quarta-feira, março 19, 2008

um clube (semi-)invisível

da "carta capital" 486, de 12 de março de 2008.


O CLUBE IMAGINÁRIO
Repressão, criação coletiva, drogas e sombras num disco liderado por Milton Nascimento em 1972, e agora restaurado


Eu já estou com o pé nessa estrada/ qualquer dia a gente se vê/ sei que nada será como antes/ amanhã. Nas ruas históricas da Diamantina do início dos anos 70, um encontro fortuito entre mineiros fez se cruzarem de repente os caminhos do ex-presidente Juscelino Kubitschek, por um lado, e dos "Beatles brasileiros", por outro. Iam por rotas opostas e, ainda assim, convergentes.

JK vivia exilado na terra natal, por obra da corporação militar que seqüestrara o Brasil desde 1964. Milton Nascimento e os então anônimos Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges se dirigiam sem bússola rumo a um estrelato conturbado, que associaria para sempre evidência e clandestinidade, êxito e exílio. Na cidade das serestas, os jovens hippies mostraram a JK Beco do Mota, canção inspirada na ira do bispo contra o beco local de prostituição, que ocupava quase o mesmo lugar no espaço que a igreja matriz.

Diamantina é o Beco do Mota/ Minas é o Beco do Mota/ Brasil é o Beco do Mota/ viva meu país!, cantaram para o inventor de Brasília. "Vocês são de morte", riu Juscelino, que morreria em agosto de 1976, na rodovia que liga São Paulo e Rio. Os músicos forjavam o nascedouro do álbum Clube da Esquina, um dos testemunhos mais tensos e soturnos da música brasileira sobre aquele período. "Tinha um lado sombrio, mas era melhor fazer aquilo que ficar reclamando", diz hoje Brant, mineiro de Poços de Caldas (*) e autor de letras sinuosas como as de San Vicente e Ao Que Vai Nascer.

Agrupado numa caixa com o subseqüente Clube da Esquina 2 (de 1978), o disco de 1972 é reeditado agora por iniciativa de Milton, que ouviu a minuciosa restauração de Elis & Tom (1974) pela Trama e quis o mesmo para si. Convocou João Marcello Bôscoli, diretor da gravadora e filho de Elis Regina, para repetir o trabalho feito com o disco da mãe.

Não havia fita máster do Clube 1, que foi gravado em apenas dois canais, um para orquestra e todos os instrumentos, outro para a voz de Milton. O trabalho, na comparação de Bôscoli, foi de restaurar sem remover a tinta da Mona Lisa. A multinacional EMI, detentora dos originais da extinta Odeon, pagou à brasileira Trama cerca de 100 mil reais pelo trabalho, que substitui a remasterização anterior, de 1994, por técnicos do estúdio inglês Abbey Road, onde os Beatles gravavam. "Minha voz ficou a voz que acho que tenho", avalia Milton, em sua casa na Barra da Tijuca.

Ele é elemento nuclear e ponto de fuga de um "clube" hipotético que se formava à época e definiria o que ficaria intrinsecamente rotulado como "o som de Minas". O próprio Milton, ironicamente, não era mineiro, mas carioca. A mãe, Maria do Carmo, morreu de tuberculose, e aos 2 anos Milton ficou aos cuidados da família da qual a mãe era empregada doméstica. Mudou-se com eles para Três Pontas, no Sul de Minas.

Vizinho e amigo de infância era o três-pontano Wagner Tiso, futuro arranjador de Clube da Esquina. "Eu trazia a influência do Leste Europeu, uma ciganice", diz Tiso, que começara carreira musical imbuído de jazz e bossa nova, mas na virada dos anos 70 misturava rock e jazz no feroz grupo Som Imaginário. "Porto seguro" de Milton (nas palavras de Tiso) entre 1970 e 1973, o conjunto congregava mineiros (ele e Tavito) e cariocas (Zé Rodrix, Fredera, Robertinho Silva, Luiz Alves).

A "feira moderna" do Som Imaginário se somava ao sangue antigo que Milton trazia nas veias desde a infância: "No rádio se ouvia na época tanto tango quanto música portuguesa, francesa, italiana, Édith Piaf e Angela Maria, bolero, música cubana, espanhola, tudo".

