sábado, março 11, 2006

uns sambas sobre o infinito...

bom-dia, comunidade!

que tal aproveitar o sábado tranqüilo para pensar em pop tribalista?

que tal saborear no sábado sereno as muitas conexões que vão sendo feitas, com eloqüência e desenvoltura cada vez maiores, entre a "mpb" e o samba?

que tal adotar o sábado calmo para sorver o samba criado, praticado e acalentado no sexo feminino, que tal tirar o sábado para ver (e ouvir) as meninas?

sobre pop tribalista (mas ricamente "universal") eis aqui reportagem quentinha no forno da "carta capital", sobre esse fabular personagem da vida real conhecido como seu jorge, sob o título "O MENDIGO É O REI". alô, seu jorge.

sobre as inter-relações de "raça" e "classe" entre samba e "mpb", convido à consulta de reportagem da "carta capital" 383, de 8 de março de 2006, transcrita logo aqui abaixo, sob a rubrica "o samba da abertura". alô, cláudio, jorge, luiz carlos da vila, mart'nália, casuarina. alô, doutor nei lopes. alô, mister martinho da vila.

sobre a flor feminina desabrochando no samba, recupero outro texto da "carta capital", deixado mais para trás em dormência criativa. saiu na edição 361, de 28 de setembro de 2005, sob o título "elas têm mais samba", que vem negritado mais lá para baixo, antes-depois de "o samba da abertura". alô, teresa cristina, nilze carvalho, juliana diniz. alô, compositoras de samba do brasil. alô, dona ivone lara. alô, senhora leci brandão.

sim, esta é uma brincadeira com os elementos-chave dos dois novos discos de marisa monte, recém-lançados, e que ocupam neste fim-de-semana (quase) todas as páginas de jornais e revistas, telas de tv, ondas de rádio. ocupam a imaterialidade deste blog também, mas por vias tortas. são assuntos da atmosfera habitada por todos nós, da atmosfera que marisa monte também habita e ajuda a elaborar (nós todos também).

mas, atenção. deixar "de molho" por mais uns dias a "grande notícia" produzida por marisa monte nestes dias não é uma manifestação de desprezo por marisa monte, muito pelo contrário. é de respeito, de admiração, de amor.

é uma tentativa de diálogo. em entrevista ao autor destas linhas, terça-feira passada, marisa falava, entre outras tantas coisas, sobre o efeito libertário que o projeto coletivo "tribalistas" (2002) teve em sua vida - entre muitas razões, porque não foi seguido por nenhuma entrevista à imprensa, por nenhuma aparição na televisão (mas, sim, por muita difusão e "divulgação" em rádio).

pois então, marisa, deixe eu lhe dizer também. um dos momentos cotidianos que mais oprimem um jornalista é o dos lançamentos "inevitáveis" (porque comerciais, se você me entende) dos nossos grandes músicos, cineastas, dramaturgos e artistas em geral (e dos dos outros, também). todos "juntos", nos "unimos" numa "parceria" "coletiva", composta por gravadoras e pelos artistas que produzem discos (e arte) nessas gravadoras, por jornais e revistas e pelos jornalistas que produzem notícias (e reflexão) nesses jornais e revistas, e assim por diante, na "grande" ciranda da "comunicação".

do lado de cá do espelho, a opressão é produzida no "desespero" "coletivo" que "sincroniza" pessoas, repórteres, editores, diretores e empresas "rivais" na "obrigação" de "produzir" "ao mesmo tempo" "diferentes" notícias e reflexões "iguais" sobre o "mesmo" e "inevitável" assunto (foram aspas à beça, mas é porque é tudo mentira, equívoco e/ou engano, o que está dito entre elas), as "mesmas" "inevitáveis" pessoas. os "consumidores" (alô, você!), ponta final do processo todo, entram na roda como parceiros últimos e definitivos (e passivos?) de toda a orquestração vinda do éter alienígena para o mundo "real" lá/aqui fora. fica tudo tão esparso, tão distanciado, tão obrigatório, tão apático, tão convencional, tão superficial.

a tentativa de seguir por outras veredas e de marchar em outro pulso, marisa & amigos, é o desejo de também ser libertário, de também desprender amarras e correntes, de também acariciar mais a arte & a vida que o comércio & a indústria. porque, a seu (meu, nosso) modo, cada um de nós tem lugar largo, raso & profundo ao sol na linha do mar além do horizonte para querer & poder fazer um samba sobre o infinito. alô, paulinho da viola e clara nunes, que pairam sobre tudo isso aqui. a bênção.


