segunda-feira, janeiro 31, 2005

parada de (não-)sucessos

copio aqui, com a fidelidade permitida pela memória, as músicas que o truqueiro "dj pas" tocou na festa de aniversário da querida claudia lima. a seleção foi tão "bleque pau" quanto a aniversariante (e também um tanto quanto saudosista, admito).
podes crer, amizade!

"os grilos", marcos valle, 1970
"grilo na cuca", dudu frança, 1979
"nega de obaluaê", wando, 1975
"olhos coloridos", sandra sá, 1982
"sarará miolo", gilberto gil, 1979
"hora de união", lady zu e totó mugabe, 1979
"jesus cristo", erlon chaves e banda veneno, 1971
"desamarre meu coração", roberto carlos, 1964
"unchain my heart", ray charles, 1961
"a menina dança", novos baianos, 1972
"agora só falta você", rita lee & tutti frutti, 1975
"vou deitar e rolar (quaquaraquaquá)", elis regina, 1970
"modinha para gabriela", gal costa, 1975
"é isso aí", doris monteiro, 1971
"mesmo que seja eu", erasmo carlos, 1982
"paraíba", maria alcina, 1973
"assim assado", secos & molhados, 1973
"close", erasmo carlos, 1984
"vô batê pa tu", baiano e os novos caetanos, 1974
"cadê tereza", os originais do samba, 1969
"batuque na cozinha", martinho da vila, 1972
"pergunte ao joão", clementina de jesus, 1976
"o mar serenou", clara nunes, 1975
"todo menino é um rei", roberto ribeiro, 1978
"esta noite eu sonhei", wanderléa, 1966
"no pagode do vavá", paulinho da viola, 1972
"domingo feliz", angelo máximo, 1972
"pertinho de você", elisângela, 1979
"magrelinha", luiz melodia, 1973
"fumacê", golden boys, 1970
"quando", roberto carlos, 1967
"se você pensa", roberto carlos, 1968
"bate o pé", roberto leal, 1976
"o vira", secos & molhados, 1973
"paralelas", erasmo carlos, 1976
"kitch zona sul", ronaldo resedá, 1978
"20 e poucos anos", fábio jr., 1979
"congênito", luiz melodia, 1976
"retalhos de cetim", benito di paula, 1974
"beleza pura", caetano veloso e a outra banda da terra, 1979
"abri a porta", a cor do som, 1979
"asa branca", quinteto violado, 1972

domingo, janeiro 30, 2005

pílulas falantes

empolgado pela visita-surpresa de fernanda (takai) ao tópico "pausa, pausa, pausinha", retribuo a visita e vou ao site do pato fu - e descubro um mooooonte de novidades!
vai lá pra saber melhor, mas resumindo: vai chegar disco novo. eles estão interessados em todo tipo de divulgação, e pelo visto vão ter cuidado especial com a internet (viva o futuro do presente!). vai estrear na mtv o clipe de "uh uh uh, la la la, ié ié!" (uma "canção 'jacksonfiveana'", segundo conta john no site - obaaaa!, jackson 5ive é sensacional, ainda mais com ié ié...). o clipe é em animação, e foi animado pelo laerte (que é gênio, gênio, gênio, gênio). não assisti, mas pela "foto" no site vi que tem um cachorro fu com uma mancha no olho, ê! let it bed!
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quando fui entrevistá-los em belo horizonte por causa do disco do arnaldo baptista, tive a honra de conhecer a nina, filhinha pitoca de fernanda e john, que usa camiseta azul celeste com desenho da "autobahn" do kraftwerk ("autobahn", 1974). emocionante.
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outra que fiquei sabendo nesta semana: o segundo disco de maria rita mariano já está sendo produzido. por lenine, uau! oba, até porque o "a-lara-uêêêêê" a gente já não agüenta mais, né?
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ai, fico impressionado como o janio de freitas tem recorrido progressivamente a argumentos fúteis para para recitar a ladainha do samba de uma nota só de que tudo no brasil (e no planeta e no sistema e na galáxia) é uma bosta completa. alô, seu janio, futilidade travestida de profundidade é uma brasa, mora?
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minas gerais, pernambuco, rio de janeiro, são paulo. eletrônica alemã, pop mineiro, maracatu eletrônico, mpb pós-gaúcha. canção, cartum, hq, desenho animado, jornalismo, html, economia, política, prosa, poesia, chiclete, tv, senhoras(es) do destino. a gente adora quando tudo se mistura.
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putz, quanta notícia boa!

sábado, janeiro 29, 2005

pausa, pausa, pausinha: beat it

e o michael jackson, o julgamento do século (XXI), hein?
vai ser foda.

desde pelo menos 1995, quando ele lançou aquele álbum "history" (que eu amo, amo, amo), sempre fico pensando naquela cara esquisita dele, naquelas plásticas e deformações todas que ele (não?) auto-urucubacou. sempre me ocorre que ele se modificou por fora para ficar cada vez mais parecido com um feto, com um feto no útero. por dentro e por fora. é chocante, aterrador, mas chega até a ser poético isso. e acho que ele confessa todas essas dores no "history", na faixa "little susie", que é triste, terrível, maluca, linda de morrer: little susie é uma garotinha branca assassinada (tem uma "foto" dela no encarte, a cabeça toda coberta por gaze branca) - ou seja, ela é michael jackson. [priminho da pequena susie é o "luka" de suzanne vega, de "solitude standing", 1987]. ah, e "history" tem "they don't care about us", que eu traduziria livremente por "vocês não ligam pra mim".

dá vontade de voltar no tempo e recitar mutantes pro michael, "não vá se perder por aí" (do álbum "mutantes", 1969)...

sexta-feira, janeiro 28, 2005

uma pausa de mil compassos

tá, já sei de cor todas as besteiras e gafes cometidas pelo lula ontem em porto alegre, no fórum social mundial. mas posso virar o disco só um pouquinho, falar sobre umas outras coisinhas que ele disse entre uma gafe e outra?

