segunda-feira, janeiro 29, 2007

é paulo!

taí uma cena que eu jamais imaginei testemunhar: os mutantes cantando ao vivo e em cores "ando meio desligado", "top top", "balada do louco", "a minha menina", "bat macumba", "panis et circensis"!, e a multidão cantando junto em coro, de cor e salteado, em uníssono!, e eu lá no meio, sendo uma das minivozes dessa multidão! pois aconteceu!, era aniversário de são paulo e aconteceu!, e eu fiquei feliz à beça de estar lá no meio!

porque, lá no meio, eu estava bem no meio de uma molecada interminável que vestia camisetas de blur, the offspring, ac/dc, sex pistols etc. e portava vestuários góticos & punks & anarcopunks & heavy metal , mas estava lá para ouvir & dançar & pular... mutantes!, & tom zé!, & nação zumbi! (ah, sim, e entre os moleques presentes muitos portavam jaquetões de couro envenenado & barbas brancas de molho & passavam dos 30, dos 40, dos 50 e dos 60 anos de idade - mas, ah, a fusão das idades era igual à fusão das nacionalidades, e, desculpe, babe, isso era sinal a mais de que algo especial está no ar, como se fôssemos de repente um elo perdido&achado no tempo&espaço.)

engraçado é pensar que, se os mutantes eram banda underground na época de sua existência original, talvez fôssemos nós da quinta-feira 25 os primeiros a gritar em uníssono, em multidão ao vivo e em cores, aquelas antigas canções (não-)pop (facilitadores para que isso pudesse acontecer foram sendo, nas últimas décadas, "balada do louco" com ney matogrosso, "panis et circensis" com boca livre, "ando meio desligado" com marisa monte e kid abelha e lulu santos etc., "top top" com cássia eller, e o prestígio retroativo dos temas tropicalistas internacionália afora, e assim por diante). não vimos mutantes quando eles eram mutantes, quando eles tinham rita lee, quando sergio mendes era "apenas" "cantor de mambo" (pois agora, que coisa!, os mutantes voltaram e mr. sergio mendes, reinventado como talvez "cantor de tropicália" a bordo de black eyed peas, arrasta multidões quetais às arrastadas pelos mutantes!), e tal, e coisa, mas, bem, o que vimos agora talvez esteja sendo visto, finalmente, profecia que se autocumpre, pela primeira vez... e eu continuo feliz à beça de ter estado lá no meio, mesmo com toda minha (para sempre?) crescente multidãofobia e com toda minha (por ora?) decrescente preguiça de revivals.

disso tudo, o que me fica é mais uma das frases geniais disparadas por mr. arnaldo baptista, que nem sei lá se a multidão captou, capturou e assimilou. lá pelas tantas, a alegria incontida de arnaldo extravasou na seguinte frase (se não me engana a memória): "agora não são paulo. agora é paulo". se estou entendendo bem (e algo me diz que estou, hehehe, porque aprendi que "nós, os malucos, somos a mola deste mundo", ou coisa que o valha), ele queria dizer que, naquela quinta 25 ao sopé das estátuas da independência (ou da república?, a memória do que não vivi me escapa entre os dedos?), éramos todos (são) paulo, éramos todos uma só voz sussurrada e suspensa no tempo por uns poucos instantes (ou pela eternidade inteira), estávamos "todos juntos reunidos numa pessoa só". por essa razão eu também fiquei feliz (embora cansado), à beça, e é como estou até agora.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

versículo 2: youtube, censurar alguém se atreve?

porque aí essas histórias duvidosas sobre "azar" ou "sorte" rapidamente se dissolvem em muito e muito e muito trabalho, e veio então a continuação: uma abordagem sobre o "caso cicarelli" em matéria de capa da "carta capital" 427, de 17 de janeiro de 2007, em parceria com as estimadas colegas ana paula sousa e phydia de athayde [um terceiro subtexto de autoria da phydia eu não publico aqui, por não ser de minha (co-)autoria, mas recomendo com a mesma empolgação]. caiu na rede é peixe?

CAIU NA REDE É PEIXE

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES E ANA PAULA SOUSA
Colaborou Phydia de Athayde

A ameaça de bloqueio ao site YouTube no Brasil acende o debate: é possível e desejável controlar o mundo virtual?

A internet sofreu um abalo sísmico. Detonado, quem diria, por Daniela Cicarelli. Aquela que se casou com Ronaldo, "o Fenômeno", no Castelo de Chantilly, na França. A mesma que pediu para aparecer em CartaCapital para "reposicionar" sua imagem (A Cicarelli ligou, Ed. 399). E que três meses depois da entrevista foi flagrada fazendo sexo numa praia espanhola.

O impacto do tremor causado pela moça a própria rede mediu: na terça-feira 9, após uma decisão da Justiça brasileira que tirou do ar o YouTube, o nome da modelo brasileira foi a segunda palavra-chave mais discutida nos blogs planeta afora. À frente dela, só Saddam Hussein.

O que o tamanho da confusão evidencia – detalhes do "caso Daniela Cicarelli" à parte – é que, nesse mundo virtual, todos ainda tateiam no escuro. Nem a Justiça nem os usuários ou os governos sabem ao certo os limites e os alcances da internet. É possível controlá-la? É desejável encapsulá-la em regras mais rígidas?

As respostas para essas perguntas ainda são nebulosas. Mas é fato que, com a explosão da internet, velhos e espinhosos temas, como liberdade de expressão e direito à privacidade, migraram para o espaço virtual. E o episódio que o Brasil protagonizou na segunda semana de 2007 é exemplar de um cenário que vai sendo montado por tentativa e erro.

O confronto surgiu porque Daniela e o namorado, Renato Malzoni Filho, tentaram garantir o direito de privacidade e pediram o bloqueio do vídeo em que, flagrados por um paparazzo espanhol, protagonizam cenas tórridas numa praia na Espanha.

Nesse percurso, em cumprimento a uma determinação da Justiça brasileira, grandes provedores de internet acabaram por interditar, na segunda-feira 8, o acesso no País ao YouTube, o maior site de compartilhamento de imagens do mundo, em que o vídeo em questão vem sendo constantemente reproduzido.

O nó: ao tentar retirar de circulação as cenas do casal, a Justiça acabou por determinar o bloqueio de todo o gigantesco conteúdo do site, para os usuários de operadoras como Telefônica e Brasil Telecom. Daniela viu-se então no centro de uma avalanche de protestos contra o ato, que foi recebido, no mundo, como uma tentativa de censura ao "cyberespaço" brasileiro.

"Não existem, hoje, no mundo, mecanismos que resolvam de forma rápida e eficaz litígios na internet", crava Rogério Santana, presidente do Conselho Administrativo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), composto de membros do governo federal e da sociedade civil, com a tarefa de coordenar e integrar os serviços de internet no País.

Não à toa, já está agendado para dezembro deste ano um encontro entre representantes de mais de cem países, que pretendem discutir um conjunto de regras que leva o apelido de "governança na internet" e que estabeleceria alguns parâmetros globais. Detalhe: a reunião acontecerá no Brasil, terra de Daniela.

"Os países tentam chegar a acordos sobre temas centrais, como terrorismo ou crimes na internet. Hoje, se um país proíbe alguma coisa, basta recriar o site em outro lugar. Precisamos de uma espécie de tribunal internacional onde possam ser resolvidas certas questões", diz Santana.

Mas não é só de criação de leis que se trata. As artes e manhas da tecnologia tendem a tornar ineficazes as decisões. A dimensão informal e anônima da rede sempre pregará peças em quem tentar enquadrá-la. "Tecnicamente, a ordem dada pela Justiça brasileira é não cumprível, é uma ação além do ponto", afirma o engenheiro Demi Getschko, especialista em internet.

"A conseqüência positiva da decisão é que a sociedade reagiu de modo admirável e o Judiciário viu que os valores virtuais não são exatamente os mesmos dos reais e que deve rever o modo de atuar", prossegue Getschko. Ele se refere ao episódio, fazendo um paralelo entre o mundo virtual e o real: "Não é porque há batedores de carteira nos ônibus que vêm da Lapa que vamos proibir todos os ônibus de trafegar naquele bairro".

