quinta-feira, março 31, 2005

vendo estrelinhas (estrelas mudam de lugar)

alô, china, alô, mombojó. genial, genial, genial o del rey. roberto carlos visita o mangue beat, reginaldo rossi reencontra o rock'n'roll (alô, xico sá!), a bossa nova solta a franga num puteiro. estrelas mudam de lugar, ah, se mudam. e o show foi um baile, em todos os sentidos (mais detalhes na "carta capital" deste fim de semana, hehehe). o tanto de coisa que ali está se misturando é emocionante. o que eu mais espero agora é ver em que vai dar, no trabalho do china e no trabalho do mombojó, o aprendizado que esses meninos estão tendo com o impressionante poder de comunicação de nosso velho "rei" (ou "pai", lembra o primeiro texto deste blog?).
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aliás, china matou a pau na ironia, quando tentava, sem muito sucesso, puxar um coro popular no hininho "esqueça" (1966). zoou assim: "não é possível que ninguém conheça roberto carlos em são paulo!". conhecem, china, são paulo conhecemos a sonzeira do rc. é que desrepressão coletiva não rola de uma vez, num golpe só. a revelação vem vindo devagarinho, e enquanto isso era curiosíssimo observar a platéia do del rey. ali tudo se misturava: vi gente feliz, emocionada, muda, parada, alheia, irritada, com lágrimas nos olhos, fazendo muxoxo, desentendendo, embevecida, paralisada, desentendida. estávamos (como sempre) numa platéia de classe média para classe média alta, e nesses meios a idéia corrente ainda é a de que roberto carlos tem sarampo, varíola, escarlatina, lepra e lumbago. que roberto carlos pega, contamina, contagia, melhor escapar. ãhã, vai indo nessa que eu não vou mais (alô, zé simão).
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houve também, na mesma ocasião, o show dos tremendões, vindos lá do rio para cantar jovem guarda em são paulo. há sempre essa tensão rio-sp, então eles foram supimpas, mas não atingiram o grau de desenvoltura e de "tô nem aí" do del rey (recife e são paulo têm essa estranha história de amor). um dia são paulo e rio ainda se misturam de vez, mas por enquanto foi supimpa dentro dos limites, os caras são deliciosamente ensaiados. já disseram que exagero, mas achei a interpretação do renato martins para "as curvas da estrada de santos" a melhor que ouço desde as de roberto (1969) e elis regina (1970) - o cara integra o conceito de soul music, brinca com uma suposta rouquidão, sabe muito bem do que está falando. também adoro a ternura de "o portão" (1974), mas é ali mesmo que sinto algum atrito com os tremendões: tem um fundinho de tiração de sarro, um farelinho que me lembra à distância o grupo vexame (um modelo de deboche que, ufa, já foi superado).
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mas, acima de tudo, os tremendões devolvem ao palco na condição de astro ele, o lafayette, o homem que inventou o som de órgão do clássico absoluto "quero que vá tudo pro inferno" (1965). de arrepiar a medula.
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ah, pois então, tive a alegria de entrevistar o lafayette antes do show, preciso reproduzir uma frase que ele disse: "muita gente pensa que foi o roberto, mas não. foi o erasmo que teve a idéia de introduzir o órgão na música jovem". pura verdade, mas é engraçado, vai. alguém tinha que introduzir o órgão (ops) na juventude, o tremendão papou (ops) mais essa.
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mas não é isso que importa sobre lafayette. durante a entrevista eu caí das tamancas ao saber que ele tem meu livro "como dois e dois são cinco", que ganhou de presente do fernando rosa (rendo aqui meus sinceros obrigados ao querido, heróico senhor f!!!). e, pára tudo agora, eu LEVEI UMA BRONCA do lafayette. o cara, do alto de seus 61 anos, me corrigiu, explicando que ele e erasmo cresceram na tijuca, zona norte do rio (confesso, nunca botei os pés ali), e não "no subúrbio", como afirmo no livro. foi pequena a bronca, ok, mas ainda assim é uma honra inesquecível. essa noite foi mesmo sensacional.
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algumas pessoas que encontrei durante o show, até mesmo a fofíssima jô hallack, da organização da parte musical do vivo open air [ai, jô perdoa minha língua, mas que nome cafonaaa!!! por que não "vivo ao ar livre", "vivo ao léu", sei lá? que deslumbrinho e que falta de poesia, credo...], comentaram relacionando esse surto de bandas cantando roberto carlos com o meu livro. fico roxo, mas há uma coisa que é importante, importantíssimo dizer: ao mesmo tempo que eu passava anos escrevendo solitariamente sobre rc na minha casa, esses rapazes que eu nem conhecia e que acho que nem se conheciam entre eles estavam se agrupando no rio e em recife para reler e re-entender robertos, erasmos & wanderléas, por razões distintas (embora parecidas - porque o amor tá sempre na jogada) e com intenções diversas. tem uma babaquice em cultura que é fulano em 2005 reivindicar paternidade exclusiva de idéia, e isso é algo destrutivo, que transforma delícia em competição e mela o que as coisas têm de melhor. quando várias antenas captam algumas coisas ao mesmo tempo sem umas saberem das outras (alô, fernanda takai), o nome disso é "espírito do tempo". é quando as formiguinhas (alô, vange leonel) viram multidão superpoderosa. roberto carlos não é de ninguém, roberto carlos está no ar que você respira. ele, o lula, o fusca, o vira-lata, a bic, a garapa, o severino e o bicho-de-pé... espírito do tempo é poesia conjugada no tempo presente, algo que sempre me enche de orgulho.
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aí me lembro do erasmo carlos, essa ninguém cantou: "ououou, onde estará minha estrelinha?". e, putz, lembro também da estrela, a fábrica de brinquedos (ainda existe?): "toda criançá/ tem uma estrelá/ dentro do coraçãããum".
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ih, há mais gente que andou vendo estrelas recentemente: o nobre deputado do parlamento baiano, petista e sargento ao mesmo tempo (olha a combinação explosiva, dentro dele tudo se mistura!), que teve a infelicidade de ser submetido a um exame de próstata (enfiaram o dedo no cu dele, para descer da metáfora só um instante). me impressionou a quantidade de poesia que o legislador também injetou (ops) no desabafo público de suas angústias íntimas: ele viu estrelas (essa eu não ouvia desde os oito anos)!!, ele sentiu o olho cheio de vagalume!!!!! não é fofo que o nobre deputado não tenha citado a partícula (ops) "dor", mas sim outras como "indignação", "vagalume", "estrelas"...?
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posso dizer? acho que o nobre deputado está se sentindo meio, er, acuado com a vitória de seu conterrâneo meio doutor jean, no "big brother brasil" - será que o baiano hétero se sentiu estuprado pelo baiano gay, trocou todas as bolas e botou a culpa no doutor lá do consultório?!?!?! seja como (ops) for, o nobre deputado podia ter nos poupado dessa, né? o livre arbítrio está por ai à toda, o nobre deputado tem todas as ferramentas (ops) para optar entre o toque retal ou pegar um cancerzinho de próstata e conviver solitariamente com suas dores, sem querer dividir com todo mundo seu medo de ser "contaminado" pelo dedo do dotô, pelos "males" que entram pelo sexo, pela orientação sexual dos outros, pelo jean, pelo seu próprio delírio estrelado e estreludo. o nobre deputado sabe, eu sei, que toda criança tem uma estrela dentro do coração - e que ninguém bota o dedo na sua estrelinha, se ele não quiser.
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pois é. o que eu sei é que, enquanto o nobre deputado via vagalumes psicodélicos, milhares e milhares e milhares de meninos e meninas que vivem atocaiados pelo brasil afora viviam um dia de glória, de revolução, de libertação. abandonando por um instante esse senso comum que esbraveja contra o vazio do "bbb", eu quero dizer que não foi vazio, não, esse "bbb", e que a globo, essa besta-fera que tanto nos assusta (e morde), prestou um belíssimo exemplo para o brasil na terça-feira que passou. daqui a 10 ou 20 ou 30 anos, estarão adultos e maduros esses milhares de brasileirinhos e brasileirinhas que agora estão descobrindo assombrados que ética, honestidade, gentileza e inteligência podem ser associados a personagens como o homossexual e a miss (a vaca e o frango?, alô, del rey!) e o japa e a cabeleireira descabelada. e, podiscrê, amizade, o parlamento baiano (e brasileiro) de daqui a 20 anos vai ser milhares de vezes mais fodido (ops, quero dizer fo-di-do no bom sentido, nobre deputado, cê tá entendendo?) do que isso aí que temos hoje. ufa, de repente vou vendo com estes olhos que a terra há de comer a construção de um brasil melhor, de dentro para fora, até que enfim!!!
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e, ói, foi só o severino declarar sua oposição ao direito de cada um exercer sua sexualidade como bem entender que, pluft!, o jean papou (ops) o "bbb". mando estrelas, rojões, cometas (ops) e fogos artificiais para o severino, em homenagem atroz (ops). toma (ops), severino.
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[hum, e publico este texto perto da meia-noite, bem na hora de a falecida ditadura apagar velinhas. t'esconjuro, coisa ruim.]
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ih, mas era para eu falar de roberto carlos & seus filhotes. paciência, é que eu adoro quando as coisas mais díspares e esquisitas se misturam, dentro do espírito do tempo...

