quinta-feira, dezembro 21, 2006

tão perto, tão longe...

então, se a vida gira em círculos, eu brinco de me despedir de 2006 com um texto de exatos 365 dias atrás, publicado na "carta capital" 373, 21 de dezembro de 2005. porque, já que tanto se fala de roberto carlos nos dias que correm, por que não falar um pouco de erasmo carlos e de wanderléa, por quê?

a propósito, será que a vida vem mesmo em ondas?, ano após ano? o antigo 1982 em que a cantora elis regina criticava os colegas que só "brigam pelo interesse do patrão", em vez de reivindicarem direitos próprios, é tal e qual o 2006 em que o repórter rodrigo vianna se despede da rede globo ironizando o abaixo-assinado que seus colegas empunharam, em prol de seus globais patrões?

somos todos iguais nesta noite?, a música popular brasileira É o jornalismo popular brasileiro?

a propósito ainda, essa carta do repórter da globo tem toda a pinta de documento-testamento de 2006 para a posteridade, não? é certo que ali, a certa altura, ele está "apenas" se referindo a um personagem obscuro, da corte de josé serra, em comparação (e reação) a um outro personagem obscuro, da corte de luiz inácio lula da silva. mas a frase corriqueira que isso inspira é para lá de legal, não só pelos "apenas", mas muito mais ainda pelos "além disso", olha só:

"que jornalismo é esse, que poupa e defende platão, mas detesta freud! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo!".

pois então, é a "jornalismo platônico" que o repórter está se referindo?!?!?!?!?!, hahahahahaahahahah. tá vendo, querido(a) companheiro(a) aqui deste blog, o que eu falo o tempo todo sobre romantismo mórbido, sobre amor platônico, sobre síndrome-do-dedo-apontado-por-sobre-quem-você-mais-ama?!?!?!?! será que a "grande" mídia (venha ela na forma de palavra, som, música, desenho, pintura, cena ou o que for) virou uma romântica mórbida (& cínica)?!?!?!

por quanto tempo mais continuaremos fervorosamente platônicos, teimosamente antifreudianos? será que em 2007 nós continuaremos defendendo patrões que nem sequer conhecemos, que nem sequer sabemos quem são? em 2007, ainda seremos os mesmos & viveremos como nossos pais, acreditando (sempre) que daqui para frente tudo vai ser diferente?

ou o reconhecimento de que ainda somos os mesmos & vivemos como nossos pais (& nossa mãe elis, & nosso pai roberto) será - está sendo - o primeiro & doloroso passo de (auto)reconhecimento, rumo à adoção de novíssimos e mais polpudos caminhos?

bem. taí um abacaxi suculento que teremos que começar a descascar no desde já fervilhante 2007. pois pode vir quente, 2007, que nós já estamos fervendo, frevendo, a 40 graus!!! boas festas para todo mundo [e as bênçãos, wanderléa & erasmo (& roberto) carlos!], e obrigados mil pelo acompanhamento constante & pelo carinho contínuo (tão longe & tão perto, continuaremos passando por aqui, mas mais esporadicamente, até o desabrochar da primeira semana do ano-pimpolho que já tá chegando)!!!!! beijos muitíssimos!, tão de lonjão!..., tão de pertinho!...


TÃO PERTO, TÃO LONGE...
A festa e a nostalgia conservam vivo o iê-iê-iê

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Há 40 anos, é quase automático pensar em Wanderléa quando se fala em Erasmo Carlos, e vice-versa; se se adicionar à brincadeira o termo "Roberto Carlos", então, o quebra-cuca está inteiro montado. Mas, guardadas aparências públicas potencialmente enganadoras, na "vida real" a comissão de frente tríplice da jovem guarda vive, há 40 anos, bem mais separada do que integrada.

É o que deixam entrever pelas frestas Erasmo e Wanderléa, num encontro proposto por CartaCapital, no momento em que ambos participam do lançamento coletivo, em CD e DVD (e turnê nacional de shows), de um pacote chamado Jovem Guarda – 45 Anos de Rock Brasil ao Vivo, dividido também com os Golden Boys e os Fevers.

Com o tempo, esse modelo de projetos rememorativos em datas redondas tem sido uma das raras circunstâncias de encontro para os dois líderes da música jovem dos anos 60. Outro, também intermitente, é o especial natalino do terceiro elemento, RC, a quem seria inútil propor uma participação no reencontro, pois há uma década ele só concede entrevistas exclusivas à rede televisiva de que é contratado desde 1973, a Globo.

"Nossos filhos só se descobriram agora, por causa desta turnê. As meninas estão encantadas, Erasmo virou o herói delas", surpreende-se Wanderléa. Não é só ele: apenas agora as duas filhas adolescentes passaram a ouvir os seis álbuns que ela lançou nos anos 60, recém-reeditados na caixa A Ternurinha, junto à equivalente O Tremendão, com os seis primeiros títulos de Erasmo.

"Juntos na estrada o tempo inteiro nunca estivemos, nem na jovem guarda. Era só o encontro semanal (no programa televisivo Jovem Guarda), muito também nas reportagens. Depois não deu mais, fomos para a estrada solitária, cada um fazendo o seu", descreve a cantora e precursora espontânea da liberação feminina à moda brasileira.

O parceiro oficial de todos os maiores sucessos da carreira milionária do "rei" comenta o fetiche idílico do público pela eterna comunhão entre os "reis do iê-iê-iê": "As pessoas cobram, também do Roberto. Pensam que a gente está sempre literalmente junto". "Mas é igual família, que se vê só em batizado e casamento", atalha Wanderléa.

