segunda-feira, setembro 26, 2005

brasileiros, estrangeiros

na "carta capital" 358, de 7 de setembro, dia da pátria, o tema era um dilema que deve ter, assim, uns 505 anos de idade: ser ou não ser... brasileiros?

o motivador central do movimento foi seu jorge, músico brasileiro e ator mundial pós-mundano, ator nativo de "cidade de deus" e tradutor da glitter music de david bowie para o português em farofa gringo-carioca, esse mesmo que olha triste na foto aqui abaixo, extraída do ultra-sarcástico filme transglobal, hollywoodiano do b, "life aquatic with steve zissou", "a vida marinha com steve zissou", de wes anderson.


[(quase) nada a ver, mas mark mothersbaugh, da banda new wave devo, é, ao lado de seu jorge, o outro confeiteiro maluco da trilha ultrapop do filme emocionadamente pop de wes anderson. sensacional.]

está aberto o debate, quer meter a colher?

[no setor de bônus, ponto d'ônibus, ao final do texto, depoimentos a mais dos personagens que participaram da reportagem. fala, brasil!]

BRASILEIROS, ESTRANGEIROS
Seu Jorge lidera o bloco dos artistas mais admirados lá fora que na terra natal

Por Pedro Alexandre Sanches

Já vai longe o tempo em que um artista brasileiro precisava se esconder por trás de uma falsa identidade estrangeira para conseguir fama e sucesso, como aconteceu em 1973 com um sujeito chamado Morris Albert, tornado ídolo multinacional com uma triste canção batizada Feelings, mas lançada a partir do então longínquo Brasil. Seu Jorge, um dos artistas pop brasileiros que hoje gozam de maior visibilidade lá fora, é o oposto simétrico: soma conquistas sucessivas justamente por parecer muito, muito brasileiro.

Após a estréia local com o grupo Farofa Carioca e impulsionado pelo estouro no cinema como ator de Cidade de Deus, Seu Jorge pôs o pé na estrada e coleciona, entre seus feitos, um filme em Hollywood (A Vida Marinha com Steve Zissou) e um CD poliglota pelo logotipo francês Favela Chic (Cru, editado agora no Brasil, com um ano de atraso).

Hoje, a frase "o Brasil está na moda" se tornou corrente e faz do músico carioca o ponta-de-lança de uma legião crescente de brasileiros que se espalham pelo planeta sob a tarja orgulhosa de "artistas do mundo" que cantam em português e preservam farto sotaque musical brasileiro. Mas a boa aceitação, centralizada no triângulo EUA-Europa-Japão, não raro implica uma relação conflituosa entre os artistas e suas origens e raízes.

Seu Jorge, por exemplo, resistiu em permitir o lançamento nacional de Cru, porque temia não ser compreendido na terra natal. Não estava de todo errado: o disco divide opiniões e causa reações mal-humoradas de críticos conterrâneos de Seu Jorge.

As versões misturadas de português, inglês, francês, espanhol e italiano que ele tem divulgado, homenageando e subvertendo ícones como Elvis Presley, Serge Gainsbourg e David Bowie, afastam-no do caso Morris Albert, que desde 1987 se viu obrigado a dividir os direitos autorais de seu único sucesso ultramarino com o compositor francês Louis Gaste, que obteve da Justiça o atestado de que Feelings era um plágio.

Mas isso não impede que Seu Jorge se veja às voltas com outro mito, que remete ao caso pioneiro de Carmen Miranda, portuguesa criada no Rio de Janeiro que "perdeu" votos de simpatia na pátria de adoção ao ir cantar louvores e à Bahia nas telas de Hollywood.

Ele discorre sobre as delícias e dúvidas de ancorar sua carreira lá fora e virar, como se define, "um brasileiro no mundo inteiro": "Isso me traz diversas vantagens, como poder estar situado melhor com o mundo e a música do mundo, me sentir mais universal que territorial. A maior vantagem é ver que, no começo da minha carreira, tenho a oportunidade de lidar com um mundo mais aberto para o que faço hoje. Mas ainda é um começo, não estou certo sobre onde isso tudo vai dar".

