domingo, abril 29, 2007

tia zaida

ontem, na boca da noite, morreu a "tia" zaida, minha tia-avó (e tia materna da minha mãe), uma entre os 6.020 habitantes da pequena mariópolis, que fica pertinho de pato branco, no oeste profundo do paraná.

um dia, a minha mãe, menina gaúcha de flores da cunha, tomou coragem e fugiu sozinha do orfanato, tão exaurida se sentia da companhia de um exécrito de freiras que aterrorizavam uma legião de meninas arrastando correntes pela madrugada, feito fantasmas sádicos de filme de horror. foi a tia zaida quem acolheu a minha mãe depois daquele ato fugitivo de aventura e valentia.

a minha mãe, zaira, acalenta até hoje um amor profundo pela minha tia-avó, zaida.

nos anos 1950, a zaida e o anacleto, esposa e marido, mantinham um hotel modesto em caçador, santa catarina. chamava-se hotel diplomata, se não estou enganado.

josé, o meu pai, catarinense das margens do rio uruguai (o nome do município eu nem sei, era zona rural...), era recém-formado em contabilidade, e chegou ao hotel para fazer "a escrita" (eu não sei o que é isso, mas é assim que ele conta) do estabelecimento.

foi ali que o meu pai conheceu a minha mãe, ela servindo a mesa dele, garçonete e contador.

naquelas redondezas mesmo meus pais se casaram, em 1954, e logo o josé trouxe a zaira a tiracolo, na migração para o paraná, onde vinham se tornar alguns dos primeiros colonizadores da recém-nascida maringá, tão milimetricamente planejadinha pelas companhias inglesas que também construíram londrina.

o zé e a zaira tiveram logo duas filhas e, 11 anos mais tarde, um filho, e blá, blá, blá...

os vínculos se mantiveram, e eu passei a infância e a adolescência visitando mariópolis e recebendo as visitas adoradas da tia zaida e dos filhos, especialmente a kátia, minha prima-tia-irmã de quem eu gostava e gosto imensamente.

quando eu era bem pequeno, numa época em que as coisas não pareciam estar dando lá muito certo para o tio anacleto, ele morou conosco por um tempo, em maringá. depois voltou para casa, em mariópolis, e um dia se matou, com um tiro, no banheiro.

a tia zaida era irmã da antenisca, a minha avó materna, que eu nunca conheci porque ela morreu muitos anos antes de eu nascer. a vó antenisca, personagem nebulosa, deixou as duas filhas pequenas no "colégio" de freiras e não conviveu mais com elas até que um dia, não muitos anos depois, morreu afogada, talvez suicidada.

a tia zaida não voltou a se casar depois do tio anacleto. mas tocou a vida adiante e se tornou bibliotecária em mariópolis, adorada pela criançada, popular como ela só em seu jeito tímido, castiço, recatado, religioso. (daqui de são paulo fico imaginando o velório e o enterro dela, deve estar bem cheio de gente lá a esta hora.)

ontem, mais ou menos na hora em que a tia zaida morria, eu estava com uma turma de amigos tomando uns breguetes lá no friozinho da serra da cantareira, no popular "velhão". entre nós estava a carol, que a certa altura contou que é natural de novo hamburgo, interior do rio grande do sul, uma "colona".

achei engraçado o termo e me lembrei da kátia, que sempre falava dos "colonos" de mariópolis, assim com um certo ar de repulsa pelos "colonos". eu ficava medroso, achando que os "colonos" deviam ser "malvados". mas, quando nos aventurávamos pelas redondezas que eram dos colonos, eu tomava leite de garrafa, chupava uva do pé, comia queijos caseiros, vibrava de empolgação.

nunca entendi direito o que significava ser "colono", e acho que só fui decifrar de vez o enigma ontem, enquanto a tia zaida morria e a jovem e linda carol me explicava o que era um "colono", uma "colona".

ontem me dei conta de que ser "colono" em mariópolis é igual a ser da vila esperança ou do jardim alvorada em maringá, ou ser "maringaense" em curitiba, ou ser "sulista" no sudeste, ou ser "bicho do paraná" em são paulo, ou ser "jeca tatu" interiorano diante dos olhos paulistanos, ou ser paulistano diante de farejares litorâneos, ou ser do "interior" do brasil perante os juízos conterrâneos do "litoral" do brasil.

o que é ser isso tudo eu sei, porque é ser o que eu sou: colono, sulista, maringaense, interiorano, paulista por adoção, paulistano-in-law, brasileiro, favelado terceiro-mundista. caipira, pirapora.

