quinta-feira, janeiro 28, 2010

colecionando répteis

Um belisco meu nos territórios da literatura, publicado na revista "Gol" 91, de outubro de 2009:

O horror, o humor e o escritor adulto
COM 32 ANOS E QUATRO LIVROS LANÇADOS, O PAULISTANO SANTIAGO NAZARIAN BRINCA DE SER POP

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

O ESCRITOR PAULISTANO SANTIAGO NAZARIAN guarda bem expostos na sala de seu apartamento de adulto alguns dos brinquedos prediletos de quando era criança. Um morceguinho. Um macaco de boca aberta e feições de horror, que quando pequeno chamava de “monstro do pântano”. Uma cobra de borracha. “Fui uma criança gótica”, ele se diverte. Mais resguardado, na área de serviço, fica Araki, um iguana, este vivo e de verdade, não de plástico ou borracha.

O cenário ajuda a introduzir o imaginário norteador de um autor que acaba de publicar seu quarto romance, O Prédio, o Tédio e o Menino Cego (ed. Record): algumas doses de terror, morbidez e atmosfera “dark”, mas maciamente embalados em bom humor e encharcados da pura cultura pop imaginadora e inventora de cobras, lagartos, King Kongs e monstros do lago Ness.

No novo livro, as asas à imaginação dão voo a serial killers e zumbis. A um prédio inclinado que costuma “ejetar” seus moradores mais marginalizados. A uma versão mais tenebrosa (ainda) da fábula de Branca de Neve e os Sete Anões, na qual os anões são substituídos por um septeto de adolescentes às voltas com o conflito inevitável de crescer.

Santiago já passou da adolescência – tem 32 anos –, mas elege a transparência ao explicar que o rito de passagem esmiuçado no texto lhe serve para alegorizar outra transição, bem mais próxima: “Comecei a escrever esse livro com 29 anos, num momento de passagem, de transição, de me aceitar como homem, como adulto”. Em meio ao ritual, foi ao Chile conhecer sua xará Santiago, a cidade (onde passou, sozinho, a virada para os 30 anos), e o deserto do Atacama, certamente um santuário para colher referências cinematográficas pop e ultrapop. “Acho que tenho postura e ritmo de vida de acordo com minha idade”, reflete, talvez com certo temor, e ciente do impacto de sua produção junto a camadas mais jovens de público. Assim era, por exemplo, Mastigando Humanos (ed. Nova Fronteira, 2006), sobre um jacaré que foge do campo para viver de aventura nos esgotos da “grande” São Paulo. Na escrita de Santiago, a cultura pop faz pano de fundo e várias vezes toma conta da cena, mas existe não para preencher espaços vazios, e sim para obrigar o autor a mergulhos em profundezas duras, nuas e cruas como as habitadas por seu jacaré fictício. Ele diz possuir algo que chama de “apelo extraliterário”, que gerencia de modo consciente. “Minha imagem, o universo pop, o apelo com o público adolescente”, enumera, “sem isso não estaria indo ao programa do Jô Soares pela terceira vez”.

ROTINA CONHECIDA
Pop à parte, estilhaços da personalidade do autor se espalham pelos sete garotos do novo livro, identificados por traços-estereótipos: narcisista, andrógino, atleta, junkie, negro, gordo e cego, todos em conflito com as próprias inclinações ao isolamento (ou “tédio”, como traduz o título). Conexões são perceptíveis quando Santiago descreve o modo como administra e-mails, blog (www.santiagonazarian.blogspot.com), comunidades na internet, fãs virtuais etc. “Tirei os comentários do blog. As pessoas entram para aloprar, dizer ‘ah, você é péssimo’”, lamenta, admitindo-se suscetível às críticas. “Por e-mail, ninguém me ‘chocha’. Quando a pessoa quer ‘chochar’, ela quer que os outros saibam que está ‘chochando’.” [na edição final da reportagem, os jargões "chocha", "chochar" e "chochando" foram trocados por "detona", "detonar" e "detonando"]

Por um lado, admite sentir culpa por não responder a todos os apelos, muitos deles pedidos de ajuda para emplacar na literatura. “Digo que eu não tive padrinho, que eu pus meu texto em concurso.” Por outro, vale-se das frestas virtuais para se comunicar: “Meu namorado é um leitor que me escrevia. A gente também precisa de amigos e de amor”, constata, em tom entre debochado e doce. A sexualidade é outro tema que aborda com foco e objetividade. “Não gosto daquela história de escritor dizer ‘não falo que sou gay porque senão viro autor gay’”, toca numa das molas propulsoras dos (auto-)preconceitos.

Para lá da literatura, Santiago leva uma rotina bem conhecida de escritores não nascidos em berço esplêndido. Além do ofício principal, tem de se virar fazendo traduções, pareceres para que editoras se decidam por traduzir (ou não) obras estrangeiras, roteiros variados (no dia da entrevista, estava às voltas com textos internos para uma companhia telefônica), artigos na imprensa. “Gosto de fazer parecer. Tem a parte mercadológica, ter que dizer ‘este livro é ruim, mas vai vender bem’”, diverte-se com esse outro tipo de brinquedo.

Santiago formou-se em publicidade, e antes de fixar uma identidade de escritor trabalhou como redator de agência em Porto Alegre (RS). Perambulou pela Europa, trabalhou como barman em Londres. Em São Paulo também teve rápida experiência de barman, na boate gay SoGo. “Com 25 anos tinha voltado para a casa da minha mãe. Não ia pedir dinheiro para ela para ir à [boate] A Loca”, diz, com humor semelhante ao que habita os livros.

ALÉM DA MERA IMAGEM
Nesses vaivéns escreveu e manteve inéditos os dois primeiros romances, A Morte sem Nome, escrito entre os 22 e os 23 anos, e Olívio, aos 23. “Sinceramente, não fazia para publicar. Não escrevia porque queria ser reconhecido.” Mais ou menos simultaneamente, inscreveu-se num concurso literário e atendeu a um classificado que buscava roteiristas para o Disk-Sexo, “para textos eróticos e esotéricos”. Venceu o primeiro, foi contratado para o segundo. Ao concurso enviou o segundo livro, Olívio, que acabou sendo publicado em 2003.

“No começo, não saiu nenhuma resenha. Escrevi a todos os jurados do concurso, agradecendo e perguntando ‘o que eu faço?’. Não dava para ficar esperando as coisas caírem do céu. Beatriz Rezende foi a única que respondeu, e falou de um amigo de uma editora grande, à procura de jovens autores”, lembra. Era a Planeta, que se estabelecia no Brasil e buscava ações para atrair atenção na Flip, a feira literária de Paraty, então também em seus primeiros passos. Santiago foi um dos escolhidos. “Só aí começaram a sair resenhas do primeiro livro”, conta, expondo mecanismos que governam a indústria literária. Seus livros têm vendido quantidades modestas, mas expressivas para a média local. “Saem com tiragens de 3 mil exemplares. Vendem duas edições facilmente, na terceira começa a dificultar. Mas dizem que sou o escritor jovem que mais vende no Brasil”, espanta-se.

Pop, mórbido, humorado ou gótico, ele demonstra manejar habilmente uma qualidade que o destaca e o leva além da mera imagem. Seja falando ou escrevendo sobre sexualidade, solidão, estratégias mercadológicas, síndrome de Peter Pan, os morcegos da infância ou o temor de se relacionar, Santiago Nazarian brinca, o tempo todo, de ser transparente. Deve ser isso, além da imagem, que adolescentes (e também adultos) vislumbram em suas entrelinhas.

quarta-feira, janeiro 20, 2010

briga no brega

Agora, recolhida da "Billboard Brasil" número 2, de novembro de 2009, uma reportagem nos arredores do apaixonante Pará, e do apaixonante tecnobrega.

BRIGA NO BREGA
Cópia? Antropofagia? Pilantragem? Salve-se quem puder: a Bahia vai na cola do melody, som brega que o Pará inventou, e causa polêmica, barraco... e reflexão

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Da Bahia de Dorival Caymmi, da tropicália e da axé music, surgiu neste ano de 2009 uma nova e explosiva moda musical, que percorre o Brasil com velocidade de raio: o melody, mais comumente difundido sob o nome de tecnobrega.

O estado do Pará não tem poder para exportar maciçamente músicas e músicos para o resto do Brasil, mas há décadas a população local tem concedido sucesso e apoio maciço a ritmos nativos pulsantes como carimbó, sirimbó, lambada, merengue, guitarrada, boi bumbá, calipso, brega, brega-calipso. A linha de invenções musicais é contínua e ininterrupta, e o ritmo que há mais de dez anos comanda a massa atende pelo apelido unificador de tecnobrega ou, mais recentemente, melody.

Reúna as duas partes da equação acima e encontre no resultado da remistura o maior quiproquó armado este ano na música (realmente) popular brasileira. Baiana de Capim Grosso, a trupe Banda Djavú e DJ Juninho Portugal (ou simplesmente Banda Djavú, com acento ortograficamente incorreto no “u”, e pronunciada “dejavu”) tornou-se líder de sucesso nacional com hits melody como “Rubi”, “Meteoro”, “Soca Soca”, “Maciota Light” e, acima de todas, “Me Libera”. De quebra, provocou sem querer comoção e revolta generalizadas no Pará, onde nasceram, muito antes, “Me Libera” (composta por Ale Max), “Rubi” (de Marlon Branco) e uma infinidade de outros quitutes tecnobregapop.

“O tecnobrega é do Pará!, não é da Bahia nem do Rio de Janeiro! Mas não é novidade a Bahia vir aqui e levar nossos ritmos, né?”, explodiu do alto do palco, em 10 de outubro passado, o cantor (e drag queen) Eloy Iglesias, mestre-de-cerimônias da profaníssima Festa da Chiquita, encravada no coração dos festejos religiosos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. A multidão que apinhava as cercanias do Teatro da Paz, na Praça da República de Belém, urrou uníssona, em apoio à queixa de Eloy.

Longe de ser fato isolado, o grito de raiva ecoa sem parar pelo Pará, a ponto de virar assunto hegemônico em comunidades virtuais como o portal Brega Pop e mobilizar inclusive setores locais que, até o advento baiano da Djavú, sempre foram hostis a esse estilo musical simples, direto, caboclo, popular, periférico. “Todo mundo me aborda na rua para prestar solidariedade, até quem não gostava do tecnobrega”, surpreende-se a belenense (do bairro popular de Jurunas) Gabi Amarantos, líder da banda Tecno Show, uma das iniciadoras da associação do velho “brega” paraense com sons eletrônicos gerados por sintetizadores e computadores.

Gabi expressa o sentimento provocado pela apropriação do tecnobrega pela Djavú: “A princípio nós todos estávamos muito magoados e revoltados, porque eles estavam dizendo que o tecnobrega é da Bahia. A gente luta pelo ritmo há mais de dez anos, isso criou uma indignação muito grande aqui. A gente se sentiu meio que roubado, como se tivesse semeado e regado uma planta desde o início, aí outro colheu os frutos e ainda disse que são dele”.

Mas a disputa acabou em barraco promovido pelo programa televisivo de Luciana Gimenez, e a partir de então a Djavú moderou o discurso e passou até a afirmar na TV que o tecnobrega não é baiano, e sim paraense. “Acho que sentiram que estavam se prejudicando com isso e começaram a falar a verdade”, avalia o DJ de tecnobrega Dinho do Tupinambá, que mesmo assim mantém erguida a queixa: “É uma deslealdade, todo mundo sabe que é uma música originária daqui. Não tiveram a hombridade de dizer isso em público nos programas nacionais. Até ao contrário, disseram que era música da Bahia”.

São mesmo enormes as semelhanças entre o som da Djavú e o de nomes paraenses como Banda Ravelly, Viviane Batidão, DJ Maluquinho, Banda Richter, Banda 007 e Os Brothers, entre uma avalanche impressionante de artistas. A Djavú adota, por exemplo, o hábito paraense de os artistas se autoanunciarem dentro da própria música gravada. “Banda Djavú e DJ Juninho Portugal, é show!!!”, proclama em tom radiofônico a cantora do grupo, antes mesmo de entoar o primeiro verso do disco O Furacão É Show, que por sobre o cenário de terra arrasada da MPB de 2009 já vendeu mais de 500 mil exemplares, segundo a imprensa local. A exemplo do que acontece nos CDs de coletânea distribuídos pelos camelôs e pirateiros de Belém, a autopropaganda inserida na gravação se repete a cada faixa, e a banda chega a anunciar em meio à música seu telefone de contato (o mesmo número pelo qual tentei contactar a Djavú por dias consecutivos, sem sucesso).

Também nos passos baianos de dança se mistura o código genético paraense. “Dançam tecnobrega como se fosse axé, parecem o Xandy, do grupo baiano Harmonia do Samba, dançando”, zanga-se Gabi. “Não dançam nada certo, parece mais Banda Calypso, que deve ser a referência que eles têm, mas é outra parada”, diz, referindo-se à popularíssima banda liderada por Joelma e Chimbinha, que assumiram as origens paraenses (ela nasceu em Almeirim e ele, em Oeiras do Pará) e foram os primeiros a nacionalizar o tecnobrega. E se tornaram milionária [erro meu, eu queria dizer "milionários"] por isso.

Codiretor do documentário “Brega S/A”, sobre a exuberante indústria informal ao redor do tecnobrega, o jornalista belenense (de Jurunas) Vladimir Cunha contextualiza o caldo de cultura que fermentou o estilo. “Belém é um lugar de passagem e um ponto onde várias culturas se encontram. É entrada da Amazônia e saída para o sul do país e para a Europa, para quem está no norte do Brasil. Uma cidade portuária onde o tráfego de informações sempre foi muito intenso, onde desde os anos 50 se contrabandeavam discos de rock dos Estados Unidos e discos de cumbia, soca e merengue do Caribe e das Guianas. Foi o que possibilitou, por exemplo, a criação da guitarrada e da lambada”, diz.

“Antes de criar a Banda Calypso, Chimbinha tocava em bares de Creedence Clearwater Revival a Pink Floyd e de Odair José a disco music. Como o sujeito cresce ouvindo todo tipo de música, aprende na hora a tocar, criar e combinar esses diversos estilos”, continua. “Essa confusão sensorial e de inputs de informação sempre existiu aqui em Belém e se intensificou ainda mais com a pirataria e o acesso à internet.”

Gabi adiciona mais caldo no tacacá e dá aula de tecnobrega: “Agora usam o termo ‘melody’, mas na verdade é tudo a mesma coisa, é tudo tecnobrega. O pessoal tem vergonha de assumir a palavra, mas é o nosso ritmo, alguém colocou esse nome, paciência. Sempre tive a cara de me assumir. E o que é o brega? É o que você conhece como calipso, e a própria Banda Calypso não assumiu a palavra ‘brega’. Tecnobrega é a versão eletrônica do brega. Para fazer disco de brega calipso era muito caro, precisava pagar estúdios, músicos, instrumentos acústicos. Para baratear, a gente começou a usar guitarra, teclado e baixo dos teclados”.