Fica implícita a dualidade entre "um mundo mais aberto" e um Brasil presumivelmente mais fechado que não assimilou sua virada do marginalizado que chegou a morar na rua para o habilidoso cantor e compositor do CD solo de samba e funk e soul Samba Esporte Fino (2001).

Se Carmen Miranda inaugurou o nomadismo musical brasileiro, a identidade original cindida se consolidou com o advento da bossa nova, que fez de Tom Jobim e João Gilberto os mais respeitados músicos mundiais nascidos no Brasil. A bossa produziu verdadeira diáspora de seus integrantes, construída na encruzilhada entre o fascínio estrangeiro pela invenção do "jazz brasileiro" e o estrangulamento patrocinado, aqui dentro, pela ditadura militar.

Sergio Mendes, Astrud Gilberto, Eumir Deodato, Walter Wanderley, Airto Moreira e Flora Purim verteram a bossa nova para o idioma inglês e se foram para nunca mais voltar. Entre bossanovistas que preferiram continuar aqui, como Marcos Valle e Joyce, um novo surto de reconhecimento não-brasileiro cresceu nos anos 90, quando foram redescobertos por jovens músicos e DJs ingleses. Ambos têm gravado seus discos lá fora e distribuído aqui, com atraso, por selos independentes.

"Em 1993, me vi num clube com 2 mil ingleses de 18 a 25 anos dançando minha música acústica. Descobri fãs no rock independente americano, em bandas como Superchunk e Stereolab, que dizem que se identificam comigo porque sou crua, gravo de modo artesanal, sem ranços de produção", estranha Joyce.

Valle, prestigiado nesses mesmos circuitos, parece atribuir a revalorização também ao flerte constante, em sua música, da bossa branca com a negritude de soul e funk. "A música brasileira tem um frescor, uma sensualidade que não vejo muito lá fora, a não ser entre os negros americanos, que gostam muito da nossa música", diz, estabelecendo talvez um laço entre marginalizados pela cor da pele e pela nacionalidade.

Outro cruzamento de referências levou Bebel Gilberto ao estrelato forasteiro após duas décadas de tentativas vãs, quando a filha de João Gilberto resolveu imiscuir referenciais eletrônicos na velha bossa nova.

No terreno da música eletrônica contemporânea propriamente dita, o chamado drum’n’bass foi a primeiro plano na cena européia portando identidade em parte brasileira, graças aos paulistanos da periferia Marky e Patife, que embaralharam mais fichas ao incorporar o calor de sambas de Jorge Ben, por exemplo, a suas batidas secas e quebradas.

Marky se refere de passagem a um problema de fundo, que não costuma habitar a fala dos brasileiros do mundo: a necessidade de recibo primeiro-mundista que nos legitime diante de nós mesmos, possivelmente a bordo de algum conflito de inferioridade. "A partir do momento que passei a ser reconhecido na Europa, a crítica brasileira passou a encarar o drum’n’bass de outra forma", alfineta.

Um exemplo recém-ocorrido é o da anárquica banda punk/new wave paulistana Cansei de Ser Sexy, que alvoroçou formadores locais de opinião após merecer elogios rasgados no semanário inglês Observer. "Eles podem ser a maior banda de todos os tempos a emergir da América do Sul", exagerou o crítico Peter Culshaw, depois de viajar para cá a convite da gravadora da banda, a Trama. Mas ele não elegeu apenas a garotada paulistana para celebrar o Brasil – seu artigo também extravasou paixão por cenas geralmente ignoradas pela mídia daqui, como o tecnobrega do Pará, o "samba satânico" de Brasília e o funk dos morros cariocas.

Esse último gênero é outro foco profícuo de conflitos. Tido aqui como música de qualidade duvidosa, o funk carioca já foi sampleado por músicos norte-americanos e goza de prestígio crescente nos circuitos modernos europeus – novamente, em parte por causa de brasileiros radicados lá fora. O duo experimental Tetine foi reencontrar em Londres um vínculo com a música brasileira em português, por intermédio da identificação estética e ideológica com o funk carioca.