O SAMBA DA ABERTURA
O gênero vive um momento inédito de diálogo com outros estilos brasileiros e mistura de geografias e gerações

Por Pedro Alexandre Sanches

Nicho de resistência musical e cultural por convicção, o samba carioca andou por muito tempo fechado em si mesmo, exercendo o instinto de autopreservação de quem talvez se visse em risco de extinção. Nestes anos 2000, tudo parece estar tão mudado que o gênero dá primeiras demonstrações de estar vivendo um processo inédito de abertura interna, sem que isso implique sintomas de enfraquecimento.

Da bossa nova ao hip hop, representantes de várias vertentes da MPB jamais se cansaram de reverenciar e revisitar as fontes fundadoras do samba. Mas o percurso inverso esteve mais obliterado, afora experiências esparsas de nomes como Clara Nunes, Martinho da Vila, Nei Lopes e Leci Brandão – ou, em termos bem mais mercadológicos, durante a voga do "pagode pop" dos anos 90.

Pois o fenômeno inverso saúda este início de 2006, em três exemplos díspares uns dos outros, mas igualmente libertos dos princípios em que o samba não poucas vezes se refugiou. O arco é amplo: abarca o reencontro dos sambistas veteranos Luiz Carlos da Vila e Cláudio Jorge, ambos na faixa dos 50 anos; a experiência de geração do meio de Mart'nália (filha de Martinho da Vila); e o advento dos rapazes do quinteto Casuarina, todos entre 23 e 26 anos de idade.

Com autoridade inquestionável em samba, Cláudio e Luiz Carlos se embrenham pelo projeto Matrizes, elaborado com suporte do Selo Rádio MEC. Num partido-alto de autoria própria, Luiz Carlos advoga que o samba que desde a origem é arte/ das coisas boas da vida é parte, mas o disco foi moldado a reverenciar também outras partes boas da vida, todas elas ligadas "à herança africana no Brasil", como demarca Cláudio. Alternam-se entre as 14 faixas congada, baião, capoeira, coco, maracatu, xote, boi maranhense, jongo, catira, ijexá e, claro, samba, samba-de-roda, samba-enredo...

"Talvez seja uma oxigenação, talvez a gente esteja meio cansado de ficar se repetindo sempre, olhando sempre para o próprio umbigo", avalia Cláudio. "Costuma haver uma cobrança ao sambista, por parte de quem é sambista e de quem não é, de que ele não saia do seu território", justifica Luiz Carlos.

Egresso, como Cláudio, do círculo de influência da Vila Isabel e de Martinho da Vila, ele ecoa provavelmente sem querer um rock do Ultraje a Rigor ao delimitar que "a gente não quis invadir a praia de ninguém". Mas reafirma o apreço pela própria origem, amplificada em Matrizes: "Não vou deixar de ser sambista. Teria que tirar todo o sangue das minhas veias e botar outro para eu deixar de ser sambista".

Herdeira de Martinho da Vila por laços também sanguíneos, Mart'nália enfrenta outras fronteiras antes intransponíveis. Menino do Rio é bancado pelo selo Quitanda, de Maria Bethânia, que também assume a produção do CD. Por sua influência, Mart'nália foi visitar o santuário do Recôncavo Baiano, e voltou de lá com o que trata como "um disco de samba-de-roda".

Sim, mas em sua roda tanto cabem sambas dos bambas baianos Roque Ferreira e Nelson Rufino e pagodes do partideiros cariocas Arlindo Cruz e Jorge Agrião como... composições pop-MPB de Zélia Duncan, Leoni, Moska, Ana Carolina. Do repertório de Elis Regina, ela pescou Só Deus É Quem Sabe (1980), do ultrapop Guilherme Arantes.

"A gente tem que gravar o que gosta", determina Mart'nália, que abre o CD cantando que "o samba corre em minhas veias", mas ainda assim elabora sua crítica ao antigo confinamento do samba: "Um cara não cantava sambas do outro, as pessoas não se falavam. Cada um tinha que lutar por si, por uma coisa que nem sabia direito o que é. É uma coisa que me irritava muito".

Mesmo afirmando que seu pai "era dos que mais misturavam", mostra conhecer de casa os conflitos de resistência: "Ele detestava que eu ouvisse música internacional. Eu, graças a Deus, não estava nem aí".

"Beth Carvalho é sambista e é sambista e é sambista, teve um pessoal, como ela, que ficou ali segurando", ela afirma, tolerante com os praticantes da "pureza", mas divergindo daquele mito: "Essa história do 'samba ameaçado' me irrita, é besteira, falta do que falar. É impossível descaracterizar o samba".

