quarta-feira, março 25, 2009

um passeio no mundo livre: banditismo por uma questão de classe

chamamos às falas agora carlos eduardo mirand. o cara é produtor musical de mundo livre s/a, raimundos, skank, o rappa, virgulóides (lembra o sensacional "bagulho no bumba"?), cordel do fogo encantado, cansei de ser sexy, móveis coloniais de acaju, entre muitos outros. foi o jurado mais divertido do "ídolos" e, depois, do "astros", no sbt. esteve na idealização do projeto trama virtual, ainda hoje inovador em terras brasileiras.

e é baixador assumido de música via internet. dá-lhe, miranda.

pedro alexandre sanches - de modo genérico, qual é sua opinião do cenário que está armado hoje, com blogs disponibilizando música, a indústria fonográfica perseguindo...?

carlos eduardo miranda - eu vou falar, sou fã de blogs de música, mas muito fã mesmo. sou usuário de blogs de música. mas acho que eles deveriam se restringir a a) megalançamentos, coisas novas antes de ser lançadas. para ser uma pré-estreia dos discos, a internet é o lugar mais quente. b) resgatar coisas que não estão em catálogo. e c) trazer músicas de lugares do mundo que a gente nunca ia imaginar, cada lugar se comunicar com os outros lugares do mundo. esses três tipos de coisas são muito interessantes - além de coisas alternativas, remixes. acho muito legal, baixo música direto em blog. no caso de a), para ter os discos em primeiríssima mão, e quando lança o disco eu compro. se eu tiver acesso ao disco, eu compro. no caso b), é um papel cultural que ninguém teve culhão e coragem de fazer. e c), por si só está explicado, intercâmbio. acho que devia ser legalizado, autorizado, até porque os blogs têm muito pouco acesso. e outra coisa, os blogs tinham que ser também incentivados a sempre escrever sobre o disco. a maioria tem textos, os mais legais todos têm, falam dos discos e dos artistas, contam histórias, às vezes recuperam discografia.

pas - são jornalísticos.

cem - é. isso eu acho incrível, cara. é o papel que as revistas desempenhavam antigamente, hoje os blogs desempenham. sou completamente favorável nessas condições. acho que é uma besteira um blog que fica colocando disco novo dos paralamas depois que já lançou. acho que o cara que faz isso é um merda. não tem por que pôr no blog, até porque tem no torrent. a não ser que esteja cumprindo essa função de ser um blog de intercâmbio. por isso digo que devia ser mais ou menos legalizado internacionalmente - é aquela coisa utópica, mas o blog de intercâmbio teria que ter textos em várias línguas. quem se enquadrasse em tal e tal conforme seria livre. é uma utopia, mas uma discussão sobre o assunto é muito bem-vinda.

pas - o que eu ia perguntar você já respondeu, mas o caso em que você é contra seria só esse que citou?

cem - não é que sou contra, só acho idiotice o cara ficar ocupando espaço e gastando o tempo dele para botar discos que você vai na esquina e compra, ou vai no torrent e baixa. acho uma inutilidade.

pas - o torrent, a rigor, não seria tão ilegal quanto os outros meios?

cem - mas o torrent é um lixão mesmo. se quero agora o disco do fulano, vou ali, pego e ouço. o torrent é o ensaio mais próximo do futuro, que vai ser o streaming. acho que o futuro é o streaming, ninguém mais vai guardar nada e vai ter acesso a todo o repertório da história da humanidade em qualquer lugar do planeta. só que isso só vai acontecer se não depender das gravadoras fazerem o upload das coisas, se elas deixarem o público fazer. senão isso não vai funcionar nunca. que seja o repertório livre e tu pague uma mensalidade, como paga água e luz. vai dar muito dinheiro pra todos, todo mundo vai ganhar dinheiro. vai acabar esse problema de quem ganha dinheiro e quem não ganha, porque tudo vai ser visível na internet no futuro. essa coisa do cara invisível na internet fazendo falcatrua vai acabar. uma hora você vai ter que usar seu cartão de crédito o tempo todo na internet, todo mundo vai saber quem tu é.