Pronto, estava criado o ritmo robotizado que nasceu de sintetizadores e computadores caseiros, circula nos camelódromos em cópias piratas sem versão original oficial por trás e alimenta uma indústria informal de equipes de som (Tupinambá, Rubi, Superpop, Vetron, Príncipe Negro e assim por diante) e vertiginosas, ricas, superproduzidas e multicoloridas “festas de aparelhagem”.

O DJ Dinho procura explicar o abandono e o autoabandono dos músicos locais. “As pessoas aqui não levam nada muito a sério, deixam de registrar as músicas. É uma coisa muito amadora, cai logo nas mãos dos pirateiros, que são os únicos que ganham dinheiro com os discos”, afirma, sabedor, no entanto, de que os piratas são os divulgadores primordiais e indispensáveis do tecnobrega.

A líder da Tecno Show sublinha reiteradamente que a terra queixosa não quer desdenhar do sucesso da Djavú. “Não é dor de cotovelo porque eles fazem sucesso, eles têm seus méritos. Os baianos fazem as micaretas, estão anos-luz à frente da gente, admito. Mas fico incomodada porque sou compositora, sou registrada, tenho direito autoral”.

Aqui, chega-se ao ponto nevrálgico da pinimba Pará versus Bahia. Não é possível negar que o incômodo atual nasce, sim, do megassucesso da Djavú, e não do “roubo” propriamente dito. Pois cópia e reciclagem sempre foram elementos inerentes do processo todo. Outro dos refrões paraenses do momento, por exemplo, chama-se “Você Vacilou” (“cabô, cabô/ bobeou, dançou/ você vacilou/ eu tô falando grego?, não tô”) e é apropriação tecnobrega de um hit pé-de-serra pertencente à banda cearense Forró do Muído.

Vladimir se posiciona, definindo o cenário como “caótico, informal e confuso”: “A Djavú roubou músicas de autores paraenses, é um fato. Mas, ao mesmo tempo, uma série de músicas do tecnobrega é roubada. ‘No More Lonely Nights’, do Paul McCartney, virou ‘Galera GDK’. ‘Beat It’, do Michael Jackson, virou ‘O Rei do Pop’, cujo refrão, no lugar de ‘beat it, beat it’, diz ‘é firme, firme!’. Existe uma via de mão dupla, na qual as bandas de forró roubam músicas paraenses e as bandas paraenses roubam forrós que são transformados em tecnobrega”.

Gabi admite a mão dupla. “Existe, sim, isso de alguém vir e gravar um forró em melody. O pessoal faz versão de Roxette, Bee Gees”. No CD Reacender a Chama Vol. 2 (2004), de sua Tecno Show, ela própria é atribuída como autora de “Quero Te Amar”, na verdade uma versão de “La Isla Bonita”, de Madonna. “Já fiz isso de pegar música dos outros, não posso negar. Mas não gosto, prefiro compor as minhas.”

Pelo lado Djavú, a Bahia se vê na condição incomum e incômoda de decalcar um estilo em vez de inventar moda, como fazia ao revelar o samba-reggae de Olodum, a axé music de Daniela Mercury ou o samba duro do É o Tchan. Mas o Pará conhece há muito tempo a pilhagem de suas riquezas. “Os estrangeiros já patentearam o açaí, o Japão patenteou o cupuaçu”, começa Gabi. “Com a lambada foi a mesma coisa de agora, só que naquela época a gente não tinha tecnologia, até para fazer uma ligação telefônica para São Paulo era difícil. Luiz Caldas veio, pegou a lambada e disse que era da Bahia. Depois o [paraense] Beto Barbosa retomou um pouco, mas ele não tinha aquela coisa que o pessoal da Banda Calypso teve, de assumir que é do Pará. Acho que Beto tinha medo, porque o paraense sofria muita discriminação. Para o Brasil, Norte e Nordeste eram a mesma coisa, era tudo ‘paraíba’.”

Mas, diferentemente de vezes passadas, o caso Djavú teve o condão de mexer profundamente com os brios, o orgulho e a autoestima paraenses. “Agora que a mágoa está passando, começo a ver que o mercado está aberto para esse estilo e para novos artistas. Foi bom, porque as pessoas agora estão vendo e dizendo que o ritmo é do Pará. Estou achando muito bacana a reação do paraense”, constata Gabi. “A gente tira proveito também, porque eles deram um boom muito grande para nossa música. Estão divulgando o tecnobrega. Abriram uma janela de divulgação, uma oportunidade para os cantores daqui do Norte”, percebe o DJ Dinho.

Gabi vai direto a outro nervo (quase) exposto da disputa: “É como se fossem ainda os portugueses desembarcando na Amazônia, dando presentinhos. Os indígenas recebendo eles com carinho, a ingenuidade indígena. Depois levam nossas coisas embora e a gente fica ao Deus-dará”.

Vladimir desenvolve raciocínio semelhante: “A elite local tem como hábito escamotear certos aspectos que constituem a identidade do povo paraense. Não gosta de ser ligada ao índio, ao negro, ao povo ribeirinho, ao morador de periferia. Nega seus traços índios, pinta o cabelo de loiro, sonha passar frio e usar casaco. O tecnobrega, a lambada e o melody lembram que existe uma gente ‘feia’, de pele escura, ‘maleducada’, ‘malvestida’ e que ouve essa música dura, sexual, rude e que fere os ouvidos”.

O que parece acontecer de diferente hoje no Pará é que músicos populares e fazedores de tecnobrega descobrem, talvez de modo ainda rudimentar, sua própria responsabilidade em sempre deixar seus pássaros irem piar garbosos em outras freguesias. E começam a tratar-se a si e à sua música de modo inédito, como demonstra, mais uma vez, a fala de Gabi: “O tecnobrega é autêntico. E é uma coisa tão simples, tão idiota, que qualquer pessoa podia ter inventado. Mas não foi ninguém que inventou, foram os papa-xibés.”

Ela tem de decifrar para mim, sulista do Paraná, o que são “papa-xibés”. Pelo que compreendo, são papadores de açaí com farinha, ou seja, paraenses legítimos, pássaros da terra, músicos vigorosos, revolucionadores até hoje mais ou menos silenciosos de modelos caducos da indústria musical brasileira. Parecem começar a se dar conta de que, como cantavam em 1981 o carioca Jorge Ben e a niteroiense Baby Consuelo, antigamente todo dia era dia de índio cá no Brasil. E que, sim, podemos voltar a ser assim, por que não?


O REI DO CARIMBÓ

Foi uma carioca chamada Eliana Pittman quem fez o Brasil conhecer, nos anos 70, o ritmo paraense do carimbó. O país foi embalado por algum tempo pelos animadíssimos sacolejos de “Sinhá Pureza” (“olelê, olalá/ misturei carimbó, siriá/ carimbó, sirimbó é gostoso/ é gostoso em Belém do Pará”) e “Tia Luzia, Tio José” (“a ‘bença’, tia Luzia/ a ‘bença’, tio José/ minha mãe mandou comprar um pouquinho de café”), que tinham como autor um tal de Pinduca. Paraense de Igarapé-Mirim, ainda vivo e atuante, ele está praticamente desconhecido fora da Amazônia, e hoje é cultivado com certa displicência mesmo na terra natal. Se CDs piratas de tecnobrega são encontráveis em cada esquina de Belém, é preciso queimar sola de sandália para encontrar títulos de carimbó.

Pinduca não consta como verbete da “Enciclopédia da Música Brasileira”, mas está em atividade desde 1957, lançou três dezenas de álbuns desde 1973 e é um músico de inventividade e habilidade excepcionais, algo assim como um jazzista à maneira amazônica. Sempre paramentado com um grande chapéu de palha de pescador ornado com miniaturas de artesanato paraense, ele esbanja musicalidade em arranjos tão simples e diretos quanto minuciosos e elaborados de pedras preciosas pop como “Farinhada”, “Dona Maria”, “O Pinto” e “A Dança do Carimbó”.

Mas, tal como ocorre na recente descoberta de um orgulho paraense dentro do tecnobrega, emitem-se agora sinais de um início de revalorização de Pinduca, dentro e fora do Pará. A cantora e compositora Fernanda Takai, da banda Pato Fu, incluiu em show e DVD solo uma versão para “Sinhá Pureza”, possivelmente em diálogo com o fato de, apesar de mineira, ter nascido no Amapá. E neste novembro, entre os dias 13 e 15, acontece o festival musical belenense Se Rasgum, no qual caberá uma homenagem a Pinduca. Ele será uma das atrações do dia 14, e deve ser chamado novamente ao palco para uma versão rock-carimbó de “Sinhá Pureza” ao lado do Pato Fu [p.s.: o Pato Fu tocou mesmo o carimbó, mas o encontro musical acabou não acontecendo].

Já tradicional no circuito roqueiro, o Se Rasgum 2009 vem especialmente diversificado, unindo um sem fim de bandas indies locais a Pinduca, ao Tecno Show de Gabi Amarantos, ao virtuoso Trio Manari [que na hora H cancelou a participação], ao funk paranaense do Bonde do Rolê, ao rock pernambucano de Nação Zumbi...

A mistureba faz lembrar o próprio Pará, e dialoga com as seguintes palavras do diretor de “Brega S/A”, Vladimir Cunha, sobre as intensas trocas musicais a partir do porto de Belém: “Fico pensando o que sentiria um pós-punk metido a sebo ao saber que em Cametá, no baixo rio Tocantins, lavradores, estivadores e pescadores dançavam as mesmas músicas que ele dançava no [clube paulistano] Madame Satã ou no [carioca] Crepúsculo de Cubatão”. O que o pós-punk sentiria não se sabe, mas é bem possível que levasse um baita susto ao ouvir a brasilidade mais-que-perfeita do som do veterano Pinduca.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

você me deu adeus, como, se nós somos de Deus?

Mais uma do "Brasil Econômico", caderno "Outlook" número 11, 19 de dezembro de 2009. Amanhã tem mais (nas bancas, não aqui).


Malandro velho não tem nada com isso

No precioso Loki, que acaba de sair em DVD, Mutantes machos (e os diretores do documentário) soam indelicados ao pintar Rita Lee como a bruxinha má que estragou tudo

TEXTO PEDRO ALEXANDRE SANCHES

A história que une e desune Rita Lee e Arnaldo Baptista está entre as mais charmosas e pungentes deste Brasil. É uma espécie de Romeu & Julieta pop-rock-tropicalista, em que a tragédia de envenenamento e morte dos dois amantes foi substituída por um distanciamento artístico até aqui intransponível entre ambos. Recém-editado em DVD, o documentário Loki, de Paulo Henrique Fontenelle, é o documento precioso e comovente da fábula, sob o ponto de vista de Arnaldo.

O filme é todo ouvidos para ele, que aproveita a oportunidade com tocante doçura e fala abundantemente, sobre tudo, sem freios. No trecho de maior impacto, dramaticidade e passionalismo, vai direto ao trauma e ao tabu e diz mais ou menos assim: “Eu tinha sido internado quatro vezes antes, por diversas razões. Então, plenamente consciente e cansado de falar com os médicos, cansei disso, e pensei: ‘Eu vou me ver livre’. Me joguei da janela. A noite que me atirei era réveillon, eu vi o réveillon e pensei: ‘Eu vou comemorar o aniversário de quem me internou pela primeira vez e me botou no arquivo médico’. Então me joguei”. Rita nasceu no dia 31 de dezembro.

Ela não aparece para dar sua versão. Como ocorreu na recente volta dos Mutantes, Rita tem se recusado a participar desses movimentos de revisão, não se sabe em que medida por desinteresse ou porque, lá no fundo, ela não seja lá muito bem-vinda entre “meninos” que a chamam meio pró-forma. Um mesmo teatro dramático se repete, sempre e sempre. Uma das discussões persistentes é sobre se a menina da banda saiu por vontade própria ou porque foi expulsa pelos rapazes. Em Loki, todos se unem na versão de que ela saiu porque quis. Pode ser, e pode ser que ela se recuse a depositar em território “inimigo” sua versão. Mas, em termos práticos, mais uma vez os Mutantes machos (e a direção do documentário) soam indelicados em pintá-la como a bruxinha má que estragou tudo.

Aí está o xis da questão, o ponto nevrálgico que o merecido sucesso do filme não deixou até agora vir à tona. Por embarcar numa única versão (ainda que seja real), Loki se apresenta, por obra retórica da corte mutante masculina, como uma obra misógina, palco preservado de um antigo e perturbador cenário de guerra dos sexos.

O trunfo é que a fala de Arnaldo, Dom Quixote brasileiro, é 100% transparente. Ele não diz uma frase insignificante sequer ao longo da narrativa. De suas linhas e entrelinhas brota o drama duro, objetivo, acima das dores, paixões e opiniões subjetivas de cada um.

Noutro ponto, ele diz: “Os Beatles e Rolling Stones não tinham mulher no conjunto, que dava o lado circense. A Rita trazia um lado de roupas, Theremins, instrumentos malucos. Era interessante esse lado colorido, circense”. Ou seja, a única mulher na turma seria responsável única pelo teor circense, picaresco, talvez exótico, do projeto – por sinal um projeto que encanta o mundo 40 anos após sua criação, como demonstra o emocionante depoimento de Sean Lennon, filho de Yoko Ono e John Lennon, peças essenciais de outra turma da pesada no quesito guerra dos sexos, os shakespearianos Beatles.

Soa assim eloquente um recorte de jornal da época da ruptura, que passa de relance pelo filme. Dizia o título: “Rita Lee largou os Mutantes e agora vem aí muito louca numa banda só de mulheres”. A banda não se concretizou, mas Rita Lee foi lutar contra os moinhos, ser roqueira feminista dentro de uma MPB e de um Brasil para lá de machistas. E Romeu & Julieta seguem vivos, charmosos e fascinantes, morando aqui no Brasil.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

sou da jovem samba, minha linha é de bamba

E, como que arrematando a entrevista da "Trip", segue um texto sobre a recém-lançada caixa de CDs de Jorge Ben. Saiu na edição de 5 de dezembro de 2009, no caderno "Outlook" do "Brasil Econômico" (jornal interessantíssimo, além de lindo graficamente, você já espiou?). Salve Jorge, viva Jorge.


Salve Jorge e seu Movimento Solo

Caixa com 14 CDs confere a Ben Jor o trono nunca reconhecido de artista mais influente da música brasileira dos anos 70 em diante

TEXTO PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Em 1967, aconteceu um congestionamento de movimentos musicais no Brasil. A tropicália foi o rótulo vencedor do acirrado campeonato, mas até que essa definição se consumasse o futuro da música pop brasileira hesitou entre apelidos como pilantragem, som universal, samba jovem, jovem samba, samba brasinha, toada moderna. Se tantas vertentes (tropicália incluída) pudessem ser somadas, resumidas e transfiguradas em gente, o movimento teria um só nome: Jorge Ben.