Se a sociedade, de modo geral, ainda não tem noções claras de como lidar com essa rede em que as responsabilidades se embaralham, é natural que isso se estenda para a Justiça. Para Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV, a atitude, no fim, não foi boa para ninguém:

– Esse caso foi tão mal conduzido que todos saem perdendo. A Cicarelli, porque só aumenta a divulgação do próprio vídeo. O Judiciário, porque tomou uma decisão de repercussão internacional que, em última análise, pode desestimular sites de todo o mundo a oferecerem serviços no Brasil, com medo de ser vítimas de decisões similares. Os consumidores, porque tiveram seu direito de neutralidade na internet afetado. E, principalmente, os provedores, porque ficam sujeitos a se tornar uma espécie de 'poder de polícia' na rede, sem que haja uma legislação que regule esse tipo de situação.

Quem anda pelos tribunais tem a sensação de que pode se iniciar, a partir deste momento, um bombardeio ao sistema judiciário. "Em várias ações ligadas à internet, você acaba discutindo a função da Justiça", admite o advogado Omar Kaminski, especialista em direito digital. "Será que todas as questões devem ser levadas à Justiça? A tecnologia está à frente do Judiciário. Então, nos sentimos sempre como tartaruga correndo atrás do coelho."

Diante dessa situação, aumenta o número de vozes em defesa de uma legislação que regule o ambiente da internet no País. "Com a ausência disso, cada caso que surgir pode ser decidido de uma forma diferente, o que cria o pior dos mundos, uma situação de incerteza. Quem em sã consciência tem coragem de investir de modo consistente em um negócio de conteúdo no Brasil se o Judiciário pode impor a qualquer momento um custo inesperado e imprevisível?", pergunta Ronaldo Lemos.

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, também defendeu a necessidade de regulamentação mais clara no que diz respeito à internet. Getschko, por sua vez, contra-argumenta: "Fora poucas exceções de delitos que não existiam e são criados na internet, é o caso de exercitarmos a legislação tradicional no novo ambiente. Não precisamos de lei para quem mate alguém com faca de aço inox, o problema é o assassinato. Temos que ter o juízo de não criar legislação atrelada à tecnologia, porque a tecnologia muda a todo momento".

Outro exemplo recente de tentativa de legislar sobre a internet foi o de um projeto de lei relatado em novembro do ano passado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que propunha controlar a internet brasileira por intermédio da identificação dos usuários antes de iniciarem operações de interatividade, como envio de e-mails, conversas em salas de bate-papo, criação de blogs, captura de músicas, imagens, dados etc.

O projeto atendia a interesse de bancos e administradores de cartões de crédito, contrariados com as despesas para coibir fraudes em transações digitais. Sob intensa repercussão negativa, o exame do projeto foi adiado para a próxima legislatura, e segue indefinido. "Isso não é aceitável, identificar o usuário só vai incomodar o sujeito honesto, o usuário normal, e não o mal-intencionado", protesta Getschko.

Para a advogada especializada em direito digital Patrícia Peck, o desafio se dá muito mais na seara educacional que na legislativa. "Nós acreditamos mais numa auto-regulação que na criação de novas leis. As ferramentas tecnológicas podem ser usadas para o bem e para o mal, e no caso de Daniela foi usado o princípio 'dos males, o menor'. Se um site perde o controle de algo, é o risco do próprio negócio, ele não pode se eximir da perda do controle. Se alguém foi prejudicado, uma liminar tira do ar como medida rápida, e depois vamos discutir. É positivo, porque levanta a discussão na sociedade", ela opina.

Mas o caso suscita um sem-número de interpretações contraditórias, a começar pelo direito de privacidade de Daniela e Malzoni versus o direito do fotógrafo em flagrá-los numa situação de sexo em local público. Como lembra Wálter Maierovitch em sua coluna, o próprio ato do casal configura, segundo a lei espanhola, crime de atentado ao pudor coletivo. A seguir, discute-se a caracterização de violação do direito de imagem alheia por parte do paparazzo, se fizer uso até mesmo comercial das imagens que capturou.

O efeito segue em cascata. Tentando proteger o direito de preservar sua imagem, Daniela e Malzoni acabaram por interferir na livre circulação de milhões de usuários. Ela tentou argumentar que a iniciativa foi somente do namorado, o que é discutível, pois a ação original de pedido de veto do vídeo na internet, movida no Brasil apesar de o vídeo ter sido gerado na Espanha, tinha, sim, Daniela como co-autora, conforme provou o site Consultor Jurídico. De todo modo, já era tarde.

A revolta da comunidade virtual concentrou-se na figura da apresentadora, motivando protestos no Orkut e a criação de sites do tipo "Boicote a Cicarelli". E se estendeu à corporação em que ela trabalha, a MTV, que até quinta-feira 11 havia recebido mais de 80 mil e-mails em repúdio a Daniela e também vem sofrendo ameaças de boicote e de manifestações em frente à sede da tevê.

Ao mesmo tempo, ganharam popularidade súbita termos técnicos como backbones, proxy etc., junto a quem se interessasse por decifrar os mecanismos da proibição. Especialistas demonstraram como são inúmeras as maneiras de contornar um veto imposto pela Justiça local. Mostraram, por exemplo, que sites como o Anonymizer.su dão o passo-a- passo para um usuário navegar de modo anônimo pela internet. Assim, um brasileiro, por exemplo, poderia se mover pela rede sem estar identificado como brasileiro e, assim, passar batido pela interdição local do YouTube.

O próprio Brasil foi colocado em xeque, quando o desembargador Ênio Santarelli Zuliani determinou em seus despachos que os provedores instalassem filtros que impossibilitassem o acesso ao filme do casal – a filtragem de conteúdos é prática de países como a China, que controlam o acesso à internet em seu território.
"Tentamos sempre ao máximo evitar qualquer interferência", diz Augusto Gadelha, presidente do Comitê Gestor e secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia. "Até hoje, tiramos poucos sites do ar. Só retiramos quando é um espaço destinado, claramente, para a prática de crime financeiro, como um site que tentava se passar pelo Banco do Brasil."

Gadelha pensa que, na semana que passou, o Brasil ficou com uma imagem de interferência na internet. "Isso remete a países autoritários e não deve acontecer aqui. Não entraremos em conflito com a Justiça brasileira, mas pretendemos cooperar para que isso não se repita", diz, procurando eximir o governo de acusações de censura.

Para Ronaldo Lemos, "a filtragem sempre extrapola os limites para os quais foi pretensamente aplicada, além de ser ineficaz e facilmente burlável", referindo-se a países como China, Arábia Saudita, Tailândia e Cuba.

E o episódio, é bom lembrar, não é o primeiro enfrentamento da Justiça brasileira com o Google – proprietário do YouTube desde outubro, quando adquiriu o site por 1,65 bilhão de dólares. A empresa também foi acionada por causa de crimes ocorridos em seu site de relacionamento, o Orkut. Há quem se aproveite do anonimato da rede para, através de perfis e comunidades dentro do Orkut, difundir pedofilia, crimes de ódio, difamação, calúnia etc. A filial brasileira do Google Inc., chamada Google Brasil Internet Ltda., tem negado sistematicamente qualquer responsabilidade sobre esses atos.

Quando denúncias desses crimes chegam à Justiça, o primeiro passo é tentar chegar aos autores e, para isso, é indispensável que a empresa forneça dados como o IP (número que identifica um computador conectado à internet) e o horário de acesso. Outras empresas com sede nos Estados Unidos, como Yahoo! e Microsoft, já receberam pedidos semelhantes da Justiça e atenderam prontamente. O Google, não.

Como uma tentativa de resposta à crescente impunidade on-line, surgiu, em 2005, o site Safer Net (www.denunciar.org.br). Além de acompanhar esse e outros processos, o espaço acolhe denúncias de pedofilia e outros crimes na internet. Somente no ano passado, foram 356 mil denúncias, e 93% delas aconteciam dentro do Orkut. "Apesar de ainda não haver um desfecho, essas ações já renderam resultados indiretos. O Google começou a colaborar, ainda que timidamente, e criou uma equipe, nos Estados Unidos, para agilizar a remoção das páginas com conteúdo criminoso do ar. Não podemos admitir que o Brasil se torne o país da impunidade também na internet", diz Thiago Tavares, presidente e diretor do Safer Net.

Apesar de todo o turbilhão de acontecimentos e da exploração sensacionalista da "censura" ao longo dos primeiros dias, a semana obrigou também o País a se aprofundar no conhecimento e na discussão de temas que ainda lhe são mais ou menos inéditos. Se alguns especialistas apontam o efeito educativo do processo de conscientização, outros afirmam que a comédia de erros não ensina nada à comunidade virtual como um todo.