"alguns companheiros que nunca tiveram problema na vida e já têm sua vida garantida nas boas universidades públicas federais são contra essas bolsas porque na verdade eles são contra pobre estudar, contra que pobre tenha acesso à universidade." nossa, isso é o óbvio ululante, mas antes de lula nenhum outro presidente falou o óbvio ululante, né?
[é óbvio e está disseminado em toda a sociedade brasileira - é só notar o exemplo atual no mundo da moda, com essa grita geral de asco porque o "povo" tá conseguindo entrar nos desfiles. ai, gisele, me poupe.]

"o que tem de urubaca torcendo pra gente não dar certo, eu tenho que levantar de figa todo dia para dizer pelo amor de deus." ululante, lula, ululante. na língua da multidão, manja? urucubaca, mandinga, olho gordo, encosto, macumba. mas, lula, não é mandinga. é urucubaca autodirigida, é auto-sabotagem, é auto-urucubaca, encosto-em-mim-mesmo.

"temos que mostrar que na américa do sul nós não somos seres inferiores" e "o brasil tem responsabilidade com a áfrica, somos a segunda nação negra do mundo, depois apenas da nigéria." incrível como em 505 anos de história nunca tínhamos tido um presidente que assumisse o óbvio ululante, que devolvesse a nação negra a seu devido e lindo lugar (alô, querida erika palomino, preto não é cafona, não). incrível, incrível, inacreditável.

e olha só. afinada com o coro corado lulista, a ministra de políticas de promoção da igualdade racial, matilde ribeiro, ocupou um pedação nobre de página na folha de são paulo de hoje para falar do mesmo assunto - "2005: o brasil pela igualdade racial". olha só o que escreveu matilde: "a estrutura das instituições brasileiras permaneceu impregnada de vícios do regime escravista [alô, grace de 'dogville']. entrementes, o estado brasileiro, com o engajamento de setores da academia, dos partidos políticos e da imprensa, optou por negar as evidências do cotidiano, como se a hipocrisia e o passar dos anos pudessem equacionar essa disfunção estrutural da sociedade brasileira". bravo, matilde.

só discordo de matilde num "pequeno" detalhe - em casos cruciais como esses, detalhes tão pequenos são coisas muito grandes pra esquecer. em seu artigo, a ministra concentra toda a necessidade de promoção de igualdade racial na imensa população negra brasileira (os indígenas são os outros citados, mas apenas de raspão). ok, a discriminação dos negros é proporcional ao espaço que eles ocupam geograficamente no país. mas japonês sofre de preconceito no brasil. judeu sofre de preconceito no brasil. árabe sofre de preconceito no brasil. hispânico sofre de preconceito no brasil. chinês sofre de preconceito no brasil. coreano sofre de preconceito no brasil. norte-americano sofre de preconceito no brasil. dinamarquês sofre de preconceito no brasil. etc. etc. etc.

africano não pode admitir maus tratos contra africano no brasil.
japonês não pode admitir maus tratos contra japonês no brasil.
judeu não pode admitir maus tratos contra judeu no brasil.
árabe não pode admitir maus tratos contra árabe no brasil.
hispânico não pode admitir maus tratos contra hispânico no brasil.
chinês não pode admitir maus tratos contra chinês no brasil.
coreano não pode admitir maus tratos contra coreano no brasil.
norte-americano não pode admitir maus tratos contra norte-americano no brasil.
dinamarquês não pode admitir maus tratos contra dinamarquês (alô, lars von triers de "dogville" e de "dançando no escuro") no brasil.
etc. etc. etc.
[se possível, adoraríamos ainda por cima exercer cuidados e vigilância uns grupos sobre os outros - porque a gente adora quando tudo se mistura.]

quinta-feira, janeiro 27, 2005

dois mil e quatro 2

há pouco, eu quis destacar black alien, rappin' hood e tati quebra barraco dentro de um turbilhão 2004. existe o turbilhão. comento o turbilhão a partir dos discos de cd, esse formato velhonovo moribundorrenascido [você localizará ausências e idiossincrasias no texto abaixo - a gente é feito de idiossincrasias - se ficar com preguiça? não leia, ué!!!]

pois 2004 teve, por ordem alfabética:

adriana calcanhotto levando cultura mpb e teias neoconcretistas a um público infantil-inteligente ("adriana partimpim", bmg ariola).

adriana maciel reinventando o (e puxando o freio do) velho hippismo setentista ("poeira leve", deckdisc).

andré abujamra adentrando o mundo ainda muito inexplorado das confissões pessoais, sem resquícios da cultura de aparências reprimida nas casas chiques e "sem" imperfeições de "caras" ("o infinito de pé", spin music/tratore).

arnaldo antunes "popizando" as teias d'aranha dos concretismos ("saiba", rosa celeste/bmg - rosa celeste é o selo independente de arnaldo antunes).

arnaldo baptista bradando "mais morto é quem me diz e não é feliz" e enchendo de poesia a monotonia do dia a dia ("let it bed", l&c editora, disco encartado na revista outracoisa, independente, de lobão).

astronauta pingüim "popizando" breguices de churrascaria ("petiscos: sabor churrasco", apple pine music, independente).

axial, do círculo de influências d'a barca, popizando, concretizando e eletronizando o santo folclore nacional ("axial", independente).

bocato pirando, pirando, pirando ("cacique cantareira - quebre tudo mas toque certo!", elo music, independente).

cabruêra afiando a faca das sonoridades compactas (em vez de concretas) dos sertões ("o samba da minha terra", nikita music, independente).

caetano veloso no eterno retorno ao exílio, tentando fugir pela tangente do brasil de lula ("a foreign sound", mercury/universal music, dependente).

carlinhos brown se enredando com o gringo dj dero nas teias abstratas do medo do discurso, axé para lá, eletrônica para cá ("candyall beat", candyall music/old records/universal music, independente e dependente).

carlos careqa procurando pelo pai com paixão e poesia ("não sou filho de ninguém", thanx god records/tratore - thanx god é o selo independente de carlos careqa).

charlie brown jr. transpirando agressividade acuada ("tamo aí na atividade", emi, ultradependente).