As redescobertas de agora denotam a intimidade menor do que a dos sonhos dos fãs: "Na estrada, juntos, nunca estivemos antes. Fico vendo como é a Wanderléa no ônibus. Vejo que todo mundo fala alto e só ela fala baixinho. Nunca na vida ouvi ela falar 'merda', 'bunda'".

A parceira enrubesce, dá um tapinha no joelho, balbucia que é "mentira", "ele é que está acostumado com a coisa pudica da mineira". "Eu também não falo muito palavrão", socorre Erasmo, com indecifrável expressão séria.

Embora renovando votos de afeição e de alegria pela celebração, ambos sabem que a ciranda das datas comemorativas sempre ressurge para assanhar a indústria musical multinacional, e até mesmo a independente (o selo Atração editou outro projeto coletivo ao vivo, com nomes como Leno & Lilian, Os Incríveis e Vanusa).

O Erasmo de hoje tem de conviver com o de 1972, que criava o delicado LP Sonhos e Memórias e relatava com susto o impacto negativo que sofrera ao assistir, nos Estados Unidos, a um show de memória com pioneiros do rock’n’roll como Bill Haley, Chubby Checker etc.

"O que me incomodou, na época, foi a diferença de padrão dos shows. Para Elvis Presley era o hotel Hilton inteiro, a privada era Elvis, tudo era Elvis. E o Rock'n'Roll Revival era mais modesto, o show estava vazio, era humilhante. O nosso não é tão ruim quanto aquele", sorri.

E nem espera a próxima pergunta. "Se formos comparar com a gente, se Roberto Carlos for Elvis Presley, nós aqui tocamos nos mesmos lugares que o Roberto, sempre com casa lotada. Acho que as drogas que lá fora eles tomaram foram mais pesadas que as nossas", brinca, e completa: "A nossa foi Coca-Cola".

Se Erasmo prosseguiu após a implosão do iê-iê-iê com discos de pop, rock e MPB pouco reconhecidos, mas freqüentemente brilhantes, Wanderléa seguiu carreira mais inconstante depois de curada a febre de juventude. "O público nunca descobriu que eu tive momentos difíceis, de depressão brava. Nunca levei ao conhecimento dos fãs, mas a ferrugem disso estava me corroendo. A depressão vai cerceando seus momentos, vai tirando o brilho do olho".

Olhos nos olhos brilhantes de Wanderléa, Erasmo fica enigmático: "Minha postura é outra". É a vez dela socorrê-lo: "Erasmo vive de maneira introspectiva".

"Fiz as coisas mais ousadas que uma cantora pode fazer. Gravei Walter Franco, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Djavan, Egberto Gismonti. Fiz tanta coisa depois da jovem guarda, nunca imaginei que fosse voltar tão de cabeça a esse lance. Mas o público quer suas músicas de sucesso", resigna-se, após se referir à despercebida fase de cantora "maldita" de MPB, que rendeu obras como a até hoje nunca reeditada ...Maravilhosa (1972).

Na quarta-feira 14, poucos dias após o encontro entre a "ternurinha" e o "tremendão", no hotel Brasilton, no centro de São Paulo, o "rei" apresentaria, em entrevista coletiva no Copacabana Palace do Rio, o 45º disco que prepara para o Brasil desde a estréia com Louco por Você, em 1961.

O artista que transformou em movimento de massa no País o rock'n'roll americanizado volta com uma semi-surpresa (além da de se posicionar a favor do uso da camisinha e contra o Vaticano): gravou um disco interiorano, voltado para o dito Brasil profundo, com canções como a guarânia paraguaia Índia, gravada aqui pela dupla caipira Cascatinha & Inhana. A única parceria inédita com Erasmo é Arrasta uma Cadeira, cantada em trio com outra dupla (sertaneja), Chitãozinho & Xororó.

Enquanto o "Rei" canta e canta e canta, Erasmo e Wanderléa revelam outra sintonia: ambos andam rabiscando esboços de autobiografias. "A minha é o seguinte: optei por narrar situações engraçadas, porque mesmo nas horas ruins eu sempre encontro o humor. Fiz uma lista de casos com Agepê, Roberto, Wanderléa, Bethânia, Alcione...", conta Erasmo, que comprou uma máquina de escrever Olivetti para enfrentar a tarefa.
"Eu só consigo escrever à mão, depois copio", diverge Wanderléa, que conta ter deixado de lado a biografia por ora, para escrever poemas. "Dei uma parada, é complicado. Não posso contar minhas vivências sem passar pelas deles. Preciso ser ética, mostrar o que escrevi."

Erasmo compartilha o dilema ético. "Eu gostaria que todos confiassem em mim. Não posso mostrar ninguém como imbecil. Não tenho medo que Roberto não autorize. É que se acontecer vou ficar puto", ri Erasmo.

Antes de um brinde de feliz Natal (que, quebrando a tradição, a dupla estuda passar reunida com as respectivas famílias), a última pergunta: qual foi o melhor momento que Wanderléa e Erasmo viveram juntos?

"Eu não posso contar", ele salta a frente, o sorriso ficando maroto. Wanderléa cora, hesita, completa: "Eu gostei... Viu como ele é filho da puta?".

Mas, hum, foi mesmo? "Realmente, foram muitas emoções, he he he", ela tergiversa, remedando o vértice mais distante do trio. Agora é tarde, o palavrão já foi disparado.