Figura referencial de todos aqueles balões de ensaio, esse músico carioca ímpar saltaria dos bastidores, onde se encontrava em 1967, para o trono nunca largamente reconhecido de artista mais influente da música brasileira dos anos 1970 adiante. Com 14 CDs recheados de música pop brasileira de primeiríssima qualidade, a caixa Salve, Jorge! (R$ 250, em média) reconstitui a travessia do tímido cantor de samba-jazz do início dos anos 1960 ao desenvolto alquimista musical da década de 1970.

Ironicamente, fica de fora justamente o ano de 1967, quando Jorge testava a tal “jovem samba” como evolução abrasileirada da roqueira jovem guarda. O disco O Bidu não entra no pacote porque foi editado pela hoje extinta gravadora pernambucana Rozenblit, num intervalo de ruptura com a multinacional Philips (hoje Universal), detentora de sua obra no intervalo 1963-1976.

Ben (hoje Ben Jor) surgira em 1963 como um originalíssimo, mas ainda retraído misturador de bossa nova, samba tradicional e jazz, uma amálgama que já ensaiava virar nome de movimento (e virava nome de disco), em Samba Esquema Novo. Não virou porque a bossa nova ainda era dona do pedaço e porque o movimento era um homem só. Mas fincou na misturança sua primeira e definitiva marca, oriunda dos genes recombinados de africanos e europeus [e americanos-ameríndios, arriscaria eu a complementar a redação original do texto, se pudesse].

Embora seguisse para sempre como solitário homem-movimento, tudo seria diferente em 1967. Ali despertou a ira e a hostilidade da MPB “militante”, por assimilar e respeitar os roqueiros “alienados” do iê-iê-iê e, possivelmente, por pretender miscigenar samba e rock. Ensaiou lançar a jovem samba com Erasmo Carlos, sob influência e artimanhas do produtor, agitador e marqueteiro Carlos Imperial. E, mais que nada, configurou-se em fornecedor musical e eminência parda do músico brasileiro mais popular daqueles dias (ao lado de Roberto Carlos), Wilson Simonal, que converteria seu País Tropical em hino extraoficial do Brasil.

Simonal era quem tinha então o toque de Midas, e em sua garganta a jovem samba amadureceu até a forma comercial batizada de pilantragem, uma entidade impura por excelência, híbrida de samba, bossa, jazz, rock, MPB, iê-iê-iê etc., e constituída por um elenco extenso de talentos musicais, Jorge Ben entre eles. A disputa foi ferrenha. Caetano Veloso e Gilberto Gil quiseram chamar a pilantragem de som universal e gravaram com Jorge a emblemática Queremos Guerra (1968). Infelizmente, o precioso encontro de três futuros gigantes não consta entre as 28 faixas do CD duplo de raridades adicionado à caixa.

A tropicália incorporaria ao menos metade do know-how da pilantragem, e Imperial até tentou inventar a “pilantrália” em contra-ataque. Mas a pilantragem seria atirada ao ostracismo como movimento e como turma, primeiro pela antipatia despertada por Simonal no status de “negro poderoso”, e a seguir pela derrocada polítco-policial do cantor. Há quem pense que a pilantragem morreu com o ocaso de Simonal, mas não. O cenário político fechou o tempo para novos levantes raciais e movimentos batizados, mas a pilantragem seguiu em frente sob o nome de... Jorge Ben.

Se Simonal havia consolidado e hipertrofiado a hibridez de Ben, coube a este agora passar às cegas por cima dos traumas e depurar, aperfeiçoar e aprofundar o avanço musical trazido pelo parceiro. Jorge encolheu-se de novo, eliminou qualquer traço “pilantra”, suavizou o black power e... pôs-se a misturar e experimentar mais que nunca.

Com o Trio Mocotó, plantou as sementes do que viria a ser conhecido nos bailes de periferia como samba-rock e criou três álbuns essenciais, Jorge Ben (1969), o tristíssimo Força Bruta (1970) e Negro É Lindo (1971), sua versão aveludada e amedrontada para o lema “black is beautiful”). Com Os Originais do Samba, abriu alas para a repopularização do samba em ambientes livres dos dogmas e amarras da MPB, rumo às invenções setentistas do “samba joia” (Benito di Paula) e da música dita “cafona”.

Sua própria obra se embebeu desse espírito simultaneamente pop, popular, culto, anárquico e desbravador, numa sequência matadora de discos de cabeceira para todo mundo que fez e faz música no Brasil desde então: Ben (1972), A Tábua de Esmeralda (1974), Ogum Xangô (uma tábua de esmeralda de improvisos musicais ao lado de Gil), Solta o Pavão (1975) e o heavy-samba-funk África Brasil (1976).

Jorge produziu pirações nesse período, como os textos de exaltação aos alquimistas medievais e a crença na transmutação de metais em ouro. Acontece que os metais que transformava em ouro eram um panelão de gêneros musicais aparentemente incompatíveis, mas amalgamados por seu condão em algo mais valioso que ouro: a pedra filosofal-musical que ensina com sutileza ao Brasil a fusão de raças, origens e identidades que o país é.

terça-feira, janeiro 12, 2010

o homem da gravata florida

Para iniciar a retrospectiva, segue abaixo o texto de introdução da entrevista "O homem patropi", publicada na "Trip" 183 (novembro 2009), seguida de uma versão maior do pingue-pongue com (meu ídolo) Jorge Ben (Jor). (Do tamanho como vai abaixo, n!ão haveria revista ou jornal que desse conta do pingue-pongão, mas, como aqui é a internet...)


O HOMEM PATROPI

NA MAIOR ENTREVISTA DE SUA CARREIRA, JORGE BEN JOR MOSTRA POR QUE, NOS ÚLTIMOS 40 ANOS, NUNCA DEIXOU DE SER UMA DAS MAIS COMPLETAS E TRANSPARENTES TRADUÇÕES DO BRASIL. ELE ABRE O JOGO SOBRE A MÃE DE FAMÍLIA ETÍOPE E O PAI DESCENDENTE DE AUSTRÍACOS, SOBRE A FUSÃO DO SAMBA COM O ROCK, A PONTE AÉREA RIO-FLÓRIDA, O FUTEBOL, O GOLFE E A TRANSMUTAÇÃO DE METAIS EM OURO. NAS PRÓXIMAS PÁGINAS, RELAXE E CURTA O SUINGUE DO MAIOR ALQUIMISTA DA MÚSICA BRASILEIRA

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Há quase cinco décadas Jorge Ben Jor tem oscilado entre fases de superexposição e outras de relativo sumiço. Mesmo nessas últimas, desde 1963 nunca deixou, nem um minuto sequer, de ser uma das mais completas e transparentes traduções de Brasil.

Idêntico ao Brasil, Jorge é uma usina produtora de sambas. Mas são sambas tortos, sacudidos, impuros, exuberantes, miscigenados, sacudidos por influência norte-americana do funk e da soul music. Iguaizinhos ao Brasil, são sambas mestiços de europeus e indígenas, de quando todo dia era dia de índio, e black music total, música negra brasileira.

Historicamente, é criador de letras de imediato poder comunicativo e contundente simplicidade. Sob linguagem direta, sem rebuscamentos nem medo de derrapar nas normas cultas da língua, conta histórias simples e não raro tortuosas, mas que todo brasileiro (e mesmo um punhado de gringos) entende num piscar de olhos – o trio formado por “País Tropical”, “Fio Maravilha” e “Taj Mahal” é suficiente para provar e para mover a massa, onde e quando for repetido.

Suas musas inspiradoras não são garotas bossa-nova de Ipanema (mas podem até ser, que elas o adoram). Estão mais para meninas do subúrbio, negras, louras, morenas e mulatas de nomes Domingas, Jesualda, Aparecida, Bebete, Berenice, Katarina, Ana Tropicana, Xica da Silva. O próprio Jorge sempre esteve menos para Tom Jobim que para, bem... para Jorge Ben (Ben Jor ele só virou em 1989). Quando está aparecido, Jorge é sucesso simultâneo de público e de, digamos, crítica – não há músico suingado dos anos 90 ou 2000 que não goteje influência de sua matriz sonora (e filosófica), dos mangueboys a Seu Jorge, de Fernanda Abreu a Leandro Lehart, de Marisa Monte a Mano Brown.

Jorge andava sumido outra vez, e ressurgiu no último dia 19 de setembro, numa das maiores casas paulistanas de shows – abarrotada como se ele fosse tema de abertura da novela das nove. Iniciada a apresentação, ficou imediatamente que o homem baile não apenas está de volta, mas que alguma coisa muito nova está acontecendo com ele. Ao longo da noite, mostrou que fez as pazes com o adorado disco A Tábua de Esmeralda, marco na história da música brasileira ao qual permaneceu reticente por muitos anos.

Concebido em 1974, era todo forrado de referências à alquimia, a arte quimérica de transformar metais diversos em ouro. Naquele ano, por sinal, não era só Jorge que andava a toda. Tim Maia se convertera ao Universo em Desencanto e fazia propaganda religiosa da organização nos maluquíssimos LPs Tim Maia Racional. Raul Seixas cortejava a magia negra e alardeava aos quatro ventos a Sociedade Alternativa. A exemplo do que fez Tim com a fase Racional, Jorge trancou no baú parte substancial daquele capítulo.

A entrevista abaixo dá mais uma pista de que algo se move em seu peculiar imaginário. Jorge é desafio árduo para qualquer entrevistador. Geralmente muito reservado, gosta de responder perguntas com monossílabas e de acordo com uma lógica interna bem particular. Pois não foi assim desta vez. Atendeu à reportagem de Trip em condições de alta temperatura e pressão, tipicamente “benjorianas”, mas, fato raríssimo, falou pelos cotovelos – sobre alquimia, a vida de seminarista, a também discretíssima família, suas relações com rap e funk carioca.

A primeira etapa do encontro aconteceu no dia do show paulistano. Viajamos ao Rio de Janeiro apenas para encontrá-lo no aeroporto Santos Dumont e então embarcar a seu lado para São Paulo. Durante o voo, aconteceu a maior parte da entrevista. Num segundo encontro, a convite dele, a Trip conheceu a atual menina dos olhos de Jorge, um sarau chamado Corujão da Poesia, do qual ele é padrinho e mestre de cerimônia. Às terças-feiras, numa livraria 24 horas do Leblon, um Ben Jor assíduo (e notívago, talvez insone) faz vezes de MC e conduz jam como fundo musical para declamações madrugada adentro.

Confirmou-se ali a impressão de que o cantor cultiva apaixonadamente o hábito de permanecer eterna criança. O mesmo Jorge galante que no avião apanhou um punhadão de balas toffee do cesto da aeromoça (“Ah, aceito, essas balinhas me deixam maluco!”) reaparece no Corujão, distribuindo presentinhos para poetas: às moças, sacolinhas de São Cosme e Damião; aos rapazes, pipas (ou papagaios, bariletes, pandorgas, como listava em “Olha a Pipa”, outra música que depois ficou perdida no tempo).

À maranhense Lília Diniz, que cantou e declamou Patativa do Assaré com voz de trovão, deu de presente uma boneca (“Faz muito tempo que não ganho uma”, ela se espantou). Maravilhou-se quando o jovem poeta e palhaço Lucas Castelo Branco encenou com furor um enorme poema de Fernando Pessoa [trecho suprimido por falta de espaço: , e mais tarde, no balcão de uma padaria para a qual também nos convidou, perguntou a ele, feito menino: “Quantos livros você consegue ler por mês? O professor (João Luiz de Souza, organizador do Corujão) acha que, pra eu memorizar tudo, tenho que ler no mínimo cinco por mês”].

Num dia em que o menino chamado Jorge estava a toda, ele ainda cedeu à sugestão da produção para uma suada sessão de fotos, e então o inesperado aconteceu: às 3h30 da manhã, Jorge Ben (Jor) tornou-se o que sempre foi, o homem da gravata florida. Tal qual o país em que nasceu e que canta em dez de cada dez canções que compõe, parece viver um momento de intenso reencontro consigo mesmo. Se por acaso você estranhar suas palavras sobre alquimia e transmutação, experimente escutá-lo não no sentido literal, mas sim no simbólico, no poético. Afinal é disso, de poesia, que o homem verde-negro-amarelo da gravata florida vive em tempo integral. Voa, Jorge, voa.


[Foto de Marcelo Naddeo.]

(NO SAGUÃO DO AEROPORTO, ELE COMEÇA CONTANDO, EMPOLGADO, SOBRE O CORUJÃO DA POESIA.) VOCÊ LÊ POESIA?
Leio. Mês passado comemoramos lá os 102 anos de Jorge Luis Borges, o poeta argentino. Fizemos uma hora só de Jorge Luis Borges. Levei um livro, todo mundo leu Jorge Luis Borges, uma coisa maravilhosa. Só pra ficar nos Jorges, já fizemos Jorge de Lima, grande poeta brasileiro, alagoano, médico que se apaixonou pelo Rio de Janeiro. Era médico e poeta ao mesmo tempo.

VOCÊ SEMPRE GOSTOU DE LER? NOS ANOS 70, CITAVA DOSTOIÉVSKI EM LETRA DE MÚSICA.
Sempre, sempre. Ganhei um livro de sonetos traduzidos de William Shakespeare que é a coisa mais linda, rapaz. O cara era fodaço, fodaço, genial. Os sonetos são todos amorosos, têm umas coisas meio sarcásticas, mas é todo amoroso, todo, todo. Demais. Ele devia ter uma musa maravilhosa. Leio as biografias dos meus musos, os poetas brasileiros. Oswald de Andrade, puta que pariu!, os versos dele, sonetos, tudo malandreado, ele já era moderno naquele tempo, estava na frente.

LÊ DESDE MOÇO? SUA OBRA SE INSPIRA NA LITERATURA?
Sim, na minha adolescência eu já lia coisas difíceis, que o pessoal não entendia. Sabia ler e decorava textos em latim. Sabia São Tomás de Aquino, a Suma Teológica, coisas que aprendi no seminário.

VOCÊ FOI SEMINARISTA?
Fui, fiz dois anos de seminário, aqui no Rio. Aprendi latim por causa da literatura do São Tomás de Aquino [pronuncia “Aqüino”, com trema]. Ele tem uns textos lindos, a Suma Teológica... Saber que um santo, São Tomás de Aquino, era um alquimista famoso... Ele e o professor dele, Santo Alberto, grande médico. É demais, pra você ver, São Tomás de Aquino escreveu uma coisa tão simples, bonita e poderosa. É uma coisa para o homem e para a mulher [fala em tom recitado]: “O mundo é um suceder de níveis, desde a matéria inanimada até a suprema beatitude do ser eterno, que é Deus”. Ele diz que a primeira lei natural é a conservação da vida – todo mundo quer conservar a vida –, depois a geração, que é ter filhos e educar os filhos, e depois o desejo de verdade. O único país que aproveitou bem a teologia de São Tomás de Aquino foi a Alemanha. A Constituição alemã é toda tomasiana, toda. Os outros imitam, mas a Alemanha...

É FÁCIL ENCONTRAR NAS LIVRARIAS? SÃO TOMÁS DE AQUINO NÃO É MUITO POPULAR, É?
Não, não é. Uma vez até, na Itália, terra dele, perguntei e o livreiro falou: “Não, São Tomás de Aquino é um santo série B” [ri]. Não é um santo série A. Série A é São Pedro, São Paulo...