(afinal, os interioranos-caipiras pensam bobagens equivalentes a respeito de seus duplos litorâneos-cosmopolitas, não pensam? pensamos.)

pois os nomes variam conforme a escala e o nó da espiral em que estejamos, mas os preconceitos que não raramente costumam forrar tais apelidos parecem forjados sempre no mesmo aço inoxidável, de mesma espessura, de igual (e secular) rigidez e durabilidade.

hoje pela manhã, ao saber que a tia zaida tinha morrido lá em mariópolis aos 81 anos de idade, fiquei pensando nela e em mariópolis, em maringá, na mãe e no pai, em toda a família, no pedro-criança-e-adolescente-e-adulto.

lembrei, palmo por palmo, a casa de madeira da tia zaida. a varanda de chão frio. a cozinha quente com fogão a lenha. os quartos aconchegantes de grossos cobertores e fofos travesseiros. os banhos de chuveiro no banheiro gelado depois da morte do tio anacleto. o quintal enorme. a fossa aberta no meio do quintal, onde eu tinha tanto medo de cair. as abóboras que cresciam pelo chão de terra. a imensa variedade de plantas e frutas e legumes e flores no quintal. a felicidade voejante que eu sentia quando estava lá.

me lembrei de quando descobri, encantado, uma multidão de joaninhas primaveris no quintal da tia zaida. asseguro a você que as joaninhas do quintal da tia eram as mais lindas do brasil, da américa latina, de todo o cone sul - quiçá do planeta inteiro.

numas férias por mariópolis, eu dei de "cultivar" joaninhas. foi a tia zaida quem me deu um vidro grande de maionese e me ajudou a fazer os furinhos na tampa. e eu me pus eu a caçar joaninhas, a colecioná-las dentro do vidro, a colher as flores mais meladas de néctar e pólen e sexo para que lhes servissem de refeição e morada e cidadela.

ficava acompanhando atentamente o vuco-vuco das joaninhas. mas em pouco tempo, um ou dois ou três dias, me angustiava pela observação da vida envidraçada delas. sonhava a rebelião das joaninhas, abria-lhes a tampa do pote, pegava uma a uma com dedos cuidadosos, deixava que me passeassem a pele, torcia para que "fugissem" voando - pois joaninhas costumam voar, e muitas delas voavam mesmo, rumo às flores desabrochadas do jardim.

já não me lembro mais se fiz uma só ou muitas cidadelas de joaninhas, mas sei que nenhuma restou dentro das maioneses. todas ganharam de volta o jardim, o espaço solto, são e salvo.

e, embora nunca mais eu tenha "cultivado" joaninhas desde então, não esqueci num minuto sequer da minha vida que as trago aqui dentro, comigo, onde quer que eu for. não elas propriamente, mas a memória delas, as pegadas delas, as anteninhas, as bolinhas amarelas ou vermelhas sobre couraça preta, as patinhas delicadas que até hoje fazem cócegas pelos pêlos do braço quando me lembro.

e eu, que fui uma das joaninhas da tia zaida, hoje me encontro aqui, assim, em estado de pluma, ao espelho, pensando nela.

andei anestesiado da tia zaida desde que, caipira fugitivo (de mim mesmo), vim morar em são paulo, já 16 anos atrás. por anestesiado, nesses anos todos, ouvi a voz dela ao telefone duas ou três vezes, se tanto.

hoje, quando não há mais tia zaida, me pego conversando (e chorando, e me alegrando) com ela tantas vezes quantas não conversamos (nem nos choramos, nem nos alegramos) nos últimos cem milhões de anos.

e me dou conta retardada de que nunca, em tantos anos de "colono" "aculturado", deixei um minuto sequer de sentir saudade da minha tia-joaninha. agora é só levar para diante a mesma saudade de sempre, a tiavó e as joaninhas guardadas aqui dentro indo comigo aonde eu for.

sábado, abril 21, 2007

a indústria das ruas, vol. 2

ainda embebido pelas novidades aprendidas lá na fundação getúlio vargas, marchei na quarta-feira 11 para um hotel fast-food na rua peixoto gomide, quase esquina com a avenida paulista, aquele ambiente todo de "coração financeiro" de são paulo.

[numa vasta extensão/ onde não há plantação/ nem ninguém morando lá...]

íamos, eu e colegas jornalistas das principais redações locais convocados para o jargão da "entrevista coletiva", ao encontro de seis altos executivos da indústria fonográfica e da indústria cinematográfica, do brasil e de alhures. o anúncio multilíngüe que eles tinham a fazer era bombástico: num inédito esforço conjunto, está fundada a apcm, a associação antipirataria cinema e música.

[hum. sei, não, mas acho que ficou faltando um "a" em "apcm", e que, assim sendo, tenho de me policiar para não correr o risco de ler "associação pirataria cinema e música", em vez de "associação antipirataria cinema e música". mas, não, deixa isso para lá, é apenas um detalhe (quase) microscópico.]

ian grant, diretor de antipirataria da ifpi (federação internacional da indústria fonográfica), começou o certame com gravidade, afirmando que "a indústria fonográfica brasileira foi dizimada nos últimos anos por conta da pirataria" e que a abpd (associação brasileira dos produtores de discos) estima que brasileiros fizeram 1,5 milhão de downloads ilegais de música, só em 2005.