china puxando sozinho (sem o sheik tosado) o cordão do belo selo cardume ("um só", cardume/emi).

o clube do balanço de marco mattoli botando o brasil mestiço para gingar ("samba incrementado", spin music/lua discos/mcd).

o cordão do boitatá pesquisando as tradições, arejando o sopro forte do que não é samba ("sabe lá o que é isso?", deckdisc).

cris braun procurando a paz, a calma, a tranqüilidade, a beleza ("atemporal", psicotrônica, independente).

dona inah revalidando o mito de clementina de jesus ("divino samba meu", cpc umes, independente). dona ivone lara também ("sempre a cantar", lusáfrica/mza music/universal music).

dulce quental (ex-sempre livre ex-pop até o pescoço) querendo beliscar de novo a poesia ("beleza roubada", cafezinho music/columbia/sony).

durval ferreira burilando e mesmerizando a mesma batida de sempre ("batida diferente", guanabara/tratore).

erasmo carlos tentando ser só sem estar à beira do caminho ("santa música", indie records, indie em parte).

fabiana cozza tentando reinventar o samba, indiferente às novas batidas ("o samba é meu dom", independente).

felipe dylon dizendo-se nuvem passageira ("amor de verão" - aquele que não sobe serra -, virgin/emi, dependeeeeeeente).

fernanda abreu rebuscando a perfeição pop, sob a maldição do distanciamento recíproco entre o público e fernanda abreu ("na paz", garota sangue bom/emi - garota sangue bom é o selo [in]dependente de fernanda abreu).
p.s.: ilustrado com pistolas de guerra (ainda que cuspindo flores), o disco condensa na capa o primor de contradição que é, qual "a guerra dos meninos" de roberto carlos, um pedido de paz oculto atrás de um grito de guerra - ou vice-versa).

fernanda porto girando livre-presa nos formatos ("giramundo", trama).

ferréz imprimindo poesia na bagunça do dia a dia do hip hop ("determinação", 1dasul/caravelas, independente).

fred martins morando na filosofia da poesia ("raro e comum", macaya music, independente).

funk como le gusta funkcomolegusteando ("fclg", st2 records, independente).

george israel fazendo eco masculino ao faro de dulce quental (e vice-versa) ("quatro letras", siri music/universal music).

gilberto gil velhonovodenovo ("eletracústico", warner/wea music, dependente).

hamilton de holanda voando alto em instrumental, para lá das invenções com zélia duncan ("música das nuvens e do chão", velas, independente).

helião e negra li transpirando domínio e dominação, subsídio e submissão ("guerreiro, guerreira", mercury/universal music, dependentes rebelados).

hyldon se repetindo, mas por conta própria ("balanço", dpa/distribuidora independente).

itamar assumpção continuando depois de morto seu projeto épico e ambicioso ("isso vai dar repercussão", elo music, de que naná vasconcelos, zélia duncan e zeca baleiro precisam se entender coadjuvantes).

jorge ben jor reabrindo a cortina do passado, a cortina do presente, a cortina do futuro, tudo ao mesmo tempo agora ("amor reactivus est", mercury/universal music, dependente rebelde rebelado, carolina carol bela).

jumbo elektro esfumaçando a cortina do passado, a cortina do presente, a cortina do futuro, a cortina da linguagem e a cortina de fumaça ("freak to meet you", reco-head records/tratore, independente e artesanal, alô, antonio adolfo).

junio barreto correndo atrás/à frente da tradição de modernidade mangue bit ("junio barreto", mundo melhor, independeeeeeente).

karine alexandrino beliscando as botas do rei ("querem acabar comigo, roberto", independente/tratore).

latino "popizando" o mundo cão ("as aventuras de djl - festa no apê", dependências emi).

leela "popizando" o rock'n'roll ("leela", dependências emi).

leila maria mi(s)tificando qualidades e clichês ("off key", rob digital, independente).

lula queiroga bordando fantasmagorias ("azul invisível vermelho cruel", luni produções, produções dele mesmo).

marcelo d2 bailando nas curvas, funk-sambando nas cordas bambas, errando na dose ("acústico mtv", mtv/epic/sony music, duplamente dependente).

marcos sacramento polvilhando delicadeza no(s) samba(s) ("memorável samba", biscoito fino, banqueira independente - ah, se todos os bancos fossem iguais a você...).

maria bethânia rendendo graças a rosinha de valença (de rosinha quero falar mais depois), sob grande elenco ("namorando a rosa", quitanda - quitanda é o selo independente da poderosa dentro do banco musical da biscoito fino).

maurício negão declarando "eu sou a noite/ eu sou a canção", sendo a canção, sendo a noite, sendo o dia, sendo alguns versos, sendo todos os versos ("todos os versos", rastropop/tratore).

mombojó fazendo tudo de novo, fazendo tudo novo, fazendo tudo muito novo ("nadadenovo", l&c editora/tratore, olha lobão aí de novo).

mula manca e a triste figura reescrevendo o mangue bit e o nordeste agreste, a bordo de cervantes ("o circo da solidão", "cd independente" - está escrito na contracapa).

nei lopes aguerrido, lutando, fincando posição ("partido ao cubo", finaflor, nobreza independente).

nervoso, precursor e conseqüência de los hermanos, embaralhando a cópia e os originais (do samba) ("saudade de minhas lembranças", midsummer madness/tratore, independente).

ney matogrosso procurando a fonte da juventude na juventude veterana de pedro luís e a parede ("vagabundo", globo universal/som livre, [in]dependente da rede globo).

paulo ricardo e seu pr.5 derrapando nas curvas, samba-rockeando nos precipícios ("zum zum", bola b/som livre, in-DE-pen-den-te).

paulinho boca de cantor , velho novo baiano, nutrindo de dignidade e experiência a mesmice "ao vivo" ("gerasons - ao vivo", atração fonográfica).

paulo lepetit raciocinando, raciocinando, suingando, raciocinando ("peças", elo music - elo music é o selo independente de paulo lepetit e vange milliet).