SÃO JORGE...
São Jorge também é B... Aqui no Brasil que é A. Gozado, cara, “série B”... (Nos acomodamos nas poltronas do avião.) Na Delta Airlines e na América Airlines tem as aerovelhas, [risos], elas são bravas, “Não pode passar aí, não é seu lugar, porra!”.

VOCÊ NÃO CHAMA ELAS DE AEROVELHAS, CHAMA?
Não, não, mas são todas velhinhas bonitinhas, arrumadinhas. Os americanos têm isso de bom, deixam as velhinhas de 60 anos trabalharem de areomoças [cumprimenta o jogador Jonas, do Botafogo, que está sentado na poltrona a seu lado]. Prazer, meu irmão. Ó, e boa sorte, você é profissional, tem que jogar onde tem que jogar. Falou, boa sorte, irmão.

ESSE NÃO É DO SEU TIME...
Não. Ele foi do Flamengo.

NÃO ENTENDO NADA DESSE ASSUNTO...
Esporte você não cobre, não?

NÃO, MAIS MÚSICA.
Só música? Ah, o relacionamento da música com futebol é bom, pô.

POIS É, A COMEÇAR POR VOCÊ. POIS É, A COMEÇAR POR VOCÊ, NÉ?
É... Agora está no ar a campanha da Fernandinha Abreu, ela é vascaína, está fazendo a campanha do Vasco, pra sócio. Luiz Melodia também é vascaíno. Mas quando a gente se encontra é uma festa total, Fernandinha é minha musa. Pô, “Jorge de Capadócia” com ela foi... delicioso.

JORGE, NUNCA ENTENDO ONDE VOCÊ MORA. UM POUCO NOS ESTADOS UNIDOS E UM POUCO AQUI, VOCÊ ALTERNA?
É, moro um pouco lá, um pouco no Rio e um em pouco São Paulo. Antigamente era mais nos Estados Unidos. Por causa da escola e da faculdade dos meus filhos eu tinha que estar mais lá.

OS DOIS ESTAVAM ESTUDANDO LÁ?
Estavam.

GABRIEL E...
Tomaso.

DE AQUINO?...
Fiquei nos Estados Unidos, porque lá, enquanto o filho é menor, você tem que estar perto, o tutor tem que aparecer, pra pagar as contas principalmente (ri), pra saber como estão as notas. Depois, na faculdade, melhorou, mas no tempo da high school tinha que ficar mais tempo lá que aqui.

MORAVAM EM QUE CIDADE?
No interior da Flórida, uma cidade bem caipira, Bradenton, uma cidade onde você vê ainda aqueles caras que nem em filme, de macacão e chapéu de rancheiro. A cidadezinha tem a maior high school pra estudantes de fora.

VOCÊ ESTRANHAVA? O CARA QUE COMPÔS “PAÍS TROPICAL”, MORAR NESSE LUGAR TÃO TIPICAMENTE... OUTRA COISA?
Não, porque ali é pertinho, em 40 minutos está em Orlando, de Orlando são três horas para Miami, tudo de carro. Eles eram internos, a escola soltava no fim de semana, eles vinham para Flórida, ou senão Miami.

ENTÃO ELES ACABARAM A ESCOLA, E AGORA VOCÊ ESTÁ MAIS NO BRASIL DE NOVO?
Acabaram a high school, agora estão na faculdade. Gabriel mexe com tecnologia de música, está fazendo, como se fala?, esqueci... Ele escolheu ciências políticas e esse negócio de hotelaria. Faz hotelaria e faz música eletrônica, essa música eletrônica, de DJ...

ENGRAÇADO, O FILHO DO JORGE BEN...
É, e o Tomaso já está formado em business administration. Está trabalhando na bolsa, em Wall Street.

EM TEMPOS DE CRISE GLOBAL...
É, não foi fácil, não. E agora minha mulher fica lá com eles, há um tempão, aí vem pra cá resolver as coisas. Agora ela está aqui, resolvendo umas coisas aqui do escritório.

VOCÊ FAZ MUITOS SHOWS LÁ?
Lá tem muito trabalho, muito. Mas a agenda tá mais aqui, o empresário é daqui. O Junior [Airton Valadão Jr., irmão do cantor Nasi] é um grande empresário. Se você falar pra ele “ó, eu quero de segunda a sexta”, ele arranja.

VOCÊ GOSTA DE FAZER SHOWS DE SEGUNDA A SEXTA?
Não, não, assim não dá, assim não dá. Porque, modéstia à parte, o nosso show é show. Dois shows pra gente no mesmo dia não é legal, porque um não vai sair bom, já faz o primeiro pensando no segundo. Então tem que ser um só, pra sair legal. Aqui seria bom, mas o problema ainda é de viagem, lá pra cima não saem nunca na hora certa. De uma cidade pra outra, se é pequenininha, não tem voo, tem que encarar van.

OS DOIS FILHOS, ENTÃO, PREFERIRAM FICAR MORANDO FORA?
É porque Tomás tá trabalhando, e pra Gabriel ainda faltam dois anos de faculdade.

ELES SÃO DISCRETOS, NÃO? NUNCA VI FOTOS DELES.
Tem pouca foto. Eles também não gostam muito, não.

VOCÊ TAMBÉM É MUITO DISCRETO. COSTUMA FALAR SOBRE MÚSICA, E MESMO ASSIM É BEM RARO.
É, falo sobre o meu trabalho. Agora eu tô falando sobre livro e poesia porque eu gosto.

MUITA GENTE TALVEZ SE SURPREENDA COM ESSE LADO SEU, PORQUE SUA MÚSICA É POPULAR, NÃO VAI PRO LADO “INTELECTUAL”.
É, alguma coisa às vezes eu mesmo censuro... Pô, não pode ser muito inelectual, tem que misturar. O urbanismo, eu passo isso, minha música é urbana e suburbana. O Dostoiévski foi o primeiro livro-cabeça que parei, depois de São Tomás de Aquino... Foi Os Irmãos Karamazov [mostra a espesssura do livro com a mão]. É um livro que você desiste, o primeiro livro que li. Eu já sabia da história, mas antiga, alguma coisa, do tempo de escola, de filme. É um poeta quase contemporâneo, Dostoiévski. Passou por aquela Rússia toda, dos czares. O Jogador também é demais...

O JOGADOR APARECE NA LETRA DE “AS ROSAS ERAM TODAS AMARELAS” (CANÇÃO DE 1972 QUE CITA PERSONAGENS DE VÁRIOS ROMANCES E POEMAS DE DOSTOIÉVSKI).
É, O Jogador... Dostoiévski tem um jogador, um ladrão honrado, um adolescente, o ofendido... Ele conta as ideias do jogador, ele é compulsivo e temeroso ao mesmo tempo, “vou jogar, vou perder, não jogo”. Muito bacana.

COM QUAL DESSES PERSONAGENS VOCÊ SE IDENTIFICA MAIS?
[Pausa.] Adoro esses personagens dele, são personagens que vão tentando se achar... O ofendido vai tentando, ele se sente o ofendido a vida inteira, mas ele quer tentar sair daquilo.

“TAJ MAHAL” [1972] NASCEU DE LEITURAS SUAS?
Leitura minha, total. A história do Taj Mahal é linda, na Índia, na cidade de Agra. Vários escritores escreveram sobre o Taj Mahal. O príncipe Xá-Jehan era persa, foi na época que a Pérsia dominava ali na Índia. E ele casou com Nunts Mahal, devia gostar muito dela, porque tiveram 14 filhos. E para fazer aquele palácio maravilhoso com artesãos turcos, italianos, os melhores artesãos de pedras preciosas ele contratou para fazer o Taj Mahal.

VOCÊ JÁ FOI À ÍNDIA E AO TAJ MAHAL?
Não. Eu soube que o músico Taj Mahal gravou um disco lá, deixaram ele gravar. O lugar tem uma acústica... Eu soube agora que o palácio está moderno, modernizaram tudo. Não tinha banheiro pra turista, agora tem.

CURIOSO, ESSA É UMA DE SUAS MÚSICAS MAIS FAMOSAS, E ATÉ HOJE VOCÊ NÃO FOI CONHECER PESSOALMENTE?
Nunca. Eu vou, vou ter que ir. Tentei duas vezes, estava em Londres a a gente ia para tocar 15 dias depois da temporada de verão, Tunísia, França, Itália. Aí pensei, vou pra Índia, Agra. Mas, como estrangeiro, pra chegar lá eu ia ter que tomar umas três vacinas. Ia chegar e tinha que pegar outro voo pra Agra, que fica uns 300 quilômetros da capital. Fiquei pensando, pô, vou tomar essa vacina, pode me dar alguma coisa, e eu tenho compromisso, tenho o resto da excursão pra fazer. Aí estou esperando.

FICO AQUI IMAGINANDO SE NO SEU SANGUE NÃO CORRE ALGUMA COISA PARA AQUELES LADOS.
Não, mas eu gosto daquela história. Tem uma espiritualidade, a Índia toda tem.

VOCÊ FALA DOS TUAREGUES EM MÚSICA, ELES TAMBÉM SÃO ORIENTAIS, NÃO? VOCÊ CONHECE SUA DESCENDÊNCIA?
Minha descendência por parte de mãe é etíope. Agora, por parte de meu pai, é uma mistura. Por parte de meu pai tem europeu, europeu mesmo. A família toda de meu pai é branquinha, minha avó era branca. Meu pai já era moreno, nasceu aqui no Brasil já misturado.

AUGUSTO?...
O Augusto, é. A gente ficou procurando isso, dizem que minha avó por parte de pai era austríaca. O resto da família é tudo claro. E eu sou mesclado porque misturou com minha mãe, África. Nem é África lá, Etiópia é outra parte ali. Uma coisa incrível que eu estava vendo é que na Etiópia mesmo eles se sentem mais europeus que africanos. E realmente, é uma ponte, né?, “não, aqui não, nós somos africanos, somos outra coisa”. E é isso, você vê, a Europa está ali mais perto da África que o Brasil, né?

VOCÊ PODE CONTAR SOBRE SUA INFÂNCIA, SEUS PAIS?
Ah, meus pais foram maravilhosos pra mim.

OS DOIS NASCERAM NO RIO?
Não, só meu pai. Minha mãe (Sílvia) nasceu na divisa de Rio e São Paulo, já veio prontinha de lá. Nasceu em zona rural, contam que meu avô veio para cá sem querer, ele não vinha para cá. Meu avô tem uma história de um navio que saiu lá do Mediterrâneo e ia pra outro lugar, aí parou no Brasil. Por isso eu falo “parou no Brasil num dia de Carnaval”.

QUAL É ESSA MÚSICA MESMO?
“Crioula” [de 1969].

DE ONDE VINHA O NAVIO?
Da Etiópia. Nessa época, a Etiópia já estava sendo invadida.

E FOI PARAR NA ZONA RURAL, DIVISA DE SÃO PAULO E RIO? COMO SE CHAMA ESSE LUGAR?
Ah, eu não sei se é Queluz, já no Rio de Janeiro... Vale do Paraíba, meu avô era agricultor.

ENTÃO NÃO EXISTE A COISA DA ESCRAVIDÃO NO SEU PASSADO?
Não, não. Meu avô veio ao Brasil, devia ir pra um lugar melhor. Na história da escravidão, os Estados Unidos foram o primeiro país a liberar os escravos. Então falava-se que o pessoal da Etiópia ia pra lá. E não existia ainda Israel, hoje o pessoal da Etiópia vai pra Israel, porque a maioria deles é de judeus. Mas meu avô não era judeu.

NÃO É POSSÍVEL QUE TENHA ALGO DE JUDEU NESSA MISTURA?
Não, não tem. Minha avó só conheci de retrato. Não conheci ela, nem meu avô. Conheci minha avó por parte do meu pai.

O QUE SEUS PAIS FAZIAM?
Ah, de meu pai poderia dizer que aprendi a malandragem, o lado filósofo. Meu pai foi um grande estivador. Meu pai tinha um Ford bigode, um caminhão, e o orgulho dele era domingo levar o pessoal pro futebol e pra piquenique.

ELE PEGAVA NO PESADO...
Estivador, meu pai trabalhou de estivador. Depois se aposentou, fez parte do bon vivant da zona Sul, morar em Copacabana, ir à praia pescar.

ISSO PORQUE ELE PROGREDIU?
Não, eu também progredi... Mas nunca nos faltou nada por causa disso, meu pai sempre correu atrás.

SUA FAMÍLIA NUNCA FOI POBRE, ENTÃO?
Não, pobre não. Sempre teve roupa pra mim, colégio. Esses dois anos, quase três que passei no seminário, foi uma bolsa de estudo que meu pai arrumou pra mim, por conhecimento. Tinha saído do primário, fiz ginásio e aí arrumei a bolsa, foi a melhor coisa.

VOCÊ GOSTAVA? SEMINÁRIO PARECE SER ALGO RIGOROSO.
Era rigoroso, total, mas tinha uma aura... Quando você voltava pro povo, você sentia, mudava tudo, era um distúrbio total. Lá era uma calmaria, falava-se baixo, sem palavrão, cumprindo ordens. Você tinha acesso aos livros pra rezar, pra cantar no coro gregoriano, aquelas coisas bonitas. O latim vem dessa época, rezava missa em latim. Fui coroinha também.

ESSA FASE MARCOU SUA VIDA? VOCÊ É RELIGIOSO?
Marcou, foi bom. Sou religioso. Sou cristão, católico e carioca. Só não sou romano porque nasci no Rio de Janeiro.

MAS É ECLÉTICO TAMBÉM, NÃO? OGUM SEMPRE APARECE NAS SUAS MÚSICAS.
Faz parte, faz parte da filosofia, né? A igreja sabe, isso já foi discutido várias vezes, pelas etnias, uma coisa que os negros africanos tiveram que inventar, cada orixá deles botavam um santo, pra poder sobreviver. É a mitologia dos orixás, cada orixá é um santo. Essa é a mística, né?

TEM UMA HISTÓRIA DE QUE VOCÊ QUERIA SER JOGADOR DE FUTEBOL, E NÃO MÚSICO?
É, eu passei, fui do Flamengo. Consegui jogar no Flamengo, no infanto-juvenil. Mas aí o futebol era bom, mas eu tinha que correr atrás pra trabalhar, estudar, pagar as contas. Lá não ganhava nada, né? Não era remunerado. Até que apareceu a música, mas era outra coisa que eu também não queria.

NÃO?
Não.

AI, MEU DEUS. O QUE SERIA DE NÓS?
Meu pai e minha mãe não gostavam, falavam... Porque até aquele tempo atrás o músico era considerado um marginal, aquelas coisas.

TINHA QUE ENTRAR PELA PORTA DOS FUNDOS.
É, não tinha respeito.