pas - e você não acha ruim isso?

cem - não, eu acho natural. a internet vai ser tão passível de ilegalidade quanto o mundo real. vai continuar sendo, mas vai ser subterrânea. hoje, não, hoje internet é primeiro lugar em ilegalidade, está à frente das lojas, de tudo. no futuro isso vai inverter, em primeiro lugar na internet vai estar o comércio legal, que vai ser muito útil, e tudo vai ser visível e exposto.

pas - você diz que o problema acaba se venderem música com mensalidade, mas vê alguém tomando alguma providência nesse sentido? o que a gente vê é outra coisa...

cem - é o que estou dizendo, se depender das gravadoras, mesmo que esteja funcionando a parte tecnológica para isso, elas não vão dar conta de fazer. as gravadoras vão ter que ter acordo com usuários, de que todo mundo vai poder fazer upload de tudo e todo mundo vai receber também uma fatia desse dinheiro. mas acho que ninguém vai ter que guardar nada. tu liga no carro, quer ouvir tal coisa, quer ouvir o programa do fulano. bota lá, o programa toca as músicas que quer. gostei dessa? quero ouvir mais ouvir música desse cara, pronto. o futuro é assim.

pas - daqui a quanto tempo?

cem - ah, depende da evolução da tecnologia de transmissão de dados. não sei dizer porque não tenho conhecimento muito profundo aí. mas vai depender disso.

pas - mas você vê gravadoras se adaptando a isso, ou elas vão ser extintas no processo?

cem - é que gravadora, no formato tradicional, já está extinta, né?

pas - só não está porque está lá, entrando na justiça e processando gente.

cem - é, estão só atrapalhando o processo. em vez de se preparar para o futuro, estão se agarrando ao passado e atrapalhando o andamento do processo. deviam olhar para frente e se preparar para o que vem, que vai dar dinheiro para todo mundo. e tem que abrir para o público. só os usuários vão conseguir fazer upload de tanta riqueza que existe de música. as gravadoras não têm nem controle, elas nem sabem o que têm.

pas - e os baixadores, se somarmos todos juntos, parecem saber.

cem - o público sabe. os usuários sabem. os blogs são exemplo disso. tem cada blog incrível, né, velho?

pas - miranda, se o futuro é esse, como você explicaria o atual momento, de a apcm ameaçar e pressionar para fechar comunidade no orkut?

cem - uma vergonha. acho isso uma vergonha. deveriam tomar vergonha na cara, porque estão vendendo a mesma música várias vezes. já venderam em vinil, a mesma música já venderam em cd, e estão querendo vender agora a mesma música em download. já paguei por aquilo, cara, posso usar aquelas músicas quanto eu quiser na vida, pô. podem parar de me roubar? não digo que é roubar, mas é injusto isso. outra coisa: a pessoa ter as músicas digitais é uma coisa muito frágil, se dá um pau no hp tu perde tudo. então não é assim, baixa as músicas e é livre. é como a fita k7, se enrolou no som do carro, acabou, perdeu. vai ter que ir lá baixar de novo. e o trabalho que dá? então é isso, somos todos cientistas em busca do futuro, testando.

pas - você diz que é uma vergonha. essa atitude é também um erro de avaliação, um erro tático?

cem - com certeza, é um erro tático. deveriam ir lá conversar e tentar entender essas pessoas, por que isso acontece, quem usa aquilo, para saber como fazem para ganhar dinheiro com isso, ao invés de trancar. trancando não vão descobrir nada. não mate sua cobaia.

pas - você disse que baixa música, que é entusiasta. aos olhos deles você é um "criminoso"...

