um treco assim
um cara chamado rodrigo ribeiro apareceu neste blog, perguntou se podia mudar de assunto, pegou o embalo e já fez um comentário na janela vermelha. pode, sim, claro que pode, rodrigo. pode tanto que comecei a responder o comentário na janela do tópico anterior, as mariposa, e quando vi já não estava mais escrevendo uma resposta-de-janela, mas sim um tópico-de-blog.
adiante, então, mudando agora uma coisinha ou outra que escrevi agora há pouco, meio tópico, meio janela.
não acho, rodrigo, que você tá "errado" ou "certo" (todas as leituras são possíveis, como nos induziria a pensar um certo ney "inclassificáveis" matogrosso), mas...
a) concordo plenamente contigo quanto ao "conteúdo a ser comentado" no "secos & molhados" de 1973. é enorme, gigantesco, e certamente rende mensagem, tópico, site, reportagem, pensamento, livro, tese, música, peça, filme, sonho...
b) discordo quanto à invisibilidade que você atribui à questão gay naquele lp. acho que nem vou me (ops!) aprofundar nos méritos do "vira, vira, vira homem, vira lobisomem" ("o vira", de joão ricardo e luli)... ou do "eu vi el rey andar de quatro/ de quatro poses atraentes" ("el rey", de gerson conrad e joão ricardo)... ou mesmo do (arrepiante) "jurei mentiras e sigo sozinho/ assumo os pecados" + "rompi tratados, traí os ritos/ quebrei a lança, lancei no espaço/ um grito, um desabafo" (de "sangue latino", de joão ricardo e paulinho mendonça). mas copio aqui com prazer e divertimento a íntegra da letra de "assim assado" (de joão ricardo), minha sempre predileta (e com grifos maldosos meus, ok?, hehehe):
"são duas horas da madrugada de um dia assim
um velho anda de terno velho assim assim
quando aparece o guarda belo
é posto em cena fazendo cena um treco assim
bem apontado ao nariz chato assim assim
quando aparece a cor do velho
mas guarda belo não acredita na cor assim
ele decide no terno velho assim assim
porque ele quer um velho assado
mas mesmo assim o velho morre assim assim
e o guarda belo é o herói assim assado
porque é preciso ser assim assado"
metáforas, imagens e viagens na maionese a valer, você pode dizer. mas nada me tira da cabeça que se trata da descrição de uma cena de sexo, seca & molhada, na borda dos limites máximos que 1973 e o general médici (não) permitiam. como já chegamos a comentar aqui (quero dizer, ali) na janela vermelha há uns tempos, parece um autêntico "george michael vai ao bosque em busca do lobo", 30 anos adiantado, não?
mas, ó, só para arrematar, e discordando agora tanto de você quanto de mim mesmo no texto da "rolling stone": tanto faz se era gay, heterossexual, bissexual ou pansexual, nem há nada aí que faça desmerecer a força poética das letras e canções (puxa vida!, "amor" e "primavera nos dentes", de joão ricardo em parceria com seu pai, joão apolinário, ou "fala", de joão ricardo e luli, ou mesmo a cafonice latejante da "rosa de hiroshima" de seu vinicius de moraes, musicada por gerson conrad...); mas o discurso pulsante e sofrido sobre a sexualidade, sobre o sexo, é que me parece, sim, a lenha mais sequinha na fogueira da caldeira da locomotiva velocísisma que é o "secos & molhados" 1973...
e era médici. e era censura & repressão. e era pau no cu (no sentido da tortura, não do prazer) dos "terroristas" de esquerda. e era pleno e atroz "reinado de terror e virtude" (como explica mui convincentemente paulo cesar de araújo em "eu não sou cachorro, não", da página 51 em diante) de uma ditadura de direita. e era mole? não era, era duro (hoje também é, mas, ainda bem, por razões diversas e inversas).
