversivas ou radicais. A necessidade, argumenta, é de que se revise uma legislação pública que, desde o advento da internet, vem abocanhando nacos polpudos antes pertencentes à vida privada dos cidadãos. Coibir com processos milionários adolescentes que fazem troca virtual caseira e não comercial de música seria, para ele, um modo de travestir de suposto interesse público a defesa oligopolista de interesses comerciais privados.
Ao longo do livro, o autor oferece alternativas em abundância para um modelo de coexistência entre os dois pólos, em que objetivos privados não continuassem a agir como bloqueadores de cultura e controladores de criatividade.
Por impalpáveis que possam parecer, tais alternativas já são testadas na vida prática, como no caso dos criadores que optam pela licença do Creative Commons (www.creativecommons.org), pela idéia de "generosidade intelectual" em oposição à de "proteção intelectual".
O Brasil seria um foco privilegiado de disseminação dessas experiências, segundo expõe no prefácio à edição local o advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas Ronaldo Lemos, que coordena o projeto Creative Commons no País.
Por sinal, Lessig cita nominalmente o Ministério da Cultura de Gilberto Gil, um dos que endossaram em termos artísticos e políticos a ideologia de Creative Commons. O diretor de políticas digitais do MinC, Cláudio Prado, refaz o nexo a CartaCapital: "Gil é o único ministro de Estado a dizer que o copyright não serve para o século XXI e que a distribuição digital requer uma regulação totalmente nova".
O prefácio de Lemos fala, por exemplo, do Portal Domínio Público (www. dominiopublico.gov.br), mantido pelo Ministério da Educação, em que podem ser baixadas e impressas livremente cópias de obras em domínio público, da popular literatura de Machado de Assis a textos raros do dramaturgo Qorpo Santo. Ícone dramático da literatura brasileira, a Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, foi das primeiras obras a receber alforria no ciberespaço verde-amarelo.
Outro caso citado é o do município pernambucano de Olinda, que aderiu em bloco aos Creative Commons e prepara projeto de documentação virtual de conteúdo livre de carnaval, música pop, teatro, patrimônio histórico etc., a ser usado livremente, em escala global.
Em entrevista, Lemos menciona um ponto de perigo, contrabalançando com a celebração do diretor do MinC: "A posição do Brasil é preocupante. O País sofre pressões dos mais diversos agentes para que sua legislação se torne cada vez mais parecida com a dos EUA. As mudanças que a indústria norte-americana tenta impor aos demais países são totalmente injustificáveis do ponto de vista econômico e social. Nesse sentido, sou bastante pessimista, pois essas pressões são muito fortes".
Além de pessimista, Lemos também é a ponte que nos reconduz ao aparente enredo de ficção dos parágrafos iniciais. Foi ele o intermediário que levou a obra de Lessig à gravadora independente Trama e à editora Francis, que acabaram executando a prensagem em português de Cultura Livre. O livro foi traduzido dentro do sistema Creative Commons (e de uma quantidade exagerada de erros de gramática, revisão e afins), sem qualquer custo imposto aos editores, desde que não seja distribuído com fins comerciais.
O projeto Trama Universitário bancou e reservou 250 cópias gratuitas do livro para presentear cada um dos participantes do II Encontro Nacional de Mídia Universitária, em setembro. Um segundo lote será enviado, também gratuitamente, a mil bibliotecas e universidades Brasil afora. "Convivemos com dois mundos, temos uma gravadora e uma editora tradicional, mas ao mesmo tempo queremos os novos caminhos, que já estão bastante infiltrados na sociedade", justifica André Szajman, um dos co-presidentes da Trama.
De quebra, afirma que, antes do fim do ano, Cultura Livre deverá estar disponível em www.tramauniversitario.com.br, para leitura e impressão gratuita (e não comercial). Por ora, o livro mantém-se fora das livrarias tradicionais, que não costumam veicular esse modelo gratuito de literatura de não-ficção.
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