paulo moura e yamandú costa infiltrando o velho no novo, o yin no yang, o preto no branco ("el negro del blanco", biscoito fino).

pexbaA complicando para esclarecer ("pexbaA", independente).

picassos falsos cantando tudo velho de novo, contando tudo novo de velho ("novo mundo", psicotrônica).

raimundo fagner surfando/derrapando na não-mesmice do ineditismo ("donos do brasil", indie records).

romulo fróes, de mansinho, inventando o samba desde que o samba é samba ("calado", bizarre, independente).

roque ferreira lembrando que o samba (também) nasceu foi lá na bahia (não só) - nasceu no mar, no navio negreiro, como sabe carlinhos brown ("tem samba no mar", quelé, independente).

supla superpop deixando escapar pela tangente machismos do pai, machismos da mãe, machismos de menino supla ("menina mulher", supla/universal music).

surica revalidando o mito da velha guarda da(s) portela(s) ("surica", finaflor/rob digital).

teresa cristina e grupo semente reinventando o samba desde que o samba deixou de ser só samba ("a vida me fez assim", deckdisc).

tereza gama rejuvenescendo o mito de Clementina de Jesus, o mito das velhas guardas, o mito do samba, os mitos paulistas ("aos mestres com carinho - homenagem ao partido alto", rio 8, independente de são paulo).

theo de barros trazendo saudades amargas de geraldo vandré, memórias doces da música popular com pê grande ("theo", maritaca/núcleo contemporâneo, independente).

vander lee fazendo sobreviver no mínimo o samba mineiro ("ao vivo", indie records/universal music).

vanessa da mata florindo a angústia da influência ("essa boneca tem manual", epic/sony music, jovem dependente).

veiga & salazar florindo a angústia do rap ("ontem já era", st2 records).

vitor ramil soprando milongas no vento gelado da poesia gaúcha, fita isolante, fita isolada ("longes", satolep music - satolep, pelotas ao contrário, é o selo independente de vitor ramil).

wado e realismo fantástico melancolizando o nordeste alagoano de santa catarina, o sul barriga-verde de alagoas ("a farsa do samba nublado", outros discos/tratore, independente).

wander wildner y sus comancheros sentando a pua, metendo o pé na estrada, des-isolando o rio grande do sul da américa latina hispânica ("paraquedas do coração", independente).

wilson das neves masculinizando o mito de clementina de jesus ("brasão de orfeu", quelé - quelé é rainha quelé, clementina de jesus, independente pela própria natureza).

zélia duncan se multiplicando em mil, relendo a canção brasileira para se transformar nela mesma ("eu me transformo em outras", duncan discos/universal music - duncan discos, desnecessário dizer, é o selo quase independente de zélia duncan).
* * *
foi pouco? faltou alguém? pois conte um conto, aumente um ponto. e desculpe a insistência no termo "independente", é que tá na cara, só não viu quem não viu.

no mais, procurem se inteirar, bonecos e bonecas (alô, torquato neto). o mundo novo já chegou, está acontecendo ao nosso redor, dentro da gente.

que mais? ah, parafraseando as camisetas que circulam pelo fórum social mundial, sou "100% luta". [o que não é assim tão diferente da camiseta deles, "100% lula", né? caguei se foi o pt que mandou fazer as camisetas. esgotaram na hora.]

quarta-feira, janeiro 26, 2005

dois mil e quatro

a) durante os anos 60, a rede record orquestrava a programação televisiva brasileira, colocando a música em plano central. artistas da canção tinham contratos estáveis na emissora, que veiculava dentro de sua tela única correntes concorrentes. dali se dispersavam nomes tão divergentes como os de ataulfo alves, elizeth cardoso, jair rodrigues, elis regina, wilson simonal, roberto&erasmo&wanderléa, nara leão, chico buarque..., dali despontava para o futuro, no caldo de cultura dos festivais, o levante tropicalista... os anos 70 fomentaram o terror político e a ascensão da rede globo, que contratou roberto carlos como único artista exclusivo de música e escanteou o elenco da canção popular brasileira, escondendo as vozes dos cantores e das cantoras atrás das ações dos atores e das atrizes de telenovelas. música virou trilha sonora incidental, e esse formato, acondicionado e enfeitado de mil formas diferentes, não foi superado até hoje. a tela única da globo segue mostrando majoritariamente um tipo único de coisa, que se chama comércio. atrás dessa coisa única toda suposta diversidade se "abriga".

b) a imprensa que trata de música costuma se dividir, desde pelo menos o ocaso da participação do tropicalista torquato neto nas crônicas musicais de jornal, em dois modelos básicos. um tende a achar tudo divino e maravilhoso, mesmo o que de mais modorrento e estagnado se faz em música popular. outro tende a encontrar ruindade em tudo, a considerar tudo indigno se ordenado em comparações de tempo (o presente versus o passado glorioso, da era dos festivais e de antes) ou de espaço (a música nacional versus o sempre vigoroso e potente pop internacional). entre a cultura do ótimo (do otimismo) e a do péssimo (do pessimismo), música nacional tende a ser vista, quase sempre, como matéria morta, estagnada, parada no pântano.

