quinta-feira, janeiro 22, 2009

queremos guerra?

a mpa, motion picture association, é uma entidade que congrega os maiores tubarões cinematográficos do mundo - estúdios e produtores hollywoodianos, como disney sony universal warner etc.

e possui um escritório aqui no brasil, uma sucursal que tem procurado demonstrar atividade, sobretudo no campo do combate à pirataria.

(a propósito, o diretor regional antipirataria na américa latina é o márcio gonçalves, um cara que sempre me pareceu bacana, inteligente, quando eu o conheci como diretor da abpd, associação brasileira dos produtores de discos, uma equivalente local da riaa, a congregação mundial dos tubarões do disco, uma equivalente à mpa na indústria fonográfica.)

pois bem, a mpa local enviou hoje a (nós) jornalistas um informe sobre suas ações, no qual conta, por exemplo, que seu "braço voltado para a repressão da pirataria, a apcm", associação antipirataria de cinema e música, dirigida por um delegado, "tirou do mercado pirata no brasil em 2008 mais de 41 milhões de cds e dvds".

ok, está dado o recado, dona mpa, mas confesso que não foi esse o ponto que despertou maior atenção deste jornalista aqui. foram outros dois, que estão ocultos, ou melhor, expostos em dois outros trecohs. o primeiro, no estilo nervo exposto:

"Em 2009, a associação concentrará seus esforços na Internet, espelhando-se nos hábitos de quem consome pirataria no País".

não é um formidável ato falho a mpa, a tubaroníssima mpa, afirmar que vai se espelhar nos piratas para definir suas linhas de ação em 2009? (alô, claudio!, alô, seu disney, alô, vovô mickey mouse!)

adiante a coisa se explica melhor (mas até aí morreu neves, o dito já foi dito e está dito, não é mesmo?), e gonçalves aparece afirmando que "temos que acompanhar a tendência do mercado que está migrando cada vez mais para o mundo virtual".

mas aí o comunicado passa a adquirir contornos sinistros. diz que a indústria cinematográfica precisa da colaboração dos provedores de internet (tipo, você sabe, nossas globo ig uol terra etc.), os quais "já têm se mostrado dispostos a unir forças com a mpa". cheira a ameaça.

e logo o cheiro de fumaça se confirma no fogo de termos policialescos como "combate", "punições", "infratores das leis", "condenações", "violação de direito autoral" e, enfim, o segundo trecho mais notável e explícito do recibo, este:

"Outro importante destaque são as condenações por violação de direito autoral, disposto no art. 184 do Código Penal Brasileiro, que resultou em 195 pessoas condenadas".

em 195 pessoas condenadas, aqui no brasil, ouviu? podemos nos perguntar se esses 195 (ou alguns deles) são fãs de cinema, de música, de logomarcas do vigiadíssimo império do entretenimento?

ok, é direito (autoral?) deles perseguir, encontrar, processar, punir, condenar quem "prejudica" os negócios e os interesses deles.

mas a blogosfera já repetiu zil vezes (e trent reznor também), e eu repito mais uma: estão criminalizando admiradores, fã(nático)s de cinema música videogame telenovela big brother entretenimento.

estão tratando como inimigos alguns (ou muitos? ou todos?) dos átomos formadores da nuvem dos que compra(va)m seus produtos, e dos quais os tubarões (por enquanto) ainda dependem para continuar sobreviventes.

eles podem fazer isso. e podem prpagandear que fazem. e podem proferir ameaças. mas tudo isso soa como declaração explícita de guerra.

e você sabe como se costuma responder a "pedido" de guerra. com... guerra. guerra como aquelas que, à parte diferenças no número de criancinhas mortas (e vendedoras póstumas de jornais), tornam israelenses e palestinos muito semelhantes uns com os outros. ou guerra entre produtores e seus consumidores, o que me parece algo "nunca antes visto na história" desta humanidade.

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aí, pronto, fui falar em guerra e me lembrei de uma música. terminarei este t(r)ópico com a letra de uma canção da safra 1968 de jorge ben, concorrente do iv festival de mpb da tv record, aquele cujo vencedor foi tom zé, com "são são paulo".

a caixa de cds de gilberto gil "ensaio geral", de 1999, credita a presença de gil, jorge e caetano veloso na gravação de "queremos guerra", mas não posso afirmar com certeza se os três estavam juntos no palco do festival - alguém sabe?

"queremos guerra" foi desclassificada no festival. e ficou plenamente esquecida pela história. quero dizer, pela (medíocre) história oficial. porque na história-no-duro, com h maiúsculo, ela está cravada e encravada, além de difundida e disseminada por este cybermundo por onde nos comunicamos agora.

o que jorge, caetano e gil diziam, explicitamente, naquele festival em que foram derrotados (e tom zé saiu vencedor), é que no ano da graça de 1968 os tropicalistas queriam mesmo era... guerra! era?

queremos guerra
(jorge ben)

(refrão)
guerraaaaaa, queremos guerraaaaaaa

mas só se não fizer sol amanhã
e se chover também eu não vou ficar em casa (*)
pois eu não estou aqui pra pegar uma gripe danada
e no fim da semana eu não poder ir ver a minha namorada

mas só se for pra brigar com a minha sogra
que ainda não sei por que não gosta de mim
eu sou um rapaz considerado, simpático, chego ser até adorado pela minha querida mãe
que desde pequenininho me ensinou o que é carinho
como é feia a guerra
como é lindo o amor

guerraaaaaaa é um só momento
depois da guerraaaaaaa vem o esquecimento

(*) há uma outra gravação de "queremos guerra", que saiu no mesmo 1968 num compacto de jorge ben (com o outro lado ocupado por "a minha menina", mais conhecida na versão dos mutantes em seu primeiro lp). nessa, na voz de jorge, esse verso é diferente, e não contém o desencontro (i)lógico do modo cantado por gil: "e se chover também eu não vou sair de casa". afinal, ele não queria pegar uma gripe danada, queria?