Eliete Mejorado, uma das metades do Tetine, explora as dualidades: "Sempre me senti estrangeira em vários lugares. Aqui no Brasil me sentia também, e confesso que ainda me sinto em várias situações. Acho que somos brasileiros atípicos na Inglaterra, no sentido de não jogarmos o jogo comercial que querem dos brasileiros, com samba, bossa, violãozinho. Não correspondemos a essa imagem, mesmo estando ligados ao funk carioca. Fico um pouco de saco cheio de ver brasileiro fazendo esse jogo que o gringo quer para ganhar um pouco da raspa da panela, tipo 'olhem para a gente, estamos prontos para representar o país'. Acho tudo pura subserviência, misturada com falta de personalidade".

Para Joyce, que considera "sofrida" a vida de brasileiros que optam por viver estrangeiros, o cisma entre o Brasil que o Brasil vê e o que é captado pelo resto do mundo tem raízes mais fundas: "O país todo poderia ser diferente. Olha o que se ouve no Brasil nos últimos 20 anos e o que minha geração ouviu. Se não se dá informação às pessoas, não se formam novos músicos, nem ouvintes. É igualzinho aos caras do futebol. Quando aparece um Robinho, é logo empurrado para fora".

Mas, se há o descaso do Brasil com seus valores, a recíproca há de ser verdadeira, não? Quem dá testemunho nesse sentido é o jovem DJ Patife, que admite que só foi conhecer o som de Marcos Valle e Joyce em Londres e, sem querer, acaba fazendo um nexo com a armadilha que espreita jovens como os Cansei de Ser Sexy.

"Faltou até certo ponto eu ir atrás, me interessar pela música brasileira. Fui ensinado que o que existe no Brasil não presta, que só presta o que vem de fora. Um dia, estava vendo tevê e vi Wanessa Camargo falando exatamente isso. Quase caí do sofá, pensei 'caraca, é o mesmo pensamento, ela é igual a mim!'", surpreende-se e nos surpreende esse Morris Albert às avessas que é herói mundial do drum’n’Brasil.

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seu jorge *

vantagens de ser "estrangeiro"
"ainda é um começo, eu não estou certo onde isso tudo vai dar. o que é certo é que foi a melhor maneira que eu encontrei de me comunicar de um modo saudável com o maior número de pessoas. é sempre uma surpresa para mim e para o público, e tudo tem corrido bem."

desvantagens de ser "estrangeiro"
"nada, não perdi nada, só ganhei."

hesitou em lançar "cru" no brasil?
"sim, é verdade, pois o público brasileiro, após 'samba esporte fino', tinha uma outra expectativa em relação ao novo trabalho do seu jorge, talvez esperando um 'samba esporte fino 2'."

* dá pra perceber que ele respondeu por e-mail, rapidão, meio sem tempo? desvantagens de ser "cidadão do mundo"?...
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marky

âncoras
"discordo que minha carreira seja ancorada lá fora. acho que ela foi fundada por lá. até porque sempre dividi meu tempo entre lá e aqui. a grande vantagem é que existe uma sinergia muito grande entre o que toco e escuto por lá e o que eu toco e escuto por aqui. são opostos que se complementam."

desvantagens do nomadismo?
"perco festas fantátiscas lá e um pouco do cotidiano com a familia aqui. a maior parte da minha carreira é administrada por aqui mesmo, e perco um pouco a oportunidade de conduzir tudo da minha forma (o que às vezes é até melhor). não sei se há uma perda. há uma troca. uma coisa que eu perco normalente e lamento muito são as festas de aniversários dos amigos e da familia. isso é bem chato."