Pois, se existe e existirá o pessoal que vai ficar ali "segurando" a resistência, há também a contramão. O grupo Casuarina estréia em CD homônimo pela gravadora independente Biscoito Fino (a que pertence também o selo de Bethânia), cantando e tocando samba, sem ser formado por egressos do berço do samba.

Um dos integrantes, João Cavalcanti, é filho do roqueiro/emepebista Lenine, e dá conta de suas próprias raízes: "Quando era adolescente, eu não ouvia samba, ouvia rock, grunge. Cresci com meu pai ouvindo Supertramp, Police, Paralamas, Titãs. Meu irmão de 17 anos é roqueiro mod, gosta de The Who, MC5".

João credita a conversão ao samba à recente ascensão do circuito da Lapa, sob liderança de nomes que há alguns anos já ensejam um processo de abertura, como Teresa Cristina & Grupo Semente. Teresa participa do CD, cantando um samba que jamais constaria do repertório tradicional: Swing de Campo Grande, do grupo setentista de rock-samba Novos Baianos.

Mas o CD privilegia o samba de "raiz", rejuvenescendo sem maiores profanações temas clássicos de Nelson Cavaquinho & Guilherme de Brito, Zé Keti, Nelson Sargento e Wilson Moreira.

A abertura de fronteiras abrange outros quesitos. Um é o do gênero, no que Casuarina se assemelha a Matrizes: fascinados pela música nordestina que é e não é samba, cantam a Súplica Cearense de Gordurinha e cinco cocos de Jackson do Pandeiro.

Outra barreira suplantada é a geográfica. Fato incomum, o samba carioca abre os braços para o Nordeste e também para o samba mineiro de Ataulfo Alves e o samba paulista de Adoniran Barbosa. A fala de João lembra a de Luiz Carlos da Vila: "Estamos fazendo com cuidado e diplomacia. As coisas são complementares, não queremos invadir o lugar de ninguém".

A oscilação entre as origens roqueiras gringas e a paixão pelos sambistas dos bairros vizinhos é metaforizada na explicação sobre o nome do grupo: "É o nome da rua em que ensaiávamos. Só depois descobrimos que casuarina é o nome de uma árvore australiana que dá muito no Rio".

João aproxima sua fala à de Mart'nália, ao tratar com carinho os sambistas mais "puritanos", como ele define: "É preciso que existam os quixotes, pois sem eles essas identidades todas talvez já tivessem se perdido".

Um desses quixotes é o sambista, historiador e escritor Nei Lopes, que em Negro Mesmo (1985) já testara o formato agora adotado pelos parceiros em Matrizes e comenta as misturanças agora esboçadas. Sobre o suposto processo de abertura, por exemplo: "Acho que tem sempre uma coisa de mercado no meio. Tem uma onda, e as pessoas vão. O samba nunca foi fechado. Se fosse, não teria feito surgir do seu seio tanta variedade, como samba-de-breque, samba-jazz etc.".

Mostra-se cuidadoso em relação às modernizações e à assimilação do samba em outros ambientes, como a Biscoito Fino que hoje abriga Mart'nália e Casuarina. "Quando o samba é feito por gente do 'mundo do samba' mesmo, ele é 'velho', 'antiquado', 'sujo', 'feio'... Se é feito por artistas com sobrenomes ou endereços ilustres, aí é recebido de outra forma. É a lógica da propaganda e do marketing: o negro e seu universo, segundo essa lógica, 'sujariam' o produto."

Militante, está falando de racismo, mas sabe que aí também há diques sendo rompidos. Ele mesmo lembra que Mart'nália já gravou um samba anti-racista seu (Luxuosos Transatlânticos) e que junto dos sambas e não-sambas resgatados pelo Casuarina há outro libelo anti-racista de sua autoria, Na Intimidade, Meu Preto.

Ele comemora a gravação, mas acha que ela não se repetiria na grande indústria ou se o Casuarina se voltasse para o pop. "Os assuntos que abordo, tais como questionamentos racistas, proposta de uma estética brasileira e coisas que fazem pensar, não cabem no escaninho do pop. O pop vende escapismo, sensualidade e as 'transgressões' da moda", analisa.

Pode ser. Mas enquanto isso os rapazes brancos do Casuarina revogam velhos paradigmas, retomando o grito anti-racista de Nei Lopes e resgatando, em pleno Rio, Já Fui uma Brasa, um samba paulistano de Adoniran Barbosa que em pleno reinado jovem de Roberto Carlos chorava amorosamente assim: Eu gosto dos meninos desse tal iê-iê-iê/ porque com eles canta a voz do povo/ e eu, que já fui uma brasa,/ se assoprarem, posso acender de novo.