terça-feira, março 29, 2005

barulho no brooklin: um samba para todos

vamos então falar um pouco sobre max de castro e seu novo disco, "max de castro". começo martelando pregos na parede da obviedade, a dizer que um disco é feito de muitos, muitos, muitíssimos elementos, dos quais provavelmente os dois principais devem ser a "música" e a "palavra". ponto. aos dois elementos.

a música: silêncio no brooklin, silêncio no brooklyn

corro o risco de agora redundar o texto escrito abaixo sobre daniel carlomagno, mas é porque parece evidente que daniel e max são músicos que agem em consonância, à procura de um objetivo comum: fazer música dos anos 2000 sobre o colchão d'água aquecida e sob e a colchinha de retalhos aveludada da tradição musical popular brasileira. o disco de carlomagno é repleto de referências; o de de castro também é, assim como já eram os dois álbuns autorais que lançou antes pela trama, "samba raro" (2000) e "orchestra klaxon" (2002).

o novo cd, embora seja menos fluente que "orchestra klaxon", segue-lhe as pegadas, postado um degrau acima na escadaria das escalas multimusicais. "max de castro" é um disco de remixes, embora não comungue, nunca, com a rigidez e a estreiteza de propósitos que dominou a (hoje decadente) cultura de dj e de eletrônica dos anos 90. as referências eletrônicas se amontoam de modo complexo e intricado no decorrer do trabalho, mas não são elas que fazem de "mdc" um disco de remixes.

não são batidas eletrônicas, mas sim células da história da música pop(ular) brasileira (eletrônica inclusive) que se agrupam e se recombinam feito samples, feito colagens operadas em computador, feito remixagens de arranjos que já existiam, mas tinham outro significado antes da intervenção do re-inventor.

tento passar a alguns exemplos, poucos se possível (o disco, repito, é todo acolchoado desses samples e scratches de mpb - não devo ter percebido nem um terço deles todos).

"stereo" é o exemplo mais automático. começa num despiste, pelos versos "nesse frevo/ eu me fervo" - é, pode ser frevo, mas não fica por aí. no todo, além do frevo, "stereo" pula de banda em banda, acumulando referências em geral tidas como incompatíveis umas com as outras. em sua textura, evoca por exemplo aqueles momentos de baile de carnaval em que uma marchinha acaba e a batida cresce na expectativa para o próximo alalaô. ali pelo meio, parece soar lá no fundo do "frevo" de max o mote novelesco de "o preto que satisfaz", que gonzaguinha compôs, as marketeiras frenéticas gravaram (em 1978) e a novela global "feijão maravilha" celebrizou ("dança frenética, menina", diz a letra, me salvando de achar que fiquei maluco).

mais um exemplo. "a filha da madame saré" embaralha referências à bossa nova pernambucanizada de edu lobo, e pensamos aqui, inevitavelmente, em "memórias de marta saré", de edu com gianfrancesco guarnieri, gravada em 1968 pela depois quase sumida marília medalha e em 1969 pela desde então sempre presente elis regina. de elis para rita lee é só um pulinho, e lá está a referência, no raspão "mariana disse: é foda!/ agora virou moda", ao "agora é moda" (1978) da ruiva, agora (não) é moda.

três outros exemplos, assim de passagem. "sempre aos domingos", ultrapop, é maciço funk carioca (mas funk carioca dos 70, não dos 90), algo como se tim maia reencarnasse em lulu santos reincorporado em max de castro (não é para menos, trata-se de uma inesperada - e cortante - parceria entre max e lulu). "rosa, um samba para excluídos", chama-se de samba, mas rebola e se pratica em samba-rock, em sambalanço, em bailão black de subúrbio, gostoso que só ele. e "pixinguinha superstar", embora a titulação leve a evocações de choro, "rosa" ou "carinhoso", remixa afro-samba ao gosto de moacir santos, samba-jazz à moda de j.t. meirelles e samba-funk nos moldes da banda black rio. remix, remixudo, remixeira, remixada.

mais um, fortão. "silêncio no brooklyn" e "iluminismo" são faixas que formam par constante, remetendo, ambas, a jorge ben. em "iluminismo", max inverte o sexo (e faz presumido feminismo - alô, tom zé) do mote contornado por ben primeiro em "deixa o menino brincar" (1965, composta por um tal babu) e, principalmente, em "frases" (1967, regravada por caetano veloso em 1977, sob o título "olha o menino"): "deixa a menina brincar/ porque se a menina não brinca/ a flor se aborta/ e não desabrocha". não só as rosas de ben se tornam sombrias (este é, aliás, um disco mui melancólico), nem só se citam os cariocas, baianos & outros caetanos de sempre. "deixa o menino brincar" faz também a ponte entre ben & um de seus fãs mais aguerridos, o mano brown dos racionais mcs, sampleador contumaz de jorge ben. é por isso que o "silêncio no brooklyn" de max não remete apenas ao "silêncio no brooklin" de ben (esse era o subtítulo do disco "o bidu", de onde se extraiu para a posteridade o samba-soul "frases" - "olha o menino, ui... olha o menino, ui, ui, ui..."). o brooklin da periferia rica paulistana (onde jorge ben morou com erasmo carlos, circa 1967) joga-se à periferia pobre paulistana de mano brown, num expresso 2222 que vai voar ao brooklyn do subúrbio nova-iorquino, morada do hip hop, morada do som de mano brown tanto quanto os morros cariocas do charles anjo 45 de ben [mano brown talvez esteja para jorge ben assim como max de castro está para seu pai, wilson simonal - ou o contrário, no descompasso dessa comparação]. na curva de "silêncio no brooklyn" e "iluminismo" cabem, portanto, samba, bossa negra, samba-soul, samba-rock, rock, hip hop, samba-rap etc. etc. etc. m(úsica)p(lanetária)b(rasileira), teu nome é remix.