cem - ...e aos meus olhos criminosos são eles, que não relançam os momentos importantes da música, que são exatamente os que vou procurar nos blogs. não vou pro blog para baixar o novo do radiohead nem o do u2. vou procurar discos que estão fora de catálogo há muitos anos. eu não teria acesso a esses objetos culturais de tanta relevância se não fosse o cara do blog. não estou indo para pegar o que a gravadora está me oferecendo, isso eu compro.

pas - mas muita gente faz isso...

cem - por exemplo, se é caso de um lançamento, vou no blog, baixo, escuto, e assim que eu conseguir eu compro o disco. não é assim que eu tiver dinheiro, é assim que eu tiver acesso ao disco, porque sou um comprador que compra. poucas pessoas compram disco na mesma quantidade que eu. eu sou um criminoso? faz-me rir, faz-me rir. não tenho mais onde pôr disco na minha casa, todos comprados legalmente.

pas - compra quantos, em média?

cem - uma média? hoje baixou um tanto essa média, mas ainda compro uns 40 discos por mês. antigamente comprava uns 90, hoje compro uns 40, porque discos lançados no mercado nacional praticamente se extinguiram, com exceção de um ou outro.

pas - quer dizer, você compra menos porque tem menos para comprar, e não porque está baixando mais música?

cem - porque tem menos para comprar, é. eu compraria muito mais, com certeza. importo tudo que consigo. tudo que gostei eu encomendo, tudo, sem exceção. tem disco que pago mais de 100 reais, comprei uma coleção de discos de hillbilly, 120 reais cada cd, com o maior prazer. compro mesmo. então eu não sou um criminoso. criminoso é quem não lança isso, é quem impede a cultura de andar. não tem crime maior que impedir o livre trânsito da cultura.

pas - e sobre o argumento mais usado pela indústria, de que ao fazer download você prejudica os artistas, que não irão receber direito autoral?

cem - é uma questão muito relativa, em transformação. o autor vai começar a receber de uma maneira diferente daqui pro futuro. vão achar maneiras novas de pagar, acredito que ele vá ser o cara que vende a música que fez para um cantor. não acho que o autor deva ser desmerecido, mas ele não pode ser um empecilho para o avanço da tecnologia e para o livre desempenho e distribuição da cultura. se o autor se acha tão ligado à cultura, tão importante, ele não pode fazer nada que impeça que a cultura se espalhe, senão é um criminoso também. tenho a maior admiração pelos autores, quando falo isso de maneira alguma é um demérito, mas vão ter que rever a maneira de ganhar o dinheiro deles, de acordo com o mundo novo que está se configurando. se tu não quer que o ladrão entre na tua casa, tenha uma porta que impeça isso. se o ladrão consegue abrir essa porta, você teria que ter uma porta melhor.

pas - o que você quer dizer é que, dependendo do ângulo, todos os lados podem ser vistos como criminosos, a gosto do freguês?

cem - é, quer dizer que a humanidade inteira é criminosa. todo mundo baixa música. então todo mundo é criminoso, ou criminoso é quem tenta impedir? a visão do que é crime aí está muito equivocada.

pas - é difícil os artistas se manifestarem sobre o modo como estão entendendo isso tudo. como produtor que convive muito com artistas, o que você sente a respeito deles?

cem - alguns artistas têm muita clareza e fazem questão de participar desse universo, inclusive mandando seus próprios discos para os blogs. já outros, mais agarrados aos velhos tempos, estão super-rígidos em relação a isso, querem continuar com os velhos padrões, sem saber que estão sendo cúmplices do atraso.

pas - quem você indicaria entre os que veem o tema com clareza e poderiam falar a respeito?

cem - ah, os de sempre, né? curumin acho legal para falar, ele tem bastante noção. os móveis coloniais de acaju vão lançar agora um disco muito legal, que produzi, e estão disponibilizando uma música por dia, mas em versões inéditas, que não as do disco. e vão botar o disco inteiro de graça no projeto disco virtual da trama. tem uma série de artistas, gilberto gil..., dj dolores, que nem lançou o disco novo no brasil.