[pode substituir a palavra "música nacional" por "brasil", se quiser.]

as proposições a) e b) parecem a princípio independentes entre si, mas têm tudo a ver uma com a outra. a derrocada musical na tela mais poderosa da tv nacional é irmã do otimismo exagerado e do pessimismo pestilento com que é encarada toda música que não passa na tv, toda música que passa na tv. os dois comportamentos se retroalimentam, e a calmaria conformista dá o tom animado da "plebe", dá o tom desanimado da "elite".

e se testássemos outros métodos?

pelo método antigo, as tvs farão as sonsas e manterão em silêncio evidências de que 2004 esteve morto em termos de música comercial - não houve padre marcelo, o tchan não reacendeu a velha chama, o rouge e o br'oz não se reinventaram, não se inventaram novos e eficazes rouges e br'ozes.

pelo método antigo, os jornais e as associações de críticos manterão em barulho a opinião renhida de que 2004 esteve morto em termos de música de arte (roubo o codinome da antiga tomada "cinema de arte") - nada aconteceu, não apareceu ninguém de relevante, a bossa nova ainda segue o sambinha de uma nota só.

mas, abandonando o método antigo, algo de importante aconteceu no ano de 2004?

yes, nós temos bananas. a revolução segue silenciosa e subterrânea, mas continua acontecendo. o nome da revolução, em 2004, ainda é hip hop - mais precisamente, o nome da revolução em 2004 é gustavo black alien, é rappin' hood. os muros entre as classes sociais mantêm esse silêncio sepulcral, mas ouvidos atentos terão percebido que muitos impasses vêm sendo resolvidos nas cercanias do hip hop nacional.

primeiro, lá na primeira metade do século XX, era o samba. depois, as culturas mais marginais (negras, em sua maioria absoluta) se distanciaram em certa medida do samba, que passava a representar por demais os "milagres" horrendos do brasil ditatorial - samba-exaltação, essas milongas. mais negros passaram a ser roberto carlos e erasmo carlos, que se afinaram com os negros norte-americanos porque se sentiam enjeitados pelo brasil "culto"

[este texto está cheio de "aspas", mas é que elas se fazem mesmo necessárias]

e porque o grau de marginalização a que estavam submetidos era muito parecido ao que penavam os negros norte-americanos da motown, de início tão enjeitados lá quanto os carlos eram aqui. o brasil dispersou o samba em soul, funk, samba-rock, samba-soul etc. a trajetória de divórcio entre os marginalizados e o brasil oficial se estendeu e se intensificou até bater no hip hop, típica "música colonizada americanizada brasileira", se posso vestir por segundos a túnica pura do querido nei lopes. o hip hop vira motivo de pejo entre as classes "cultas", porque é preto, porque é pobre, porque é colonizado, porque fala em vez de cantar, porque discursa desordenado, porque isso, porque aquilo. bobagem, crianças, esse tipo de música fala ao brasil como poucas outras conseguem (ou tentam) falar.

e aí a notícia, que marcelo d2 traz desde alguns anos e que em 2004 black alien e rappin' hood fortificaram: queremos voltar a pensar brasileiro. esses dois artistas são, como d2, grandes reintrodutores da poesia, da articulação discursiva, da melodia, do samba e do brasil no ideário do hip hop. superam mano brown, que ainda é muito mais importante que eles, mas no fundo sabe que depende de professar jorge ben e bebeto para amplificar seu já gigantesco poder de comunicação com as classes marginalizadas do brasil, essas por sua vez cada vez mais de saco cheio do esnobismo acuado das classes "de cima".

black alien é música popular brasileira, da maior qualidade e do mais alto grau de elaboração, fundindo sem vergonha pop norte-americano, música popular brasileira, reggae jamaicano, idiomas diversos, referências a chico buarque e a celly campello, tudo ao mesmo tempo agora.

rappin' hood, solo ou com sua posse mente zulu, é política popular brasileira de grosso calibre, como quando por exemplo induz dona leci brandão a fazer samba cantando soul e balada. "por que me sacar de uma arma/ pra nos matar?" pergunta ela lindíssima em "dona maria", em meio a homenagens à (ex-)ministra negra benedita e à contradição de doutrinas de valorização da guerra em vez da paz. "dona maria" é espetáculo 2004-5 que honra a "dama tereza" (2003) de sabotage (e instituto), outro dos passos decisivos na reconciliação entre o brasil e seus marginais. [na escalada para o alto, sabotage ofereceu seu corpo em sacrifício - alô, chico science, alô, cássia eller.] eles estão batendo em nossa porta, em missão de paz; só manteremos a fortaleza trancafiada se tivermos coisas feias demais a esconder aqui dentro. temos?

pois black alien e rappin' hood não estão desacompanhados na estrada de tijolos amarelos. mulheres, elas também testam martelar os tijolos da grande muralha social. a heroína, aqui, é tati quebra barraco, rapper (ou funkeira, como preferir) carioca que alcança com meiguice feminina territórios que os duros rappers meninos ainda não conseguem abordar. as classes "cultas" começam a assimilar tati, baixam a guarda e permitem que por instantes ela descubra o segredo do cofre-forte que dá acesso à redoma de síndrome do pânico do lado de cá. tudo é operado pela permanência dos preconceitos. tati é aceita por patricinhas amarelas e por mauricinhos azuis na medida em que seu sucesso favorece e alimenta reações jocosas - porque é mulher, preta, pobre, gorda, "feia", tosca, desarticulada, "inculta", sexuada, direta, sincera, permeável, porosa, generosa. pois tati quebra barraco, crianças, desempenhará para o feminismo (e para o masculinismo) brasileiro papel tão crucial como desempenhou, nos anos 60, a loirísisma wanderléa - e será tão discriminada quanto foi wanderléa apenas se for verdade que continuamos tão burros como éramos há 40 anos.

[os discos aqui comentados de raspão são:
."babylon by gus - volume 1 - o ano do macaco", black alien, deckdisc, 2004;
."revolusom: a volta do tape perdido", posse mente zulu, unimar music, 2004;
."boladona", tati quebra barraco, big mix, 2004;
para emoções semelhantes, procure conhecer também, amizade, o passeio pelos campos da liberdade do sobrevivente arnaldo baptista, ex-mutante ultra-independente, em "let it bed", financiado pela "lobão incorporated"; a liberdade pode custar o juízo, mas não custa a razão; as fronteiras do jardim da razão se chamam EMOÇÃO.]

de volta ao começo, quem não produziu muita música relevante em 2004, mas em compensação vem redimensionando em larga escala noções velhas como o poder da globo (em contraponto com o da internet) e noções novas como a liberdade autoral (em contraponto com os direitos autorais) é o ministro da cultura do brasil. ele se chama gilberto gil, é preto, rico, marginalizado, poderoso, "em cima do muro" etc. etc. em entrevista à revista "carta capital" desta semana, relativizou o mito do poderio da globo ao comentar sua própria "derrota" no caso ancinav, enquanto assim se referia ao préstimo mesquinho desempenhado em favor do retrocesso, contra os avanços, por homens de cinema que também são seus grandes amigos, como os hoje globais cacá diegues e arnaldo jabor: "eram próximos a mim como seres humanos, não como agentes econômicos ou culturais". gilberto já esteve bem mais cacá diegues que glauber rocha, bem mais arnaldo jabor que torquato neto, bem mais antonio calmon que rogério sganzerla. em 2004, esteve em movimento, aprendendo com rappin' hood e tati quebra barraco a trabalhar exaustivamente pelo bem da música popular brasileira.