Para Ronaldo Lemos, o episódio é ineficaz com relação à mudança de hábitos das pessoas: "O que realmente modifica o comportamento das pessoas 'on-line' é a formação de um sentimento de comunidade, de que a rede é um espaço coletivo comum. Esse tipo de situação acaba enfatizando o contrário, que a rede é terra de ninguém".

Quem trabalha a coletividade na rede sabe do que ele está falando. Gilson Schwartz, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor da Cidade do Conhecimento, que desenvolve projetos de geração de renda e "emancipação digital" em parceria com o governo federal, explicita as regras do projeto: "A primeira coisa que fazemos quando nos aproximamos de uma comunidade é tentar fazer com que as pessoas adquiram uma noção clara de como é a gestão da identidade delas".

Como todo tipo de liberdade, a internet também requer um nível de consciência e responsabilidade que a sociedade terá de adquirir, queira ou não queira. Ao que os acontecimentos indicam, ou se parte para a auto-regulamentação ou as tentativas de controle se multiplicarão. O susto recém-vivido aguçou esse conflito e pareceu ter a dimensão de um terremoto, mas pode significar também um início daquela tomada de consciência.


O "MAL" E O "BEM" NA INTERNET

A bala de canhão que virtualmente tirou o YouTube do ar no País atingiu todo um território complexo e vasto de informação que abrange desde fofoca, voyeurismo de celebridades e pirataria às atividades culturais e à ação social.

Nas horas de "apagão", o principal tema-chave do YouTube era "Saddam Hussein", por conta de um vídeo clandestino produzido no recinto da execução do ex-ditador iraquiano, e que mostra a cena forte do momento exato do enforcamento.

Na interface ágil entre o YouTube e multidão de usuários que lhe fornecem imagens espontaneamente, a visualização do vídeo chocante é precedida pela advertência sobre seu conteúdo "inapropriado", a mesma que aparece antes de vídeos de insinuação sexual como o de Cicarelli (em tese, o sexo explícito é vetado pelo YouTube sempre que percebido ou denunciado). Mas o usuário terá fácil acesso às imagens "inapropriadas", se confirmar que tem 18 anos ou mais e está ciente do risco envolvido em acessá-las. Ou seja, é a decisão pessoal que abre ou fecha as portas de acesso para o YouTube.

Os limites delicados entre prestação de serviço e uso inapropriado podem ser exemplificados por uma campanha de prevenção à dengue criada para o YouTube pela Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul. Numa paródia oficial ao vídeo pirata de Cicarelli na praia, dois atores fantasiados de mosquitos simulam as mesmas cenas de sexo, até que aparece o aviso de que "é na água que o mosquito da dengue se reproduz" e as mensagens educativas.

Os limites também se esfumaçam no sentido inverso, como no caso de um vídeo que virou coqueluche e rapidamente ultrapassou a casa dos milhões de visitas no YouTube. Trata-se do cômico Tapa na Pantera, em que a veterana atriz Maria Alice Vergueiro interpreta uma senhora a pregar os supostos benefícios do consumo de maconha.

Por trás da brincadeira aparentemente inconseqüente, se escondia o propósito, admitido por ela, de "lutar pela legalização e descriminalização das drogas, para que o controle saia do âmbito da polícia e entre no campo da educação, da saúde, da cultura". Maria Alice se pronuncia sobre a tentativa de bloqueio de seu novo veio de expressão: "É o espetáculo da agonia do poder, são os últimos estertores da tirania vertical das relações".

Pois, se o site está repleto de pirataria televisiva e musical, já serve também em larga escala para divulgar legitimamente produção artística e cultural com acesso restrito à mídia tradicional. "A gente acabou de fazer o videoclipe de uma música nova e já colocou no YouTube. Hoje você não precisa esperar a MTV ou qualquer emissora para colocar suas coisas no ar, é genial", diz Bruno Verner, da dupla experimental brasileira radicada em Londres Tetine, que assim acaba usando o site como ferramenta para manter os vínculos com admiradores do país natal.

A diretora Laura Guimarães também joga diretamente no YouTube os documentários que produz: "Enquanto não consigo apoio para distribuir do jeito que quero os filmes, não preciso mais deixá-los na gaveta, como aconteceria antes". Seu vídeo De Casa em Casa documenta a Rede de Resistência Solidária, de artistas da periferia de Recife (PE) que cantam rap, discursam e grafitando com tintas coloridas as casas de comunidades carentes, tentando simbolizar "um primeiro passo para a reconstrução" das casas e vidas dos moradores.

É só um entre inúmeros exemplos de mobilização social exercida via YouTube, e que foi atingido de raspão pelo tiro de canhão virtual que a Justiça brasileira disparou a esmo para proteger a intimidade de Cicarelli e Malzoni. POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

quinta-feira, janeiro 18, 2007

capítulo 1: youtube com censura

ô, azar da moléstia! na mesmíssima sexta-feira em que ia às bancas a reportagem "a mpb sem censura" ("carta capital" 426, de 9 de janeiro), daniela cicarelli e seu namorado renato malzoni filho conseguiam na justiça, num efeito tipo bola de boliche, censurar não só o vídeo "privado" que queriam censurar, como também todo o youtube por onde não pára mais de circular o tal vídeo, e de quebra, strike!, a mpb que eu estava naquelas mesmas horas chamando de "sem censura"...

típico exemplo de jornalismo precocemente datado... ou não? é, não, acho que não... pois então, se até o youtube voltou horas depois, que volte também "a mpb sem (será mesmo? e a autocensura?) censura" ...


A MPB SEM CENSURA
Os usuários do YouTube expõem raridades que as tevês costumam esconder

por Pedro Alexandre Sanches

Se na década de 90 a pirataria monopolizou as preocupações da indústria fonográfica mundial, neste início dos 2000 a distribuição desenfreada de imagens via internet é que se espalha irremediavelmente, afetando em especial as redes de televisão, de modo análogo ao que já vinha acontecendo com as gravadoras. O YouTube (www.youtube.com), líder entre os sites de compartilhamento livre e gratuito de vídeos, é a bola da vez no Brasil, onde uma liminar obtida, na quarta-feira 3, pelos advogados de Daniela Cicarelli determinou que seja bloqueado definitivamente no site o acesso a imagens em que a apresentadora aparece supostamente fazendo sexo com o namorado numa praia.

A medida parece ser de difícil aplicabilidade prática, já que usuários do site têm republicado constantemente o vídeo de Cicarelli, e ajuda a deslocar o foco para temas como a invasão de privacidade e o círculo vicioso das celebridades. Enquanto isso, numa linha paralela a essa, os subterrâneos do YouTube ocultam um debate mais próprio ao mundo da cultura, mas também limítrofe entre a arte e a contravenção, entre os avanços culturais e o crime.

É que rapidamente o site vem se tornando um acervo monumental de imagens raras (e às vezes semi-inéditas), que contam, por elas próprias, a história da música popular. No Brasil, de Noel Rosa tocando com o Bando dos Tangarás na década de 1930 ao rap de protesto dos Racionais MC's no fim do século XX, tudo parece estar traduzido em imagem e som no YouTube.

Além de resgatar momentos de valor histórico inestimável, como cenas de Carmen Miranda em Hollywood ou do advento dos músicos tropicalistas nos festivais da canção do fim dos anos 60, a rede abriga, também, flagrantes às vezes constrangedores, mas que ajudam a entender lados obscuros da personalidade de seus ídolos, muitas vezes escamoteada pela mídia tradicional.

Exemplo admirável pode ser encontrado digitando os termos "João Gilberto" no campo de busca do YouTube. Ali aparecerá, entre muitas outras, a imagem raríssima do artista, ainda desconhecido, tocando violão em acompanhamento à cantora Elizeth Cardoso, antes da eclosão da bossa nova. Mas aparecerá também o contraponto do gênio, em cenas impagáveis em que ele briga abertamente com o público, chegando a abandonar o show numa delas. "Não faz que eu vou embora, hein?", e "este 'uh' aí é um idiota que está fazendo", reage o artista baiano a supostas vaias numa apresentação em Salvador.

Do mesmo quilate são cenas em que Raul Seixas se apresenta bêbado para estudantes ou dá entrevista na tevê, após ter sido preso num show, por ser supostamente um sósia, e não o "verdadeiro" Raul. A grande Aracy de Almeida também aparece, mas não na condição de cantora preferida de Noel Rosa, e sim na de jurada do programa de calouros de Silvio Santos.