pas - com exceção do gil, você citou artistas mais novos. são esses que têm mais clareza, de modo geral?

cem - é, porque conhecem mais este mundo.

pas - mas também são os que precisam mais se impor e se expor do modo novo, porque provavelmente de gravadoras não podem esperar nada.

cem - é, também é útil para eles. já sabem que é assim mesmo que têm que fazer. essa geração nem considera mais os outros caminhos. ninguém mais acredita em nada. eu ainda acho que vai existir cd para sempre. mas os caras são mais radicais, tem gente que estou gravando que nunca nem teve cd em casa, só conhece mp3. nem sabem de lançar disco em cd [ri]. mas o mais curioso hoje é que está havendo um terceiro tipo de pessoa que gosta só de vinil e mp3, não se interessa por cd. compram vinil, pagam caro e baixam mp3. continuam comprando, mas tudo em vinil. ninguém compra música digital.

pas - o cd é o patinho feio da temporada.

cem - é, exatamente, mas que vai durar por muito tempo. duvido que o cd vá morrer. não acho injusto as gravadoras se preocuparem com a propriedade delas. é justo, é delas, bancaram. mas é o seguinte: nós não vamos fazer nada com aquilo. todo mundo tem que conversar, ser parceiros. é o diálogo que vai trazer a transformação.

pas - você sobe música? faz blog?

cem - não, nunca fiz. nem tenho muita vontade de fazer, não. vontade empírica até teria, mas tenho a maior preguiça.

pas - não peço que cite nomes, mas você conhece gente que faz, gente do seu convívio?

cem - conheço, cara. tenho um amigo que faz isso, e sobe coisas obscuras, mega-obscuras.

pas - que não dariam lucro para gravadoras?

cem - é, nem teria risco de lançar nada disso.

pas - qual é o perfil médio do cara que constrói esses blogs, na sua opinião?

cem - do tipo de blogs que frequento, são amantes da música, e a maioria deles muito próxima da legalidade. na grande parte dos blogs que visito, são os próprios artistas que mandam material. e são blogs que, inclusive, têm link para compra do disco, coisa que também acho muito certa. deviam obrigar os blogs a ter link dos discos. a qualidade da música é outra. num futuro breve a gente vai ter uma resolução disso também, porque a qualidade de áudio vai voltar a valer. os aparelhos estão ficando baratos, e com qualidade. a gente vai reviver o velho e bom três em um, mas vai ser tv, som, computador. ninguém vai se contentar com mp3 tosco.

pas - se são os amantes da música que têm blogs e comunidades virtuais, é com esses que a indústria está brigando. tem alguma coisa errada aí, né?

cem - é, a indústria está brigando com quem sustentou eles a vida inteira. se alguém fez a indústria viver foram eles, esses caras sempre foram os cabeças do boca-a-boca. se algum disco da indústria vendeu muito porque se espalhou o boca-a-boca popular, foi por causa desses caras. então estão em guerra com quem os sustentou. deveriam rever suas estratégias, porque no futuro vão precisar desses caras. deviam contratar esses caras para ser executivos deles. os que ficaram lá são coitados que não sabem como fazer. como não entendiam nada de música, não entendem nada do mercado de música, de como age quem gosta de música. não entendem nada de nada. dizem que estão defendendo a música, quando na verdade estão defendendo os empregos deles. têm que fazer alguma coisa, que seja brigar com os usuários [ri].

pas - isso é dramático, porque se acreditava que pelo menos do mercado eles entendiam.

cem - é, é uma pena. mas estão olhando o aliado e enxergando como vilão, tem algo muito errado. mas acredito que com o tempo o pessoal vai conversar. ninguém vai ficar preso na cadeia porque fez um blog. se ficar vai virar mártir. tudo acaba sempre bem, pode ficar tranquilo.