NESSE TEMPO VOCÊ CHEGOU A TER EMPREGOS “NORMAIS”?
Olha aqui, eu trabalhei um pouquinho de despachante, aquele cara que vê livro, vai no cartório... Tinha um trabalho legal, das 10 às 16 horas. E nesse ínterim todo, eu já estava na alquimia.

ESTUDANDO ALQUIMIA? OU FREQUENTANDO ALGUM GRUPO?
Estudando. E tinha um grupo, um grupo de adeptos maravilhosos, eram da América do Sul, e tinha um brasileiro, professor ou reitor de faculdade, de São Paulo, não sei se era PUC. Junto com um grupo sul-americano de adeptos da alquimia, ele viu uma transmutação, em 1958.

DE METAL EM OURO?
É, é. Eles viram, na América do Sul. Eles falaram pra mim: “É uma arte”. Quando conversei com eles falei de São Tomás de Aquino, dos livros... A Igreja proíbe de falar que ele foi alquimista. A Igreja proíbe, mas ele foi. O o papa deixava, papa Silvestre deixava, isso no século XIII, porque São Tomás de Aquino era um cara abastado, rico, de família riquíssima, e ele que quis ser...

...ALQUIMISTA.
...E padre, monge, ele quis ser. Seus pais tinham preparado ele pra ser um conde de Assis, maravilhoso, ricaço. Tanto que ele se internou sozinho, foram tirar ele de lá, ele falou: “Eu quero ser padre, eu gosto daqui”. São Tomás de Aquino já era um cara, pelas escrituras dele você vê, em pleno século XIII ele escreveu aquilo tudo, já fazia arte com alquimia. E estes caras daqui viram em 1958, deviam ser também uns caras com um Q.I. muito grande na alquimia pra ser convidados pra ver. E você tem que estar num lugar que tem ouro, tinha eu e outro amigo estudante, todo lugar que tinha ourives a gente ia ver como é que fazia, aquela fábrica de ouro. E a gente ficava indignado, eu conto isso numa música minha do disco Solta o Pavão [de 1975, na faixa “Luz Polarizada”]: “Coloque o seu grisol sobre a luz polarizada”.

EU NUNCA ENTENDI ESSA LETRA, “COLOQUE O SEU...”?
O seu grisol, sobre a luz polarizada. Grisol é um frasco (faz gestos como os das curvas de um violão, ou de uma mulher) de vidro inquebrável. Eles já faziam isso, com aquele molho dentro com a luz polarizada, aquela luz azulzinha, fininha... E aquele que forja a falsa prata e o falso ouro não merece a simpatia de ninguém. E essas lojas brasileiras todas de ouro, de ourives, pô, aquele ouro todo... era mais metal que ouro.

OURO DE TOLO...
É. A gente anotava isso tudo pra ver qual era. Os alquimistas falavam que precisa ter um ouro que não se pode falsificar, é o ouro de dentista, aquele ouro 14, ouro malhado.

EXISTEM ALQUIMISTAS HOJE EM DIA?
Eu conheço, na França. Na Europa ainda tem.

E NO BRASIL?
No Brasil não, não tem.

EM ALGUM MOMENTO VOCÊ FOI UM ALQUIMISTA?
Não, eu nunca cheguei a fazer transmutação. Meu livro, não o de Paracelso, o livro sobre de Nicolas Flamel, tem um texto grande que fala assim [a aeromoça oferece um sanduíche, a frase fica interrompida]...

NICOLAS FLAMEL E PARACELSO (PERSONAGENS DAS CANÇÕES DE A TÁBUA DE ESMERALDA) ERAM ALQUIMISTAS?
Eram, Nicolas Flamel, ele é que é meu muso. Ele e a mulher dele. Ele é “O Namorado da Viúva”.

NÃO SABIA QUE ESSA MÚSICA ERA DE ALQUMISTA. NICOLAS FLAMEL ERA “O NAMORADO DA VIÚVA”?
Era, e ninguém queria ela, com medo. Não, eles queriam, mas tinham medo, porque ela tinha isso tudo, era rica, tinha posses e já era viúva três vezes. Nicolas Flamel é século XV, 1406. É o meu muso [cantarola], “namo-mora-rado da viúva”...

E PARACELSO É “O HOMEM DA GRAVATA FLORIDA”?
Paracelso é “O Homem da Gravata Florida”. A história de Paracelso é maravilhosa também. Tinha a casa dele lá na Suíça alemã, ainda tem, onde ele viveu.

NESSE LUGAR VOCÊ FOI?
Fui, eu fui em todos esses lugares. Levei o Gilberto Gil. Levei o Gil na casa do Nicolas Flamel. Por incrível que pareça, você pode perguntar a ele, o Gil viu uma coisa lá que eu vi, só nós dois vimos, na casa de Nicolas Flamel. Depois eu perguntei: “Gil, você viu uma coisa que eu vi?”. Ele falou: “Eu vi, você viu?”. Foi incrível.

MAS O QUE FOI?
Vi uma coisa lá, na casa de Nicolas Flamel.

NÃO VAI CONTAR O QUÊ?...
Não, não. Mas vimos.

E NÃO ERA SOB O EFEITO DE ALGUMA SUBSTÂNCIA QUÍMICA?
Não, não, não. Vimos uma coisa lá. Nós vimos alguma coisa, mas bonita, não feia. Uma coisa bonita.

ENTÃO, VOLTANDO À HISTÓRIA DE PARACELSO...
O pai dele era famoso, médico, aquele médico que mexe com as plantas. Ele herdou do pai isso, todo o conhecimento dessa medicina, que se chama agricultura celeste.

QUE É O NOME MAIS LINDO DO MUNDO.
Agricultura celeste. A planta é plantada de acordo com o sol, com a lua, com as estrelas, e colhida de acordo, na época tal. Com essas plantas Paracelso curava as pessoas. E, naquela época, imagina ele, um médico, ele curava tantas pessoas que os médicos que estudaram nas grandes faculdades ficavam com bronca dele. Como é que pode, o cara vem com um remédio... Ele era tachado de feiticeiro, tinha que fugir de cidade em cidade. Tinha um cônego, um cara da Igreja e prefeito da cidade, estava morrendo nas últimas. Ninguém dava jeito nele, chamaram Paracelso. Em três dias voltou a cor, o sangue correndo, o cara já começou a andar. Como? O cara deu um xarope, uma pílula e aí foi aquele alvoroço todo. Queriam botar ele na fogueira por causa disso. E ele era um cara reconhecido, porque usava aquele echarpe colorido...

...QUE ERA A GRAVATA FLORIDA?
Que era a gravata florida. A história dele é demais.

ELE FOI PARA A FOGUEIRA?
Não, conseguiu escapar.

OS ALQUIMISTAS ERAM CONSIDERADOS BRUXOS? ERAM PERSEGUIDOS?
Eram. Imagina naquele tempo, o cara conseguir fazer transmutação. Tinha muito arquimista, arquimista era tipo um mágico, que tapeava. Então por causa dos arquimistas os alquimistas eram perseguidos, ninguém acreditava. E depois tinha uma coisa, ele não podia mostrar a arte dele, senão vários príncipes diriam: “Ah, já que sabe fazer, prende ele aqui”. Já seria preso, tinha que ficar trabalhando só pra eles.

OS ALQUIMISTAS ERAM OS OFENDIDOS?
É, os ofendidos. Se eles fizessem certo estavam presos. Se não fizessem morriam, tinham que fingir.

NÃO TEM UMA HISTÓRIA DE QUE PARACELSO ERA UMA MULHER DISFARÇADA?
Não. Falaram isso, mas não é, Paracelso era um homem. Tá lá a casa dele. Pode ser que existiu outra mulher com esse nome, ou escreveu alguma coisa, mas Paracelso é homem, da Suíça alemã, lá pro lado de Zurique.

TEM GENTE QUE FICA CABREIRA COM VOCÊ, “O QUE SÃO ESSAS COISAS QUE ESSE CARA TÁ FALANDO?”?
Tem, tem sim. Mas existem muitos alquimistas. Falam mais ou menos, mas Mozart era amigo e adepto da alquimia. Ele tinha um dom, uma capacidade incrível, desde os cinco anos. Tocava pra grandes castelos, reis, condes, princesas. Viajava na carruagem dele, ia de Londres pra Paris, não sei como ele chegava de carruagem. De Paris ia pra Itália, dava os concertos dele nos dias certos, não falhava um.

VOCÊ OUVE MÚSICA CLÁSSICA?
Ouço. De Mozart gosto muito, também já estive na casa dele. Gosto de ouvir às vezes, gosto, pra acalmar. Fiquei fã de Puccini desde quando fui ver a ópera Turandot.

FREQUENTA ÓPERA?
Quando posso eu frequento. Ópera é demais, porque tem tudo: a ópera é o teatro, a música, drama, o cenário que os caras montam. A Aída, na Itália, em Termas de Caracala, é uma coisa assombrosa, tem até elefante.

VOCÊ FOI?
Fui.

MESMO QUANDO VOCÊ ESTAVA FALANDO DOS ALQUIMISTAS, ME VINHA A LEMBRANÇA DE CIRCO. VOCÊ TEM UMA GRANDE MÚSICA SOBRE ISSO (“O CIRCO”, DE 1972).
Circo, circo! Foi sempre presente na minha vida o circo. Pô, era minha maior diversão, sempre gostei, principalmente dos palhaços. E daquela magia toda, que a gente só via no circo. Fui em todos os circos no Rio de Janeiro, Orlando Orfei, até no circo do Beto Carrero. Eu estava em Los Angeles quando vi o Cirque du Soleil pela primeira vez, faz 20 anos. Pô, é um circo que não tem aninais, primeira coisa, mas os caras te encantam tanto com malabarista, palhaço, regente de orquestra. Me lembro bem, já há 20 anos eram três tecladistas e dois cantantes, eles faziam aquela música toda do circo. Quando estou em Orlando vou sempre ver.

AS COISAS QUE VOCÊ IMAGINOU NA LETRA DE “O CIRCO” NÃO SE VEEM EM CIRCO NENHUM. A CABRA CICLISTA... É MUITA IMAGINAÇÃO, DE ONDE SURGE?
Aquilo é imaginação. Até existem, o anão gigante, a mulher barbada, o homem-avestruz, que engole faca, colher, come tudo. O homem-foguete...

ISSO EXISTE TAMBÉM...
...Que vira elefante e sai voando.

ISSO JÁ É MAIS DIFÍCIL...
Orquestra de sapo, a cabra ciclista, a girafa seresteira. Porque girafa não fala, não emite nenhum som, sabia?

É? E ESSA EMITIA.
É, então. O pior e o melhor de tudo é o homem, o marido da Deise. Ele que come raio laser, e ela que recebe todo o aplauso...

E VOCÊ NÃO FALA “LASER”, SENÃO NÃO RIMARIA COM “DEISE”.
Não, eu falo “leise” [sorri, satisfeito, e começa a cantarolar], “e agora com vocês a grande cartomante, a internacional Deise/ a mulher do homem que come raio leise”.

TEM UMA MÚSICA ANTERIOR QUE SE CHAMA “DEIXA O MENINO BRINCAR” (1965). NESSAS VOCÊ É UM MENINO, NÃO?
É, deixa o menino brincar. Eu vejo os meninos, a garotada. Acho que criança tem que brincar mesmo.

ÀS VEZES ADULTO TAMBÉM.
Adulto também.

VOCÊ FAZENDO ESSAS MÚSICAS, MESMO AS DOS ALQUIMISTAS, ERA UM ADULTO BRINCANDO?
Era, um adulto brincando. De criança tem outra que eu fiz, “A História de Jorge” (1976).

É UMA DAS MINHAS PREDILETAS.
[Cantarola.] “Jorge voa/ voa, Jorge, Jorge, Jorge, voa”... Eu estava assim na janela do meu prédio, na rua Paula Freitas, vi aquela rua assim vazia, era de madrugada, tava começando a amanhecer. E parece que imaginei ali um garoto que saía correndo e voava que nem um avião. Aí fiquei com aquilo, poxa. Tinha conhecido Jorginho, que sempre foi fã meu, um amigo, jogava futebol também. E aí saiu ali, porque Jorginho falava: “Jorge, sou seu amigo”, “Jorge é meu amigo” [“essa é a história de um menino que tinha um amigo que voava e Jorge se chamava”, diz a letra].

VOCÊ DISSE ANTES QUE NÃO QUERIA SER MÚSICO. QUANDO SE CONVENCEU?
Eu já fazia música desde a escola, escrevia as letras, sem melodia. Porque meu pai, o Augusto, ele foi compositor, teve três músicas de carnaval com parceiros gravadas. Meu pai tinha os amigos lá do Salgueiro, os amigos do tempo dele que eram da estiva e também do Salgueiro. Sempre teve música em casa, meu pai e minha mãe se conheceram na Gafieira Elite, dançaram muito na Estudantina.

SAMBA, BASICAMENTE...
Samba, só samba. Meu pai era amigo de Ataulfo Alves, tinha grandes amizades musicais.

VOCÊ É UM SAMBISTA, JORGE?
Eu faço samba muito bom. Não sou um sambista, mas eu faço, sei fazer muito bem.

MAS ADICIONOU ALGO MAIS AO SAMBA.
Eu misturo, misturo. “Mas Que Nada” (1963) já foi uma mistura, né? Misturei um pouquinho de samba que é misto de maracatu.

MAS NO INÍCIO FOI TIDO COMO BOSSA NOVA, NÃO?
Não, não bossa nova. Eles nem sabiam botar nome. Samba esquema novo. Eu tocava no Beco das Garrafas, mas nunca fiz bossa nova. Meu samba é outra coisa, totalmente diferente, por isso Meirelles e Os Copa 5 quiseram tocar comigo. Gostaram do meu som, “esse som a gente nunca viu”. Eu tocava entre eles, todo mundo lendo música, tocavam todos bem, e eu não sabia o que tava tocando, não sabia ler música. As minhas harmonias eram erradas, mas eram certinhas.

DEPOIS APRENDEU A LER MÚSICA?
Depois. Tive que aprender pra falar com eles como é que eu quero. Hoje eu posso falar “quero assim”.

QUAIS SÃO SUAS LEMBRANÇAS DAQUELA ÉPOCA EM QUE VOCÊ ESTAVA SURGINDO?
Eu frequentava lá, poderia dizer, desde quando mudei para Copacabana, eu era adolescente, tinha 16 anos. Antes morava na Tijuca. Mudei pra Copacabana, foi um sonho. Mudei pra um bairro meio tradicional, e uma modernidade incrível, vendo as mulheres passar em frente de biquíni, homens de short na praia. Tomei um choque, pô. E as coisas melhores na época estavam em Copacabana, o açougue, a carne, tudo era melhor. Tinha outro cheiro, perfume. Morar ali, a duas ruas do Copacabana Palace (ri). E aí ia frequentar o Beco aos domingos. Tinha jam session, com aqueles músicos mais famosos da época. E a gente ia, tinha que ficar até oito horas da noite. Começava às cinco e ia até meia-noite, mas às oito, como era de menor, diziam: “Sai todo mundo”. Comecei a frequentar assim, o Bottom’s Bar, que era uma casa de música. E tinha uma casa que era tipo um inferninho...