[os primeiros colchetes abertos neste texto, lá em cima, continuam valendo.]

quarta-feira, janeiro 19, 2005

a soma de todas as cores

fui ao cinema ver "machuca", filme lá do chile, onde houve salvador allende, pinochet, extremos tão extremos assim. aqui houve costa e silva e médici, mas deixa isso pra lá, vem prá cá, o que é que tem, eu não tô fazendo nada, nem você também. "machuca" ('matchuca', em pronúncia hispânica) discorre sobre o mesmo signo que estava inscrito domingo na camiseta pop preta de fred zeroquatro: "luta de classes". "viva sandino, viva zapata, viva zumbi", viva chico science, viva cássia eller... é o mesmo tema de "edukators", produção feita em parceria entre a alemanha, berço de hitler, e a áustria, casa de freud. "edukators" foi visto como ingênuo por alguns, "machuca" foi entendido como lacrimoso por alguns.

enquanto isso, no mundo cão, o cara que se disse homossexual no "big brother brasil 5" desconfiou que estava tão cotado para a eliminação logo na primeira semana (seis votos entre 14 pessoas) porque se assume gay publicamente. falou que o brasil é um país camuflado, mas cheinho de preconceitos. a miss paraná (alô, paraná!), loiríssima, respondeu que ele não deve falar assim, para não ser ele mesmo preconceituoso consigo próprio. "felomenal", diria o ignorante esclarecido pai entusiasta de filha lésbica vivido por josé wilker na novela das oito (das nove), escrita pelo gay quase-negro ex-pobre aguinaldo silva.

enquanto isso, minha diarista, a edna, veio agora há pouco me contar que outro dia os meninos brancos do prédio a chamaram de "negra idiota" na área de convivência, em sua avaliação só porque ela estava admirando as flores do jardim da nossa casa. quando negros acusam racismo na sociedade, a frase de saque é sempre do gênero "mas o próprio negro é racista com ele mesmo", prima daquela que a miss loirinha dirigiu ao baiano ex-pobre agora professor universitário do "bbb". marreta-se a cabeça do negro (gay, mulher, operário, pobre etc. etc. etc.), "fique aí no seu lugar, não ouse reclamar nem dar pitaco na situação". o cinema falado é o grande culpado da situação.

pois sim. luta de classes, lágrima nos olhos dos outros é refresco. fico com gilberto gil e jorge ben, que desde os anos 60 nos lembram de que, cientificamente comprovado, "negro é a soma de todas as cores".

pode ser que "matchuque", mas adoro quando tudo se mistura e se enfrenta.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

que eu desorganizando posso me organizar

já que falávamos de cássia eller, agora é hora de chico science.

neste final de semana o sesc pompéia abrigou um encontro entre a nação zumbi e o mundo livre s/a ("luta de classes", anotava a camiseta preta sensacional de fred zeroquatro), para refazer ao vivo o álbum "da lama ao caos", de chico science & nação zumbi. e o teatro maluco da lina bo bardi testemunhou incríveis imagens-símbolo dos anos 2000 no brasil, trazidas da nostalgia de 11 anos passados desde a primeira edição de "da lama ao caos".

mesmo desgastado, o mangue bit continua sendo um movimento ainda por ser decifrado e entendido. não conta com alta adesão geral, mas suas manifestações até hoje causam noites iluminadas, como a de ontem, a sala lotada e jovens de todas as idades berrando em altos brados as palavras de ordem de chico e fred, que não são e nunca serão fáceis. o discurso mangue era (e é) desarticulado, mas ao mesmo tempo sofisticadíssimo, e o pop no sentido mais raso, que foi muito praticado no brasil dos anos 90, nunca coube nem caberá ao ideário dos caranguejos de antenas parabólicas da manguetown, da brasiltown. o incrível é ver que os anos se passam e cada vez mais gente adere, se entusiasma, canta em coro os raps, cocos e emboladas da nação zumbi. fred e chico acertaram na mosca que pousou na sua sopa. a luta de classes vigora e vigorará, mesmo que já estejamos anos-luz à frente do atraso e da modorra que desnutriu o fim do século no brasil - à parte chicos e cássias e outros tantos de quem quero continuar falando aqui (alô, pato fu!).

o que ficou visitando minha cabeça durante o show, além da grandeza resistente das letras e da força musical em pop, rock, rap & outras levadas daqueles caras, foi mesmo a "pernambucanidade" que extravasa de cada gesto deles e que vem bater com impacto e empatia aqui em são paulo (o que eram aqueles meninos percussionistas se embebedando de ritmo numa street dance meio frevo, meio maracatu, meio hip hop, meio samba, 100% brasil? o que era aquela linda moça negra que se juntou a eles da platéia e quase roubou quase todo o show?). fred, jorge du peixe e os outros vocalistas convergiram, na minha cabeça, com a primeira audição do disco "na embolada do tempo" (indie records), de alceu valença. como são parecidas as pronúncias e dicções, mesmo com todas as diferenças entre o rock áspero de pai alceu e o samba-rap eletrônico dos filhos do mangue. como a embolada do tempo de alceu é o frevo eletrônico do tempo das nações mangue bit, por mais que os filhotes teimem em renegar seu pai (alô, ariano suassuna, será que um dia você vai reconhecer que fred zeroquatro é um pentelho, mas um pentelho cheio de tutano?).