bem, agora que já tagarelei a falar, contextualizemos, que é sempre bom, gostoso e de graça. segue abaixo o texto da "rolling stone" 13, de outubro de 2007, que deu mote ao comentário do rodrigo no tópico das mariposa (obrigado, companheiro, pelo mote que agora passo adiante):
Secos e Molhados
Secos e Molhados (1973 . Continental)
Odair José conta com orgulho seu embate com um general, em 73, na tentativa de safar sua "Pare de Tomar a Pílula" da Censura. "O senhor permite o Ney Matogrosso e os Secos & Molhados fazerem uma proposta de gay num show no Maracanãzinho e não permite que eu faça uma proposta de homem?! O senhor é gay? O Exército é gay?", teria indagado, segundo relatou no livro "Eu Não Sou Cachorro, Não" (2002), de Paulo Cesar de Araújo. Era uma disputa entre semelhantes. No Brasil de 73, quase ninguém fez mais sucesso que Odair e os S&M. Em comum, ambos afrontavam os costumes de uma ditadura brava, amofinando-a no campo do comportamento, da política do corpo. Odair testava letras simples que debatiam sexo, amor livre e a estrutura de classes sociais no país. Os S&M de Ney, João Ricardo, Gerson Conrad e Marcelo Frias sugavam a poesia de Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes, mas falavam pelo corpo, por visual andrógino e (homo)sexualidade explícita – era o glam rock à brasileira [, que tinha em Maria Alcina uma explosiva versão feminina (dizia trecho original do meu texto, que sobrou na edição final porque escrevi mais do que devia)]. Rotulado de "cafona", Odair era enjeitado por nove em cada dez estrelas da MPB, uma confraria que já iniciava a trágica rota rumo a um elitismo atroz. Os S&M fundavam o "roque" dos anos 70, com toques hipnóticos de rock progressivo, mas incorporando a sigla MPB mais que a negando. Talvez Odair se sentisse enciumado do colossal poder transgressor (e comunicativo) do denso LP de estréia dos S&M, com "Sangue Latino", "O Vira" e "Assim Assado". Talvez o efêmero grupo prog-MPB também se ressentisse do imenso fogo comunicativo (e transgressor) do "cantor das empregadas" em "Deixe Essa Vergonha de Lado" [e "Eu, Você e a Praça" (dizia outro fragmento que sobrou)]. Voltando-se uns contra os outros, se neutralizavam e ajudavam o opressor. Mas, lá fora, a massa aprovava igualmente as transgressões dos "cafonas" e dos "andróginos", no apogeu do terror & tortura. A marca S&M era em si uma revolução, confirmada 30 anos depois pelos milhões de civis que marcham em paradas pacíficas de diversidade sexual. Quanto à rivalidade entre iguais de 1973, não se sabe ao certo que curso tomou. Fato é que, em 77, Odair gravou um controverso disco gay. Em 76, Ney Matogrosso lançara a romântica "Cante uma Canção de Amor", co-escrita por Odair José. PEDRO ALEXANDRE SANCHES
putz, reli só agora, depois de ter escrito as linhas gerais do que vai escrito aí acima. e não é que encontro vários pontos em comum com o que andamos discutindo atualmente ali (ou aqui) na janelinha vermelha (sobre autofagia entre semelhantes, por exemplo)? bacana, que bacana. estamos juntos, e misturados, quandionde tudo se mistura!
por fim, e da maior importância, aqui fica guardada (para todo o sempre, espero - esperamos?) a fala dele, em pessoa, sobre esses & outros assuntos.
e, para além do por-fim, abre-te sésamo para a minha fala sobre a fala dele, entre uns & outros assuntos. aliás, essa coexistência permanente entre passado, presente e futuro via internet (alô, márcia) não é mesmo uma conquista maravilhosa, nova, fresca, acachapante? índios, mulheres, ciganos, gays, negros, japonesas, velhos & crianças, todos juntos-e-fortes aqui-e-agora-mesmo, sim, senhor, seu ney (e sr. arnaldo antunes, e sr. chico science)!, e por que não?
adiante, então, mudando agora uma coisinha ou outra que escrevi agora há pouco, meio tópico, meio janela.
não acho, rodrigo, que você tá "errado" ou "certo" (todas as leituras são possíveis, como nos induziria a pensar um certo ney "inclassificáveis" matogrosso), mas...
a) concordo plenamente contigo quanto ao "conteúdo a ser comentado" no "secos & molhados" de 1973. é enorme, gigantesco, e certamente rende mensagem, tópico, site, reportagem, pensamento, livro, tese, música, peça, filme, sonho...
b) discordo quanto à invisibilidade que você atribui à questão gay naquele lp. acho que nem vou me (ops!) aprofundar nos méritos do "vira, vira, vira homem, vira lobisomem" ("o vira", de joão ricardo e luli)... ou do "eu vi el rey andar de quatro/ de quatro poses atraentes" ("el rey", de gerson conrad e joão ricardo)... ou mesmo do (arrepiante) "jurei mentiras e sigo sozinho/ assumo os pecados" + "rompi tratados, traí os ritos/ quebrei a lança, lancei no espaço/ um grito, um desabafo" (de "sangue latino", de joão ricardo e paulinho mendonça). mas copio aqui com prazer e divertimento a íntegra da letra de "assim assado" (de joão ricardo), minha sempre predileta (e com grifos maldosos meus, ok?, hehehe):
"são duas horas da madrugada de um dia assim
um velho anda de terno velho assim assim
quando aparece o guarda belo
é posto em cena fazendo cena um treco assim
bem apontado ao nariz chato assim assim
quando aparece a cor do velho
mas guarda belo não acredita na cor assim
ele decide no terno velho assim assim
porque ele quer um velho assado
mas mesmo assim o velho morre assim assim
e o guarda belo é o herói assim assado
porque é preciso ser assim assado"
metáforas, imagens e viagens na maionese a valer, você pode dizer. mas nada me tira da cabeça que se trata da descrição de uma cena de sexo, seca & molhada, na borda dos limites máximos que 1973 e o general médici (não) permitiam. como já chegamos a comentar aqui (quero dizer, ali) na janela vermelha há uns tempos, parece um autêntico "george michael vai ao bosque em busca do lobo", 30 anos adiantado, não?