Por que vocês não sabem do lixo ocidental?, perguntava o cantor no disco de 1970, numa canção chamada Para Lennon e McCartney, que desembocava em manifesto: Eu sou da América do Sul/ eu sei, vocês não vão saber/ mas agora sou cowboy/ sou do ouro, eu sou vocês/ sou do mundo, sou Minas Gerais.

Os autores, com Milton (**), eram os irmãos Márcio e Lô Borges, de família belo-horizontina numerosa que desde os anos 60 incorporara à casa o agregado Milton, o "Bituca". Outros freqüentadores eram Nelson Ned, depois ídolo romântico, e Martinha, futuro "Queijinho de Minas" da Jovem Guarda.

Clube da Esquina fora, primeiro, uma letra dos dois irmãos, em referência à rua em que os Borges foram morar, no bairro belo-horizontino de Santa Tereza. "Não tinha nada naquela esquina, era um sobrado velho parecendo a Mooca, em São Paulo", evoca Márcio. "Não tem atrativo, é uma esquina de bairro pouco mais que proletário. O nome das ruas é que era legal, Paraisópolis com Divinópolis."

Ele relata a decepção posterior de jazzistas internacionais, como Pat Metheny e Lyle Mays, que, admiradores do som de Minas e de Milton, vinham a Belo Horizonte e faziam questão de conhecer a esquina e o clube. "Lyle Mays chegou, botou a mão na testa e disse 'my God'. Não viu nada, né? De onde esses caras tiraram essa música, tiraram do ar? Estava crente que era um ambiente que fornecia algo, mas foi do ar mesmo", sintetiza a substância etérea que se espalhou por todo canto do mundo.

Não havia clube, sede, nada. Um clube imaginário vinha se formar ao redor de um mineiro (e/ou carioca) imaginário que produzia um som imaginário, intrincado, mestiço. O nome designava então a turma de amigos e vizinhos (não-músicos) de Lô, e só. Aos 19, ele estrearia em disco como co-autor, o único nome creditado abaixo do de Milton na contracapa do essencialmente coletivo Clube da Esquina. Ali, seria cantor e compositor das melodias de Tudo Que Você Podia Ser, Um Girassol da Cor dos Seus Cabelos, Paisagem da Janela.

"Para mim, a grande originalidade do disco é o contraponto das músicas do Milton, ligadas à africanidade, ao samba, à bossa nova, com as minhas, que tinham uma postura mais rock, mais balada, mais Beatles", reavalia Lô.

Ele lembra que, temeroso de enfrentar um time compacto de músicos ligados ao jazz, propôs levar consigo outro jovem roqueiro, Beto Guedes. Mineiro de sotaque baiano de Montes Claros, norte do estado, ele cantara com Lô, aos 14 anos, no programa televisivo local Petilândia, num grupo chamado The Beavers, os castores.

A vinculação que se fez não era só via "beatlemania", diz Beto. "Os Beatles são de águas diferentes, outra cultura. Criança escuta muito o que o pai escuta, eu ouvi choro, samba-canção, marchinha. Mais pra frente, Beatles, Stones, Who, Led Zeppelin, Genesis. E Liszt, Wagner." Gostava menos de bossa nova que de iê-iê-iê.

Para se mudar para o Rio, Lô teve de dobrar a mãe. E o Exército. Rapaz de 17 anos, pediu dispensa sob o argumento de que fora convidado a gravar com Milton Nascimento no Rio. "O capitão me desancou: 'Você não vai servir porque o Exército não quer gente da sua espécie. Seus comunistas de merda, artistas de merda. Diga a seus amigos que o mesmo tanto que eles não gostam da gente nós também não gostamos de vocês'. Eu era apenas um garoto que amava os Beatles, os Rolling Stones e a Jovem Guarda."

Milton conta que ficava "danado" com duas características (negativas) atribuídas a ele desde que despontou num festival de 1967 com Travessia. "Uma era que minha música não era brasileira, porque não era samba, e mineiro não sabia fazer samba. A segunda era que a música era muito difícil, o povo não ia entender."

Tiso constata um paradoxo: "Muitos sambistas cariocas nasceram em Minas. Ataulfo Alves, Joubert de Carvalho, Geraldo Pereira, Ary Barroso". Todos mineiros. Mas todos, de fato, refutados pelo som rebuscado e repleto de alçapões da nova leva mineira, que agrupava ainda, no Clube 1, Toninho Horta e Nelson Angelo.