ELAS TÊM MAIS SAMBA
Cantoras e compositoras integram uma leva feminina de sambistas e colaboram para um bom momento do gênero

Por Pedro Alexandre Sanches

No princípio, eram Elza Soares, Clara Nunes, Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Alcione, Leci Brandão... Uma leva altiva e participante de cantoras pediu passagem, mas então o surgimento de novas sambistas ficou inexplicavelmente suspenso, salvo raras e esparsas exceções (a de Jovelina Pérola Negra, por exemplo).

Hoje, 40 anos após o lançamento tardio de Clementina de Jesus, matriarca negra do samba, ao que parece tudo se transformou. Nestes anos 2000, as mulheres vêm aos poucos reconquistando posições nas rodas e cirandas, às vezes com um aditivo extra: algumas delas se firmam não só como intérpretes, mas também como compositoras.

Nesse grupo das cantoras-autoras, dois nomes cariocas saltam à frente, com discos novos em folha na praça. Teresa Cristina, que até aqui tem sido a mais visível e principal propulsora do levante, apresenta O Mundo É Meu Lugar (Deckdisc, R$ 30 o CD, R$ 50 o DVD), seu terceiro álbum com o Grupo Semente. Nilze Carvalho, também integrante do grupo de samba de raiz Sururu na Roda, estréia como cantora solo em Estava Faltando Você (Fina Flor/Rob Digital, R$ 30).

A trajetória de Nilze, hoje com 36 anos, parece simbolizar a própria saga feminina no samba das décadas de 80, 90 e 2000. Ela foi revelada para círculos restritos sob o rótulo perigoso de virtuose infantil do cavaquinho e gravou, no início dos anos 80, quatro volumes da série Choro de Menina. De meados dos 80 até 1997, constituiu carreira de operária do samba (e da bossa nova, e da MPB)... no exterior.

"No Japão, cantei muito numa casa chamada Bacana, que era tipo uma churrascaria brasileira", lembra. Só depois de tanta lida voltou ao Brasil, matriculou-se numa faculdade de música e engrenou carreira com o Sururu na Roda e consigo mesma.

O pendor ao estudo Nilze compartilha com Teresa Cristina, de 37 anos, que também chegou aos bancos universitários (e à contoria) depois de ser manicure, vendedora, supervisora do Detran... Teresa, que hoje tem de se submeter ao formato industrial engessado de DVD e CD ao vivo com muitas músicas repetidas, diz não identificar um movimento necessariamente feminino, mas puxa o cordão:

"Conheço poucas compositoras, é estranho, né? Assumir o lado artístico foi muito difícil para mim, foi no tranco. Mas o espaço do samba aumentou, o que já existia está podendo aparecer. Muita gente no Rio está querendo fazer samba, e como tudo aumentou cresceu também o número de mulheres. Temos Mariana Bernardes, Luciane Menezes, Luíza Dionísio...".

A hesitação em compor pertence a Nilze ("meu lado de compositora é um pouco preguiçoso"), pertence a Teresa, talvez pertença a todas elas. "Acho que pular para essa fase é uma questão de tempo, é um movimento gradativo. Não dá para dormir gente fina e acordar pinel, de uma hora para outra", brinca Teresa.

A cantora Dorina, 40 anos, dá testemunho parecido: "É toda uma tradição, de as mulheres ficarem só no rescaldo, de fazer comida ou ser pastora cantando atrás. Tenho algumas composiçlões, mas não coloco esse título na minha ficha. A tradição é o homem na rua, na boemia, é ele que faz. Aos poucos a gente vai se soltando, mas prefiro ser conhecida como intérprete".

Dela, sai agora a coletânea Tem Mais Samba (Rob Digital, R$ 30), que diz se destinar a ampliar a circulação de sua produção lançada originalmente em dois CDs pouco conhecidos no Brasil como um todo.

"Não sei se é a valentia da mulher que está crescendo, ou se é uma conscientização geral de que o mundo não é só de vocês", provoca Nilze, referindo-se ao aporte de mulheres não só no samba, mas na composição de música popular como um todo.

Dorina também vê o avanço do samba (e, dentro dele, o das mulheres), mas insinua algum incômodo com os modismos. "O samba está meio que na moda, que bom, assim mais pessoas começam a ver o gênero como uma possibilidade de carreira. Mas hoje se fala muito no samba da Lapa para a zona Sul, e se esquece de que é no subúrbio que ele sempre se manteve."