brasileiro, estrangeiro?
"sou um brasileiro no exterior que se sente absolutamente em casa por causa dos
amigos, do trabalho e por causa da freqüência quase que homogênea com que fico por lá e por aqui."
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patife

brasil versus exterior
"desde que tudo isso começou, fico fora do início de março ao fim de abril, do fim de maio ao meio de agosto e do final de outubro ao início de janeiro. lá, minha base é londres, tenho casa em que alugo um quarto, onde tenho roupa, toca-disco. mas, estando lá, é comum eu tocar quinta na alemanha, sexta na iugoslávia, sábado em portugal. já me acostumei com esse ritmo, quando fica tudo calmo vejo um avião passando e já fico com saudade. sou bem sem rumo, desde pequeno estou sempre caminhando, sempre andando. sinto saudade é do sol, da comida."

vantagens de ser "nômade"
"o sabor do reconhecimento é muito bom. a vida financeira melhorou, comprei uma casa que estou pagando à prestação. mas sou o famoso mão-aberta, hoje mesmo minha conta está negativa."

desvantagens de não ser "sedentário"
"sinto falta de ter uma rotina, uma agenda montada. não tenho namorada, não me apaixono por ninguém. sinto falta de visitar minha avó, bater perna nas grandes galerias. também há um certo preconceito por eu ser da américa do sul. nos aeroportos, principalmente da frança, itália e alemanha, sou sempre parado, revistado, perguntam direto se estou levando cocaína. perguntam sobre marijuana, não sei se é porque já chego pensando naquilo. fico quieto, deixo o cara me revistar dos pés à cabeça. tenho visto de residente, em londres me sinto em são paulo. me sinto estrangeiro mesmo é em países a que nunca fui. a primeira vez nos eua, nossa, foi esquisita."

brasil versus mundo
"acho que aqui ainda existe muita resistência ao que é novo. aqui neguinho sempre vê tudo pelo lado negativo. os alemães são incríveis para o experimentalismo, para nossas coisas. lá tudo é muito misturado, as pessoas estão abertas para a novidade."

música brasileira, música do mundo
"fui conhecer música brasileira lá fora, aqui eu só ouvia música internacional. faltou até certo ponto eu ir atrás, me interessar. o leque se abriu quando fui produzir. essa maior valorização de agora começou muito com lula, ele nos influenciou a dar maior valor para o que é feito aqui."

rejeição doméstica
"vi zezé di camargo dando uma entrevista na tevê cultura e dizendo: 'o negócio é o seguinte, os críticos, jornalistas e apresentadores recebem meu disco de graça, vão ao meu show de graça, não gostam da minha música e falam mal dela. o que eu posso fazer se eles falarem mal?'. existe isso também, mas eu não posso reclamar, em geral sou bem tratado pela imprensa."

extra! bônus do bônus: o novo disco
"será o primeiro todo idealizado, arranjado e produzido por mim. tem participações de trio mocotó, max viana, laura finocchiaro, um grupo afro da bahia. vai mostrar ainda mais minha mistura. fiz uma versão de 'overjoyed', de stevie wonder, uma de 'que pena' (de jorge ben) com wilson simoninha cantando. o trio mocotó canta 'que é isso, menina', uma música de um grupo dos anos 60 chamado the pop's."
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bruno verner (tetine)