e o conta-gotas de musicalidade de "mdc" vai nesse pinga-pinga, às vezes incomodando o olho e o ouvido, sempre disposto a se pós-pós-modernizar, como quereria aquela menina que para o gosto de chico buarque anda cada vez mais avoada (remixo, eu também, "essa moça tá diferente", de 1970). ponto (de exclamação).

na dobra do espelho: ponto de fuga

empresto agora conceitos das artes plásticas, para tentar falar de ponto de fuga (não entendo nada de artes plásticas, se alguém estiver aí corrija por favor as besteiras que vou falar agora).

diz que lá, no centro nervoso dos quadros mais lindos, há o ponto de fuga. esse seria, se não me engano, o pingo de convergência, para onde nossos olhos (ouvidos) são instantaneamente atraídos. é legal, se for isso, que o ponto de convergência se chame ponto de fuga. é para onde tudo converge, mas é também de onde tudo quer fugir (pronto, delirei).

há um ponto de fuga em "mdc", que me atrai, mas me dá vontade de fugir. ele está, acho, no canto - a fusão entre música e palavra. o canto de max aparece, em "max", como o ponto de encontro e tensão entre a música e a palavra. em diversos momentos a voz parece se arrastar, parece se desacelerar numa morosidade preguiçosa e receosa de atingir alvos almejados, parece invadir música e letra com um gel pastoso e pegajoso, feito de paralisada vontade de ficar parado no ar, de não ficar aqui, nem ir para ali.

não há exatamente uma peculiaridade nesse artifício (que em "mdc" aparece, principalmente na tristíssima "teia dramática"). sinto-a em outros intérpretes que cantam de modo diferente de max, mas que me vêm a cabeça por razões talvez próximas. penso em ed motta, em pedro mariano e em paula lima (mas não quero pensar em ana carolina, excesso do excesso), que também costumam sair desabalados em busca (ou fuga) de um ponto de fuga (ou busca) que os afaste da objetividade da canção, do efeito pop da canção, do carimbo sem firula. gemem (para ser mais direto e menos delicado), não sei se por medo da frase, ou da melodia, ou da popularidade.

max, nesse aspecto, me faz lembrar o personagem da faixa "vontade de potência" (de resto, e por contradição, uma das minhas prediletas no cd), um "garoto do subúrbio" que "fez muito dinheiro" na música (cantando pagode ou axé, aposto). ali, max critica com senso agudo a redoma do sucesso e do dinheiro, mas, sei lá, nem assim consigo deixar de pensar no próprio max quando ouço tão sincera canção. ponto (de fuga), ponto-e-vírgula, ponto (de busca).

a palavra: teia dramática

e, no final, há o verbo, que max não parece acreditar que domine com fluência (eis mais um ponto, de fuga, e/ou de aproximação, se é que o que nos causa mais medo pode vir a ser o que há de mais bonito em nós).

como acontecia na melodia, também no verbo "mdc" é um disco de samples e remixes. se em música o disco resulta num revolver de toda a terra fofa da mpb, em letra o caso é mais ou menos outro, e ali mora um grande, grande, enorme trunfo. no lusco-fusco de citações melancólicas, ora embaralhadas, outrora um tanto cifradas, uma característica toma a cena de max e de "max": em seu novo disco, o filho de simonal se revela um sujeito capaz de e disposto a se colocar no lugar de outros, de outros outros, de vários outros, de (quase) todos os outros. é um caso de se vestir, remix de calça, blusa e gravata.

veja só. em "a filha da madame saré", fala-se de uma tal mariana, quase como se essa mariana estivesse encarnada na pele do narrador (figuras femininas, aliás, são recorrentes e fortíssimas no álbum). como já dito lá em cima, "vontade de potência" encena com ternura algum pagodeiro caído, como "sempre aos domingos" belisca com bom humor e delicadeza as grosserias televisivas de faustões e gugus ("eu não posso acreditar/ que não há nada melhor pra fazer/ numa tarde de domingo que ver televisão", brinca o funk). em "stratosfera", max repete recurso (re)lançado por marcelo camelo em rocks de los hermanos (e também em baladas que maria rita tomou para si): canta/fala no feminino, dirigindo-se a um companheiro com o pesar e a perplexidade dum final de amor. dirão (diremos) que é recurso antigo, aquilo mesmo que faz camelo ser tão comparado a chico buarque. mas é episódio a mais de construção de uma nova masculinidade, aquela de que fala maria rita kehl, aquela que pode fazer meninas do morro se encantarem por seus pares rappers e rappas, não pela violência que aqueles meninos guardam neles, mas pela ternura que emana daqueles meninos.

max, filho de wilson e pai de antônio, vai além e ousa testar a abordagem de um possível personagem homossexual (um travesti, ao que a letra parece indicar), em "rosa, um samba para excluídos". rosa, que de pronto remete a noel rosa (e, por conseqüência, a seu discípulo chico buarque, ele de novo) fala de um(a) rosa que "vive no gueto/ porque ser rosa lhe é proibido". é meio assim desconjuntadinho, e pode parecer frescura, mas nada disso. o/a "rosa" de max não é como a declamação de linhagem de "paratodos" (1993), do onipresente chico buarque. o samba de rosa não é "paratodos", é "para excluídos". ou seja, é para todo mundo, já que não há quem não seja excluído no brasil (ou no mundo?). o travesti da canção final do cd universaliza-o e se iguala a excluídos outros, que sejam mulheres, pretos, mulatos, putas, cegos, surdas, mudos, pobres, nordestinos, migrantes, pedreiros, operárias, gordos, magras, carecas, robertocarlos, lulas, loraburras, rappers, esquizofrênicas, favelados, lavadeiras, lixeiros, diaristas, ídolos caídos, funkeiros, pagodeiros, sertanejos, apresentadores de tv e/ou [...preencha com o termo que bem entender...].

porque, manejando a palavra, max de castro descobre que todos os excluídos são idênticos, são uma só pessoa que se repete com ínfimas variações. está ao alcance de nossos dedos a constante opção de gerar brigas fratricidas entre iguais ou olhar para o outro com atenção, ternura, identificação, cuidado, cumplicidade, enfim o despreconceito que nos for possível. a música de max opta pela segunda alternativa, reticências - ou melhor, três pontinhos...

quinta-feira, março 24, 2005

sem pudor

olá, comadres e compadres.
quero convidá-los a ler minha primeira reportagem de capa na "carta capital", chegando a partir de hoje às bancas de revistas. um dos motivadores do texto é o funk carioca. mas não só ele. porque agora tudo se mistura...

domingo, março 20, 2005

ruído

olha só que legal isso. cobrindo o festival roqueiro carioca independente "ruído" pelo site sobrecarga, andré mansur saiu em busca dos diretores artísticos (ar-tís-ti-cos, ouça bem) para ouvir deles o porque de suas honrosas ausências no evento (só compareceu carlos eduardo miranda, pela trama - mas, desconfio, pelo que sei do miranda, mais por ele mesmo que pela trama).

na coluna barulho independente, do andré mansur, você pode ler as mais variadas desculpas esfarrapadas dadas pelos diretores ar-tís-ti-cos para passarem batidos pelo "ruído". a mais freqüente delas, já vou adiantando, é que nosos diretores ar-tís-ti-cos têm de reservar seus fins de semana para compromissos pessoais. seus compromissos pessoais, concluo eu, não devem ter nada a ver com arte -será que ficam caçando talentos comerciais no "domingão do faustão" e no "domingo legal" (alô, max de castro, alô, lulu santos)? uai, mas esses "programas" já estão cheios de enésimas reformulações de é o tchan e lotados de pencas de "artistas" que já são propriedade exclusiva das gravadoras desses diretores ar-tís-ti-cos?

olha, é claro que tudo isso aqui é só jogo de cena. diretor "artístico" não quer mais ir a show, deve até ter medo do perigo de vir a encontrar algum talento ar-tís-ti-co, até porque não saberia o que fazer com ele. as gravdoras não contratam mais, elas só demitem. já passou do ponto reclamar que diretor artístico brasileiro não caça talentos no lugar onde os talentos moram - os shows. mas é bom que as máscaras caiam: não é de hoje que gravadora brasileira já não se ancora em arte, em artista, em talento (diretor artístico virou vaca de presépio, como bem mostra o trabalho do sobrecarga). e também já não é de hoje que gravadora brasileira se pergunta, feito barata tonta e cega em tiroteio, por que a história da nossa "grande" indústria fonográfica vem sendo uma ladeira abaixo das mais íngrimes. a explicação, gente boa, não mora no "domingão do faustão". mora um palmo diante do nariz.