fiz a partir dali outra conexão, porque tinha ido um dia antes ao show do cidadão instigado (alô, isabelle), banda cearense comandada por fernando catatau, no centrão de são paulo, na revigorada galeria olido, todos os tipos de público unidos em torno de ingressos de R$ 6 e R$ 3, rock psicodélico contemporâneo, iê-iê-iê dos 2000 para qualquer pagão, resquícios da administração municipal que já se foi. por descaminhos tortuosos, os concretismos de catatau e sua trupe ecoam ribombando os concretismos passados de seus conterrâneos belchior, fagner, ednardo. a voz esganiçada de catatau soma as vozes esganiçadas de belchior, fagner e ednardo na embolada do tempo, mesmo que catatau pretenda renegar seus pais. pais e filhos se misturam sem querer, em recife, olinda e fortaleza, no centrão de são paulo e nos bancos malucos de lina bo bardi, que deixam a gente de bunda quadrada (mangue bit é feito pra dançar? é, responde a platéia, esnobando lina).

p.s.: em sincronia com tanta vida, morreu bezerra (da silva), que orgulhava o samba, era o máximo e tal. mas sua morte em meio à era lula (da silva) não deixa de ser simbólica, um retrato em rolleyflex do brasil de 2005. choraremos bezerra, mas não é do mal fazermos as honras para o enterro de crenças persistentes no mito da malandragem, no confinamento do negro à malandragem, na lei de gérson, no medo que as classes que têm grana sentem das classes que não têm grana, nos rótulos preconceituosos com os quais as primeiras sempre pensam aprisionar as segundas (sendo que aprisionadas são elas, as primeiras). agradecemos, bezerra, pela contribuição milionária de todos os seus erros (& acertos) - pois quem usa antena é televisão (& caranguejo com cérebro). mas, como chico science também já deve saber, às vezes o de cima também desce, e o de baixo também sobe.


quinta-feira, janeiro 13, 2005

eu sou o pirata da perna-de-pau, do olho de vidro, da cara de mau

recebi muitos e-mails em resposta à minha despedida coletiva após dez anos de "folha", a maioria nem consegui responder ainda. havia os divertidos, os tristes, os emocionantes (e os emocionados), os engraçados, os de fazer chorar, os sedutores, os amorosos, os formais, os exultantes, os provocativos, de tudo um pouco, às vezes várias modalidades em cada e-mail ("adoro quando tudo se mistura").

havia, por exemplo, o do meu prezado marcelo castello branco, ex-presidente da universal ("a gravadora número 1 do brasil") e atual presidente da universal espanhola e portuguesa, uau. marcelo dizia que entrou aqui no blog (oba!) e comentava o tópico sobre che guevara, dizendo que aquela minha coletânea imaginária devia ser aproveitada por alguma companhia, de preferência a universal, hahaha, cada coisa. que nada, marcelo, era só traquinagem - mas, bem, se alguma delas quiser copiar vai ter que pagar royalties pro pas (que, por sua vez, não vai se responsabilizar pelo prejuízo comercial), e tenho dito! (alô, taís), hahahaha.

não, que nada, é só brincadeira mesmo.

mas por causa da mensagem do marcelo fiquei pensando, ruminando, matutando. já briguei um bocado com esse cara, ele era presidente da universal numa época voraz, herdou a cultura monoteísta da axé music de seu antecessor, marcos maynard, e ainda ajudou a pronunciar o sucesso asqueroso daquele padre-(não-)cantor. impliquei muito, muito, muito com esses caras todos nos dez anos de "folha", pretendo continuar implicando. mas, por estranho que pareça, penso no marcelo com afeto, com carinho.

marcelo era (não sei se ainda é) um cara afeito a atos falhos. para meu júbilo, colecionei na "folha" vários deles. quando a universal resistia em lançar o disco inédito dos mutantes ("tecnicolor", gravado em 71 e só lançado em 98, após quilômetros de pressão impressos na imprensa), ele contornava e dizia algo como "os titãs são uma grande banda". estava falando dos mutantes, evidentemente, mas se confundia e os chamava de titãs, citando sem querer os "rivais" da warner, que estavam bombando na época com um horrível "acústico mtv".

quando fizemos uma reportagem gigante sobre melhoras que estavam sendo implementadas na universal (alô, belinha), demonstrou por vários detalhes ser um homem culto e informado, mas se atrapalhou quando quis citar heitor villa-lobos ("aquele do trenzinho, esqueci o nome agora").

a melhor de todas não aconteceu comigo, mas sim no programa da marília gabriela. entrevistado pela loura, marcelo foi a certa altura instigado a escolher uma fantasia entre várias opções que a produção lhe oferecia. era tempo de altas polêmicas, a crise da numeração dos discos correndo solta (alô, lobão) e as grandes gravadoras se apegando nos malefícios da pirataria para apregoar uma suposta e temida "morte da música popular brasileira". pois marcelo selecionou delicioso ato falho, escolhendo entre várias a fantasia do capitão gancho, o inimigo do peter pan, o pai de todos os piratas, corsários, bucaneiros & outros falsificadores de cds. não preciso dizer que a coluna "ruído" se esbaldou.

mas espere. parece que estou zombando do castello branco? não é o quero fazer. ao contrário, enquanto brigava com ele e criticava cada uma de suas opiniões de estilo tubarão em mar de sardinhas, fui tomando carinho, respeito e até mesmo simpatia pelo simpático "adversário" (que, estranhamente, parecia corresponder e continuava dando entrevistas mesmo sob o perigo do próximo ato falho). hoje sei que minha simpatia e respeito apareceram e cresceram na mesma cadência com que ele lançava seus atos falhos para o meu deleite. porque eles serviam não para zombaria, mas para denunciar que expunham na frente deles um homem de carne, osso e sensibilidade escondido por detrás dos dentes de tubarão. desconfio que marcelo também não concordava com algumas das decisões que tinha de tomar, e era então que o ato falho escapava por uma fresta, como a dizer que certos buracos não são tapáveis, que se você tentar cimenta aqui onde a cratera está evidente logo outro rombo vai se abrir ali adiante. ele sabia, perfeitamente, que a verdade estava na caspa, e não no xampu (alô, marcos valle, alô, paulo sérgio valle).