vantagens da "ciganidade"
bruno verner: "a maior vantagem foi expandir o nosso universo de maneira mais eficaz como grupo, digo, fazendo o que a gente tava a fim... foi um pouco como tirar o próprio tapete... queríamos tocar em outros paises, nos envolver com outra culturas, mostrar o tetine do jeito que fazíamos aqui sem necessariamente ter que corresponder as expectativas que as pessoas têm do brasil, ver e sentir as diferenças em outros contextos, testar um monte de coisas novas, quebrar a cara e nos misturar mesmo. e foi isso que a gente fez quando decidimos permanecer na inglaterra depois dos primeiros 9 meses que passamos lá pra fazer residência na queen mary. achávamos que se voltássemos naquele momento, talvez o tetine se perdesse, digo, não tivesse para onde ir... artisticamente, a mudança de país foi muito importante. como artistas, continuamos a trabalhar de modo independente, mas de maneira mais profissional. pela primeira vez entendíamos que era possível ter espaço para um grupo como o tetine, que existia a possibilidade de continuarmos tendo independência em relação a nossa música sem ter que entrar no esquemão e ainda existir dignamente como grupo. essa noção a gente só teve mesmo quando fizemos o 'samba de monalisa' com sophie calle, que foi uma experiência incrível. para a gente ficava claro que dava pra se envolver mais com as artes do jeito que sempre imaginava e ainda ter como viabilizar discos mais experimentais e conceituais. eu me lembro em 98, essas coisas pra gente eram muito complicadas de fazer aqui. apesar de eu achar que de alguma maneira a gente já fazia, principalmente a conexão toda com as artes e com o lado mais experimental do tetine. só não tínhamos era boa distribuição, vários lugares pra tocar ou galerias que estivessem interessadas nas paradas entre som e imagem etc. ainda não rolava nada disso, não existiam os festivais de hoje. mas a gente agia como se fosse tudo muito normal... o que era legal por um lado porque tinha muita ingenuidade e vontade de fazer mesmo, mas também era muito frustrante porque chegava uma hora que você não tinha mais pra onde ir. talvez ficássemos para o resto da vida dando murro em ponta de faca."

"a percepção que você tem do seu país quando esta vivendo em uma outra cultura fica aguçadissima. moramos numa área extremamente multicultural de londres, na parte leste da cidade, de onde vem toda a cena do grime, com os negões de carro, e os ghettoblasters, e tal. ao mesmo tempo é onde vivem os artistas e a comunidade asiática mulçumana. nos acostumamos a nos movimentar dentro dessa área e acho que isso acaba influenciando no modo de ver as coisas."

perdas & danos
"uma coisa legal no tetine foi que não perdemos o contato com o brasil. nunca quisemos perder o contato. lançamos a maioria dos nosso discos aqui e meio que continuamos a nossa história mesmo estando longe. sinto que nosso público acompanhou tudo isso. também acho que a [gravadora] bizarre foi importante lançando nossos discos aqui, a gente vindo sempre tocar, continuando de maneira quase caseira mesmo. em termos de perda, acho que é uma coisa mais emocional que você tem com os lugares e pessoas. as perdas são as relações mais diretas com as pessoas, os amigos."
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eliete mejorado (tetine)

brasileiros, estrangeiros?

"na inglaterra também sou estrangeira, e isso significa várias coisas. sou estrangeira em status, como brasileira, e estrangeira metaforicamente também. por um lado você tem a possibilidade de olhar as coisas de fora com distanciamento. do mesmo modo, o seu senso crítico, político e artístico fica aguçadíssimo, o que na minha opinião é uma coisa positiva."

fariam funk carioca se não tivessem saído daqui?
"é difícil responder isso, não dá para prever. mas no fundo acho que acabaríamos caindo no funk carioca, sim. o funk tem a ver com o tetine de um monte de jeitos, o funk é que nem eu, não tem vergonha na cara. diz o que diz porque precisa, é urgente. é direto, é político. a nossa identificação com o funk veio pela bateria eletrônica, pelo tamborzão e pela relação com o electro e o miami bass. pelas meninas com toda aquela atitude, pelo sexo e pela falta de pretensão que faz do funk um tipo de música extremamente sofisticada. os artistas de funk ainda não são totalmente digeridos, apesar da classe média consumir. se você analisar bem, ainda hoje vai encontrar gente dançando, mas não levando o funk em consideração como
música. falo isso porque ainda hoje vejo pessoas me perguntando se é realmente sério esse nosso envolvimento com o funk. as pessoas ainda resistem muito e não têm muita opinião formada sobre o funk como musica eletrônica de qualidade. o funk ainda circula independentemente dos grandes veículos, mesmo com a globo, novelas etc."