[você sabe disso tudo que ele contou aos jornalistas?, dessa tal de pirataria?, desses tais de daunlôudes?]

trouxeram a nosso (e a seu) conhecimento, então, o recém-nomeado primeiro diretor-geral da apmc: trata-se de antonio borges, que se apresentou contando foi delegado da polícia federal, especializado na área de contrabando. o trabalho principal da apcm, disse o borges, será "de inteligência", com foco no "nascedouro da pirataria".

[...cada um pobre que passa por ali/ só pensa em construir seu lar...]

steve solot, vice-presidente da mpa (motion picture association) para a américa latina, falou da preocupação com os sites que oferecem downloads irregulares de filmes. márcio gonçalves, diretor regional de operações antipirataria da mpa na américa latina, fez a ressalva de que esse problema ainda não é grande no segmento industrial do cinema, até porque as conexões de banda larga ainda não são numerosas neste país.

paulo rosa, presidente da abpd (e, portanto, representante-em-chefe das filiais locais de sony bmg, universal, warner e emi, além da global-brasileira som livre), explicou que a indústria fonográfica vai "continuar com a estratégia polêmica de mover ações judiciais contra 'uploaders' que utilizam em grande escala as redes peer to peer"

[entendeu?, p2p, entendeu?]

ele procurava distinguir os "uploaders" que compartilham grande quantidades de música na internet dos "downloaders" caseiros e pequeninos, que "roubam" música para consumo próprio e que já andaram sendo judicialmente perseguidos pela indústria fonográfica planeta afora. devido à segunda parte da equação (ou seja, a punição aos "contraventores" caseiros), o assunto atiçou jornalistas presentes e começou a aquecer o clima condicionado do recinto.

[...e quando o primeiro começa/ os outros depressa procuram marcar/ seu pedacinho de terra pra morar...]

diante da pergunta sobre se a indústria brasileira vai seguir o exemplo das matrizes e eventualmente processar quem faz download dentro de casa, raul vasquez, diretor da ifpi para a américa latina, riu e fez brincadeira: "é melhor a gente não responder essa". paulo rosa respondeu que "sim, vamos continuar processando", mas repetiu que o foco da patrulha é "o 'uploader', que é quem faz a rede funcionar".

"acima de mil faixas no computador para nós é 'target'", respondeu, quando um repórter pediu definições numéricas que diferenciasse adolescentes gamados em música de perigosíssimos piratas transnacionais.

["target" que dizer "alvo", você sabe? e o que quer dizer rede, você sabe?]

discorreram sobre o esforço inédito de coalisão cinema-música, e raul vasquez afirmou que "nenhuma das duas indústrias acha que o suporte físico vai desaparecer rapidamente" e que, por isso, "faz todo o sentido combater juntos a pirataria".

[você sabe?, o "suporte físico" que o vasquez acha que não vai desaparecer rapidamente chama-se "cd", na indústria fonográfica, e "dvd", nas indústrias fono-e-cinematográfica. ah, só por falar nisso: na indústria televisiva e radiofônica, o suporte se chama "videotape" (se chama ainda?, como se chama?); na indústria jornalística, se chama "papel", "jornal", "revista"..., mora?]

john malcolm, vice-presidente mundial de antipirataria da mpa da américa, fez intervenção triunfal, garantindo que "nosso negócio é proteger a música e o cinema" e que "estamos tentando proteger a energia criativa dos artistas". e trovoou, gravíssimo: "a pirataria é um problema massivo mundial que afeta a viabilidade da criação. temos que proteger esses mercados antes que eles sejam destruídos".

[mas e os artistas?, cadê?, cadê? eles estão sabendo do anúncio?, da apcm?, da ameaça à "criatividade" do "mercado"? eles estão bem "protegidos", em bunkers anti-atômicos? e a "arte", onde é que está?, onde foi parar a "energia criativa"?, onde anda escondida a "viabilidade da criação"? numa vasta extensão?, onde não há plantação?]

john malcolm também pontuou a preocupação da mpa, e do país-sede que nos legou hollywood, em relação ao cinema popular brasileiro. mencionou as várias co-produções cinematográficas entre o brasil e nossos colegas do primeiro mundo. "não estamos falando só do mercado norte-americano."

["ãhã", pensei eu com meus botões. mas, não, apaga esse comentário, não sejamos levianos em ficar pensando assim em voz alta. control, alt, del.]

uma repórter perguntou aos senhores da indústria de cinema sobre o caso da executiva do magazine luíza que por conta própria mandou dublar, legendar e exibir para os seus um famoso filme ainda não lançado. causou sobressaltos no salão. e silêncios.