[p.s.: eu, que sou jornalista e "crítico", também muitas vezes fico com preguiça de ir a shows (nesta semana só fui a um, do jumbo elektro, que foi beeeeeem legal, o que não me é nenhuma revelação) - nem sempre eles são legais, muitas vezes me dão um sono danado. posso tentar me desculpar, esfarrapado, dizendo que ser caça-talento não é meu ramo. mas acho que prefiro não me autojustificar, para poder deixar escrito aqui que toda "crítica" carece de um pouquinho mínimo que seja de (auto)crítica.]

sábado, março 19, 2005

popsambalanço & outras biritas

gravou em são paulo, no brasil, mas lançou na europa, pelo selo brazilianista britânico ether music. após uns meses, o disco que era brasileiro de nascença virou brasileiro por destino - "bambas & biritas vol. 1", de (eduardo) bid, ganhou edição nacional, sob a distribuição independente da mcd. o brasil continua(rá) dando volta ao mundo antes de virar brasileiro?

não sei, e não é essa a questão. bid é ex-integrante de bandas tão diferentes como tokyo (alô, supla), professor antena e funk como le gusta; é também produtor de discos de artistas tão diversos como chico science & nação zumbi, pavilhão 9 e mundo livre s/a. em 2004 (e, no brasil, em 2005), se aventura afinal pelo rótulo fatal "carreira solo". saiu o disco, será que vamos gastar pena, tempo e paciência tecendo comparações do bid solo com o bid líder de big band de black music, ou escrevendo que como intérprete bid é um bom chefe de banda e que como compositor bid é um belo dum produtor?

não vamos, não é essa a questão. "bambas & biritas" é aquele minuto em que tudo se mistura (logo, a gente adora, certo?). é a hora de não compartimentarmos, mas sim aceitarmos que o produtor é o band leader é o cantor é o compositor é o instrumentista é o sampleador é o pesquisador é o cronista musical. solo. e que, sendo solo e sendo tantos num só, costurou um interessantíssimo exemplo de disco solo que não é solo que é solo que não é solo. um disco de produtor que é o artista que produziu o artista que é o produtor. uma banda de um homem só, ou melhor, um homem só que é toda uma banda.

"bambas & biritas" é, nessa confusão de quando tudo se mistura, um álbum de autor que esconde por trás de si uma multidão. bid começa solo de tudo, (bom) cantor/(bom) poeta por si só, na doce e triste "não pára". mas olhe a ficha técnica. "não pára" tem banda, inclusive o organista "con azucar" carlos dafé - carlos dafé é veterano da cena black rio, soulman efêmero que desfibrou em 1977 o sucesso "pra que vou recordar o que chorei". [lá adiante, no cd, dafé voltará no piano elétrico da instrumental "saudades da black rio", guardiã de sample de "mr. funky samba" (1977), da banda black rio - a banda black rio representou momento de máxima exposição e comercialização das culturas black de subúrbio dos 70; a banda black rio é mãe da "diluição" do atual funk carioca, que é música eletrônica brasileira com raiz preta, preta, pretinha.]

a tênue impressão de solitude se desfaz já na segunda faixa, "na noite se resolve", que reúne gente como ganja man (do coletivo instituto), lúcio maia (da nação zumbi) e integrantes da funk como le gusta. um dos co-autores é o dj soul slinger - carlos "soul" slinger é brasuca auto-exilado que tem confundido e explicado inter-relações entre música eletrônica não-brasileira e música (não) eletrônica brasileira. outro dos co-autores é o (ex) membro da nação planet hemp black alien - (gustavo) black alien foi provavelmente o artista brasileiro mais inventivo a gravar um disco no brasil em 2004 ("babylon by gus – volume i – o ano do macaco", deckdisc), e é com esse know-how que faz de "na noite se resolve" a coisa mais aveludada e pontiaguda do cd de bid.

"maestro do canão" é homenagem explícita ao rapper paulistano assassinado sabotage; quem homenageia são rappers do quilate de funk buia e rappin' hood - rappin' hood é um dos promotores cruciais de fusão na atual música popular brasileira. [no intertexto de "maestro do canão", há ao menos dois sagazes samples (aquela modalidade musical que roberto carlos ainda não descobriu): de sabotage & instituto, o magnífico samba-rap "nega tereza" (lançado em "coleção nacional", instituto & mais um monte de gente, yb music, 2002); de baiano & os novos caetanos , "vô batê pa tu" (samba-rock da lavra de 1974, uma afronta morena à oficialidade mpb dos anos 70 operada por, entenda quem puder, chico anysio & arnaud rodrigues).]

"e depois...", maior momento de lirismo do álbum "solo", é cantada por seu jorge - ex-f(unk)arofa carioca, seu jorge era negro marginalizado do rio, virou galã de faroeste ("cidade de deus") no brasil e hoje é cidadão do mundo, movimenta "favelas chic" em paris, canta samba-soul-funk brasileiro aqui e algures, verte david bowie para o português e faz uns bicos em hollywood.

"fora do horário comercial" recoloca em circuito o hedonista semi-sumido marku ribas - marku ribas é samba-roqueiro mineiro, autor do surreal grito afro "zamba ben" (1973) e ex-parceiro eventual do branquelo grandalhão erasmo carlos (esse eu não vou explicar quem é, mas tampouco ele está presente em pessoa no cd).

"mandingueira" é cantada com ginga e com soul por elza soares (e essa eu também não vou explicar quem é, apesar de sua voz rascante estar hiperpresente no cd).

também tem uns gringos no disco (dasez & muhammad mubashir, no rap "soul survivor"), mas esses eu tô com preguiça de comentar. também tem alguma turma brasileira chamada cine:lândia (em "terra vista"), que não vou comentar porque não sei direito quem é.

e tem, de bônus, umas outras almas, na revelação de uma antigüidade registrada nos anos 90 por chico science (e por jorge du peixe, outro egresso do clã nação zumbi) - chama-se "roda rodete rodeano", foi composta por bid com os emboladores pernambucanos caju & castanha e se coloca ao léu aqui para lembrar o co-inventor da neotropicália à moda dos 90 a que se batizou mangue bit (aliás, onde estará o outro lado da moeda chico science, fred zero quatro? não veio?).

em outro bônus, "estou bem longe (do que me faz mal)", há andré abujamra (ex-os mulheres negras, ex-karnak, atual andré abujamra) e o extraordinário rap-repente-percussionista de boca fernandinho beatbox (do grupo z'áfrica brasil).