A relação com a imprensa, por sinal, era de guerra tácita, de parte a parte. "O primeiro Clube foi massacrado", diz Márcio. "Após 20 anos, aparece no Jornal do Brasil: 'O Sgt. Peppers brasileiro completa 20 anos'. Gracinha da imprensa, né?" Para a Folha de S.Paulo, em 12 de novembro de 1972, as músicas de Milton "só se transformaram em sucesso na voz de outros intérpretes".

"A gente foi bem perseguido. Isso não consta dos livros, da história, mas teve muito", diz Milton, algo misteriosamente. "Para suportar o que acontecia, só fazendo muita música, tomando muita birita e muita droga. Não cheguei a ver ninguém careta nas gravações", evoca Lô, que pôs o pé na estrada e se afastou por seis anos após um álbum-solo feito a toque de caixa, ainda em 1972, o difícil e hoje cultuado "disco do tênis". "O show biz me apavorou. Tive anorexia, estava um palito, só queria saber de droga e loucura."

Na estréia do show do Clube, Milton entrou embriagado no palco e desmaiou antes de começar a cantar. A guerra interior mitigava a relação com produtores de shows. "Todos os lugares no Rio e em São Paulo se fecharam para nós. Aqui todo mundo falava mal, mas eu ia a Belém ou a uma cidadezinha fazer show para os estudantes e 10 mil pessoas cantavam em coro." O exílio dentro de casa extravasava pelos interiores, um elo de sociedade secreta se formava entre o "clube" e estratos também marginalizados de público.

Era tempo de desbunde, lisergia e tortura nos porões, mas talvez houvesse mais. Em parte integrado ao black power dos primeiros anos 70, Milton era um líder negro numa coletividade em que predominavam artistas brancos. A empresária do artista, Marilene Gondim, salta à frente para afirmar que nunca detectou viés racista nas críticas detratoras. Em seguida, introduz informação não explicada de todo: "A verdade é que ele sofria e sofre até hoje com discriminação. Mas é social, em situações isoladas. Ainda existem eventos, aqui no Brasil, em que Milton é destratado".

Ele, que na juventude era proibido de entrar nos clubes de Três Pontas por ser negro, mantém-se em silêncio. Diante da fala de Marilene, lembra enfim que, na São Paulo dos anos 60, os músicos do Zimbo Trio romperam com a casa de shows Baiúca quando os proprietários os proibiram de levá-lo ali.

A capa de Clube da Esquina estampava uma imagem loquaz de mestiçagem, dois meninos acocorados lado a lado, um branco e o outro negro. Foi criada pelo fotógrafo Cafi e pelo niteroiense Ronaldo Bastos, outro dos letristas centrais do grupo, autor dos versos de Nada Será Como Antes, Cravo e Canela e Cais.

"Cafi e eu andávamos de Fusquinha pelas estradas, fotografando nuvens e circos mambembes. Numa estradinha de terra nos arredores de Nova Friburgo, vimos aquela cena, paramos e Cafi clicou. Depois virou capa", lembra Ronaldo. Até hoje, muitos pensam que os meninos são eles, Lô e Milton. Os "atores" involuntários que os representaram jamais apareceram nem se identificaram.

A capa nua, sem créditos para título ou nome dos cantores, era outra afronta que o Clube praticava com mansa discrição. Outra ainda era o fato de ser um álbum duplo. Membros do "clube" gostam de lembrar que esse teria sido o primeiro disco duplo do Brasil, se Fatal (1971), de Gal Costa, não tivesse sido lançado com maior rapidez. Ignoram ou esquecem (como, de resto, quase todo mundo) a existência do duplo Show em Simonal, lançado em 1967 pelo depois proscrito Wilson Simonal.

O primeiro Clube era essencialmente masculino. "Era aquele efeito testosterona total no ar, um monte de homem brigando o tempo todo", brinca Márcio. A única participação feminina é da bossa-novista carioca (e negra) Alaíde Costa, parceira de Milton em descaracterizar Me Deixa em Paz, um samba bravo de Monsueto Menezes em estilhaços de ritmos impuros: Se você não me queria/ não devia me procurar/ não devia me iludir/ nem deixar eu me apaixonar. "Era um ambiente muito legal, gente tão jovem fazendo aquele tipo tão diferente de música", elogia Alaíde.