[se a nobre colega do magazine luíza fosse camelô lá na 25 de março, você sabe que apelido os senhores pregariam na testa dela, não sabe? pirata!, da perna-de-pau!]

[...e assim a região sofre modificação...]

lutando contra a timidez que costuma acometer jornalistas nessas tais "entrevistas coletivas", remeti uma primeira pergunta ao ex-delegado borges, agora diretor-geral da apcm: "como a apcm pretende se posicionar em relação ao tecnobrega do pará?". "o trabalho será voltado para a inteligência", repetiu. "não adianta só prender camelôs nas ruas", prosseguiu, reafirmando que é preciso descobrir o nascedouro da pirataria e "levar a notícia à polícia".

observei, trôpego, que em muitos casos os tecnobregas não podem ser considerados exatamente piratas, uma vez que praticam economia informal de ponta a ponta, sem copiar ilegalmente material de propriedade de gravadora nenhuma e sem infringir direito autoral de editora nenhuma. paulo rosa veio interceder em favor do (ex-)delegado borges: "tanto o tecnobrega quanto nichos do funk carioca, por se desenvolverem nas periferias e não seguirem caminhos tradicionais do mercado, desenvolveram um mercado próprio, de autoria, distribuição e divulgação próprias. mas o camelô que vende tecnobrega também vende cópias piratas de roberto carlos e ana carolina. eles se aproveitam da cadeia de distribuição do tecnobrega".

paulo rosa então mordeu mais forte: "os tecnobregas só sobrevivem como indústria porque não pagam imposto. é uma concorrência desleal, porque nós, gravadoras, somos obrigados a pagar icms, pis, cofins... e competimos com uma indústria que não paga nada disso. se o mesmo canal distribui tecnobrega e pirataria, isso vai ser combatido".

["concorrência desleal", você sabe como é?]

argumentei que, caso não criassem do modo como criam, os "concorrentes" do tecnobrega simplesmente não existiriam, pois na atual indústria fonográfica brasileira não parece haver gravadora interessada no tecnobrega. paulo rosa respondeu: "o que o público quer, na realidade, é música de graça. eu também quero viajar de graça, me hospedar de graça...".

[você sabe, não é nada incomum jornalistas - e artistas, produtores, executivos de gravadora, políticos etc. etc. etc. - viajarem de graça, se hospedarem de graça etc. etc. etc.]

paulo rosa esboçou então uma auto-avaliação, uma auto-crítica: "a indústria tem que repensar também o modelo. nós não vamos ser tão rápidos quanto o tecnobrega. hoje, depois de toda a turbulência pela qual a indústria passou no início dos anos 2000, o pensamento é totalmente digital". e anunciou, diante de uma pergunta sobre os preços estratosféricos dos cds nas lojas "oficiais": "certamente a reestruturação da indústria passará pela questão do preço".

[...fica sendo chamada de nova aquarela...]

de volta ao assunto da união cinema-música, perguntei a márcio gonçalves (que trabalhou na associação das gravadoras antes de trabalhar na associação das empresas cinematográficas) se o setor de cinema já se prepara para passar pelos mesmos apuros que há anos não abandonam mais o setor de música. "vejo, com otimismo, que a gente assistiu a tudo o que se passou com a música e que os executivos estão preocupados em não deixar que aconteça o mesmo com o cinema", respondeu.

[e o setor de tv? e o setor de rádio? e o setor de jornalismo? e a indústria da pornografia? por onde andam os srs. executivos dessas indústrias?, bem protegidos em seus bunkers de aço blindado? sabe youtube, blog, pornotube, hum?]

john malcolm quis acrescentar algo à pergunta anterior sobre a indústria informal do tecnobrega, e discursou sobre "a diferença entre original e pirata": "a produção de um filme é uma atividade cara e arriscada. para fazer filme e música, precisa-se de anos de dedicação. a indústria tem que poder sobreviver. as pessoas que distribuem produto pirata não contribuem, não pagam o artista, estão simplesmente roubando a criatividade de outros".

["não contribuem", "não pagam", "estão roubando", você sabe? a criatividade dos outros, dos "iluminados", sabe? batedores de carteira da luminária dos "gênios" da "raça", mora? ãhã..., pronto, conversei com os botões da blusa outra vez.]

já que mr. malcolm me deu a oportunidade preciosa (a essa altura, a natural timidez já fora pelos ares), não havia como eu não emendar com a pergunta seguinte (benditos executivos-tradutores!). referi-me à indústria cinematográfica informal da nigéria, que é desconhecida do mundo, mas já é o terceiro maior mercado de cinema do planeta. uma concorrente de hollywood, talvez?

[...é aí que o lugar então passa a se chamar...]