A questão YouTube é delicada no que diz respeito às redes de tevê, das quais vem sendo captada clandestinamente uma infinidade de cenas antológicas, que até há pouco eram propriedade exclusiva da Rede Globo e congêneres. Apenas digitando as palavras-chave adequadas, tem-se acesso imediato a cenas preciosas: o compositor Sérgio Ricardo quebrando o violão num festival da canção da Record; um encontro televisivo hoje semi-esquecido entre Gal Costa e Elis Regina, pouco antes da morte desta; imagens da Bandeirantes focalizando a comunidade hippie dos Novos Baianos, no início dos anos 70; a aparição dos jovens da geração roqueira dos 80 no programa do Chacrinha, na Globo; e assim por diante.

"As pessoas aproveitam-se da melhor qualidade da televisão aberta, que é acessível e gratuita. O sinal está disponível para todo mundo, basta reproduzir", afirma Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação. A rede sofre o assédio ininterrupto da "cultura YouTube": pouco depois de sua exibição na última semana de 2006, um especial sobre a vida de Elis Regina já era encontrado no site, na íntegra. É que qualquer espectador pode gravar a cena que quiser da tevê e transferir sem qualquer dificuldade ao YouTube, compartilhando-a assim com o resto do planeta.

Erlanger afasta uma suspeita que sempre rondou a indústria fonográfica, de que parte dos vazamentos piratas acontecesse de dentro das próprias empresas: "Não sou especialista em roubo de imagem, mas nas reuniões onde o tema é tratado isso nunca foi cogitado. Por que correr riscos, se pode ser gravado do ar?" A rede é lacônica quanto à possibilidade de tentar coibir a circulação, a exemplo do que fez Cicarelli, que, aliás, também move ações análogas contra as Organizações Globo e o iG. "No caso da internet, há dificuldades técnicas maiores de controle de material, mas estamos estudando quais medidas podem ser adotadas", diz.

Ainda tomando contato com essa nova realidade, as tevês a princípio adotam retórica semelhante à que a indústria fonográfica usou por anos a fio ao se queixar da pirataria. Erlanger argumenta que a difusão não autorizada de imagens prejudica economicamente não apenas as empresas, mas também os diretores, os técnicos e os próprios artistas.

É faca de dois gumes, pois o YouTube tem potencial para beneficiar artistas tanto quanto lesá-los. A empresária carioca Adriana Pittigliani, por exemplo, tem propagandeado por esse método as turnês que artistas de funk carioca, como o DJ Sany Pittbul, fazem pela Europa e que, de outro modo, permaneceriam no anonimato na terra natal. "Para nós, do Carioca Funk Clube, isso cria uma corrente espontânea que está conseguindo mostrar o funk, que sempre esteve lá e ninguém via, já que a mídia tradicional ainda está digerindo mal a mesma velha história que se ouvia nas rádios", diz ela.

A ferramenta serve ao funk, mas serve ao samba também, como explica o produtor José Luiz Soares, dono do Villaggio Café, em São Paulo, pelo qual tem passado toda a nata do samba. "Em shows no bar, já flagrei espectadores, namoradas, fãs e produtores filmando, discretamente, determinadas apresentações com pequenas câmeras digitais. A finalidade é colocar o artista desconhecido na rede mundial, via YouTube. Criativo e barato, não? Penso que isso seja uma tendência irreversível, que vai abalar fortemente a mídia tradicional. Aliás, já está abalando", opina Soares.

Foi pensando nisso que ele colocou um telão em seu bar, no qual exibe, entre outras imagens, as raridades musicais do YouTube. Entre os seus prediletos, estão os conflitos entre João Gilberto e os fãs e cenas da vanguarda paulistana no Festival dos Festivais de 1985, da Globo. Passam por ali de imagens raras de Gonzaguinha a trechos do espetáculo mais recente de Chico Buarque.

É que, se o sistema de gravação artesanal por câmera digital ou celular auxilia artistas novos e desconhecidos, também se debruça, democraticamente, sobre os já consolidados. O histórico show da volta dos Mutantes, em Londres, por exemplo, caiu no YouTube instantaneamente, meses antes que a multinacional Sony BMG cogitasse lançá-lo em CD e DVD.

No fio da navalha entre o trabalho institucional e a pirataria encontra-se, enfim, o protagonista deste novo momento, o YouTube. Criado em 2005 por dois jovens na faixa dos 20 anos, o site foi comprado há dois meses pelo Google, pelo valor fabuloso de 1,65 bilhão de dólares. E procura se cercar juridicamente, enquanto dribla o esvaziamento já vivido por sites de compartilhamento gratuito de música, combatidos ferozmente pelas multinacionais que detêm os direitos dos fonogramas mais populares.

Nos termos de uso e nas definições de políticas de privacidade do site, afirma-se que o YouTube respeita rigorosamente as leis de copyright e se compromete a excluir os vídeos que as desrespeitem. Também recebe e acata denúncias sobre conteúdos inapropriados (de pornografia, por exemplo). Assim é que, apesar do desagrado de Daniela Cicarelli, tem se empenhado em retirar de suas listas o célebre vídeo da praia.

O problema é que, do outro lado da tela, estão mais de 100 milhões de usuários diários, alguns dos quais sempre dispostos a inserir de volta as imagens. Contra essa nova realidade, nem a Globo, nem gravadoras, nem muitos medalhões pop se animaram ainda a lutar. Enquanto isso, cresce desordenadamente o volume de fofoca, mas também o de cultura em circulação na grande rede.


O SOM FORA DO BAÚ
A gravadora da Globo tira o atraso e reedita trilhas sonoras raras de novelas

Enquanto algumas das imagens mais ricas da tevê brasileira circulam clandestinamente na internet, a Rede Globo desperta tardiamente para o acervo musical também monumental de sua gravadora, a Som Livre. Após várias reedições de peso ao longo do ano, encerrou 2006 com uma nova série Som Livre Masters, que recupera em CD 32 trilhas sonoras originais de novelas, seriados e especiais infantis, lançadas originalmente entre 1971 e 1993.

Tais trilhas costumam sempre vir entupidas de comercialismo e técnicas de massificação, mas acabam por ocultar nas entrelinhas de sua diversidade o fio da história musical do País. Isso pode ser verificado pelo distanciamento com que se ouvem hoje as trilhas do início dos anos 70, predominantes no novo pacote. Naquela primeira fase da Globo, destacavam-se trilhas compostas sob encomenda por alguns dos autores mais expressivos da época.

Aparecem em CD aqui, pela primeira vez, trilhas assinadas pelos virtuosos Baden Powell e Paulo César Pinheiro (O Semideus, de 1973), pelos roqueiros transgressores Raul Seixas e Paulo Coelho (O Rebu, idem), pelos líderes populares Roberto e Erasmo Carlos (O Bofe, 1972), pelos afiados sambistas ditos "cafonas" Antonio Carlos & Jocafi (O Primeiro Amor, idem), pelos irmãos híbridos populares-eruditos Paulo Sérgio e Marcos Valle (Os Ossos do Barão, 1973) etc. Outro momento histórico, só agora resgatado, é o da experiência feminista do seriado Malu Mulher, numa trilha que incluía nove em cada dez cantoras de ponta da MPB de 1979.

Ao chegar só agora com mais força ao filão da restauração de acervo, a gravadora da Globo repete o atraso histórico de toda a indústria fonográfica, que esperou seu relicário se transferir à internet e aos CDs piratas para só então se interessar por ele de modo mais sério e constante. Ironicamente, o início dessa fase de maior esmero da Som Livre com seu passado é simultâneo à explosão da tevê via YouTube, o que faz pensar quanto tempo Globo, Record, Band, SBT, Cultura etc. esperarão para modernizar de modo sistemático seus baús de preciosidades.

Tal atitude certamente não domaria a pirataria, mas seria um modo de trabalhar em parceria com a evolução dos formatos, e não em oposição a eles. Num cenário de guerra e incompreensão, não é à toa que são aqueles que as grandes empresas repudiam como "piratas" "criminosos" os que acabam fazendo o trabalho cultural e histórico que lhes caberia, mas que elas parecem pouco interessadas em promover.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

simples carinho

e a angela ro ro, ela não anda incrível, hein?

quem foi ao sesc neste fim de semana viu (e se aqueceu n)a fogueira outra vez acesa, ácida, coruscante feito fogo amigo. cantando quase só as músicas novas do (belíssimo) disco "compasso", chamou a chama, soprou e pronto: acesa, acesíssima.