m.i.a. versus deize tigrona
"eu acho ótimo o fato de m.i.a. usar um sample do funk na música dela. o funk também faz isso. e viva o sampler, e viva a mistura! isso é o que eu mais gosto. o problema é o modo como o brasil digere isso. outro dia fui à fnac aqui em são paulo e tocava a música que a m.i.a. sampleou da deize tigrona. estava tipo num loop sem parar, para vender o disco dela. e quando começou a introdução eu falei 'que maravilhoso, o brasil já toca funk até nas lojas!'. mas era a versão dela. aí fui até o vendedor perguntar se ele tinha musica da deize ou outros cds de funk na loja. ele me olhou estranho e disse assim: 'só no camelô, dona'. o brasil é o único país que importa seu próprio produto. o brasil precisa de importação para dar valor. o que vem de fora vale mais porque custa mais caro. será? isso é o que me pergunto. se o dj daqui que gosta de britpop for para londres você acha que ele vai tocar suede fácil lá no clube da moda? nunca, nem que o mundo caia sobre mim! desses eu conheço um monte. no entanto, aqui convidam djs internacionais para tocar funk carioca, para legitimizar o estilo como música eletrônica para a classe média! jesus!, como diria tati quebra-barraco. lick my favela!"
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marcos valle

no brasil
"moro aqui mesmo, por causa dos filhos, e tenho prazer de gravar e lançar aqui. os três últimos discos saíram por gravadora européia, mas gravo aqui, como se fosse para o brasiol, com músicos daqui e todo um clima brasileiro. passo muito mais tempo aqui, em geral faço duas turnês européias por ano, uma ou duas no japão, os festivais de verão, para 6.000 pessoas por show. em geral são quatro meses fora, o resto aqui."

no mundo
"a primeira vez que fui foi nos anos 60, gravei dois discos lá. sergio mendes queria muito que eu ficasse, mas eu não agüentei. era uma coisa muito profissional, de terno e gravata, essa não é a minha cabeça. eu não tinha essa coisa do sergio mendes, de objetivos comerciais, de mercado. eu não planejava, a coisa estourava e eu ia atrás. se eu planejava, não dava certo. a bossa nova não tinha muito esse lado comercial, a gente não sabia muito disso. tudo era feito mais para impressionar a nós mesmos."

saudade
"quando tive saudade, a música que eu fiz longe foi 'viola enluarada' (1968). meus discos mais recentes são mais de samba que de bossa nova, minha tendência é cada vez trazer mais para perto do brasil. tenho também essa coisa com o baião, antes de samba a música que eu gostava era o baião. comecei ouvindo luiz gonzaga e jackson do pandeiro, fui tocar acordeom por causa deles."

discos lá fora, discos aqui
"eles querem que demore mesmo para ser lançado aqui, porque têm medo da exportação daqui para lá, por preços mais interessantes."
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joyce

no mundo
"eu sou a retardada da bossa nova, a mais nova dos mais velhos. nunca morei fora, o máximo que passei foi seis meses em nova york. comecei a tocar mais lá fora no meio dos 80, no começo foi uma surpresa. o disco que detonou foi 'feminina', que tinha 'clareana', mas também várias músicas mais rítmicas. primeiro chegaram os aficionados por mpb, o pessoal do jazz, fiz três discos pela verve a partir de 1990. minha associação com a bossa nova é maior aqui, lá chamam de 'hard bossa'. nunca fiz nada com música eletrônica, mas começou a aparecer uma garotada esperta, interessada, conhecedora de música. tudo foi se intensificando, inclusive o dinheiro (ri)."

os jovens
"lá fora há esse apelo dançante, e é a garotada do piercing e do cabelo roxo que gosta. é um crossover maluco, porque é uma cena de formadores de opinião. foi para mim que pediram primeiro os contatos de marcos valle e edu lobo. o que falei que ia rolar foi o que rolou mesmo: um adorou e o outro não quis, ficou grilado com a idéia de dançarem a música dele."