A cantora e compositora carioca Joyce, então casada com Nelson Angelo, circulava nos bastidores do "clube". Ela lança uma hipótese para explicar o ambiente "clube do Bolinha": "Eu achava uma coisa meio misógina, não havia nenhuma cantora significante no grupo. Depois cheguei à conclusão de que a musa era mesmo Bituca, uma figura sedutora, disputada, por quem todos eram musicalmente apaixonados. Todos compunham pensando em como soaria na voz dele. Isso é que é uma musa, não é?"

Como lembra Ronaldo, havia musas mais ou menos secretas, como Nana Caymmi, para quem ele fez a letra de Cais, ou Dina Sfat, inspiradora de Cravo e Canela. E havia Elis Regina, pioneira em gravar Milton e o "clube".

Foi pela voz dela que vieram à luz, nos princípios da abertura política, alguns dos versos-símbolo do Clube 2, feitos por Brant para O Que Foi Feito Devera, que ecoa e reverbera na edição restaurada 35 anos depois. Se muito vale o já feito/ mais vale o que será/ e o que foi feito é preciso conhecer/ para melhor prosseguir.

(*) errata 1: fernando brant nasceu em caldas, e não em poços de caldas; copiei o dado do dicionário cravo albim da música popular brasileira, e... errei!

(**) errata 2: milton nascimento não é co-autor de "para lennon e mccartney" com lô e márcio borges. fernando brant é que é. e dessa vez eu errei por mim mesmo... e meus agradecimentos ao fernando em pessoa por me obrigar às justas erratas.

sexta-feira, março 14, 2008

morro dois irmãos

há uma novidade. a princípio rudimentar, ainda insular, peninsular. tateante.

http://pedroalexandresanches.wordpress.com/ é o endereço, neste comecinho. é meu novo blog, um blog musical (cujo nome alguns hão de reconhecer doutros carnavais), vinculado ao site da "carta capital".

minha idéia inicial é usar o novo blog para escrever sobre música, de um modo mais profissional, mais jornalístico, mais compenetrado que as viagens na maionese que volta e meia permeiam o presente e já idoso antepassado.

a propósito, este http://pedroalexandresanches.blogspot.com pretende continuar existindo, firme & forte (& de pernas bambas).

se o novo filhote preferirá se concentrar na paixão pela música, este aqui optará por fazer sei lá o quê. possivelmente seguirá exercitando paixões que, embora talvez nem pareçam, são ainda maiores que a musical (a qual, obviamente, deve continuar presente e dominante) - a paixão pelo jornalismo, a paixão pela escrita, a paixão pela opinião, a paixão pela(s) identidade(s).

e é isso, e vamos ver no que é que vão dar essas novas experiências, esses novos trânsitos e essas novas interligações. as regras lá não serão exatamente as mesmas daqui. a princípio, não pretendo seguir, por exemplo, a regrinha ora libertadora, ora aprisionadora daqui, de responder quase-obrigatoriamente quase-toda mensagem. lá os comentários serão moderados, aqui continuarão livres, a menos que a rota monótona dos abusos (que vez por outra nos rondaram e rondam perigosamente por aqui) me obrigue a fazê-lo. são meandros que irão se definindo e se delineando aos poucos, ao sabor das corredeiras.

enfim, convido a todos que costumam passeam por aqui para dar uns pulinhos também no blog-irmão. já há alguns escritos boiando por ali.

http://pedroalexandresanches.wordpress.com/, é ele.

sexta-feira, março 07, 2008

assaltaram os comandos paragramaticais

aí eu tava lendo a capa da "caros amigos", uma entrevista com o professor e lingüista marcos bagno, autor de livros chamados "preconceito lingüístico" e "a norma oculta".

e olha só que maravilhosas, que supimpas, que do balacobaco, as posições que ele defende sobre esta nossa língua brasileira.

ai, há quanto tempo eu pensava essas coisas e não sabia traduzir em palavras, não sabia explicar, não sabia nem mesmo entender!

seguem trechins, com grifos e itálicos sempre meus, de maringaense contente com o que tô escutando:

"Do ponto de vista científico, a gente nunca fala que existe uma forma mais nobre ou inferior ou mais rebaixada de usar a língua. (...) Do ponto de vista da lingüística científica não existe nenhuma diferença entre 'nós vai' e 'nós vamos'. As duas têm razão de ser, têm uma lógica interna, respondem ao processo de transforamação da própria língua."