["compasso" (indie records, 2006) é, como rimaria itamar assumpção falando de e com luiz melodia, um disco de "funk soul blues jazz rock'n'roll" (e reggae, e bossa, e samba, e salsa, e bolero, e...); como rima angela em pessoa, "é o meu compasso mais civilizado e controlado", na procura de temperar escândalos "came e case" d'outrora com um pé no chão, uma garganta nas estrelas, um corpo doído na ponte..., a pungente e nada autocondescendente "dorme, sonha..." fazendo a ligação dolorosa entre o final do disco e o início do show.


não votei em "compasso" nas listinhas bobinhas de "melhores" (melhores em quê, melhores que quem, cara-pálida?) que cometi na virada de ano: injustiça. injustiça, entendo agora, depois de ver/ouvir o (ainda mais recente) dvd-e-cd ao vivo com "clássicos" ro ro, de ver o show de inéditas e de, enquanto acabo aqui de escrever, reouvir seu "compasso" acre-doce (como ela rima, em/com "paixão").]

entre uma música cantada em vozeirão e outra, angela engata a todo vapor a já tão conhecida vocação para um certo pastelão, empanturrando os intervalos de gracejos, alguns deles explicitamente destinados à tomada de fôlego, que ela já não é nenhuma menininha. até os gracejos, entretanto, estão transformados, de acordo com seu compasso mais civilizado e controlado. as piadas em farpa para zélia duncan, ana carolina, marisa monte, rita lee e cássia eller já nem chegam a ser farpas, tão aveludadas se tornaram - hoje já são (ácidos) elogios.

desviada a pontaria das cantoras-compositoras-criadoras-(quase-)autônomas que lhe são (quase) semelhantes e (quase) iguais, a farpa pode então ser focada em mira mais quente e mais precisa: a piada, em hora h de tesão musical e tensão extra-musical, mira no tio já morto que, quando ela tinha 8 anos, a "bolinou" e "currou". piada agridoce se transfigura em manifesto contra a pedofilia, com crianças presentes no recinto (e consciência plena disso por parte de angela). o público nos contorcemos, incomodados. pois o público, afinal, estamos acostumados a sair de casa para assistir ao show cor-de-rosa da vida, e não assim de chofre à vida como ela é (ou foi, ou será, a depender de nós). são mais ou menos 19h de domingo quando angela clama a crianças e adultos que não tolerem por modo algum a pedofilia: nessa noite, não vai dar para assistir ao "fantástico" show da vida...

entre um enlevo musical e outro, provocações que se tornam piadas se reconvertem na curva em seriedades, em provocações da piadista. pré-pós-funkeira carioca, ela dedica "bater não dói" a norte-americanos (versus iraquianos): "bater não dói, dói mesmo é apanhar!". pouco depois da primeira menção à pedofilia ("não vão ficar baixo astral por causa do que falei, viu?", adverte, já voltando ao assunto que não quer calar, que ela não que rque cale), anuncia "não adianta!", uma bela e singela canção em homenagem aos "candangos" brasileiros, e se segue um pequeno forró, um misto amistoso, matuto, entre canção caipira, e sertaneja, e interiorana, e nordestina, e brega, e de qual mais chegar entre os gêneros que ro ro (& seus pares) não se atreviam a beliscar em décadas passadas.

e o discurso pró-"candangos" se consuma áspero, inquieto, plenamente esperançado: de couro curtido, a autora homenageia os "candangos" [aqueles que constroem tua cidade (anti)artificial, essa que às vezes desliza e soterra "candangos" em sua fúria (anti)natural]. lembra que eles estão pelaí, um deles presidente da república do brasil, e que ela, de sapatinho vermelho ("tá pensando que é flamengo?", ou algo parecido, é o como ela rima), acha isso "simpático". constrangida, a platéia não aplaudimos, como a platéia tampouco aplaudíramos antes o discurso anti-pedofilia - afinal não é tudo a mesma coisa, abuso e agressão contra crianças, "candangos", nordestinos, mulheres, homossexuais, iraquianos, ciganos, negros etc.? como iríamos conseguir aplaudir (e praticar) pequenos manifestos anti-abuso e anti-agressão, se somos tão mais acostumados a praticar (e aplaudir) pequenos abusos e agressões diários?

não, não é fácil, mas, enfim a platéia conseguimos. afinal, a platéia estávamos lá por angela, fazendo muxoxo para o "show da vida" e lotando o teatro de bundas quadradas arquitetado por lina bo, para ver (e lacrimejar diante d)a mulher sofrida que tantas vezes caiu, que outras tantas se reergueu, que está novamente íntegra, inteiriça e imponente.

os saravás ao final ela dedica, num simples carinho (qual é o valor?, qual é o sabor?), aos músicos, aos espectadores, a tom zé, a rita lee, enquanto sacramenta lá suas mandingas, suas macumbas, seus rituais de estar viva. sincrética, simples, sincera. saravá, dona ro ro, estamos contigo na tua barca nova.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

se lembra da jaqueira (da portela), maninha?...

duas ou três coisas curiosas encontradas no livro "estação brasil - conversas com músicos brasileiros", da jornalista argentina violeta weinschelbaum, no capítulo em que ela entrevista dona maria bethânia.

1
"Em uma entrevista de 1969 você contou que Caetano costumava te dizer que Deus não existia. Que influência tiveram essas palavras em você?

Era em Santo Amaro, eu era muito menina. Ele me dizia: 'Deus não existe, eu inventei tudo, fiz tudo com a minha cabeça. Não existe essa rua, nem essa cadeira, você não existe'. Caetano sempre disse essas coisas, e acho que sofre muito com isso.

Com essa dúvida?

Ele não tem dúvidas, tem certezas que oscilam [risos]. Eu olho pra ele e sei o quanto é vulnerável, sei que ele gostaria de ter alguma fé, mas não se permite isso. Acho que ele não relaxa. Olha no pescoço dele!"

hahahaha! êita, será que a maninha mais nova não existe?!, que ela foi inventada pelo mano caetano?! se for num sei, mas parece que ela acha que ele sofre muito com isso..."

2 e 3
aqui, a autora pergunta a bethânia por que ela seguiu em trilha paralela à da tropicália, sem aderir exclusivamente ao movimento. pergunta-o traçando uma relação com o fato de, mais nova que os tropicalistas, bethânia não ter vivido o impacto da eclosão da bossa nova na mesma medida dos demais. em meio à resposta, ela diz assim:

"Tem uma coisa na história da bossa nova que é uma carta branca, uma revelação, talvez a mais bonita para mim: quando Vinicius de Moraes, João Gilberto e Tom Jobim resolveram fazer o primeiro disco da bossa nova, a cantora convidada foi Elizeth Cardoso, que não tem nada a ver com a bossa nova. É o contrário: uma mulher com um vozeirão, uma mulher de interpretação, de palco, de grandes gestos e uma voz mulata, uma voz brasileira. Ela é extraordinária, a nossa Divina. A bossa nova é linda, é a revolução, Vinicius foi um grande revolucionário, Baden Powell, João, Nara Leão, a menina da burguesia carioca que fez uma música que mudou tudo na maneira de se expressar, mudou tudo em nossa música. A bossa nova é um divisor de águas".

será que ela está falando de elizeth cardoso, ou dela própria, hein? será constante essa voz "estrangeira", feminina, fazendo o fio da meada? será que, estabelecendo esse nexo acima, ela quer dizer que maria bethânia foi a elizeth cardoso da tropicália?, pairando por cima da movimentação como musa inspiradora-catalisadora que "não tem nada a ver" com isso? será que ela aprendeu isso tudo com elizeth cardoso? pois maria vai além:

"O tropicalismo chega depois, de outra maneira. Absorvi tudo o que pude da bossa nova, com o maior amor e respeito e com grande admiração, também pelo tropicalismo. Mas o que sou eu? Eu não sou nada, sou livre, sou o que me der vontade naquela hora. Gosto de ver os movimentos passarem: o tropicalismo, a bossa nova, o iê-iê-iê, a Jovem Guarda, Roberto Carlos, o samba-rock, o samba-reggae, gosto de ver tudo isso e, de vez em quando, cantar algumas dessas coisas".

será que, sendo assim, ela é a moça da janela que apenas olha a banda passar, a carolina que não viu o tempo passar, aquela "carolina" de chico buarque que seria amada-e-hostilizada numa versão pós-tropicalista (1969) de seu mano? sendo assim, será que maria é a síntese entre caetano e chico? será que, carolina-lindonéia não contente em apenas mirar da janela estática a banda e o tempo passando, ela pula lá seus cercados para ir participar vez em quando duns movimentos? será que ela aprendeu isso tudo com nara leão?

sendo assim, será que maria (ou seja, chico-e-caetano) é o sábio chinês que sonhou ser a síntese borboleteante entre elizeth e nara? se lembra da jaqueira (da portela e da mangueira), maninha?

terça-feira, janeiro 09, 2007

you tube me

e aí eu copio uns trechos do editorial-noticiário da "revista da música brasileira" número 6, de março e abril de 1955, e aí você me diz se você acha que tá tudo assim tão diferente (se lembra quando a gente?...), ou que ainda somos os mesmos (minha dor é perceber...) e vivemos como nossos pais e avós... negócio fechado?