brasil versus mundo
"entre os dois públicos há uma diferença de percepção, de faixa etária, de compreensão da música. lembro sempre uma frase do hemingway, que dizia que as pessoas gostavam dele pelos motivos errados. não vou dizer 'errados', mas inusitados. a frança gosta muito do 'exotique', a inglaterra não, lá quando gostam mergulham de cabeça, a fundo. o japão tem espaço para a música brasileira, mas na verdade tem espaço parta todo tipo de música, tem cena de tango, é um público muito aberto. aqui há coisas espetaculares, mas o brasil não conhece o brasil, como escreveu aldir blanc. minha história é antes e depois de londres. se radicar lá fora é muito sofrido, as pessoas ficam muito saudosas, não é fácil. eu consegui o melhor dos dois mundos, viajo omundo inteiro, não só no circuito helena rubinstein. canto na estônia, na eslovênia, na macedônia. na questão do disco, tenho uma vantagem que é de não depender do mercado brasileiro para sobreviver. isso não tem preço. faço como quero. se dependesse do mercado daqui estaria regravando 'clareana' até hoje. aqui todo mundo só quer apostar no conhecido. criticam artistas por ficarem só se regravando, mas muitas vezes o cara tem um monte de coisa guardada e o mercado só quer regravação."

quinta-feira, setembro 22, 2005

(des)prepare o seu coração...

ah, os festivais, esse ranço tão fora de moda cheio de teia de aranha, que ninguém agüenta mais nem levar em consideração... abaixo os festivais!, retornem às tumbas os festivais!

no entanto, olha que coisa esquisita, o tamanho e o volume do qüiproqüó que o festival de música brasileira da tv cultura provocou por aí, inclusive aqui mesmo na janelinha vermelha deste blog (onde já emiti várias de minhas posições pessoais sobre o assunto).

será que, apupos à parte, o festival tá na moda?

sei lá, mas, mesmo achando achando, eu também, tudo morno e desanimado a princípio, fui me surpreendendo ao ouvir músicas novas e, mais ainda, ao notar que fui gostando de algumas músicas, e que várias delas foram ficando pelo caminho, para meu desgosto desconfiado da caretice do festival todo.

essa dinâmica de felicidades & frustrações pequeninas, aprendi, ia tornando a participação num treco desses um exercício constante de composição de vitórias & derrotas, todas elas irmanadas na fogueira das paixões (ou, como pareciam correr as coisas nas primeiras eliminatórias, na geleira da ausência de paixões).

tentei classificar - e perdi -, entre outras, canções de que gostava, como "misturada", "guri de acampamento" (primeira eliminatória), "brincante", "caminhos do coração" (terceira eliminatória), "romance pós-moderno", "contrapeso", "busca" (quarta eliminatória), "hotel maravilhoso", "sai da cruz" (primeira semifinal)... vi ficarem pelo caminho músicas favoritas ("hotel maravilhoso"), intérpretes especiais (marina machado, giana viscardi)... ajudei a desclassificar - e em parte me arrependi - outras, como "pega no ar" (segunda eliminatória), de roberto oliveira, paranaense conterrâneo meu, e "guri de acampamento", lá do extremo sul semi-uruguaio (segunda semifinal).

ah, isso me lembra de hermelino neder, companheiro de júri até o final, que defendia fervorosamente "guri de acampamento" e escreveu belamente sobre isso (e sobre outras questões mais) em sua coluna no uol/folha online (ei, hermelino, "pacífico" foi um adjetivo inédito para mim!, adorei!).

[a propósito, a coluna do hermelino leva o sensacional nome de "diário de depressão e fama": segundo sua hipótese, ambas são condições bem mais próximas uma da outra do que imaginamos ao acreditar, iludidos, que os "famosos" vivem num mar de luxos ininterruptos & felicidades contínuas; a fama É a depressão?, perguntaria eu, já querendo concordar com o prezado vanguardista paulistano.]

mas, então, chegamos à final, quando votei em "contabilidade" para o primeiro lugar. em "achou!" para o segundo lugar. em "lama" para o terceiro lugar. em "achou!" para melhor intérprete (alô, ceumar!, cê tá aqui?! lembra quando você dizia que não lambe tanto assim as botas de elis regina lá no jornal em que eu trabalhava? foi assustador, de início, mas até que os efeitos vêm sendo positivos e promissores, né?). em "contabilidade" para melhor arranjo e letra. pronto, tá declarado e redeclarado.