"a nigéria?", acentuou paulo rosa, transmitindo incredulidade. um murmurinho de alvoroço espalhou-se pelo salão picasso do hotel blue tree da peixoto gomide. confirmei, a nigéria. expliquei que trazia esses dados da academia, da fgv, e que lá já se pesquisa o fato de que quase não há cinemas na nigéria, mas mesmo assim o cinema é a segunda maior economia do país (e a terceira maior economia de cinema do mundo, atrás de hollywood e da índia), via camelô, via dvd, via informalidade. hollywood, bollywood, nollywood.

[timidez às favas, não é mais ou menos assim que as abelhas polinizam as flores?, fazendo circular polenzinhos de áreas geográficas distantes? aliás, não é mais ou menos assim, também, que os "piratas" difundem o tecnobrega e o cinema nollywoodiano? (será que ainda teremos um paráwood?)]

foi a vez do mr. solot interceder pelo sr. rosa e pelo mr. malcolm e tomar a palavra, definitiva palavra: "sim, é verdade. a nigéria é um fenômeno interessante. agora, dizer que compete com os estados unidos, é difícil...".

[...favela!]

a experiência coletiva de gabinete ia chegando ao fim. despedimo-nos todos, entre cordiais e aturdidos. dei um abraço na edna calheiros, a maravilhosa assessora de imprensa da abpd. o zum-zum-zum de automóveis da avenida paulista nos esperava lá fora, nas ruas.

[tenho certeza de que os altos executivos da indústria de arte-cultura-cinema-música-lazer-entretenimento têm total e perfeito conhecimento disto que direi agora, mas sempre é bom explicitar, para alguma abelha zonza que passe zumbindo por aqui e para o bem dos creative commons: os colchetes em itálico que se intrometem por entre este texto reproduzem, verso por verso, a letra do samba "favela", dos sambistas padeirinho e jorginho, funkeiros tecnobregas de um tempo em que a internet ainda nem sonhava entrar em construção. hoje, a região sofre modificação e a rede já fica sendo chamada de nova aquarela - você já deu suas pinceladas hoje?]

segunda-feira, abril 16, 2007

a indústria das ruas

de vez em quando, a academia se desencastela e tenta entender a vida lá fora. e aí resultam descobertas como essas descritas brevemente na "carta capital" 439, de 11 de abril de 2007. cê tá entendendo?


A INDÚSTRIA DAS RUAS

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES
As periferias criam novos modelos de vender música e cinema

No estado do Pará, norte do Brasil, a indústria musical apelidada "tecnobrega" lança cerca de 400 CDs por ano e movimenta uma média mensal estimada de 2 milhões de reais com a venda de CDs e DVDs e 3 milhões de reais com o mercado das chamadas "festas de aparelhagem". A produção não passa por gravadoras oficiais, sejam brasileiras ou multinacionais.

Na Nigéria, África Ocidental, a indústria cinematográfica denominada "Nollywood" produziu 1.200 filmes em 2004, gera cerca de 1 milhão de empregos e mobiliza 200 milhões de dólares anuais. O montante faz do setor a segunda maior economia local (depois da agricultura, antes do petróleo) e torna a Nigéria a terceira maior indústria de cinema do planeta, atrás dos Estados Unidos e da Índia. Até pouco tempo atrás, não existia nenhuma sala de cinema no país.

Os casos do Pará e da Nigéria têm em comum um grau elevado de informalidade na elaboração e na condução das indústrias, que florescem de modo localizado, à margem das regras da indústria tradicional e da compreensão da mídia dominante. Pirataria é o nome genérico usado para caracterizá-las. Mas um novo conceito se insinua em paralelo, sob a alcunha de “mercado aberto” (ou open business).

É sob esse guarda-chuva que o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV) tenta esmiuçar o funcionamento de modelos emergentes como o tecnobrega, Nollywood, o funk carioca ou o engajado movimento anarco-punk colombiano.

Do estudo originou-se o primeiro esforço por dar consistência numérica e estatística a uma dessas economias informais, o tecnobrega, apresentado em 27 de março, na escola de Direito da FGV no Rio de Janeiro. O grupo ecumênico que conduz o trabalho inclui advogados, economistas, antropólogos, sociólogos, gestores públicos, além de reunir pesquisadores de Brasil, Argentina, Colômbia e México.

Ronaldo Lemos, um dos condutores do trabalho, explica objetivos que, à primeira vista, parecem destoar de paradigmas da profissão que abraçou, o Direito. "O que a pesquisa tenta fazer é mostrar que, ao olhar para uma cena como o tecnobrega, precisamos aprender a enxergar em primeiro lugar o que ela traz de inovação, e a partir daí enfrentar a informalidade."

Ele prossegue: "O fenômeno global pelo qual as periferias se apropriam da tecnologia para produzir a própria cultura, é talvez o fenômeno social e cultural mais importante do novo século. Traz novas visões muito mais complexas sobre contradições que o século XX não enfrentou, como formalidade versus informalidade, centro versus periferia, legalidade versus ilegalidade. O impacto do que está ocorrendo é estético, social, jurídico, político e econômico".