QUE VOCÊ DEVIA GOSTAR DE FREQUENTAR TAMBÉM...
Não, a gente não podia, menor não podia. A casa tinha as meninas, mas você não podia. Mas torcia pra chegar domingo pra ir pra lá.

JOÃO GILBERTO TOCAVA LÁ?
Não, João Gilberto acho que nunca foi lá. Tocavam lá Meirelles, o maestro Cipó, só gente boa de jazz. João já tinha gravado e estava famoso, tocava só em apartamento, com o grupo dele, Nara Leão, um grupo mais sofisticado.

VOCÊ NUNCA FOI DESSA TURMA?
Não, eu ainda não estava na música.

SUA TURMA ERA TIM MAIA, ROBERTO, ERASMO?...
É, essa era outra turma. Mas eu não era da turma deles. A turma deles, o primeiro conjunto, eram Tim Maia, Erasmo e Roberto. Chamava Sputniks. Eles tocavam no programa de rock do Carlos Imperial. Aí houve uma confusão lá, Roberto se separou e o Tim depois sumiu um pouco, foi pros Estados Unidos. Tim tocava desde garoto, foi o primeiro cara que vi cantando “bop-a-lena, bop-a-lena”, tocando guitarra. Ficamos amigos aí, mas ficamos mais amigos depois, quando Tim voltou e veio pra jovem guarda. Fizemos uma excursão uma vez com a fábrica francesa de tecidos famosa, a Rhodia, eu, Rita Lee e Tim Maia. Eram as manequins e a gente tocava no meio dos desfiles. Uma coisa chiquérrima [sorri].

NÃO FICOU NADA GRAVADO DISSO?
Ah, não, nem no tempo nosso de Divino, Maravilhoso, da tropicália, sobrou gravação. Dizem que gravavam tudo aquilo, apagavam e gravavam novela em cima. Mas, falando do Tim Maia, ele foi uma coisa assim... O som dele revolucionou. Ele teve umas fases lúdicas, lindas, específicas...

POR EXEMPLO?
Por exemplo, aquela do livro. Ele estava seguindo e descobriu que não era nada daquilo. Essa foi uma decepção dele. O cara botou a fé nele toda ali e depois descobriu, pô.

DEVE TER SIDO RUIM PRA ELE, MAS RENDEU MÚSICAS MARAVILHOSAS...
Ô, só música maravilhosa. Ele aderiu, cantava com o livro na mão. O síndico, o grande síndico, Deus o tenha. Com os amigos que ele tinha fé ou gostava de falar, ele contava, contava o que ele tinha feito... Não vou falar pra você nem pra ninguém, mas eu guardava, os amigos sempre guardavam. A qualquer hora você tinha que atender, ele ligava três horas, quatro horas da manhã. Uma coisa que posso contar pra você: quando ele gravou o disco com Os Cariocas [em 1997], ele chegou contente, feliz da vida, isso eram quatro da manhã. Aí acordei, já sabiam lá em casa que telefone para mim era dele.

ELE DEVIA SABER QUE VOCÊ TAMBÉM ESTARIA ACORDADO?...
[Ri.] Do outro lado ele feliz, “porra, estou chegando do estúdio agora, gravei com Os Cariocas!”. Mostrava faixa por faixa, gravou um disco de bossa nova, ouvi todas e [ri] tinha que dar nota.

NOTA? DE ZERO A DEZ?
[Ri muito.] “O que você acha, porra!?” “Do cacete” [ri]. Era demais. Falava de amor [imita]: “Porra, tô apaixonado, apaixonado, porra!”.

FALE UM POUCO SOBRE ROBERTO E ERASMO TAMBÉM.
Com eles foi muito pouco, só vivi aquela época da jovem guarda.

FEZ DUAS MÚSICAS COM ERASMO, E MOROU COM ELE, NÃO?
Fiquei um pouco com Erasmo no Brooklin, quando fui pra São Paulo pra me apresentar no Jovem Guarda. Foi a época em que a gente fez “Menina Gata Augusta” [1967], que foi legal, [cantarola], “menina gata augusta, menina augusta gata”. Era legal. Já fizemos um [hesita] samba-rock... Ali já era um samba-rock, é.

VOCÊS BATIZARAM DE “JOVEM SAMBA”.
É, jovem samba, [cantarola] “eu sou da jovem samba/ a minha linha é de bamba” [de “A Jovem Samba”, do disco O Bidu, de 1967].

E A TURMA DA MPB FICOU BRAVA...
Puta que pariu! Neguinho quebrava disco, quebraram meus discos todos, na TV, aquele programa de televisão...

FLÁVIO CAVALCANTI?
Quebrou. Quebrou A Tábua de Esmeralda.

QUEBROU A TÁBUA DE ESMERALDA?
Quebrou, quebrou.

SE ELE SOUBESSE... MAS NÃO SÓ ELE, A ELIS REGINA TAMBÉM FICOU BRAVA QUANDO VOCÊ FOI AO JOVEM GUARDA, NÃO?
Todo mundo. Hoje tem uns dois, mas um cara que eu queria ser ele quando era garoto é o Max de Castro, que inventa tudo, não quer saber. Max de Castro bota drum’n’bass, guitarra... Naquele tempo eu já fazia isso, mas sofria uma censura, pô...

OS FILHOS DE WILSON SIMONAL TÊM VOCÊ COMO UM PAI, NÃO?
Pô, então. E outros, outros. Poderia falar, dos novos que estão surgindo aí, tem tanta gente boa. Lá na livraria, uma terça-feira você tem que ir lá, tem um garoto chamado Lê Andrade, que suinga, faz letra bem, estudou em Londres, mas é totalmente brasileiro, um suingaço. É paulistano-carioca. Tem vários que chegam lá. Tem um grupo interessantíssimo de Belo Horizonte, que descobri, chama Black Sonoro. É um troço sonoro mesmo, com suingue. Outro grupo também, são meus amigos, é o do Fred Zero Quatro. Nação Zumbi e Fred Zero Quatro, pô, tem uma ressonância.

TODOS ESSES ARTISTAS TE ADORAM.
É, Fred e Otto participaram comigo do Festival de Inverno de Garanhuns, agora, foi muito legal.

VOCÊ GOSTA DO FUNK CARIOCA, JORGE?
Do que eu faço.

E ESSE DE AGORA?
Não, esse novo não é um funk...

DIGAMOS QUE O NOME É UMA LIBERDADE POÉTICA...
É, uma liberdade poética. Esse não é um funk. Eles falam funk, mas não é. Não sei nem se é ritmo e poesia, mas é um... Pode ser um r’n’d, ritmo & dança. É.

ELES DEVEM GOSTAR DE VOCÊ TAMBÉM, ALGUNS PEGAM BASES DE MÚSICAS SUAS.
É, já pegaram. Mas não é o funkão.

FUNK CARIOCA É VOCÊ?
É... Não só eu, outras pessoas fazem. É que nem aqui em São Paulo [o avião já pousou], o pessoal fala de samba-rock. Mas não é um samba-rock, é um samba diferente, que o pessoal dança tipo rock.

É UM SAMBA MISCIGENADO, O PAULISTA, NÉ? TEM JAPONÊS FAZENDO.
É, faz, e eles dançam estilo rock. Gerson King Combo faz um funkão. A Banda Black Rio é funk. [Saímos pelos corredores do aeroporto, a comissária de solo puxa conversa, diz “bom show, eu daria tudo pra ir, mas eu não vou estar aqui”. Ele faz meia-volta e diz, todo galante: "Ah, você não vai estar aqui?" Ela responde: “A gente vai pra Recife”. "Ah... Seria um prazer... Boa viagem então, tá?"]

VOCÊ FALOU DE TIM, ROBERTO E ERASMO, E SIMONAL?
Simonal, pô, foi o primeiro a gravar todos os meus sucessos.

FOI IMPORTANTE PRA VOCÊ.
Foi. Simonal pedia, perguntava: “Tem alguma coisa?”. “País Tropical”, “Zazueira”.

O TEMRO “PATROPI” FOI ELE QUE INVENTOU?
Não, o patropi já tinha, o patropi é meu, passei pra ele. Patropi cantei num show, eu e Toquinho. Era eu, Toquinho e Paulinho da Viola, lindo, mas não foi ninguém. Depois todo mundo estourou. Olha só a produção, Fernando Faro e Abujamra.

NÃO ERA ESSE QUE TINHA ARACY DE ALMEIDA TAMBÉM?
Isso, é. Não ia ninguém.

COMO ERA ARACY NESSA ÉPOCA?
Era daquele jeito dela... Ela é uma escola de música. Pô, gravou Noel Rosa. Trabalhou com Noel, acho que foi até namorada dele. Mas era um show assim [ri], não ia ninguém. Foi no teatro da FGV, em São Paulo. Cada um cantava suas coisas, só eu e Toquinho cantávamos “Que Maravilha”.

UMA MÚSICA SENSACIONAL SUA QUE POUQUÍSSIMA GENTE CONHECE É “QUEREMOS GUERRA” (1968).
Orra, aquela foi do festival [cantarola]: “Mas só se não fizer sol amanhã/ se chover também eu não vou sair de casa/ eu não estou aqui pra pegar uma gripe danada/ e no fim da semana não poder ver a minha namorada [pausa]/ guerra, queremos guerra”.

POR QUE SERÁ QUE NÃO FICOU FAMOSA? ERAM VOCÊ, CAETANO E GIL, NUMA MESMA GRAVAÇÃO.
Você lembra da Phono 73 [um festival com todo o elenco da gravadora Philips]? Na Phono não deixaram eu cantar. Censuraram, Chico Buarque foi censurado.

POR QUE CENSURARAM A SUA?
A minha porque eu falava “guerra, queremos guerra”. Por causa da palavra guerra.

E AÍ VOCÊ DEIXOU ELA DE LADO?
Deixamos de lado, é, porque acho que ela perturbava aqueles arapongas...

(NO SAGUÃO DO AEROPORTO, ELE CONVERSA COM JOGADORES DO BOTAFOGO, DÁ AUTÓGRAFOS. ENTRAMOS NA VAN RUMO À CASA DE SHOWS.) VOCÊ TEM AMIZADE COM ESSA GAROTADA DO FUTEBOL, RONALDO...?
Não, essa geração do futebol eu conheço muito pouco. Porra, bicho, o Rio de Janeiro tá uma vergonha. Dois times grandes, rapaz, quase caindo novamente. São Paulo tem seis ou oito times no campeonato. No Rio, de times grandes, só tem dois. [O fotógrafo Marcelo Naddeo pergunta se ele ainda torce para algum time.] Só torço pro Flamengo. E Brasil. [Marcelo comenta que nunca foi no Maracanã lotado.] Pô, tem que ir.

VOCÊ AINDA VAI?
Vou, sempre. Quando eu morava ali – morei na Doutor Sotamini, que era uma rua do lado do campo do América, quando o América tinha um campo ali na Tijuca –, dali todo mundo vai a pé pro Maracanã. Bons tempos, eu era garoto, meu pai me dava um troco, ia de geral. A gente ia de geral, ia bonitinho, de sapatinho, naquela época calça curta. Aí da geral a gente pulava pras cadeiras [ri], aí tá bonitinho, ninguém falava nada. Agente ia, eu e os amigos da escola. Era do lado da escola onde eu estudei o primário, na Tijuca. Uma fase legal. O Maracanã é um show, você, pegando o elevador, sobe, quando abre a porta lá em cima, rapaz, é sempre show, aquela coisa “aaaaah”(faz barulho de multidão). E quando o céu tá azul clarinho, ou quando o jogo é domingo à tarde... Tudo nasceu lá domingo à tarde: “Fio Maravilha”, “País Tropical”, “Camisa 10 da Gávea”...

COMO ASSIM? VOCÊ TINHA A IDEIA E ESCREVIA NA HORA?
Compunha, tinha a idéia lá, vendo aquilo tudo.

O MARACANÃ DEVE MUITO À MÚSICA BRASILEIRA, ENTÃO.
Um poeta profissional nordestino que vai lá na livraria, ele fala: “Suas músicas são a própria poesia, como você fala, urbana e suburbana, só é cantado”. Ele falou do jeito que retrato as pessoas, nas letras. Isso é o que eu fazia na escola, era bom nisso.

PODE DAR EXEMPLO DO QUE VOCÊ CHAMA DE “SUBURBANO” NAS MÚSICAS?
Da poesia suburbana? A poesia do suburbano falar e ver as coisas, ele já vê diferente do pessoal da cidade, do urbano.

AS MÚSICAS COM NOME DE MULHER SERIAM SUBURBANAS?
Todas, tudo.

VOCÊ FAZ UM MONTE DE MÚSICAS COM NOME DE MULHER, A DOMINGAS (SUA COMPANHEIRA DESDE O FIM DOS ANOS 60) NÃO CHIA?
Não, ela já sabe que é o meu estilo de música, né?, que eu tenho que fazer. Ela é companheira nisso.

ESSAS PERSONAGENS, JESUALDA, KATARINA, VOCÊ IMAGINA?
Não, não são imaginadas. São musas mesmo. Existem de verdade. Todas.

QUEM ERA JESUALDA (PERSONAGEM DA CANÇÃO HOMÔNIMA DE 1975, QUE A ESTA ALTURA NÃO SABEMOS, MAS MAIS TARDE ELE CANTARÁ NO SHOW)?
“Jesualda” é uma história mesmo, lá de Copacabana. Jesualda é da minha geração mesmo, aconteceu mesmo com ela isso [a personagem é uma cozinheira da zona sul que conhece um estrangeiro num ponto de ônibus rumo ao Maracanã e "agora espera baby no exterior"].

OU SEJA, HÁ A PARTE DA IMAGINAÇÃO, MAS VOCÊ CONTA MUITAS HISTÓRIAS REAIS TAMBÉM?
Eu conto história, sou um repórter, tipo um repórter. Eu tenho que ver primeiro pra fazer... E um pouco de ficção é bom, né? Misturar os dois. É legal você fazer uma ficção em cima.

VOCÊ TEM MÚSICAS INÉDITAS? ESTÁ GRAVANDO?
Não, agora não tô gravando, não. Tô só fazendo. Quando dá tempo.

FAZER DISCO HOJE EM DIA...
É, eu perguntei ao meu filho, “fala pra mim”, ele disse: “Pai, nenhum dos meus amigos compra CD, ninguém compra”. Neguinho vai lá e baixa, faz o disco dele mesmo...

O QUE VOCÊ ACHA DISSO?
É terrível. Agora tem que ver quem errou [ri]...

ALGUÉM ERROU, SIM, MAS NÃO FOI NATURAL TAMBÉM? EXISTIA LP, DEPOIS VIROU CD, AGORA VIROU DOWNLOAD...
É, mas olha aqui, deixa eu falar pra você. A tecnologia tá tão avançada, quando eu estive no Japão, 12 anos atrás, já comprei um chip duma banda japonesa e um chip duma banda americana. Era um chip, um chip, uma moedinha. Eles vendiam uma máquina, tipo um chaveirinho, você botava o fone ali, porra, era um sonzão! Depois os Estados Unidos brecaram. Saiu pra criança, quatro faixas da Britney Spears... Puta que pariu, um chipzinho, caramba, o CD vai pro cacete então, né? Ano passado voltei lá só tinha coisa de outro mundo.