"Como indivíduo, o Lula representa uma história muito interessante, porque ele foi se apropriando das normas lingüísticas de prestígio sem abandonar a sua variedade lingüística de origem. É um ator lingüístico de muito boa qualidade, até brincou com isso uma vez: 'Lembram-se quando eu falava 'menas'? Agora falo 'concomitantemente''. Ele não trocou uma coisa pela outra, continua usando esses dois conjuntos de falares quando lhe interessa usar esse ou aquele."

"A discriminação pela linguagem é uma das pouquíssimas coisas que unem o espectro político de ponta a ponta. Numa pessoa de extrema esquerda ou de extrema direita, você vai encontrar as mesmas declarações a respeito da língua: que o brasileiro fala mal o português, que é preciso melhorar a maneira como a gente fala, que estamos estropiando a gramática." [ele não concorda com isso, cê entendeu, né? eu também não concordo.]

"[comandos paragramaticais] É uma expressão que eu criei, tem uma função irônica mesmo, são essas iniciativas que hoje a gente percebe nos grandes meios de comunicação, de defesa, entre aspas, do português correto. Esses comandos paragramaticais são representados principalmente nas colunas de grandes jornais e revistas, têm seus consultórios gramaticais. Programas de televisão, programas de rádio, sites na Internet, livros do tipo Três Milhões de Erros que Você Deve Evitar, coisas assim. Eles vêm na contramão de tudo o que se faz em termos de pesquisa científica e também em termos de políticas oficiais de educação E temos aí um confronto muito grande, porque as diretrizes oficiais de ensino no Brasil já há mais de dez anos vêm trabalhando com concepções muito mais avançadas de linguagem, com o conceito de variação lingüística, com a discussão do preconceito lingüístico. (...) Então temos um discurso educacional, científico, acadêmico, muito mais avançado e, infelizmente, na grande mídia essa tentativa de perpetuar o português falado em Portugal no século 19."

[êita, que dona mídia só toma cacetada mesmo, de tudo quanto é lado, hum? também. quem mandou merecer?]

"(...) o que é variante, o que é estranho, o que é exótico é sempre o outro, o que não está aqui. Então quando vão falar de variação lingüística, vão mostrar o Nordeste, o caipira, sempre uma coisa meio estereotipada. Mas as coisas vão avançando, pelo menos já se fala desse tema nas escolas."

"É que muitas crianças que supostamente têm dificuldades de aprendizagem, na verdade têm dificuldade de compreender a linguagem empregada pelos professores, porque eles são falantes de uma variante lingüística diferente, principalmente quando se trata de zona rural ou de periferias de grandes cidades. São problemas de comunicação dialetal que precisam ser conhecidos pelos professores e, em seguida, enfrentados com um instrumental teórico e pedagógico adequado."

"Agora, as diferentes realidades provocam diferentes desafios para implementar essa idéia. A partir mesmo da formação dos professores, dos seus próprios preconceitos, de sua tradição de achar que é importante saber o que é uma oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de particípio, que tem que saber disso para ser alguém na vida, quando a gente sabe que isso não serve para nada."

"Quando estudamos a história da língua portuguesa percebemos que muitas palavras que hoje têm um encontro consonantal com r, como por exemplo branco, escravo, igreja, prata, praia, na língua de origem, principalmente no latim, aparecia ali um l, então prata em espanhol é plata. Escravo era esclavo, então os habitantes da Lusitânia, onde está Portugal hoje, ao passarem a falar latim, introduziram no latim hábitos fonéticos das suas línguas originais e um desses foi justamente o que a gente chama de rotacismo, que é a passagem do le para re. Então o brasileiro que fala Cráudia, chicrete, Rede Grobo está simplesmente seguindo uma tendência milenar da língua portuguesa." [ah, que bonito, que bonito, que bonito!!!]