A pesquisa examina por dentro, pela primeira vez, uma rede produtiva constituída por agentes conhecidos, como artistas, estúdios de gravação, DJs, produtores e difusores em rádio e tevê, mas também por novas categorias como "grupos de aparelhagem" (que somam cerca de 4 mil empregos diretos), "distribuidores informais", "vendedores de rua" (por volta de 860), "festeiros".

Na dinâmica do tecnobrega, os artistas gravam músicas em estúdios caseiros e os DJs as tocam em festas por vezes gigantescas, e fartamente incrementadas com aparelhagem de luz, som e computador. Na intermediação entre as pontas, os discos artesanais são disseminados por distribuidores e camelôs, que vendem a caudalosa produção tecnobrega por cerca de 3 reais (o CD) e 4 reais (o DVD). Diante da repressão policial, os camelôs têm comercializado os discos de modo camuflado, dentro de mochilas.

A questão da pirataria está posta, mas por um prisma ainda mal compreendido: segundo a pesquisa da FGV, 88% dos artistas de tecnobrega nunca tiveram contato com a indústria fonográfica oficial. Como não têm contrato com gravadoras nem se filiam às sociedades arrecadadoras de direito autoral, não se pode dizer que seus produtos sejam "piratas", já que não se trata de cópias não autorizadas de obras originais.

Desligados de gravadoras, os próprios artistas mantêm relação diferenciada com o comércio informal. De acordo com a pesquisa, 59% dos entrevistados avaliam positivamente o trabalho dos camelôs, e 51% vão além: incentivam o comércio ambulante da obra.

Exemplo máximo da nova dinâmica é a Banda Calypso, que rompeu o isolamento regional do tecnobrega e se tornou uma das líderes de vendagens de discos no Brasil. Lançado em fevereiro pela gravadora do próprio grupo, o CD mais recente, Vol. 10, saiu com tiragem oficial de 500 mil cópias. A quantidade é inimaginável para uma indústria fonográfica que de 2000 a 2005 viu a arrecadação cair de 94 milhões de reais por ano para 52,9 milhões de reais.

Joelma, a vocalista da Calypso, também foi além: afirmou que, 15 dias antes do lançamento, foi pessoalmente entregar o CD aos camelôs, para que fizessem com Vol. 10 o que bem quisessem.

De modo análogo funciona a indústria nigeriana de cinema. Na ausência de salas de exibição, a circulação de filmes como Living in Bondage e African Queen se dá via camelôs, em DVDs que custam em média 3 dólares. As primeiras salas exibidoras começaram a surgir de carona na pujança do mercado informal, segundo reporta o economista Bruno Magrani, que fez pesquisa de campo na Nigéria, em companhia do rapper e documentarista carioca MV Bill.

Na apresentação da FGV, o antropólogo Hermano Vianna lembrou que cenários semelhantes já estão consolidados no Brasil. Citou o grupo de forró Limão com Mel, que usa película e helicóptero no registro de shows que depois se espalham pelo País em DVD, exibidos em tevês de botecos de periferia. Para ele, a mídia e as gravadoras tradicionais mantêm um “cordão sanitário” de invisibilidade em torno da produção periférica.

"Nollywood conseguiu construir a terceira maior indústria cinematográfica do mundo a partir do zero, sem incentivos governamentais, sem apoio estrangeiro, sem nada", diz Bruno Magrani. "Comentei com um produtor nigeriano que a grande maioria dos filmes brasileiros era financiada com incentivos fiscais dados pelo governo, e mesmo assim dificilmente nossos filmes tinham grandes públicos. A sugestão dada foi de uma simplicidade e esperteza impressionantes. Ele me disse: 'Se o filme já foi pago, por que vocês não vendem os filmes a preços baixos em DVD para o público nacional?'"

Hermano Vianna fez uma provocação durante o seminário que discutiu os resultados da pesquisa: "O tecnobrega é feito em favelas de palafita totalmente desamparadas por qualquer tipo de poder público ou incentivo, e é considerado lixo cultural. O Estado tem uma capacidade pequena de apoiar, mas uma capacidade grande de atrapalhar. O funk carioca foi expulso para as favelas e criou uma cultura de criminalidade forçada pelo poder público, que não considerava aquilo cultura e não considera até hoje".

Em reação, o coordenador de políticas digitais do MinC, Cláudio Prado, defendeu as indústrias emergentes e abordou a tensão entre legalidade e ilegalidade: "O MinC apóia a transgressão. Nós sabemos que pirata é quem quer muita grana. E quem é que quer muita grana em música? Nem preciso responder, é regra de três".

Uma das conclusões centrais do estudo é que as novas indústrias culturais criam modelos sustentáveis de negócio, que não dependem de geração de receita por direitos autorais e de propriedade intelectual e são, portanto, "abertas". Assim, colocam em xeque os princípios sobre os quais a indústria cultural se estruturou, ao mesmo tempo que constroem modelos próprios de sustentabilidade.