1
"Êste número corresponde aos meses de Março e Abril. A falta absoluta de papel na praça do Rio de Janeiro, obrigou-nos a essa medida. Os assinantes, no entretanto, não serão prejudicados, pois contamos as assinaturas pelos números enviados, e não pelos meses. A situação já está no momento regularizada e esperamos que tal não venha a acontecer outra vez."

2
"Esta REVISTA precisa de publicidade para viver, como tôda e qualquer revista. Avisamos, no entretanto, que a publicidade que inserimos é em forma de anúncio. Não aceitamos reportagens e fotografias pagas. Fazemos esta declaração aos nossos leitores e a quem possa interessar, para que não se repita o caso de certo diretor de publicidade de conhecida gravadora que nos propôs um anúncio com a condição que a capa viesse com o retrato do cantor X e, no texto, uma reportagem de duas páginas com a cantora Y. Não, isso não fazemos. As capas, as fotografias e os textos que publicamos não tem nenhum interêsse financeiro. Focalizamos os artistas que merecem nosso interêsse e o dos leitores, e não nos prestamos ao papel de simples propagandistas de artistas muitas vêzes 'inventados' pelos golpes e artimanhas já muito comuns em nosso meio."

p.s. 1: a "revista da música brasileira" (cuja coleção completa acaba de ser facsimilada num livrão de quase 800 páginas, pela editora bem-te-vi em parceria com a funarte) durou mais oito números depois do que conteve esse noticiário-editorial, e encerrou sua passagem de cometa pela história da música e do jornalismo brasileiro em setembro de 1956, com uma capa dedicada a orlando silva.

domingo, janeiro 07, 2007

...de tão longe, de tão perto

feliz ano novo, feliz ano velho!

os últimos dias de 2006, a virada de ano e o primeiro dia de 2007 todinho, eu passei no planalto central do brasil, lá longe, tão perto. passeei entre as flores do cerrado, mas o 31 e o 1 eu atravessei mesmo foi zanzando pelo eixo monumental, pela asa sul, pela asa norte, pelas beiradas de paranoá.

fui para ver a (re)posse do presidente lula, na condição de homem do povo, dali do gramadão de ilusórios 180 graus, do lado de fora, de tão longe, de tão perto (como, aliás, já havia feito quatro anos atrás). não fui por oba-oba, quero crer que não fui por idolatria ou paixão anestesiada. meu foco, mais ainda que das outras vezes, era o rito, o símbolo, o emblema, o contrato, o contato.

estando lá, era como se assinasse mais uma vez meu termo de compromisso, de comprometimento, de participação, de revalidação do vínculo. fui como que para afirmar que meu voto não foi dado apenas nos dias de votação, que ele continuava em pleno funcionamento no dia da posse como continuará pelas próximas quatro vezes 365 dias.

assim foi, já, nos quatro anos recém-concluídos. estes foram os momentos mais atentos de toda a minha vida, e é aí que reflito e repito que estou no rito e não estou no oba-oba: nos anos todos do primeiro mandato do "presidente-companheiro", não preguei os olhos nenhum minuto sequer. tomei no coco o soco de cada paulada. prestei atenção apaixonada a cada avanço, a cada tropeço, a cada pequenina revolução, a cada denúncia desvendada pelo noticiário (quase sempre xucro e quase todo "do contra", miseravelmente), a cada bafejo de mudança, a cada pequena mentira desvendada, a cada grande virtude desvelada.

é que, pela primeira vez na minha vida, eu conquistava a experiência da autonomia e da participação, de ver executado em larga escala um projeto político que levava embaixo, pelo instrumento do voto, a minha própria assinatura. era esse o meu laço de comprometimento, que cumpri nos últimos quatro anos e renovo por mais outros quatro, com o novo voto e a nova visita a brasília.

pois, ora, se fui e continuo signatário dessa carta de intenções e de ações, tudo que está aí acontecendo também é reponsabilidade minha, e é esta a experiência inédita que vivo desde as eleições de 2002, quando pela primeira vez na minha vida ajudei a eleger um presidente do brasil: sou co-responsável minúsculo pelo que acontecendo de maiúsculo e pelo que acontece de tenebroso aqui "neste país", e este é o gosto de autonomia que tenho o prazer de sentir na boca pela primeira vez na vida.

porque, sim, eu acompanhei entre jarras de fel cada notícia sobre "lambança", "inépcia" e "mensalão", "caixa 2", "governo mais corrupto da história" etc., que eu não estou de olhos vendados, não. acompanhei tudo, a ponto de entender (ou não entender) "caixa 2" e "mensalão" na medida mesmíssima em que entendo (ou não entendo) "jabaculê", coisa que não haveria como eu não compreender, já que é prática corrente na indústria que cubro (a musical) e na indústria em que trabalho (a jornalística). [na sua indústria deve ser assim também, você já reparou?] se na hora não estivesse sentindo tanta raiva, teria achado graça e dado risada das manifestações de horror moralista que não pararam de jorrar das bocas espumantes de água-benta de muitos de meus mais honrados colegas - ora, mas sendo jornalistas "de peso", será que eles "nunca antes na história deste país" haviam visto um jabaculê, um mensalinho, um mensalão?

haviam, eu sei e você sabe, e tanto é que todos nós sabemos que os (maus) humores e as birras deles não prevaleceram nesta última eleição. e isso também é inédito, tanto quanto a conquista interna (e ainda tããããããão tímida e receosa) da minha pequenina autonomia.

pois eu nem sabia, mas havia uma cláusula em letras minúsculas no termo de compromisso demarcado entre mim e o "meu" (meu?) governo: para poder conquistar a autonomia pelo instrumento de passar a governar o brasil (pelo concurso microcósmico do meu voto), eu teria de desmontar, simultanteamente, toda a relação que havia estabelecido com a minha profissão, com o meu trabalho, com a minha senzala, com a minha indústria. "minha", quando digo, quero dizer "deles", pois não me consta que operário fique dono de edifício só por ter trazido e moldado e soldado o tijolo.

a cláusula era de letrinhas pequeticas, mas, eu não sabia, era cláusula de importância crucial. a partir de sua assinatura, tive de tirar os óculos, as lentes, os tapa-olhos de pirata, as tapaduras laterais de jumento xucro. tive que olhar para mim mesmo e para a engrenagem profissional a que eu pertencia com olhos que antes eu não possuía (ou melhor, que eu possuía, mas mantinha teimosamente fechados, feito fulano picado pela mosca tsé-tsé ou bruxa-princesinha temerosa de quebrar o espelho pelo impacto da própria imagem). foi certamente uma das partes mais sofridas e dolorosas, mas, creia-me, a dor latejava e era ao mesmo tempo doce, suave, depuradora - mudar é extremamente dolorido, só não é mais dolorido do que não mudar, do que conservar, do que ser conservador.