Provas do avanço pipocam por aí. Ainda a partir do Rio, Mart'nália (filha de Martinho da Vila), concebe novo disco, a ser possivelmente produzido por Maria Bethânia. Da ponte Tóquio-Rio, aterrissa Samba Sincopado (Biscoito Fino, R$ 30), tributo de Ana Martins (filha da bossa-novista Joyce) a Nara Leão, lançado no Japão em 2004 e só agora chegando à terra natal.

Em São Paulo, trabalham sambistas como Fabiana Cozza, Tereza Gama, Adriana Moreira. De Pernambuco, Mônica Feijó transita do mangue bit ao samba (leia na seção Bravo). Também em pique híbrido, já causa expectativa o dito "disco de sambas de Marisa Monte", em fase de gravação.

Com maior ou menor intensidade, todas essas intérpretes parecem se distanciar da voga do vozeirão tipo Alcione. Uma sombra de influência paira sobre o canto de todas elas, e, surpresa!, é masculina, pós-bossa nova: Paulinho da Viola. Mais uma vez, foi Teresa que puxou o fio, dedicando à obra dele todo o seu álbum duplo de estréia, em 2002.

"Sou apaixonada por Paulinho, por aquele vibrato sem exagero", sintetiza Nilze Carvalho, que no entanto, declara-se tributária também do samba no masculino de Roberto Ribeiro ("para mim é um dos maiores"), João Nogueira e Jair Rodrigues.

Filha caçula desse contexto de atrito entre tradições e modismos, há por fim a estréia de Juliana Diniz, de 18 anos, que chega cheia de grifes: é neta de Monarco, filha de Mauro Diniz, afilhada musical de Zeca Pagodinho. É também, por ora, a única do levante feminino a conquistar contrato numa multinacional.

A forte retaguarda encorpa o lançamento do suave e elegante, embora ainda imaturo álbum Juliana Diniz (Universal, R$ 30), que se deleita sobre Nasci pra Sonhar e Cantar (de Dona Ivone Lara) e conta com inéditas de Paulinho da Viola, Marisa Monte e Arnaldo Antunes.

É fácil perceber, por seu discurso, que uma nova geração do samba deve ganhar as ruas: "Sou jovem, escuto de tudo. Gosto de rap, black music. Escuto Racionais, Mariah Carey, Sandy & Junior, de tudo um pouco, para minha formação. Escolhi o samba para seguir minha carreira também por minha família, mas não sou alienada". Conta que está no terceiro ano do segundo grau, e que pretende fazer faculdade de música.

O tarimbadíssimo Rildo Hora, produtor de Zeca Pagodinho e do CD de Juliana, vem falar sobre a nova descoberta: "Ela é espetacular. Tem uma convivência sadia com a geração dela, no futuro pode cantar sambas de pessoas mais novas. Vamos dizer que Nando Reis, de que gosto tanto, faça um samba. Ela pode cantar. Não vejo nada demais que no meio do disco tenha alguma coisa diferente".

Elogia Marcelo D2, brinca de autocrítica: "O pessoal da patrulha não quer que eu me misture, mas me tratam bem lá na MTV. Os artistas de rock gostam tanto de mim, por que não posso gostar um pouquinho deles também?".

Aproveita para comentar a presença feminina no seu terreiro de origem: "Há uma crise de mulheres que cantem bem o samba, uma crise grande. Quem canta bem não quer cantar samba, já vai logo para o pop". E termina por retificar a própria opinião: "Teresa Cristina é a rainha. É a pessoa mais cult que existe hoje no samba. É extraordinária".

Apesar do susto de já ter sido classificada na imprensa como "conservadora", Teresa Cristina é quem parece mais se assemelhar a Juliana, no quesito ecletismo, ao menos (por ora) em discurso: "Eu ouvi todas as cantoras, ouvi muito Alcione, Simone. Imitava todas, como imitei Bethânia em casa, meu Deus do céu. Eu não sei como, mas um dia ainda vou gravar uma música de Roberto Carlos. Ele é espetacular, adoro".

Devagarzinho, Teresa já vai dando suas escapadelas: no CD atual, deu um sotaque caipira à tradicional Chora, Viola, assim como resgatou para o samba o ex-samba tornado bossa nova por João Gilberto Pra Que Discutir com Madame (de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida).

"Essa música é atualíssima, não gosto desse papo de rádio que não toca samba porque é sofisticada", critica, aludindo a versos sarcásticos como "madame diz que a raça não melhora, que a vida piora por causa do samba" e "madame diz que o samba democrata é música barata, sem nenhum valor". Madame não está convencendo.