é gente demais (quem está ali dentro está em negrito, mesmo que esteja ali dentro só de aura), e eu nem falei o nome de todo mundo. e é de alta consistência musical. e é prova de que estamos em tempos de mistura e comunicação, e de que, mesmo que o nome bid enfeite a capa do cd e unifique o que ele contém, a música que conta em 2005 é um troço de espírito coletivo, é uma celebração do agrupamento, da congregação, da tempestade cerebral - tudo que a ditadura militar brasileira se esforçou por (e conseguiu) desarticular, "bambas & biritas" representa em modesta colaboração a desarticulação da desarticulação.

@ - pausa de 15 mil compassos

"bambas & biritas vol. 1" é filho (não) bastardo de um disco que saiu no brasil em 1989, sob forte bombardeio da crítica, e que se chamava "popbsambalanço e outras levadas" (rca/bmg). seu autor, lulu santos, contava com o auxílio luxuoso de uma banda chamada auxílio luxuoso, cujos nomes dos integrantes nem eram creditados no encarte do lp. assim como o brasil, lulu santos era, em 1989, um projeto de ídolo, de dono da bola, de personalidade-guia, de rei da cocada preta. vestindo tais túnicas, lulu era um homem até certo ponto isolado, e talvez isso ajudasse a entender a inaceitação coletiva dos críticos e do público ao que ele resolvera fazer em "popsambalanço". pois era um dos melhores álbuns que lulu lançou numa longa carreira de brilho pop.

é claro que isso só se pode entender hoje, quase 15 anos depois, mas "popsambalanço e outras levadas" era uma antecipação, um abridor de latas, um farol-guia que seguiria quase sempre não-reconhecido. significava a tentativa de um roqueiro americanizado brasileiro de penetrar de volta em seu país de origem. tinha sambinha. tinha tropicália underground (regravação do "samba dos animais", insucesso de jorge mautner em 1974). tinha muito samba-rock (já a partir da divertida e irônica faixa de abertura, "brumário"). tinha lirismo ("os sobreviventes": "já riscaram tanta coisa desse mapa", "mas será que fechar os olhos/calar a boca é o que vai sobrar pra nós aqui?"). tinha ironia & auto-ironia ("o rei", esculhambação contra a jovem guarda dos 60 de roberto carlos e contra o iê-iê-iê dos 80 de lulu santos : "eu sou o rei do iê-iê-iê/ eu sou o rei do ô ô ô/ eu soi o rei do hey hey hey"). tinha funk carioca ("e.o.q.a."), artes plastimusicais ("parangolé") e pop-rock caretão-sabidão ("eu não": "eu é que não vou ficar me lamentando enquanto a vida vai passando batida rumo ao futuro"). beliscando ressuscitar o sambalanço, ousava reinserir o preto num dos tempos mais brancos da história do pop nacional. já andava meio só (fora
lulu santos, quem estava ali em negrito só estava ali em aura), tomou mais tomate no topete.

pois naquele dia o visionário solitário lulu santos sabia, e só bem depois um monte de gente ia saber também, que o rumo futuro do pop brasileiro teria que encarar a retomada do projeto coletivo da música bleque nacional. no disco branco (de capa preta) "popsambalanço e outras levadas", estava inscrito que logo mais o brasil ia se reassumir negro com lula, clube do balanço, hip hop paulistano, funk supercarioca... ia se reassumir negro também, no eterno lado b das coisas ouvidas de raspão, com o disco branco (de capa branca) "bambas & biritas vol. 1", do pós-lulu santos pós-pop bid.

"os sobreviventes saberão dar valor/ os sobreviventes conservarão calor, respeitarão a dor, saberão dar valor, celebrarão o amor/ isso se existirem", disse em 1989 mr. funky lulu santos.

"não tem nada, não, o pensamento marca a história pela canção (...)/ estranhos se tornam melhores amigos/ melhores amigos se tornam estranhos/ (...) o tempo escorre e eu corro atrás", respondeu em 2005 black alien da silva do brasil .

então estávamos todos em negrito, boa-noite.

quinta-feira, março 17, 2005

outra pausa de mil compassos...

ai, ai, tanta coisa pra escrever aqui... mas não tá dando tempo!! credo!!!
(alguém tem algum assunto, enquanto isso?)

segunda-feira, março 14, 2005

coroa de lata

fico sabendo, por fontes escusas (mas plenamente confiáveis), que roberto carlos vetou o sample de "história de um homem mau" no disco novo do rappin' hood. lastimável, meu rei. depois não vai colar se choramingar que é isolado e incompreendido, que se sente rejeitado e nem sabe por quê. na nossa infeliz cultura do olho-por-olho-dente-por-dente, rejeição com rejeição se paga, e isso é o que mais me dói. será que rappin' hood escolheu errado seu super-herói? creio que não, mas, ah, esse filme a gente já (não) viu. e é chaaaaato. em terra de rei cego quem tem dois olhos (tapados) é rappin' hood. mas mano marrom é amigo de fé, é irmão camarada, e há um milhão de cachoeiros do itapemirim nas malocas da perifa.

ai, ai, isso demora e dói, mas um dia a gente ainda chega lá. e vai ter "rap(pin') do rei" de música incidental.

sábado, março 12, 2005

espelho, espelho meu...

acha que eu resisto?, não resisto. há vários dias eu tava ansioso que saíssem os resultados da compilação do idelber avelar para determinar "os melhores discos brasileiros do universo".

porque eu ficava pensando assim: por que não pegar os vencedores do "voto popular", um por um, e imaginar discos que fossem de algum modo espelhaods com eles, e que livrariam a listomania da inevitabilidade inevitável dos chicos & caetanos, elises & tons & bens & tais?

então, pronto, eu vou tentar. primeiro copio a lista do idelber e depois faço o espelho invertido, de ponta-cabeça, um por um. cê tá entendendo?

então vamos.

aqui, os "verdadeiros" vencedores:

1º "a tábua de esmeralda" (philips, 1974), jorge ben
2º "construção" (philips, 1971), chico buarque
3º "elis & tom" (philips, 1974), elis regina e tom jobim
4º "clube da esquina" (odeon, 1972), milton nascimento e lô borges
5º "dois" (emi/odeon, 1986), legião urbana
6º "tropicália ou panis et circenses" (philips, 1968), vários
7º "krig-ha, bandolo!" (philips, 1973), raul seixas
8º "verde anil amarelo cor de rosa e carvão" (emi/odeon, 1994), marisa monte
9º "afrociberdelia" (sony, 1996), chico science & nação zumbi
10º "secos & molhados" (continental, 1973), secos & molhados
11º "transa" (philips, 1972), caetano veloso
12º "a Divina comédia ou ando meio desligado" (polydor, 1970), mutantes
13º "chico buarque" (philips, 1978), chico buarque
14º "chico buarque" (barclay, 1984), chico buarque
15º "chega de saudade" (odeon, 1959), joão gilberto
16º "meus caros amigos" (philips, 1976), chico buarque
17º "áfrica brasil" (philips, 1976), jorge ben
18º "fatal - gal a todo vapor" (philips, 1971), gal costa
19º "caetano Veloso" (philips, 1968), caetano veloso
20º "acabou chorare" (som livre, 1972), novos baianos
21º "da lama ao caos" (sony, 1994), chico science & nação zumbi
22º "cartola" (discos marcus pereira, 1976), cartola
23º "olho de peixe" (velas, 1993), lenine e marcos suzano
24º "novo aeon" (philips, 1975), raul seixas
25º "cinema transcendental" (philips, 1979), caetano veloso
26º "som pixinguinha" (odeon, 1971), pixinguinha
27º "cabeça dinossauro" (wea, 1986), titãs
28º "álibi" (philips, 1978), maria bethânia
29º "clementina" (emi/odeon, 1979), clementina de jesus (e convidados)
30º "refavela" (philips, 1977), gilberto gil

aqui, os falsos vencedores, os transperdedores, os antitriunfantes, o ou-tro-la-do-do-es-pe-lho:

30º "toni tornado" (odeon, 1972), toni tornado
29º "brasil som 75" (copacabana, 1975), benito di paula (e convidados)
28º "meia-noite" (rca, 1977), maria creuza
27º "magazine" (wea, 1985), magazine
26º "lafayette apresenta os sucessos" (cbs, 1966), lafayette
25º "pelas esquinas de ipanema" (philips, 1978), erasmo carlos
24º "vendendo grilo" (chantecler, 1975), silvio brito
23º "paêbirú" (rozenblit, 1975), lula côrtes e zé ramalho
22º "o samba é bom" (elo music, 2002), antonio vieira
21º "timbalada" (polygram, 1993), timbalada
20º "garra" (odeon, 1971), marcos valle
19º "ronnie von" (philips, 1969), ronnie von
18º "...maravilhosa" (polydor, 1972), wanderléa
17º "cheio de razão" (copacabana, 1978), bebeto
16º "eu pecador" (odeon, 1977), agnaldo timóteo
15º "descendo o morro..." (copacabana, 1958), roberto silva
14º "roberto carlos" (cbs, 1981, com "as baleias" e "emoções"), roberto carlos
13º "eu quero é botar meu bloco na rua..." (philips, 1973), sérgio sampaio
12º "os incríveis" (rca, 1970, com "eu te amo, meu brasil"), os incríveis
11º "a foreign sound" (universal, 2004), caetano veloso
10º "maria alcina" (continental, 1973), maria alcina
9º "o canto da razão" (kaskatas, 1993), art popular
8º "martinha" (rozenblit, 1968), martinha
7º "roberto carlos" (cbs, 1972, com "a montanha" e "o divã"), roberto carlos
6º "pilantrália" (parlophone, 1968), carlos imperial e a turma da pesada
5º "pensa em mim" (cbs, 1972), jerry adriani
4º "sessão das 10" (cbs, 1971), sociedade da grã-ordem kavernista (raul seixas, sérgio sampaio, edy star e miriam batucada)
3º "ama-me" (rca, 1978), jane & herondy
2º "simonal" (odeon, 1970), wilson simonal
1º "roberto carlos" (cbs, 1970, com "jesus cristo" e "o astronauta"), roberto carlos

aliás, deixo uns versinhos de "o astronauta", em homenagem ao não-vencedor: "não posso mais olhar tanta tristeza/ por isso não vou mais ficar aqui/ o mundo que eu queria não é esse/ o meu mundo é só de sonhos/ (...) meu amor não sei por onde anda/ será que os amores já morreram?/ um astronauta eu queria ser/ pra ficar sempre no espaço/ e desligar os controles da nave espacial/ e pra ficar para sempre no espaço sideral/ não vou voltar pra terra, não/ (...) oh, um astronauta eu queria ser/ pra ficar sempre no espaço/ e não voltar"...

hello, mr. kubrick!

quinta-feira, março 10, 2005

dentro da cabeça, um baile pelo lado b

daniel carlomagno tem sido o patinho feio da geração "artistas reunidos" que a gravadora trama bancou e fez ganhar existência de fato e direito. é, de todos os rebentos, o único que não foi filho de elis regina, que não foi filho de wilson simonal, que não é filho de jair rodrigues, muito menos será ou seria filho de caetano, gil ou rita lee. talvez em parte por causa disso mesmo, seu disco de estréia ("daniel carlomagno", trama, 2001) atraiu desatenção geral de crítica & reportagem, imprensa & mídia eletrônia, público & fã clubes. virou anti-artista reunido na mesma medida em que seus pares &/ou parceiros &/ou amigos &/ou colegas (des)unidos (joão marcello bôscoli, pedro mariano, wilson simoninha, max de castro, jair oliveira, luciana mello e, extra-trama, maria rita) atraiam interesse, mas também antipatia - uma nova panelinha se formava, foi o que compreenderam não poucas pessoas que vivem às voltas com o meio musical brasileiro.

daniel foi o "primo pobre" dessa ventania armada, em parte porque era "filho de ninguém", filho do seu pai, pimpolho da minha mãe, membro da nossa grande família silva num mar de "celebridades". era parente de ninguém, porque era parente de todo mundo - ou vice-versa.

querendo ou não, as "ovelhas brancas" da família trama fixaram mesmo uma imagem que passou a se locomover em bloco. mesmo com variações maiores ou menores, se identificaram, todos, com uma melopéia manhosa, ou modorrenta, dependendo do gosto do freguês: foram se consumando músicos de soul, de rhythm'n'blues, de funk, de samba-jazz, de bossa negra. alguns até se espraiam por bem mais que tudo isso, mas os rótulos cabiam bem, e a unidade NEGRA dos artistas reunidos rendeu amores & repúdios, como cutucou também uma conhecida indisposição brasileira a sons de origem negra que não sejam o samba, o baticum, o prugurundum, o atotô, o tique-tique-taque do nosso coração. mais que tudo, rendeu a noção errônea de que eram todos mais ou menos iguais.

yep, pode-se argumentar que tal noção nem é de todo errônea, mas acho também que há um fundo muito bem camuflado de preconceito naquela idéia meio corrente de que essa garotada, como nossos pais & padrastos, é "pasteurizada", "panelinha", "todo mundo igual", "se acha", "pseudochique" (ouve-se muito isso sobre a trama, viu, dona trama?). acho que pode ser, em parte, mas acho que também tudo vira mote para um certo racismo musical velado contra pretos que não pegam no pandeiro nem praticam pontapés na pelota do pelé. [vale para os "prancos" ou "pseudopretos" que apreciam praticar piparotes black music, feito pedro mariano ou os simonal ou o pequeno carlomagno.] ops, afasto-me do assunto, não é bem isso.

é que, para coroar negligências & preconceitos, há agora o segundo cd de daniel carlomagno (também "daniel carlomagno", de novo trama). pois estou surpreso com o disco do rapaz (eu também não gostara do primeiro) e, vou lhe dizer, com o perdão do palavrão, ouço-o se revelando um puta produtor musical. e aí há as questões apontadas quando eu quase me desviava do assunto.

daniel carlomagno pisa no acelerador black music, novidade nenhuma nisso. ajudará a reforçar os estereótipos trama nos momentos mais moles, melosos e mansos (as baladas e, em especial, as canções pastosas que são de sua autoria, mas antes fizeram modesto sucesso nas vozes dos outros ex-unidos). mas não é disso que se trata o treco, não é assim que se faz, não é assim que se ama.

daniel exacerba neste momento uma outra característica dos ré-unidos, que o faz dialogar olho no olho com max de castro e se torna dado escondido por dentro dos puídos preconceitos. além de cantar com segurança neste novo trabalho, ele é ali um porta-voz de espécimes musicais que se poderiam classificar como pertencentes ao "lado b" da música brasileira. em palavras mais simples, segue, decupa e reelabora sonoridades que fogem do esquadro totalizador de caetano-chico-elis-gil-gal-bethânia. e se sai bem, extremamente bem, nessa tarefa.

porque as grandes faixas do cd evocam, dedicadamente, artistas e estilos musicais que não gozam de unanimidade - mais que isso, que não raro são identificados por nossa grosseria e superficialidade como "chatas", "ruins", blablablá. quer ver?