e isso me fazia gostar dele. naquela mesma reportagem do autor sem nome do trenzinho do caipira (alô, brasil), eu o pressionava por causa da mania (burra, a meu ver) das gravadoras de criarem galinhas dos ovos de ouro, que se estrebucham de tanto colocar discos de ouro pela cloaca e rapidamente acabam na granja, em forma de canja (alô, miúcha saltimbanca!!!). o exemplo mais completo de galinha dos ovos de ouro, na ocasião, era cássia eller, também no fulgor de seu "acústico mtv" bancado e amplificado pela universal.

para meu profundo choque (e também do marcelo, tenho absoluta certeza), cássia morreu pouco depois do sucesso universal, do "acústico mtv", da reportagem.

isso me incomodou e me incomoda muito, não só porque se tratava, para mim, de uma das maiores artistas brasileiras de todos os tempos, amplamente comparável a elis regina se a importância política da música pop houvesse sido tão grande nos anos 90 como foi nos 60 e 70. lá se vão cinco anos da morte de cássia, e hoje consigo ver com clareza os elos entrelaçados daquela corrente de amores & horrores: o artista genial à flor da pele; a gravadora sensível, voraz e poderosa que o contrata e amplifica; o sucesso; a fase de galinha dos ovos de ouro (todo mundo, do próprio artista à gravadora e, no caso, a mtv, entra no moto contínuo que mistura produtividade, resultado financeiro, desgaste, auto-sabotagem); o crítico ranzinza do grande jornal que vem denunciar os "vícios" do processo, muitas vezes carregando as tintas na carga moral contra tais "vícios"; o artista que não segura a barra daquela palhaçada toda (a que, afinal, ele mesmo deu partida) e resolve partir desta para melhor, nem que ainda seja cedo. cássia morreu moça demais, aos 39 anos, e deixou uma curta, sólida e quase redundante trajetória musical, toda ela gravada na única casa discográfica que a abrigou do começo (tardio) ao fim (precoce), a universal.

a responsável pela morte prematura de cássia eller foi cássia eller, isso é evidente e inegável. mas cada vez mais acredito que não podemos, gravadora, imprensa, mídia e seus agentes, nos eximir de nossa coadjuvância de parceiros em dramas shakespearianos (alô, elis regina). tropicalistas radicais, como tom zé, rogério duarte e torquato neto, chamariam isso de "parceria da faca com a ferida", "paixão entre o torturador e o torturado" ou coisa que os valha (alô, itamar assumpção). assim como começo esse texto denunciando os atos falhos do chefe da gravadora, quero terminá-lo falando que me dói imensamente ter participado da história de cássia eller como criticador da galinha dos ovos de ouro, na mesma medida como me orgulha enormemente ter participado dela apontando com rapidez (alô, sérgio dávila) a grandeza de seus discos e sensacionais aparições ao vivo (alô, waly salomão).

tento, com isso tudo, querer dizer que o crítico que julga e acusa os "vícios" do sistema como se vivesse apartado desse mesmo sistema e de seus "vícios" está embotado, anuviado, empacado, burro, cego dos óios - agindo assim, ele se faz tão "ruim" quanto a "ruindade" que aponta, vê o fundo do poço de dentro das próprias entranhas do poço e não o percebe. a faca e a ferida se fundem, perdidamente apaixonadas uma pela outra. e lá fora, ar livre que os poços não alcançam, o céu continua azul ou chuvoso, mas sempre repleto de vida (& morte).

(volta depois, marcelo, vem devolver ao brasil tudo que está aprendendo na ibéria. a gente aqui tem umas coisinhas para te ensinar também.)

(obrigado, piky, pela inspiração involuntária. acabei de ler seu e-mail, chorando também.)

terça-feira, janeiro 11, 2005

"adoro quando tudo se mistura"

também tenho aprendido a adorar quando tudo se mistura.

porque a cultura de compartimentos não existe desde sempre, ela vem em ondas como um mar, não é mesmo? acho que aquela voracidade yuppie dos anos 80 foi criadora da atual cultura de compartimentos, que vários já tentam romper (alô, cássio), mas que ainda é vigente em regra aqui no brasil. cinema é cinema, música é música, política é política.

mas não, né? música é cinema. cinema é teatro. teatro é filosofia. filosofia é cultura. cultura é política. política é música. por isso sou jorge ben (jor) desde criancinha. o disco novo dele, "reactivus amor est (turba philosophorum)" (tradução livre de quem não sabe latim? reative-se o amor, turba filosófica!!!), desprezado em regra por 9,9 de cada 10 brasileiros, é genial por isso: porque é cinema, é telenovela, é teatro, é baile, é música, é alquimia, é religião, é política, é ocidente e oriente, é tsunami, tudo junto no mesmo suingue. obra total, não tem essa de filminho, disquinho, ingressinho de balé.

"é todo mundo junto no um", diria baby. que baby? do brasil.

domingo, janeiro 09, 2005

araçá verde

e, vem cá, quem foi que disse que alguém consegue se matar se atirando de um pé de araçá, hein? sei desde pequeno que araçás são goiabinhas em miniatura, tão pequenas que nem cabe minhoquinha dentro. agora, nos descansos interioranos de ano novo, encontrei araçás e relembrei que não só o araçá é uma minigoiabinha como também o pé de araçá é uma minigoiabeira, desse tamanico.

desconfio que queda de pé de araçá não fratura nem asa de borboleta pequenina...

sábado, janeiro 08, 2005

o carro mais colorido do mundo

hoje, quando saí, havia três fuscas brancos enfileirados em frente de casa. eu amo tanto os fuscas.
porque o fusca é o roberto carlos dos carros, assim como a bic é o fusca das canetas, e a groselha é a bic dos sucos, e a cachaça é a groselha das bebidas alcoólicas, e roberto carlos é a bic, o fusca, a groselha e a cachaça das canções.