mas, ó, só para arrematar, e discordando agora tanto de você quanto de mim mesmo no texto da "rolling stone": tanto faz se era gay, heterossexual, bissexual ou pansexual, nem há nada aí que faça desmerecer a força poética das letras e canções (puxa vida!, "amor" e "primavera nos dentes", de joão ricardo em parceria com seu pai, joão apolinário, ou "fala", de joão ricardo e luli, ou mesmo a cafonice latejante da "rosa de hiroshima" de seu vinicius de moraes, musicada por gerson conrad...); mas o discurso pulsante e sofrido sobre a sexualidade, sobre o sexo, é que me parece, sim, a lenha mais sequinha na fogueira da caldeira da locomotiva velocísisma que é o "secos & molhados" 1973...
e era médici. e era censura & repressão. e era pau no cu (no sentido da tortura, não do prazer) dos "terroristas" de esquerda. e era pleno e atroz "reinado de terror e virtude" (como explica mui convincentemente paulo cesar de araújo em "eu não sou cachorro, não", da página 51 em diante) de uma ditadura de direita. e era mole? não era, era duro (hoje também é, mas, ainda bem, por razões diversas e inversas).
bem, agora que já tagarelei a falar, contextualizemos, que é sempre bom, gostoso e de graça. segue abaixo o texto da "rolling stone" 13, de outubro de 2007, que deu mote ao comentário do rodrigo no tópico das mariposa (obrigado, companheiro, pelo mote que agora passo adiante):
Secos e Molhados
Secos e Molhados (1973 . Continental)
Odair José conta com orgulho seu embate com um general, em 73, na tentativa de safar sua "Pare de Tomar a Pílula" da Censura. "O senhor permite o Ney Matogrosso e os Secos & Molhados fazerem uma proposta de gay num show no Maracanãzinho e não permite que eu faça uma proposta de homem?! O senhor é gay? O Exército é gay?", teria indagado, segundo relatou no livro "Eu Não Sou Cachorro, Não" (2002), de Paulo Cesar de Araújo. Era uma disputa entre semelhantes. No Brasil de 73, quase ninguém fez mais sucesso que Odair e os S&M. Em comum, ambos afrontavam os costumes de uma ditadura brava, amofinando-a no campo do comportamento, da política do corpo. Odair testava letras simples que debatiam sexo, amor livre e a estrutura de classes sociais no país. Os S&M de Ney, João Ricardo, Gerson Conrad e Marcelo Frias sugavam a poesia de Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes, mas falavam pelo corpo, por visual andrógino e (homo)sexualidade explícita – era o glam rock à brasileira [, que tinha em Maria Alcina uma explosiva versão feminina (dizia trecho original do meu texto, que sobrou na edição final porque escrevi mais do que devia)]. Rotulado de "cafona", Odair era enjeitado por nove em cada dez estrelas da MPB, uma confraria que já iniciava a trágica rota rumo a um elitismo atroz. Os S&M fundavam o "roque" dos anos 70, com toques hipnóticos de rock progressivo, mas incorporando a sigla MPB mais que a negando. Talvez Odair se sentisse enciumado do colossal poder transgressor (e comunicativo) do denso LP de estréia dos S&M, com "Sangue Latino", "O Vira" e "Assim Assado". Talvez o efêmero grupo prog-MPB também se ressentisse do imenso fogo comunicativo (e transgressor) do "cantor das empregadas" em "Deixe Essa Vergonha de Lado" [e "Eu, Você e a Praça" (dizia outro fragmento que sobrou)]. Voltando-se uns contra os outros, se neutralizavam e ajudavam o opressor. Mas, lá fora, a massa aprovava igualmente as transgressões dos "cafonas" e dos "andróginos", no apogeu do terror & tortura. A marca S&M era em si uma revolução, confirmada 30 anos depois pelos milhões de civis que marcham em paradas pacíficas de diversidade sexual. Quanto à rivalidade entre iguais de 1973, não se sabe ao certo que curso tomou. Fato é que, em 77, Odair gravou um controverso disco gay. Em 76, Ney Matogrosso lançara a romântica "Cante uma Canção de Amor", co-escrita por Odair José. PEDRO ALEXANDRE SANCHES
putz, reli só agora, depois de ter escrito as linhas gerais do que vai escrito aí acima. e não é que encontro vários pontos em comum com o que andamos discutindo atualmente ali (ou aqui) na janelinha vermelha (sobre autofagia entre semelhantes, por exemplo)? bacana, que bacana. estamos juntos, e misturados, quandionde tudo se mistura!
por fim, e da maior importância, aqui fica guardada (para todo o sempre, espero - esperamos?) a fala dele, em pessoa, sobre esses & outros assuntos.
e, para além do por-fim, abre-te sésamo para a minha fala sobre a fala dele, entre uns & outros assuntos. aliás, essa coexistência permanente entre passado, presente e futuro via internet (alô, márcia) não é mesmo uma conquista maravilhosa, nova, fresca, acachapante? índios, mulheres, ciganos, gays, negros, japonesas, velhos & crianças, todos juntos-e-fortes aqui-e-agora-mesmo, sim, senhor, seu ney (e sr. arnaldo antunes, e sr. chico science)!, e por que não?
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