Ronaldo Lemos resume o atual momento citando o pesquisador turco Henri Langlois, que em 1969 afirmara que o cinema só existiria de fato quando as periferias se apropriassem da linguagem e começassem a contar a própria história. Pois parece que é chegada a hora, ainda que prevaleçam, junto às chamadas elites, frases do tipo "isso não é cinema" ou "isso não é música". A novidade é que os artistas de periferia não se mostram nem um pouco interessados nas opiniões e nos dogmas dos antigos tutores da cultura.

*O jornalista viajou ao Rio de Janeiro a convite da FGV.

terça-feira, abril 10, 2007

leci brandão, a madrinha do rap

estava olhando aqui e notando quantos textos foram ficando pelo caminho, porque o tempo corre rápido e eu acabo não os transpondo lá da "carta capital" cá para o blog. pois então, escolho agora este aqui da edição 421, de 29 de novembro de 2006, porque algo me diz que faz sentido propício e bacana neste momento.


A MADRINHA DO RAP
Os sambas mais engajados de Leci Brandão saem do anonimato e dialogam com a produção das novas gerações

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Em 1974, ela era apadrinhada por Cartola. Nestes anos 2000, vê-se transformada numa madrinha simbólica de artistas como Mano Brown e Seu Jorge. "Mulher negra de origem humilde", como gosta de se autodefinir, Leci Brandão puxou a Cartola no que diz respeito à lealdade ao samba, nos últimos 40 anos. Em tempos recentes, no entanto, parece mais próxima do que nunca dos rappers, pela atuação não só musical, mas também social e política, que ela exerce em letras de samba ou integrando o conselho da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, instituída pelo governo Lula.

O ponto de partida e o ponto de chegada convivem dentro dela, e hoje estão mais visíveis também para o público. A nem sempre lembrada ligação com Cartola, por exemplo, volta à tona na reedição em DVD, pela gravadora Trama, de um programa da série MPB Especial. Entrevistado e dirigido por Fernando Faro, Cartola cantava e apresentava uma moça de jeito tímido e inseguro, que batucava uma caixa de fósforos e, de quando em quando, cantava uns sambas que ela mesma havia feito. Era Leci Brandão.

"Nós dois éramos recém-contratados da (gravadora independente) Marcus Pereira, que transou o programa e shows que fizemos juntos pelo Brasil", relembra a partida para uma carreira nacional, apoiada por um sambista de 66 anos cujo nome, até então, nunca constara do topo de um disco. A própria Leci já compunha fazia uma década, primeiramente no anonimato e depois na Mangueira, onde seria descoberta pelo jornalista Sérgio Cabral.

"O pessoal gostava muito das minhas letras, porque eu era considerada pelos intelectuais da zona Sul do Rio 'a negrinha magrinha da Mangueira que faz música de protesto'", evoca. Embora pertencesse à mesma geração de Chico Buarque, Elis Regina e Gilberto Gil, sua chegada ao cenário musical foi mais demorada. Enquanto eclodiam festivais de MPB e atos institucionais, ela trabalhava como telefonista, operária numa fábrica de cartuchos e auxiliar na Universidade Gama Filho, onde, agraciada por uma bolsa de estudos, viria a iniciar um curso de direito.

"Eu não era ligada a essa coisa de ditadura. Sabia que tinha havido uma revolução, tudo bem, que meu pai era bem da direita, gostava de Carlos Lacerda e tal. Uma das coisas que dona Paulina Gama Filho disse, quando me falou da bolsa, foi 'nunca converse com meu pai, não deixe transparecer nada dessas suas idéias, porque lá eles são o inverso disso'."

É que, mesmo sem entender o que acontecia, ela já era militante. "O protesto que eu fazia era o do cidadão que andava de trem, pobre, suburbano, negro. Fazia parte da minha vida, minha mãe era servente de escola, morei muitos anos em fundos de escola pública. Foi talvez por isso que, quando assinei contrato, fiz uma promessa a mim mesma, de que ia fazer da minha arte uma forma de defender as pessoas, as comunidades, o meu povo."

Compor protestos lhe causou dificuldades, desde o início na Mangueira. Galgando desde 1971 a posição incomum de mulher com carteirinha da ala de compositores da escola, foi seis vezes finalista de concursos para escolher o samba-enredo anual. Não venceu nenhuma. Seria pelo fato de ser mulher? "Não sei. Não, acho que era porque minhas letras sempre tinham um recadinho político no meio."

Exemplifica um desses "recadinhos" rejeitados: "Para um enredo chamado Coisas Nossas, escrevi eu sei, Brasil, que o mundo anda brigando pelas ruas/ mas as coisas que são suas vou mostrar nesta canção/ um índio amigo vive alertando, estão matando sua humana condição. O enredo tinha a ver com Petróleo, tinha a Petrobras por trás. E a minha letra não elogiava a Petrobras".