"(...) a separação entre essas duas formas é nitidamente social, é uma clivagem social de quem fala 'broco' e quem fala bloco." {opa, que a própria 'caros amigos' (se) clivou, né?, botou aspas no broco e deixou o blocão desaspado...]

"As pessoas chamam de norma culta um padrão lingüístico instituído pelas gramáticas normativas, e também a maneira de falar das pessoas privilegiadas, e existe um abismo entre essas duas coisas porque, se a gente for seguir o padrão das gramáticas normativas, temos que continuar usando vós, mesóclise, coisa que nenhum brasileiro de mente sadia usa, 'esse livro dar-vo-lo-ei amanhã', isso não é português brasileiro, nem português de Portugal, mas é a norma padrão, é o que está lá prescrito."

"O aluno chega na escola já perfeitamente conhecedor da sua língua materna, da sua variedade lingüística, tem toda a gramática da língua na cabeça, então o trabalho da escola vai ser não negar o que ele já sabe, mas partir do que ele já sabe e apresentar a ele outras maneiras, outras formas. (...) Ele já sabe disso intuitivamente, uma criança sabe que não pode falar com outra criança da sua idade da mesma maneira como fala com um adulto, com uma pessoa de quem tem medo ou por quem ela tem respeito."

"É recorrente esse discurso de que a língua de hoje representa um estado deteriorado de uma suposta época de ouro no passado. A gente encontra isso em qualquer língua, em toda a história, desde pelo menos o século 3 a.C., e para o lingüista isso não faz o menor sentido. As línguas se transformam, mudam nem pra melhor, nem pra pior, simplesmente mudam para atender às necessidades cognitivas e interacionais de seus falantes. Porque, se quiséssemos manter a pureza do português, teríamos que falar latim, mas o latim já é uma língua derivada de outra, então, se a gente quisesse manter a pureza do latim, a gente teria que falar indo-europeu, que é uma língua falada 5.000 antos antes de Cristo."

"[a norma padrão no brasil] é fruto de nosso processo colonial, a tentativa das nossas elites desde sempre de se afastar do vulgo, do populacho, da negraiada, da indiada e criar uma casta branca superior, europeizada. E essas bendidas formas brasileiras continuam sendo consideradas erros a ser evitados, e vai o Pasquale Cipro Neto vociferar na televisão e na Folha de S.Paulo que aquilo ali não pode, que é língua de índio, de pobre, de burro."

[ai, putzgrila, eu confesso: eu sou uma pessoa que sofreu a lavagem cerebral do prof. pardale!! me ensinou umas várias coisas úteis e bacanas lá naquelas imersões de doutrinação nas entranhas da "folha", confesso também. mas, ói, em parte por conta dos campinhos de concentração do prof. pasquale, carrego até hoje uma culpa arraigada dentro de mim, toda vez que sinto vontade de falar "esposa", "falecer", "este ano", mil etceteras quetais. arre.]

"A escola é um agente de reprodução dessas formas 'legítimas' de falar, então, principalmente para as camadas populares, ela não permite o acesso às formas privilegiadas e também não reconhece a forma de falar original do estudante; tem aí um problema social muito grave."

"Infelizmente, figuras como Adoniran Barbosa, Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga [ops! entrou na nossa playa!, esses artistas mais criativos que souberam trabalhar com a linguagem popular, são sempre apresentados, principalmente nos livros didáticos, como coisas pitorescas, que fizeram um trabalho diferente, divertido, mas estão aí no seu lugar; é para manter a distância, mostrar o que não fazer. [porque joão guimarães rosa, esse pode, né? ãhã, tá bão.] O que existe é um medo das elites, dos que detêm o poder cultural, político, econômico etc., de se deixar contaminar pela cultura, pelo modo de ser, de viver do populacho, do vulgo, como se dizia no século 19. É uma perpetuação, digamos, de uma ideologia que vem desde o período colonial, e da Independência [e, somo eu, do escravagismo, né mesmo?]. A tentativa de preservar esse português puro, correto, é querer impedir que a nossa imensa periferia, que está chegando cada vez mais para o centro, tome conta de todos os aspectos da vida social, inclusive da linguagem [ulalá!!!!]"