uma das coisas mais comoventes em "dc" é "machina", uma canção de humores mineiros composta e interpretada em dupla com o veterano interiorano renato teixeira. lembra mais milton nascimento que renato teixeira, e sofre lá de seus cacoetes. mas é emocionante, viajante, acachapante; "épocas de se fartar com a esperança dos meninos", cantam daniel e renato, entre piegas & esperançosos, entre urbanos & novamente rurais, entre profetas do passado & arautos de ares novos. há um berrante na alma de cada brasileiro, berram em pós-romaria, caipiras, piras, poras.

outra é "duas solidões", só de daniel, que tem letra pessimista (embora tocante) e chega a lembrar até um pouco demais os modos musicais do mineiro lô borges. é estranho, mas o que às vezes chega a repelir em lô borges é o mesmo que soa tão, tão, tão atraente em "duas solidões". parecem duas solidões, a de lô e a de daniel, atadas num mesmo sussurro por socorro. daniel aqui rima com samuel (rosa, do skank), na busca bandeirante por um brasil íntimo, interior, ex-esquecido. é bonito, e é bonito, e é bonito. "cê tá entendendo?", como diria arnaldo baptista, os nexos? que o caso não é de cor da pele, etnia, idade, peso, extrato bancário, estrato social, sexo ou orientação sexual, mas de ex-clu-são, esse bichinho do ram-ram que nos iguala a (quase) todos?

há, então, duas parcerias com o deus sem ego marcos valle, uma delas ("o inevitável") meio vagarosa , outra delas ("flores na varanda") maravilhosa, abrasadora, uma brasa, mora? nas flores dessa varanda está o que havia de mais moderno no marcos valle pós-bossa nova, no marcos valle dos anos 70, no marcos valle que agia em consonância inconsciente com a modernidade eletrônica alemã do kraftwerk e com a modernidade eletrônica brasileira de joão donato & tamba trio. era gente de vanguarda, mas gente do lado b por excelência.

"de volta ao começo", a última canção, é também de lavra marcosvalleana, embora tenha título de música de gonzaguinha. é longa, enorme, rica, mirabolante. musicalmente, faz tentativa tímida & ambiciosa de ir parar além do professor, de trazer o passado para o futuro, de botar cuíca sintetizada na cuca legal do século xxi.

no meio da massa musical em efeitos de túnel retrofuturista do tempo, há "minha casa", de daniel sozinho. toca um funk encorpado, tradicional. essa é sua casa, ele parece dizer. é aquele cotovelo que não vão gostar, que vão chamar pasteurizado, patota, panelinha. pode ser, procede. mas é boa, bacana, bem produzida. por favor, pare agora.

por fim, de volta ao começo, há a faixa de abertura, chamada "minha cabeça". ai, essa tem uma letra negativa, algo dramática, que lembra em graus mais ou menos elevados o imaginário rígido, reto e ríspido de edu lobo. tem poesia pontuda, de imagens autocríticas como "esse bairro estranho e distante que é minha cabeça", "de madrugada a moça chorando no portão da minha casa", "havia nada a fazer, era a minha decisão/ e estava errada, mas eu sempre o dono da razão"... pop sideral, erige sobretudo um castelo de sonoridade, produção e interpretação que ergue uma declaração de paixão imedida pela música de marcos (& paulo sérgio) valle. "na minha cabeça" é uma grande canção dos valle black-white-blonde dos anos 70, mas muito modernizada e composta solitariamente pelo próprio discípulo, o carlomagno, instantâneo marcosmagno. é o testemunho modesto, aprendido no déficit de ego de valles, naras e erasmos, de um garoto que viaja de volta ao começo ("tem gente que vem e quer voltar", "o trem que chega é o mesmo da partida") para tentar encontrar esse monstro medonho e banguela que é o futuro.

precisa perder pachorra e preconceito para poder apreciar. o lado a já gastou, tem que virar o lado do disco, porque, você sabe, cd não é vinil, mas também tem lado b, o outro lado da lua. e música (em vitrola, radiola, toca-cd, mp3 ou memória ram) tem tantos lados que é quase um cubo, um poliedro.

quarta-feira, março 09, 2005

...& os 30 melhores "piores" discos brasileiros dos últimos 15 milênios...

porque quem foi que disse que música "ruim" é ruim? quem foi que disse que música é ruim? quem está botando piolho na cabeça do século? quem botou esse chapéu de bobo na nossa cabeça? (aliás, falando em chapéu de bobo, não quero me arvorar ao arvoredo, mas não falei que ia crescer galhada na cabeça do severo severino? pois diz que ele vai receber representantes do movimento gay lá na planaltina! será que vai? isso ainda acaba em parada gay, eeeba, a gente a-do-ra quando tudo se mistura!!)

pois então, como eu estava falando. encafifei nesse nick-hornbynismo caboclo (msa já passa) e lá vai minha lista dos melhores "piores" discos. as aspas são porque não acredito no que tá escrito dentro das aspas. e porque estou amando loucamente cada um dos discos enumerados abaixo.

30º "boladona" (big mix, 2004), tati quebra barraco
29º "fabio jr." (som livre, 1979), fabio jr.
28º "neusinha brizola" (som livre, 1983), neusinha brizola
27º "guilherme arantes" (som livre, 1976), guilherme arantes
26º "vanusa" (continental, 1973), vanusa
25º "franco" (continental, 1978), franco (pai do k, do l e do b)
24º "pena verde" (odeon, 1970), abílio manoel
23º "e?" (cid, 1974), baiano & os novos caetanos (mais/menos conhecidos como chico anysio e arnaud rodrigues)
22º "os incríveis" (rca, 1969), os incríveis
21º "fumacê" (odeon, 1970), golden boys
20º "alfagamabetizado" (virgin, 1996), carlinhos brown
19º "quero voltar pra bahia" (odeon, 1970), paulo diniz
18º "mudei de idéia" (rca, 1971), antonio carlos & jocafi
17º "os originais do samba" (rca, 1969), os originais do samba
16º "passado, presente e futuro" (odeon, 1972), sá, rodrix & guarabyra
15º "estúpido cupido" (odeon, 1959), celly campello
14º "cartão postal" (odeon, 1971), evinha (ex-trio esperança)
13º "banda veneno de erlon chaves" (philips, 1971), erlon chaves e banda veneno
12º "trio esperança" (odeon, 1974), trio esperança
11º "guilherme lamounier" (continental, 1973), guilherme lamounier
10º "tony & frankye" (cbs, 1971), tony bizarro e frankye adriano (com dedo de raul seixas)
9º "leno e lilian" (cbs, 1972), leno e lilian (com dedo de raul seixas)
8º "revoluções por minuto" (cbs, 1985), rpm
7º "as aventuras da blitz 1" (emi/odeon, 1982), blitz
6º "cantando no banheiro" (polydor, 1982), eduardo dusek (e joão penca e seus miquinhos amestrados)
5º "sergio murilo" (columbia, 1960), sergio murilo
4º "joão ricardo" (philips, 1975), joão ricardo
3º "como dizia o poeta... - música nova" (rge, 1971), toquinho, vinicius e marília medalha
3º "...maravilhosa" (philips, 1972), wanderléa
2º "alucinação" (philips, 1976), belchior
1º "ronnie von" (philips, 1969), ronnie von (& maestros tropicalistas)

[no papel de wilson simonal, fica eleito desta vez "exclusivo para deus" (nancel, 2000), o disco evangélico de baby (ex-consuelo) do brasil. pra deus pode, exclusivo? poode.]