Foi logo parar na multinacional PolyGram, em que seguiu sublinhando temas sociais até ser inscrita, pela gravadora, no festival MPB 80, da Globo, com Essa Tal Criatura. Ganhava projeção nacional pela primeira vez, mas os holofotes tiveram o efeito de ressaltar a veia de protesto. Apresentou sambas fortes como Zé do Caroço e Deixa, Deixa para o repertório de 1981, recusado pela PolyGram. "Pedi rescisão do contrato, e não conseguia mais gravadora. Fiquei cinco anos na geladeira."

Os sambas de teores politizados só viriam à tona em 1985, pela gravadora nacional Copacabana, entre futuros clássicos do pagode "de raiz" como Isto É Fundo de Quintal e Papai Vadiou. E só seriam notados a partir de 2000, quando Zé do Caroço virou sucesso comercial com o grupo pagodeiro Revelação.

O samba, que denuncia as condições precárias no Morro do Pau da Bandeira, só chegou recentemente às classes mais intelectualizadas, pela voz de Seu Jorge, que, no trecho na hora que a televisão brasileira/ distrai toda gente com a sua novela, substituiu "distrai" por "destrói". Leci aprova a provocação, mesmo sendo figura freqüente nas coberturas carnavalescas da Globo, como comentarista dos desfiles.

Ela sabe que ficou estigmatizada pelo hábito de narrar, ao vivo, os nomes de todos os membros das comunidades que vê passando pela telinha. Mas não arreda pé. "Sei que falam 'lá vem a Leci Comunidade' e que programas de tevê não me chamam porque acham que só falo disso. Mandavam cartas falando que sou uma chata que só fica falando nomes que ninguém quer saber, ou que eu não falava os nomes das celebridades que passavam. Mas desses não tinha que ser eu a falar. Por alguns segundos, na tevê, havia alguém tratando bem aquelas outras pessoa"”, diz.

Cumprido o percurso até o ponto atual, há as recorrentes homenagens de rappers como Racionais e Rappin’ Hood a Leci, e também dela a eles (como em Pro Mano Brown, de 1999). Essas culminam agora no CD e DVD Canções Afirmativas, em que Leci canta com convidados como Alcione, Jorge Aragão, Paula Lima e... Mano Brown. O líder dos Racionais quis gravar outra das rejeitadas 30 anos atrás, Deixa, Deixa, cuja letra diz deixa ele curtir, deixa ele tocar e sapatear ou deixa ele escrever, deixa ele cantar, deixa discursar, para então concluir que é melhor do que ele sacar de uma arma pra nos matar.

É a idéia defendida hoje por movimentos e núcleos como hip-hop, funk carioca, Olodum, Timbalada ou AfroReggae, de que cultura e arte podem ser instrumentos para resgatar jovens periféricos da violência. Leci já falava nisso todo dia, desde quando avisava que está nascendo um novo líder no Morro do Pau da Bandeira. Sob seu canto quase silencioso, fermentavam-se vozes como as de Mano Brown e MV Bill, que hoje ela apóia com entusiasmo:

"Na ditadura, os compositores intelectuais faziam protesto, porque aquilo estava atingindo seus pares. Mas aconteceram e acontecem coisas bem piores no País e não vejo mais ninguém fazendo nada, a não ser a juventude negra que faz hip-hop. Tem gente que acha que música é para a gente se deleitar, mas acho que você não tem que ir ao público só para ele aplaudir, comprar seu CD, colocar você na parada".

O ponto de partida, nota-se, é o de chegada: "Na condição de mulher negra de origem humilde, tenho que ser fiel aos meus referenciais. Se vou a rádio, tevê e jornal e tenho portas abertas para falar, por que não continuar batalhando contra o preconceito, pelo direito da mulher, pela igualdade racial?".

Esse é o projeto que ela cumpre até hoje, assinalando críticas à mídia "classe A" que simula não percebê-la, mas também formulando uma autocrítica a Leci Brandão: "Sei que estou um pouco diferente daquela Leci dos anos 80. Eu era mais dura, incisiva. Estava tendo muita complicação para conseguir entrar, então o que fiz? Passei a cantar as mesmas coisas que cantava, mas com o rosto mais suave, com mais sutileza, com mais sorriso. E passei a atingir muito mais gente".

Coincidência ou não, é um processo que Cartola (1908-1980) não teve tempo de conhecer, e é o aprendizado vivido por Mano Brown, MV Bill, Nega Gizza, Negra Li, Seu Jorge e outros cantores de protesto (e de festa). Dona Leci está bem ali, pairando entre pagodes paulistas, bois-bumbá paraenses, afro-reggaes baianos e as rampas do planalto central do Brasil.