[apenas a título de exemplo do desmanche de relação, menciono a minha saída da até hoje querida "folha de são paulo". tal saída, acho, começou a ser consumada no primeiro dia em que lá pisei (emprego de jornalista "da moda", você sabe, é como emprego de modelo & manequim, de jogador de futebol, de ator & atriz & animador(a) global: se você não quiser se transformar em peça de mobília, seu emprego só tem validade e operância enquanto seu corpinho estiver malhadinho, enquanto as primeiras rugas ainda não estiverem marcando seu rostinho bonito). mas ela, a saída, só foi se concretizar em plena era lula 1, no todo vapor de 2004, poucos meses antes do advento-barravento de roberto jefferson e da reestréia "de gala" do neo-udenismo, do neo-lacerdismo, do neomoralismo em plena sociedade pós-moralista.

o marco definitivo aconteceu uns meses antes de eu lançar meu "como dois e dois são cinco" e de pintar a oportunidade de ir trabalhar na "carta capital", com a qual eu já flertava havia tempos. num mês aí de 2004 que não lembro qual foi, talvez setembro, houve uma leva terrível de demissões na "folha", com o corte numeroso, e aparentemente inédito para nós-operários, de jornalistas em cargos mais "altos", editores e tal. ali nos foi transmitido que o patrão afirmara que vivíamos e viveríamos um período de "travessia do deserto", que tinha lá uma data marcada para terminar. fiz as contas nos dedos e a tal data era, mais ou menos,... 31 de dezembro de 2006! ou seja, a "travessia do deserto" terminaria com o suposto apeamento de lula do poder!, e aconteceria justamente naqueles anos que, cá por dentro, eu tinha certeza de que seriam (já estavam sendo) os mais férteis da minha vida!, aqueles do meu primeiro voto válido e validado!!, os da conquista da minha autonomia!!! a intuição interna gritou que eu já não cabia mais, que aquele não era o meu deserto e que eu não queria viver o deserto dos outros, que eu teria de romper com o meu primeiro e único e mais emocionante e mais adorado emprego, que eu queria ir viver o meu pequenino oásis de (des)ilusão lá fora do cercado. fui.
]

agora, já com olhos novos, fui pingar colírio no lago 2007 do paranoá, nos espelhos d'água 2007 do congresso nacional. fui até lá perder o discurso que o novo presidente velho fez aos excelentíssimos congressistas (porque, do gramado, o povo militante de luiz inácio fica à espera, à deriva, sem ouvidos), e fui até lá ouvir com maus ouvidos (porque os microfones e telões não dialogavam uns com os outros, nem conosco ali na chuva, na rua, na fazenda) o discurso que o marido da presidenta marisa letícia fez do parlatório do palácio do planalto para seu povo militante.

chegando de volta a são paulo, os olhos úmidos de colírio e a cera dos ouvidos derretida pelos banhos de cachoeira e pelos últimos quatro anos de dor & amor, li a íntegra dos dois discursos [olha aqui, olha!], e então voltei a pensar no desmanche da velha relação com minha profissão de jornalista (que, aliás, não é só minha, mas da própria profissão consigo própria, como um todo), que, espero, vem se reconstruindo vagarosamente a partir do desmoronamento, dia após dia.

é claro que não vi na globo ou na "folha" os trechos mais comoventes e impactantes nesses dois discursos, aqueles que me deixaram cheio de vontade de chorar e, mais uma vez, orgulhosíssimo do(s) meu(s) voto(s). acredite, eu torço diariamente, de olhos pregados feito o alex de "laranja mecânica", para que os pontas-de-iceberg de nossa aristocrática (aristocrática?) mídia compreendam com a máxima pressa & urgência o desastroso processo de auto-desmonte que estão protagonizando para si próprios; mas, depois de tanto susto e de tanta pedrada, nem soa mais como surpresa: na operação de autodesmanche coletivo, jornalistas têm agido feito "as mariposa" do sábio (apesar de machista profundo) adoniran barbosa, aquelas que, "quando chega o frio,/ fica dando vorta em vorta da lâmpida pra se esquentar; elas roda, roda, roda e adespois se senta/ em cima dos prato da lâmpida/ pra descansar".

ficam, feito mariposas, girando em torno de um falso sol, um sol chamado ora "risco-país", ora "caixa 2", ora "mensalão", ora "dossiê", ora "juros altos", ora "pib", ora "pac", ora blá, e blá, e blá... as mariposas, senhores jornalistas & editores, morrem esturricadas de teimosas, sem jamais perceber que, não, aquela "lâmpida" não era o sol fornecedor de vitaminas essenciais, mas sim um substituto clandestino, mensaleiro, jabaculista, (a)laranja(do).

pois, cá da minha insignificância, gostaria de destacar outros trechos do discurso de lula aos congressistas, que não os seguidos em efeito-manada pelas mariposa. são trechos que não emitem 100 watts de potência, mas são nutrizes do meu orgulho, da minha felicidade e, creio eu, da felicidade e da fertilidade geral deste brasil novo que nos acorda num cocoricó a cada nova manhã.

disse assim o presidente, por exemplo: "pela primeira vez, a longa jornada de um retirante, que começara, como a de milhões de nordestinos, em cima de um pau-de-arara, terminava, como expressão de um projeto coletivo, na rampa do planalto". um projeto coletivo, um projeto coletivo. ei, vocês que fazem parte desta massa! eu também faço parte desta coletividade, um brinde ao ano-brasil novo!

mais: "governar para todos é meu caminho, mas defender os interesses dos mais pobres é o que nos guia nesta caminhada. se alguns quiseram ver na minha primeira eleição apenas um parêntesis histórico, a reeleição mostrou que um governo que cumpre os seus compromissos obtém a confiança do povo". parêntesis, oásis, travessia do deserto, hiato, istmo? ou um novo e inédito ponto de partida?

e, aqui, as mariposa, olha só as mariposa!: "o brasil não pode continuar como uma fera presa numa rede de aço invisível - debatendo-se, exaurindo-se, sem enxergar a teia que o aprisiona. é preciso desatar alguns nós decisivos para que o país possa usar a força que tem e avançar com toda velocidade". ele fala, entendo eu, de uma sociedade que opta pela imobilidade elegendo a reclamação ranzinza e a fuga chorosa às responsabilidades individuais e coletivas como estratégia de (in)ação, contra uma sociedade que decide fazer, participar, criar e se transfigurar, em vez de atolar no pântano dos queixumes áridos e estéreis e envenenados de preguiça de agir e de mudar.

"é preciso garantir o crescimento de todos, diminuindo desigualdades entre as pessoas e as regiões." desigualdade entre pessoas (alô, pretos, mulheres, homossexuais, ciganos, índios, downs, minoritários em geral!), desigualdade entre regiões (alô, norte & nordeste & centro-oeste!), cê tá entendendo?? aqui vamos chegando ao cerne, ao sol de magma (e não de tungstênio), que é o que vem deixando à beira de um ataque de nervos um sem-número de mimados sinhozinhos & sinhazinhas da velha casa-grande (& senzala). se antes vinha tudo de mão beijada & do bom & do melhor para os paulistas-cariocas-sulistas heterossexuais brancos ricos & riquinhos e que tudo mais fosse para o inferno, o que restaria a eles fazer agora, a não ser se portarem feito moleques pirracentos diante da perda não do benefício nem do privilégio, mas meramente da exclusividade autoritária? restaria deixar de manha e vir participar, não é mesmo?, será que um dia eles (que também são minoria, pelo menos numérica) finalmente virão?

e então mais adentro ainda, ao cerne, à questão da educação: "reitero que a educação de qualidade será prioridade de meu governo. mais do que a qualificação para o mundo do trabalho, a educação é um instrumento de libertação, que o acesso à cultura propicia. ela dá conteúdo à cidadania formal de homens e mulheres. um país cresce quando é capaz de absorver conhecimentos. mas se torna forte, de verdade, quando é capaz de produzir conhecimento". produzir conhecimento, está ouvindo?, produzir conhecimento! quem está dizendo isso não é o homem-lula, é o homem-símbolo coletivo, operário periférico, flagelado, favelado, empregada doméstica, o cara sem diploma que veio num ita do norte, a doméstica que foi trabalhar recomendada pra dois gringos, o matuto que deixou seu cariri no último pau-de-arara, no dia em que ele veio embora. não é o príncipe, é o sapo.

pois ele (nós) vai (vamos) além: "quero reafirmar, neste dia tão importante, que o meu sonho é ajudar a transformar o brasil no país mais democrático do mundo no acesso à universidade. para isso contribuirão as novas universidades e extensões universitárias e as escolas técnicas em todas as cidades pólo do país. para isso contribuirá também a expansão das bolsas do prouni. este foi sempre o nosso propósito: democratizar não só a renda, mas também o conhecimento e o poder". e, agora, atenção redobrada, por favor, tu que costuma fazer ouvidos moucos quando te falamos de rap, cordel, antônia, estamira, ceguinhas de campina grande, unk carioca e tecnobrega paraense!!!!: "o brasil assistirá dentro de dez ou quinze anos o surgimento de uma nova geração de intelectuais, cientistas, técnicos e artistas originários das camadas pobres da população". intelectuais!, cientistas!, técnicos!, artistas!, e eu vou estar aqui para testemunhar isto!!!!, aliás, eu já estou testemunhando, apaixonadamente [e posso, inclusive, me considerar um deles todos, cá com minha origem tímida, meu pai dono de casa lotérica, minha mãe dona-de-casa, minha família toda maringaense, pois não?!]!!!!