"Assim como nós hoje não falamos o português de quinhentos anos atrás, daqui a quinhentos anos ninguém vai falar como a gente. O combate entre a norma que vem de cima e a norma que vem de baixo sempre acaba com a vitória da norma que vem de baixo." [ai, nem sei se é mesmo sempre assim, mas... que bonito, que bonito, que bonito!]

"O que acontece com o fenômeno da crase é que a preposição a caiu em desuso no português brasileiro, na maioria das variedades: 'eu telefono para você', 'eu dei um livro para você', 'eu fui para a Bahia', 'eu cheguei em São Paulo'. 'Eu estou no computador, não 'eu estou ao computador'; 'nós estamos na sombra de uma árvore', não 'nós estamos à sombra de uma árvore'. Se a criatura não tem o hábito de usar essa preposição, dificilmente vai conseguir entender esse processo de que o a craseado significa a preposição a mais o artigo. Porque 'ninguém vai à Bahia', 'vamos na Bahia' ou 'para a Bahia'. O brasileiro não vai 'à', ele vai 'em' ou ele vai 'para', por mais que as gramáticas insistam em dizer que é errado. Esse é o português brasileiro contemporâneo que eu defendo, 'eu cheguei em São Paulo', isso de dizer 'cheguei a São Paulo' é lá em Portugal. A dificuldade que a gente tem para saber onde colocar o acento do indicador de crase é por isso, porque a preposição a caiu em desuso." [ai, que lindo, que lindo, que lindo!]

"O morador do Sudeste, principalmente os paulistas, tem uma idéia do Nordeste e do Norte como o americano tem do Brasil. Daquela coisa exótica. Tem paulista que acha que vai chegar em Salvador e todo mundo vai estar vestido de baiana no meio da rua..."

sensacional, não?!

p.s., trazendo o assunto de volta pra música: cê já reparou que o funk carioca (entre vários outros gêneros musicais "pobres") é a igreja evangélica da igreja católica rica e decadente que é mpb?

quarta-feira, março 05, 2008

amanhã ou depois de amanhã

desde os tempos do onça eu ouço milton nascimento, desde os tempos do ronca. não que eu quisesse ou não, é que ele sempre esteve em toda e qualquer esquina do brasil, quiséssemos nós ou não. é como roberto carlos, você pode até detestar, mas eu tenho certeza absoluta de que passou boa parte da sua vida ouvindo as canções dele(s).

durante muito tempo, a maior parte do tempo, eu ouvi milton nascimento (e, de quebra, toda a constelação rebelde que orbitou ao redor dele no chamado "clube da esquina") com um misto de desinteresse, repulsa, irritação, constangimento, antipatia... mais que tudo, diria que o ouvi desconcertado, e por isso mesmo preferindo fugir a escutar, pensar, assimilar, interagir.

mas isso foi no tempo do ronca (alô, pablo, você que tem o mesmo nome de uma canção do milton). depois, devagarzinho, fui aprendendo a reposicionar milton nascimento (& cia.) dentro do meu ouvido – a ponto de atualmente, em não poucos momentos, ter vontade de chorar quando conecto do meu ouvido para dentro aquele imaginário conturbado e perturbado que ele(s) vocalizava(m) nos tempos do ronca.

porque é - só para ser banal - o milton dos tempos do ronca o que mais me emociona no ano da graça de 2008. é aquele que se confundia e se misturava com lô borges (e com o clube todo, o baile todo, nos bailes da vida) e produzia pétalas de mistério, fragmentos musicais de ponte, de fuga e de estrada como “sentinela”, “beco do mota”, “para lennon e mccartney”, “clube da esquina”, “durango kid”, “tudo que você podia ser”, “cais”, “o trem azul”, “cravo e canela”, “dos cruces”, “um girassol da cor dos seus cabelos”, “san vicente”, “paisagem na janela”, “me deixa em paz”, “nada será como antes”...

publico este textinho impressionista aqui no mesmo momento em que bob dylan deve estar trepado num palco, fazendo um show para os cá de são paulo, e acho que é mais que mera coincidência isso tudo aí. estou, nestes dias mesmo, concluindo uma reportagem sobre o clube da esquina, e me sinto bem mais emocionado e perturbado do que, acho, a reportagem conseguirá expressar no final. como numa nuvem cigana, parece que de repente os tempos do ronca SÃO aqui e agora.