ai... e o pessoal da terceira margem, que não cabe direito nem na lista de cá, nem na lista de lá, os "desajustados"?... é tanta gente... tim maia, angela ro ro, tom zé, doris monteiro, luiz gonzaga, elza soares, bebeto, ritchie, trio mocotó, roberto silva, rosinha de valença, sidney miller, cassiano, claudette soares, geraldo vandré, zé ramalho, martinho da vila, marina lima, azimuth, tamba trio, ednardo, elomar, fagner, quinteto violado, hyldon, joão bosco, roberto ribeiro, beth carvalho, fausto fawcett, fernanda abreu, lulu santos, nando reis, mpb 4, o ney matogrosso dos anos 70, sérgio sampaio, zeca baleiro, lô borges, walter franco, pato fu... ah, se todos fossem iguais a vocês, que maravilha viver entre jatomóveis, ruas e avenidas...

segunda-feira, março 07, 2005

os 10 melhores discos de todos os tempos dos últimos 15 minutos

pois é. os rapazes da blogosfera me convidaram (alô, idelber avelar), e achei irresistível brincar também. não entendi direito, mas eles querem fazer um pool de blogs, cada qual elegendo sua lista dos "melhores" (ou seja, opiniões totalmente subjetivas) discos brasileiros de todos os tempos. em parte vou contra minha própria vontade, porque acho meio lambisgóia esse negócio de lista dos dez mais e porque acho nick hornby chaaaaaaaato (se bem que achei um barato o lobão -gostando e- escrevendo sobre ele na "folha"). mas, enfim, contradição, lista dos dez mais é o seu nome. vambora, simbora, de trás pra frente, do dez pro um, do simonal pro ben.

15º "babylon by gus" (deckdisc, 2004), black alien
14º "há 10 mil anos atrás" (philips, 1976), raul seixas (e paulo coelho)
13º "bicho de 7 cabeças" (baratos afins, 1994-95), itamar assumpção e orquídeas do brasil
12º "transa" (philips, 1972), caetano veloso (e jards macalé)
11º "lugar comum" (philips, 1975), joão donato (e gilberto gil)
10º "pérola negra" (philips, 1973), luiz melodia
9º "clara nunes" (odeon, 1973), clara nunes
8º "a dança da solidão" (odeon, 1973), paulinho da viola
7º "fatal" (philips, 1971), gal costa (& exilados em geral, externos e internos)
6º "garra" (odeon, 1971), marcos valle (e paulo sérgio valle)
5º "nara leão" (philips, 1968), nara leão (e rogério duprat)
4º "loki" (philips, 1974), arnaldo baptista
3º "roberto carlos" (cbs, 1970), roberto carlos (e erasmo carlos)
3º "babilônia" (som livre, 1977), rita lee & tutti frutti (e roberto de carvalho)
2º "carlos, erasmo..." (philips, 1971), erasmo carlos (e roberto carlos)
1º "a tábua de esmeralda" (philips, 1974), jorge ben

uh, nem vou dizer que essa lista é 100% irresponsável. e que não deve ter longevidade maior que os clássicos 15 minutos preconizados pelo músico brasileiro andy warhol, que não nasceu no brasil nem nunca gravou um disco (que não fosse do velvet underground, que não era uma banda de artes plásticas). porque são obviedades, e obviedades não se escrevem.

oh, embananei tudo, mas foi só um jeito de citar o disco dos meus sonhos, "the velvet underground & nico" (verve, 1967, o disco da banana cor-de-rosa descascável, capa by andy warhol)... aliás, sendo um disco por minuto, como dois e dois são cinco, noves fora somei tudo e deu quinze... a minha lista dos dez mais tem quinze discos... tá todo mundo louco, oba! ainda somos os mesmos e vivemos como belchior!

ih, e pelo que entendi a votação é universal, a estratosfera toda pode participar - vote você também! (eu não entendo, mas) o idelber explica como no blog. e o disco/artista vencedor será aclamado presidente da câmara dos deputados e causará horror e repúdio geral da nação porque costuma ir em socorro de cachaceiros e infratores do trânsito pernambucano (o brasil tem cada problema do tamanho do abominável homem das neves, credo em cruz.)

[eh, e meu lp predileto do wilson simonal é o underground-hippie-subculture "simonal" (odeon, 1970). é que eu faço parte do "sistema", e no "sistema" não existe wilson simonal. ah, pronto, dezesseis...]

sexta-feira, março 04, 2005

kombi: como é que eu não pensei nisso antes?

e a kombi, hein?

a kombi também é o vira-lata, a cachaça, o açúcar, o sal, a vida severina, o severino (apelido biu), o itamar assumpção e o roberto carlos dos carros! a kombi é o fusca das peruas!

a kombi é um fusca robusto, que cresceu, ficou quadrado, encompridou, retangulou. a kombi talvez seja um fusca mais careta, quadradão, que se perdeu das redondezas. a kombi é uma perua decadente, uma senhora conservadora, talvez reacionária. em compensação, olha só o tanto de gente que cabe dentro da kombi. a kombi sacoleja, mas é como coração de mãe, ali cabe todo mundo. a kombi tolera células-cabeça, células-tronco e células-membros (xiii... alô, blog de jewel blake bechara, me autoplagiei...). a kombi é billie holiday, fernanda montenegro, marília pêra, cleyde yáconis. é a cantineira que vendia mé ao lula, dercy gonçalves, lolita rodrigues, clementina de jesus, carolina de jesus.

fusca é o pai, kombi é a mãe. e roberto carlos é a vovozinha.

quinta-feira, março 03, 2005

amado amante

a gravadora trama enviou um texto de divulgação contendo um ato falho incrível, sensacional. é que o wilson simoninha vai fazer com a mtv (com a mtv?) um disco ao vivo só de músicas do jorge ben, e lá no seu texto a trama diz assim que uma das músicas do repertório é "amado amante". hahahahahahaahahahahahahahahahahha.

tô rindo porque a música do jorge ben não se chama "amado amante", mas sim "amante amado" (está em "a banda do zé pretinho", som livre, 1978). e o fofo ato falho me atentou para uma coisa que nunca, nunca, nunca eu havia percebido (droga, queria reescrever "como dois e dois são cinco" para inserir a "descoberta"): será que "amante amado" era uma resposta em negativo à "amada amante" ("roberto carlos", cbs, 1971) de roberto e erasmo carlos???

serááááá?

olha só.

"amada amante": "(...) e você, amada amante/ faz da vida um instante/ ser demais para nós dois/ esse amor sem preconceito/ sem saber o que é direito/ faz as suas próprias leis/ (...) nesse mundo desamante/ só você, amada amante/ faz o mundo de nós dois (...)"


"amante amado": "(...) quero ser mandado, adorado, acariciado, machucado e amado por você/ e depois pode me mandar embora mesmo que sejam quatro horas da amanhã/ chovendo/ fazendo frio, amor/ e me proibindo de olhar pra outra mulher qualquer (...)"

hum, será que o ben andava sonhando em ser assim um amélio, um reverso de amélia que negasse assim os fervores de machismo preponderante do rei? ah, mas por outro lado rc defendia um "amor sem preconceito", o mesmo do jb, né? eram opostos, e eram iguais...

porque, ei, onde fica nisso tudo a amélia de ataulfo alves e mário lago, aquela que "era mulher de verdade" porque era bem obediente, bem subalterna, bem submissa?

[p.s.: sabia que roberto carlos, sempre tão avesso às normas da mpb "chique", gravou "ai, que saudades da amélia", do mário e do ataulfo, com órgão e tudo? foi num compacto de 1967, mesma época em que ele tentava furar bloqueios da elite emepebista, participando do festival da record com o sambão "maria, carnaval e cinzas", do paranaense carlos paraná. deu com os burros n'água. foi vítima de preconceito. e iracema voou para longe da mpb.]