"nossa política externa - motivo de orgulho pelos excelentes resultados que trouxe para a nação - foi marcada por uma clara opção pelo multilateralismo, necessário para lograr um mundo de paz e de solidariedade. essa opção nos permitiu manter excelentes relações políticas, econômicas e comerciais com as grandes potências mundiais e, ao mesmo tempo, priorizar os laços com o sul do mundo." mora?, o sul do mundo é o cu do mundo, somos nós(e nem pense em se excluir, só porque você vive porventura num palacete nas vizinhanças da daslu ou num condomínio trancafiado às margens marginais dos rios assassinados de pinheiros e tietê, que o excelentíssimo sr. governador josé serra irá despoluir completamente, se é que pretende mesmo abandonar o discurso neo-udenista-neo-moralista de que ainda não desistiu e passar a fazer o "governo de esquerda" que dizem que prometeu): nós, locos-por-ti,-américa, os "pobres". "estamos mais próximos da áfrica -um dos berços da civilização brasileira. fizemos do entorno sul-americano o centro de nossa política externa. o brasil associa seu destino econômico, político e social ao do continente, ao mercosul e à comunidade sul-americana de nações." a bênção, mãe áfrica, a senhora somos todos nós!

pois, olhe, as mariposas podem até ter espasmos de fúria ao ouvir falar em chávez, evo, lula, haitianos, africanos & cia., mas é simplesmente porque este eixão sul-sul é o mesmo que trará para cá a nova geração de intelectuais-cientistas-artistas de que lula falou: é o eixo que conversa de igual para igual, entre iguais, se olhando no espelho, e não olhando para baixo (como fazem nossos patrões do norte e dos andares aqui de cima) ou olhando cabisbaixos (como fazemos nós-operários do dia-a-dia). sem intermediários, sem atravessadores, sem jabaculês, sem agentes laranja (mecânica), sem caixa 2.

"é tempo do nascimento de um novo humanismo, fundado nos valores universais da democracia, da tolerância e da solidariedade. o brasil tem muito o que contribuir neste debate. colocamos o respeito aos direitos humanos no centro de nossas preocupações. ampliamos políticas públicas nesta direção e criamos instituições de estado fortes e capazes de garantir que este país combaterá de maneira decidida e permanente todas as formas de discriminação de gênero, raça, orientação sexual e faixa etária." tá, as mariposa dirão que é blablablá, demagogia, aqueles impropérios de sempre das manadas-de-gnus (os "reis" estão gnus?). mas eu, não, eu acho que este é o cerne, o que já está nos diferenciando de tudo que conhecíamos e nos diferenciará mais e mais (& melhor) daqui por diante.

[pode ser que eu incorra em erro agora, mas alguma vez você já ouviu o presidente de algum país se pronunciar, num golpe só, contra discriminação de gênero, raça, orientação sexual e faixa etária? eu nunca ouvi, e quase desmaiei ao ler no discurso de lula-glauber-luizgonzaga-lampião essa afirmação. e não é que votei, me comprometi, renovei o compromisso, procuro atuar 24 horas por dia e, pronto!, me sinto plenamente representado?!

me sinto, mas ainda me pergunto, aflito: que pessoa poderá se colocar em contrário a que os negros freqüentem como consumidores o shopping higienópolis (como já os vejo fazendo, cada vez mais)?, a que minha mãe ganhe seu próprio dinheiro confeccionando seus tapetes lá em maringá?, a que nordestinos edificadores do brasil "rico" não sejam tratados como sub-humanos?, a que gentes de todas as sexualidades possam exercer livre e abertamente seus modos de ser? hitler, e quem mais?
]

"por isso cresce a participação das mulheres na vida econômica, social e política do país. cada vez mais, os negros ocupam o lugar que lhes é devido em um Brasil democrático. assim como os povos indígenas, que reconquistam e consolidam a sua dignidade histórica", cê tá entendendo por que sinhozinho fica nervoso encarcerado lá no palacete? como vai ser no dia em que ele tocar o sinete e não vier mais jarbas, nem maria das dores, nem raimundo, nem sebastiana, nem arnaldo jabor, nem clovis rossi?

"nosso país pode ser uma voz e um exemplo autêntico e poderoso para o mundo na questão da diversidade. pode ajudar a mostrar que neste planeta desigual, é possível avançar no sentido do entendimento, quando os interesses dos diferentes e, sobretudo, dos excluídos passam a integrar efetivamente a agenda nacional." entendimento, tolerância, solidariedade, quem há de não desejar?, e por quê?

"a vontade de mudança - que esteve reprimida por décadas, séculos - expressou-se pacificamente, democraticamente e esta manifestação contribuiu de modo notável para o fortalecimento das instituições", e "o caminho da política exige paciência, concessões mútuas, compreensão do outro. exige que sejamos capazes de levar ao extremo a prática da escuta. pois só assim é possível sintonizar e harmonizar interesses". as mariposa podem achar que é blablablá (ou ir girar em torno de outras lâmpidas), mas "mudança", "desrepressão", "pacifismo", "democracia", "fortalecimento", "paciência", "concessões" (mútuas!, concessões mútuas!), "compreensão do outro", "prática da escuta", "sintonia", "harmonia", quem há de não desejar?, e por quê? as mariposa podem garantir que é lengo-lengo, mas para mim é o cerne, a medula, o tutano. eu poderia, tranqüilamente, fazer dessas as minhas potenciais palavras-de-ordem para o resto inteiro da vida. você não poderia?

taí, acho que era isso o que eu queria dizer, para conseguir voltar à carga, trocar de ano, retomar e recomeçar o blog e a vida. faltava esse texto como acerto de contas com tanta unha roída nos últimos anos, estava difícil de conseguir concretizá-lo. mas, taí, tão longe & tão perto, tão igual & diferente de sempre - pois, parodiando o presidente (e, de quebra, também a minha querida márcia), eu também quero, de 2007 em diante, continuar 100% igual & ficar 100% diferente.

vai daí que este fim de ano foi tão igual a e tão diferente de tantos que já passaram, e que foi atravessado naqueles gramadões que, não, ainda não são verdadeiramente democráticos [será que um dia serão, a bordo dos sonhos tortuosos do (não) cigano kubitschek, do (não) alienígena niemeyer, do (não) cangaceiro lula e da multidão (não) anônima por trás deles?].

vai daí que termino este depoimento com imagens, daquelas que, sem falar, falam mais que as 1001 palavras que acabei de tentar encadear. primeiro, um decalque da exposição que vi num pavilhão no gramadão, em frente à catedral de brasília, de flagrantes do fotógrafo oficial da presidência, ricardo stuckert. elas reaparecem aqui re-fotografadas à mão, toscamente, não para copiar ou samplear, mas simplesmente para demonstrar como as imagens que correspondem aos discursos do presidente tampouco são difundidas pela mídia das mariposa, que vai assim mais e mais se tornando mentirosa por omissão, se não mentirosa por outros motivos mais (poxa, dona imprensa, é como disse o cara lá da globo..., cê acha que ningém tá vendo o que a senhora tá omitindo, que ninguém tá reparando no que a senhora tá escondendo, que ninguém tá entendendo o que a senhora não quer traduzir???).







e, por fim, umas poucas tiradas de punho próprio, da (pequena) multidão (quase) discreta e (completamente) pacífica do primeiro dia do ano, em cenas que, poucas, denotam nelas mesmas um mundão de solidariedade, rebeldia, tenda cigana, circo, feira, aquilo tudo mesmo que tantas palavras tentam traduzir - enfim, o brasilzão que temos hoje em mãos e que conosco se esforça, aos trancos e barrancos, por seguir cursando a grande faculdade do progresso e da inclusão. vambora!





feliz ano velho, feliz ano novo!