VOCÊ É RATO DE COMPUTADOR, FAZ DOWNLOAD?
Não sou. Não faz. Porque eu não tenho saco... Acho que eu tenho um pouquinho de preguiça de ficar no computador, porque eu tenho que ler. Eu tenho que ler. Os livros que eu quero não estão no computador. Ler no computador? O livro, porra, é mais apaixonante. Você lê a hora que quer, não tem aquela tela te perturbando a vista. Aí eu tenho que ler, aí tem que tocar, aí tenho que sair pra passear com meus cachorros – eu tenho uma cachorrada. Tem que dar atenção um por um, senão eles ficam com ciúme e me mordem.

QUANTOS CACHORROS, DE QUE RAÇAS?
Tenho três. Tenho a começar com o lhasa apso, que se chama a Spring. Tem a Kati, que é mini-maltês, a mais braba de todas. Míni, míni, do tamanho do meu tênis. E tem o Joaquim, que é um poodle lindo, lindo, branquinho.

MORAM ONDE?
Todos no Rio. Fizemos um abaixo-assinado, antigamente não podia ter cachorro no apartamento. Pô, todo mundo tem. Aí ficou normal, legalizaram a cachorrada no prédio. Então, tem isso tudo. Ligo assim pro amigo, tecladista quer saber o que a gente vai tocar no show, se vai ter alguma coisa nova, aí ele passa pra mim, eu só uso computador pra isso.

NO SEU SHOW MUITA COISA ACONTECE DE IMPROVISO TAMBÉM, SEM ROTEIRO PRONTO, NÃO.
Não tem roteiro, o técnico de luz nosso já sabe disso. Como ele já sabe as músicas, já prepara a luz pra música tal. É dependendo do público, da reação, né?

POUCOS ARTISTAS FAZEM ISSO...
É, a gente toca assim, e tá bem... É pra banda ficar ligada. Porque senão a banda, pô, fica tocando sempre a mesma música. Pra sentir melhor, por exemplo, estão esperando a hora de entrar Santa Clara Clareou, entra outra música...

OS MÚSICOS TÊM QUE SAIR CORRENDO ATRÁS DE VOCÊ.
[Ri, divertido.] Saem correndo.

É UMA MALANDRAGEM SUA COM ELES?
[Ri.] É, muda, muda...

UMA VEZ FUI ENTREVISTAR VOCÊ NO CONDOMÍNIO DA BARRA, E VOCÊ VEIO COM TACOS DE GOLFE. PRATICA ESSE ESPORTE?
Foi, mas não tenho tempo, por incrível que pareça. Todos os campeonatos que me chamam, pô, é sete horas da manhã!

VOCÊ PARTICIPA DE CAMPEONATO?
Às vezes participo, mas sete horas da manhã não dá pra mim. Chego em casa às cinco! Eu jogo sozinho, às vezes vou pro clube Itaiangá, sou sócio lá. É um dos clubes mais bonitos do Brasil.

ALGUM OUTRO ESPORTE? FUTEBOL?
Umas peladinhas de vez em quando, também quando dá. As peladinhas também são todas cedo, não dá.

SEU ESPORTE É NOTURNO, CANTAR...
É, não dá. Às vezes eu falo: “Pô, tinha que ter mais horas!”. Tinha que ter mais tempo pra fazer. Porque é tudo, tudo apressado, o tempo todo meu já é corrido.

COMO ERA O LUGAR ONDE VOCÊ MORAVA NOS EUA?
É um lugar bom de morar, mas você não tem contato com barulho. Pra quem está acostumado com barulho, cidade grande, porra, passa mal lá. Oito horas da noite, nove, não tem mais ninguém, sumiu, parece que um tsunami levou todo mundo. Não tem ninguém na rua. Aí passa o xerife, “que que estão fazendo aí esta hora, dez horas”. Porra, são três carros de xerife.

NÃO PODE FICAR NA RUA?
Ficar na rua pode, não pode fazer barulho depois das dez.

VOCÊ JÁ TEVE PROBLEMA COM SÍNDICO?
O síndico [De “W/Brasil”, megassucesso a partir de 1989] foi homenagem ao Tim Maia, mas tem, já tive. Tem síndico que acha que é o coronel ou o general, o dono. Só porque ele tá ganhando, ele mesmo não paga o condomínio.

VIRA UM POUCO XERIFE TAMBÉM...
Vira. Mas, também, nunca fiz nada demais. O meu síndico é em homenagem ao Tim Maia, que ele queria ser o síndico lá do Barra Palace. Já te contei do Tim? Ele tinha a gravadora dele lá, né? Ele mesmo mandava fazer as capas, os discos, fazia tudo. Tinha um quarto lá que era só capa e disco. Vi várias vezes, ele ligava pras casas que vendiam discos, pras lojas, “ó, tô com disco novo aí”. Os caras já sabiam que era ele, “quanto tu quer?”. Tanto, ele, pá, pá, pá, já mandava levar, toma lá, dá cá. Ele sozinho vendia mais de 20 mil discos. Ele já fazia isso, já brigava com o sistema das gravadoras.

O QUE VOCÊ ACHA DE COMO ESTÃO AS COISAS HOJE, COM AS GRAVADORAS ENCOLHENDO CADA VEZ MAIS, DISCO PARANDO DE VENDER?
Não vende mais, por isso eu perguntei pra você, quem foi o culpado disso tudo?

TEM ALGUM PALPITE?
Ah, fico pensando, pô. A começar pelo tal de jabá. O grupo de cantores, autores, nunca pôde ter uma rádio própria pra tocar seus trabalhos. Nunca, ninguém foi premiado. Hoje é um lobby pra ter rádio, né? Meu filho fala só isso: “Pai, ninguém tá comprando, neguinho baixa”.

ISSO INFLUENCIOU, MUDOU AS COISAS PRA VOCÊ?
Claro, influenciou. Pensando bem, não há também o incentivo das gravadoras pra que os artistas façam um trabalho que só vai vender nas lojas. Então você vê muito selo novo aparecendo, não é? Muita gente se lançando mesmo... Aquela menina mesmo, embora pra mim ela seja uma grande artista, canta muito bem, é versátil, ainda vai ser muito melhor, a Mallu Magalhães - ela é uma artista música, canta bem, toca bem, e ela se lançou assim, né? Se fosse esperar uma gravadora, rádio, não ia ter vez. Ela conseguiu.

AQUELA HISTÓRIA DO PLÁGIO DE ROD STEWART (O CANTOR USOU A MELODIA DE “TAJ MAHAL” EM SUA “DA YA THINK I’M SEXY?”, DE 1978). VOCÊ PROCESSOU ELE?
Não, foi a editora que foi atrás. A editora, sem eu estar acionado nem nada, a editora fez uma aposta com ele. Uma aposta, não, fizeram um acordo.

ATÉ HOJE NÃO COLOCARAM SEU NOME COMO AUTOR.
Então, fizeram um acordo. A editora fez um acordo com ele, e eu dancei, é.

(CHEGAMOS AO LOCAL DO SHOW. ACOMPANHAMOS A PASSAGEM DE SOM, MAS A CONVERSA SE INTERROMPE AQUI. DEZ DIAS DEPOIS, JORGE JÁ NÃO ESTÁ TÃO FALANTE, E O PAPO CONTINUA AO FIM DO CORUJÃO DA POESIA, ÀS 3H30 DA MANHÃ, ENQUANTO A POETA NATÁLIA PARREIRAS AJEITA A GRAVATA FLORIDA PARA A SESSÃO DE FOTOS. O REPÓRTER PÕE UMA MÚSICA NO CELULAR PATA JORGE OUVIR.) VOCÊ CONHECE ESSA?

[Depois de alguns segundos.] Black Eyed Peas.

É, ELES SAMPLEARAM UM PEDAÇÃO DE “CINCO MINUTOS” (1974), EM “POSITIVITY” (1998), E NÃO TE DERAM CRÉDITO.
[Ele sorri, não fala nada. Enquanto ajeita a gravata, penteia os cabelos. A sessão de fotos é feita lá fora, embaixo de chuva.]

O QUE VOCÊ ACHOU DO SHOW EM SÃO PAULO?
Achei muito, muito participativo. A galera toda participou, todo mundo cantando.

VOCÊ JÁ VINHA FAZENDO AS MÚSICAS DE A TÁBUA DE ESMERALDA EM SHOWS?
Não, aquilo foi lá mesmo. A gente tocou um mês antes em Campinas, e lá tinha um pessoal com uma placa do disco A Tábua de Esmeralda, e outra placa pedindo "Hermes Trismegisto". Nesse dia não fiz, porque não estava ensaiado. Esta banda que está comigo agora está mais ligada nas músicas recentes. Tem que ensaiar tudo com eles, senão...

VOCÊ FEZ UMAS MISTURAS DE MÚSICAS ANTIGAS COM OUTRAS MAIS RECENTES, COMO “ALCOHOL” (1993).
É, misturei “Alcohol” com “Os Alquimistas”.

VOCÊ SABE DAR NÓ EM GRAVATA?
Eu? Não. Até hoje não sei. Tenho duas gravatas floridas, consegui duas, mas não como eu queria, com as flores todas. Uma só tem rosa.

ESSA AÍ É BOA?
É. [Terminada a sessão, Jorge se despede do Corujão da Poesia, mas convida a reportagem para a próxima escala, numa padaria do Leblon. Uma comitiva o acompanha embaixo de chuva: músicos, o jovem poeta e palhaço Lucas, duas jovens jornalistas cariocas. Jorge pede água com gás, café com leite e pão com manteiga, e se diverte com Mama Giulia, de 71 anos, sotaque italiano, figura carimbada nos saraus, que o chama de Giorgio] Mama Giulia, una ova, ou due? [Pede um ovo estrelado.]

VOCÊ NÃO TEM COLESTEROL ALTO, NÃO?
Não.

DEPOIS DOS SHOWS COSTUMA BATER UM RANGO TAMBÉM?
Não, depois de show, não. No camarim tem muita fruta, queijo e refrigerante, de todo tipo [Jorge não fuma nem bebe, e não permite bebidas alcoólicas para ninguém nos camarins].

VI VOCÊ NO DVD NOVO DO ZECA PAGODINHO, VOCÊ BOTOU ELE PRA CANTAR “TAJ MAHAL”.
Você viu, é?

VI, E LÁ VOCÊ ESTÁ DECLAMANDO TAMBÉM. DECLAMOU “CINCO MINUTOS” NO SHOW, ESTÁ NUMA FASE DE DECLAMAR?
No show do DVD eu estava indo embora, foi ele que me chamou de volta. Era só pra declamar a oração para São Jorge. [Para Lucas] Quantos livros você consegue ler por mês? O professor João acha que, pra eu memorizar tudo, tenho que pegar cinco livros, daqueles que ele passa pros alunos lá dele, e começar a ler. Primeiro vê tudo como é o livro, depois lê 15 páginas, passa o outro, vai alternando, que você consegue ficar. Porque às vezes se ler um direto você perde... [“Eu leio quanto o meu orçamento permitir”, diz Lucas.] É, o livro é caro, o livro é caro. [Lucas conta que é palhaço – “ator-palhaço”, emenda Jorge – e que seu pai é mágico. E que sua mãe é “a mulher do homem que come raio laser”.]

FALANDO EM PAIS, O QUE VOCÊ SENTIU AO SABER QUE MANO BROWN, DOS RACIONAIS, BATIZOU OS FILHOS DE JORGE E DOMÊNICA (DOMÊNICA É UMA DAS VARIAÇÕES QUE ELE USA EM MÚSICAS PARA FALAR DA MUSA DOMINGAS; A PARTIR DE UMA DESSAS MÚSICAS MANO BROWN TIROU PARTE DA IDEIA DE SUA "FIM DE SEMANA NO PARQUE", DE 1994)?
Pô, demais, né? Eu conheci Jorginho e Domênica num show em São Paulo. Fui saber disso lá, naquele show [em 2004, em Itaquera, zona leste de São Paulo].

VOCÊ CONHECEU MANO BROWN NAQUELE DIA?
Não, eu convidei ele uma vez, a gente foi ver B.B. King em São Paulo. B.B. King esteve aqui, e a cônsul americana era amiga da minha mulher, e falou: “Olha, quero convidar os artistas brasileiros que estão aqui, porque o B.B. King vai fazer uma apresentação pra gente aqui no consulado”. Aí nós fomos, eu, Jair Rodrigues, todos os artistas que estavam disponíveis em São Paulo. E Brown era pra ir, mas... ele não sai, não dá entrevista. Falei: “Não, nós vamos ver B.B. King no teatro, você vai comigo”. E ele foi. E o B.B. King aquele dia tava inspirado, tocou tudo, embora tivesse que tocar sentado um tempo. Mas ele tocou, rapaz... É um dos guitarristas que não têm nada ensaiado, o solo dele ele não ensaia, evai procurando a nota, você sente isso.

IGUAL ALGUÉM QUE A GENTE CONHECE...
[Ri, satisfeito.] Ele vai procurando, vai achando, vai achando, vai embora, fica aquela coisa, maravilhosa.

E O QUE BROWN FALOU DO SHOW?
Ah, adorou. Ele é fã do Marvin Gaye, tem toda a coleção. Se criou aquele mito de que o rap tinha que ser bandido, agora começou a mudar. O rap americano, hoje em dia, tá todo mundo chique, vestindo Giorgio Armani, todo mundo na estica... A poesia já está mais doce...

VOCÊ ACHA ISSO RUIM?
Não, muito bom, porque estava aquela poesia gângster que eles têm muito lá. É poesia doce no sentido de o cara não botar que vai matar o outro, o gangsta.

AQUI NÃO TEM TANTO A PARTE DA RIQUEZA, MAS OS RAPPERS TAMBÉM COMEÇAM A IR ALÉM DO ASSUNTO VIOLÊNCIA.
É, tem que sair. [A comilança acaba, Ben Jor se despede e mergulha na madrugada. Num dos bolsos, leva a gravata florida presenteada pela Trip.]

segunda-feira, janeiro 11, 2010

pensamentos soltos para 2010

Eu ando meio cansado de sentir vontade de começar a escrever, sabendo que no final vai sair um texto looooooongo e pretensamente profundo...

Noite dedicada a afro-latino-americanidades musicais ontem: Cascatinha & Inhana, Los Indios ("Quizas, Quizas, Quizas"), Trini Lopez, Chubby Checker, Charo, Perla, Barry Manilow, Brigitte Bardot en español ("El Cuchipe"), Miriam Makeba, Eddy Grant, Trio Los Angeles, Rita Pavone, Rita Cadillac, Stevie Wonder, Dolly Parton, Bonde do Rolê, coleção "Disquinho"... Delicioso...

Só se falou de Sean Não-Sei-Quem no final do ano, mas o que é essa história dos filhos adotivos do "El Clarín" na Argentina, hein?

Eu adoro a Cristina Kirchner.

É muito bacana ver a Argentina reelaborar Evita e o Brasil reelaborar Getúlio Vargas. A história NÃO se repete como farsa.

O que faz um cara que foi moldado desde o berço a ser "crítico" quando descobre que não quer ser "crítico", pelo menos não daquele jeito que sua profissão e seu país consagraram?

É a tristeza queM some, morre o burro ("crítico"), fica o homem!

(Com 41 para 42 anos acho que já posso dizer que sou um homem. Pelo menos me esforço um bocado para.)

Fez agora oito anos que morreu Cássia Eller. O mais explosivo talento desperdiçado desde Elis Regina. Nunca paro de me lastimar por essa, e fico triste nos finais de ano (também) por ela.

A homofobia é mais venenosa que estricnina. A externa e a interna.

Eu respeito os suicidas (quaisquer, mas estou falando dos de fato).

A música brasileira está resplandecente de novo, só não ouviu quem não quis. E, não, eu não estou me referindo ao gosto pretensamente ditado pela sociedade média(ocre) desta Sidade de Ção Paulo.

Dói deveras dizer, porque há 18 anos faço parte desta massa, mas hoje Ção Paulo é uma das Sidades mais desgraçadamente atrasadas do Brasil.

Uma cidade que faz com seus rios o que fez a Sidade de Ção Paulo não se dá ao respeito. Por piores que sejam Serra e Kassab, não se pode tapar o pÇol com a peneira de culpá-los centralmente pelas enchentes nossas de cada dia.

Mas e pelos incêndios de favelas? É inacreditável que os jornaiÇ e as tevêÇ que ficam na encruzilhada da avenida Roberto Marinho com a ponte Octavio Frias de Oliveira finjam que esses incêndios não aconteceram e que não Çabem por que eles acontecem com tanta frequência.

Será que alguém algum dia vai se interessar por investigar e esclarecer os porquês de tantas emissoras de TV paulistanas foram destruídas por incêndios na alvorada pós-AI-5?

A que DeuÇ-dará anda abandonada esta Sidade de Ção Paulo, meu DeuÇ-padim-padre-Çíçero? Çerá por iÇo que ninguém mais te canta?

Falei do desânimo de criticar à moda antiga e me pus a criticar à moda antiga a insalubridade de Ção Paulo, ó, doída contradição?

Dorme o homem, fica o burro?

Eu adoro o Roberto Carlos e o Luiz Gonzaga. Luiz Gonzaga é o rei do iê-iê-iê, Roberto Carlos é o rei do baião. Chico Science também dói.

Nos próximos dias, farei jorrar aqui neste velho blog de guerra um tanto dos trabalhos escritos que fiz e foram publicados nos ultimos meses de 2010. Para preservar nossas memórias, tal como numa comissão de verdades relativas, se é que você me entende.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

...mais eis que chega a roda viva e carrega a roseira pra lá...

No final de ano bem fora de órbita, zarpei da blogosfera e nem me despedi, nem respondi mais mensagens, nem fiz votos de feliz aquilo tudo, beeeem mal-educado.

Mas agora que já foi, feliz 2010 pra todo mundo!!!! Tenho umas coisas em mente pros próximos dias, mas enquanto o carburador continua desaquecido, vai aí a cópia de uns lances na twittosfera, mal ajambrados e mal copiados pra cá. Vamos reesquentar os tamborins!!

@pdralex Voltei do recesso, e fui ver o filme do Lula finalmente. :-)

@pdralex E, concordo, pega mal aquele começo dizendo que não tem dinheiro público, seguido de uma lista de patrocinadores...

@pdralex ...que inclui várias das empresas mais destrutivas do Brasil - construtoras, cervejarias, tabacarias...

@pdralex Mas, ops, essa pauta e a do ódio babado com espuma contra o filme são da "grande" mídia, não são minhas. :-)

@pdralex E eu achei o filme bem legal. Cinemão bem feito, desculpaí os inimigos dos Barretões... O teatro das cenas de greve é beeeem legal.

@pdralex Agora... é ideológico da cabeça aos pés, né? Se eu fosse fã da direita estaria espumando baba também... Mas como é pro lado que eu gosto...

@fabricionoronha @pdralex chorou?

@pdralex @fabricionoronha Chorei um monte, hahahaha. Menos nas partes muito apelativas, tipo aquele amor perfeito com a primeira mulher...

@pdralex Mas tem cena ideológico-pedagógica a dar com o pau. Lula indo ao cinema pela primeira vez, por exemplo.

@pdralex O tratamento positivo dado às greves idem. Isso eu amei.

@pdralex Mas, enfim, não me pareceu um filme inofensivo, em momento algum. Parece muuuito pensado e bolado, com objetivos bem definidos.

@pdralex E foi sensacional ver o filme cruzando com um estudo sensacional do André Singer sobre por que Lula venceu a reeleição em 2006.

@pdralex O estudo do Singer eu pesquei no @luisnassif, essencial pra quem quer entender o país em que vive: http://migre.me/fW84

@pinkywainer @pdralex eba, enfim uma crítica decente ao filme do lula. obigadinha.

@pdralex @pinkywainer Ai, em forma de twitter é muito tosco... :-) E eu soube que tem um certo livro à venda na tua loja, eeeeeê!!! obrigado!!!!

@M_Caleiro @pdralex Não gostei foi como cinema mesmo. Achei a narrativa frouxa, clichê, desatenta a detalhes. O tema é tão rico, podia ser bem melhor.

@pdralex @M_Caleiro É, um diretor mais da pá virada faria horrores ali. Mas, sabendo que ia ver dramalhão hollywoodiano, não cheguei a me incomodar...

@zil_chica Hahaha...curti muito a crítica-tuitada do @pdralex do filme do Lula...

@caiobruno @pdralex Mais um post pra vc, o 3 em 10 min rs... O filme de Lula é histórico. Vc acha q interferirá na eleição pró Dilma?

@M_Caleiro @pdralex Um Scorsese ou um Glauber faria uma obra-prima..rs..

@pdralex @pinkywainer :-) :-) :-)

@pinkywainer RT @pdralex Ooooooooooobaaa! (é bacana a Clarice?) Eh superbacana. Leia sem medo. As criticas bras. eram inveja pura! O gringo ralou.

@pdralex @pinkywainer "inveja pura" na crítica brasileira?! onde já se viu???! :-)

@pdralex Falei bem (e mal) do filme do Lula sem perder nenhum seguidor?!??? :-O Deve ser porque é sexta à noite...

@pdralex @M_Caleiro Se bem que a história do Lula é mesmo mais pra Franco Zeffirelli ou Janete Clair que pra Glauber, né?...

@pdralex A propósito, é meio inevitável, mas a "heroificação" do personagem passa um tanto da conta.

@pdralex Gosto mais do Lula como o cara legal que ele é do que como herói. E a glorificação do trabalho acima de tudo via dona Lindu?? Cruzes!!!!

@pdralex Na pendenga entre hedonismo e "trabalhadorismo", o filme é bem de direita (mas, como diz o Singer, o fenômeno Lula é esquerda E direita).

@ligiagdiniz @pdralex Já que ninguém deu unfollow em você por falar bem do filme, resolveu falar bem do homem? :)

@pdralex @ligiagdiniz isso eu falo sempre :-) e por isso perco uns seguidores, volta e meia... (saudade!)

@jb_carvalho Ser imparcial é isso aí. hahahha ótima twitt-resenha do filme do lula, @pdralex

@flaviadurante o @pdralex tá comentando o filme do Lula. sabe q até eu ñ tive coragem de ver ainda? mas vou tentar ver no findi.

@pdralex @jb_carvalho ser imparcial sem precisar por isso matar as paixões, né? :-) gracias!

@pdralex Pior, @flaviadurante, eu vi em reduto FHCista (shopping Higienópolis)! E até que tinha um pessoal civilizadinho lá, ninguém vaiou...

@ligiagdiniz @pdralex Haha. Bom, a cada vez que você fala que o Lula é um cara legal garante ao menos a permanência de uma seguidora! (mais saudade!)

@pdralex @ligiagdiniz pois então eu repito com prazer: o Lula é um cara legal pacas!!, nininininini!!!

@ninalemos @pdralex O que eu acho é que o filme quer contar tudo e acaba se perdendo, saca? Eu tipo queria saber mais de um monte de coisa...

@pdralex @ninalemos É... E eles nem colocam a passeata de mulheres que a Marisa organizou quando ele tava preso, que é a coisa mais linda do mundo...

@ligiagdiniz @pdralex É bom não trabalhar na Folha e poder dizer essas coisas aos berros, né não?

@pdralex @ligiagdiniz é tipo o paraíso! :-)

@draupadi O @blogdonoblat escreve sobre a dieta de Dilma. Daí eu reclamo da futilidade e do #machismo, e ele: "Se fosse sobre o Serra vc reclamaria?"

@pdralex RT @ draupadi O fato é q ninguém vai pegar no pé de um políticO por causa da barriga ou das calças que usa. Se é mulher, isso merece post. @blogdonoblat

@pdralex @draupadi Machismo vai comer solto em 2010. Mas vai ser gostoso ver jornalista descobrindo que era escrotamente machista e não sabia...

@pdralex Todo mundo falando do Casoy no CCC, mas assustadora mesmo é a lista inteira. Tem ex-presidente da OAB (Batochio), juiz, desembargador...

@pdralex ...diretor da CBC, doutor pela USP, advogado da esposa do Flávio Maluf, autor de artigo dizendo que o golpe em Honduras não foi golpe...

@pdralex ...delegado, diretor da All Star, diretor de Yacht Club, diretor da Itaúsa, economista da SulAmérica... Cacildis!!!
31 minutes ago from web

@caiobruno @pdralex E o q dizer do Romeu Tuma? Chefão do DOPS e hj posa de senador democrático. Absurdo isso.

@pinkywainer RT @pdralex: .delegado, diretor da All Star, diretor de Yacht Club, diretor da Itaúsa, economista da SulAmérica.!perdoa, pedroalex! tanamoda

@pdralex @pinkywainer Também podiam fazer um filme tipo "Cidadão Boilesen" só sobre eles! Ia ficar supimpa!

@viledesma @pdralex Tinha, mas sumiu uma Realidade com matéria sobre CCC. Foto e entrev de ntegrantes, inclusive Boris. Capa Erico ou Chic0, 1968

@pdralex @viledesma A matéria de 68 da Cruzeiro é assustadora, dá o endereço de casa e do trabalho de um monte de CCCs.

@pdralex @viledesma Sei lá se entendo errado, mas parece a esquerda dando um susto nos CCCs, insinuando "vamos pegar vocês"...

@lojadobispo RT @pdralex: @pinkywainer Também podiam fazer um filme tipo "Cidadão Boilesen" só sobre eles!Ia ficar supimpa!/otema ideia! gente finíssima!

@viledesma @pdralex A da Realidade tbem. Tem fotinhos e perfis dos integrantes. Desapareceu daqui de casa. Será q...rs

@pinkywainer RT @pdralex: @viledesma A matéria de 68 da Cruzeiro é assustadora, dá o endereço de casa e do trabalho de um monte de CCCs.//onde?

@pdralex @pinkywainer Ops, esqueci! http://cloacanews.blogspot.com/2010/01/exclusivo-boris-casoy-e-o-comando-do.html

@pdralex Não tenho a menor ideia se influenciará na eleição (ou não) da Dilma, @caiobruno...

@viledesma @pdralex Na Realide eles parecem ser tratados como fodoes.. Logo após o ataque ao elenco de Roda Viva

@viledesma @pdralex Nas minhas lembranças, a tal matéria é meio "assim vive um cara do CCC".

@pinkywainer @pdralex desenterrar o CCC é mto bom. Todo mundo tem um passado. Todo mundo teve um lado.Recordar é viver?

@pinkywainer RT @pdralex: @pinkywainerOps, esqueci! http://cloacanews.blogspot.com/2010/01/exclusivo-boris-casoy-e-o-comando-do.html nao consegui abrir

@jb_carvalho @pdralex matar as paixões é suicidar da forma mais cruel.

@viledesma @pdralex @pinkywainer Tbem não consegui abrir. E o programa fechou. Será q o CC ainda tá vigilante???

@pdralex @pinkywainer Uai, aqui abre tudo direitinho... http://cloacanews.blogspot.com/2010/01/exclusivo-boris-casoy-e-o-comando-do.html

@ninalemos @pdralex inclusive a Marisa no filme ficou bem apagadinha, né?

@pdralex @ninalemos É mesmo... Puxaram mais a brasa pras sardinhas das GlóriasPires...

@pdralex @viledesma :-)

@viledesma @pdralex @pinkywainer São traiçoeiras as lembranças. Esquece a realidade. Era essa Cruzeiro q eu tinha

@viledesma @pdralex @pinkywainer E esse link abre. Cruzeiro, capa Pepita Rodrigues bem gata http://tinyurl.com/yg35cdk

@pdralex @viledesma Essa da capa é a Pepita Rodrigues?!, a mãe do Dado Dolabella?!?! Tô passado!!!

@NetoH_ @pdralex Não é possível que vc realmente acredite nessa balela de que o governo Lulla melhorou o Brasil como nunca dantes.

@pdralex @NetoH_ Tudo é possível, meu caro...

@pdralex @ninalemos Hahahaha. E eu cá comigo sempre me pergunto quantos % da presidência do Brasil é de dona Marisa. E suspeito que são muitos %%%!

@pdralex @ninalemos Mas cê viu que o marido da (incrível) Glória Pires é coprodutor do filme? Talvez explique a sardinha puxada pras Pires...

@ninalemos @pdralex Total! Meu olhar dois neuronio me diz que a dona marisa ficou meio parecendo mulher calhau depois do grande amor..

@viledesma @pdralex A própria. Em início de carreira. Meio Débora Secco, né...rs

@pdralex @viledesma os ricos do CCC lá dentro e a mãe do futuro milionário d'"A Fazenda" na capa... :-)

@NetoH_ @pdralex Nem tudo. Há limites pra tudo.

@pdralex @NetoH_ Esses são os seus limites, não os meus. Sou feliz com o Brasil como nunca dantes eu tinha sido em 41 anos de vida.

@viledesma @pdralex E acredite, a revista apareceu como por encanto. E isso q procuro faz dias. Só pode ser coisa do CCC. Se eu sumir..rs

@viledesma @pdralex Sabe qual tit da mat de 1 pg da mãe do milionário da Fazenda? "Rifa-se uma Pepita"... kkk

@thedycorrea @pdralex Desculpe a ignorância, mas o q é este CCC? O veeelho Comando de Caça aos Comunistas?

@pdralex pdralex Isso, @thedycorrea, os caras que espancaram Marília Pêra e o elenco do "Roda Viva". Pessoal fino que, segundo Cruzeiro, andava tudo armado.

@pdralex E não é que não perdi seguidores e ainda ganhei quatro novos?! :-O Então e hora de saída estratégica pela... esquerda! :-)