alguns (muitos) pontos permanecem polêmicos e controversos - e deverão permanecer, ou então incitarão outros mais, enquanto continuarmos debatendo. se, por enquanto, o debate ainda tá bão, é porque não esgotou, certo? então, foi pensando nisso que saí em busca de mr. solano ribeiro, diretor de festivais de mpb desde "alegria, alegria", "roda viva", "domingo no parque" e "ponteio" até "contabilidade", "achou!" e "girando na renda". propus um questionário a ser respondido por e-mail, ele topou, ei-lo:

[a partir daqui, coloco entre colchetes uma ou outra interjeição e alguns pequenos comentários (im)pertinentes meus. vá lá, em negrito, pra separar melhor.]

pas - que balanço você faz do festival da cultura? a imagem ruim deixada pela última experiência de festival na rede globo foi dissipada, foi intensificada, ficou inalterada, ou o quê?

sr - a imagem do festival da globo existia para muito poucos e não teve nada a ver com o que foi feito agora. na verdade eu gostaria de ter feito na globo o que consegui na cultura. um local menor. platéia que foi sendo formada ao longo do evento. produção musical competente (embora com pequenos equívocos). direção musical competente.

pas - como diretor do festival, você ficou satisfeito com o resultado? e como produtor musical que já participou de momentos históricos como a eclosão da geração heróica dos anos 60? e como diretor de tevê? e como cidadão, fã e torcedor?

sr - o resultado como evento foi muito positivo. mostrou que existe sentido em prosseguir. o festival é um processo que precisa de maturação para atingir seu pico. num terceiro festival é que chegariamos lá. [hum, saída estratégica pela tangente da pergunta, né, solano?]

pas - sei que estaremos falando de uma contradição histórica dos festivais (pois não havia até pixinguinha concorrendo num daqueles festivais heróicos dos anos 60?), mas você não acha que a mistura de concorrentes novatos e veteranos cria um forte desnível, um grande dilema, uma difícil batata quente para o júri descascar?

sr - essa mistura sempre existiu. é saudavel um novato poder competir com um veterano.

pas - o slogan "a nova música brasileira" era equivocado? ou era equivocada a presença de veteraníssimos como toninho horta, luiz tatit e tantos outros, disputando palmo a palmo com a molecada recém-saída dos coeiros os dinheiros oferecidos pela tv cultura? ou essas contradições são inerentes, inescapáveis?

sr - acho que foi um slogan que levou a que muita gente esperasse um grande número de músicas novas feitas por gente deconhecida. a nova leva de compositores não tem referências. o que lhes é servido pela mídia é de péssima qualidade [ponto importante, importantíssimo; será mesmo?]. um festival passa a ser referência para quem objetiva esse segmento que pode se tornar muito forte e uma vitrine importante. [sim!, tomara!]

pas - a vaia desqualifica o festival? a vaia engrandece o festival? ou a vaia dequalifica E engrandece o festival? como você avalia essa questão, em respeito específico à vitória de danilo moraes e ricardo teperman?

sr - o festival cultura está em sua primeira edição. custou muito caro e foi bancado pela emissora, pois não teve patrocinadores. o final apoteótico que teria acontecido se a vitória fosse de "achou!" poderia ser argumento definitivo para sua continuidade. a vaia incomoda. não engrandece o evento, pois atrapalha sua leitura [caetano veloso que o diga, né, solano?]. agora vão fazer um balanço para saber se vale a pena fazer um segundo.

pas - por que o fato de um dos autores de "contabilidade" ser filho de um dos apresentadores do programa não foi apontado durante o festival? a ocultação não serviria para aumentar uma suspeição que, por outro procedimento, talvez nem acontecesse?

sr - ninguém jamais esperou que "contabilidade" passasse da primeira noite, quanto mais chegar onde chegou [êêêita!]. não vejo importância no fato de ser filho do wandi. se ele fosse um dos jurados a leitura seria outra. se funcionário da casa não pudesse participar não teriamos tido o caetano, o chico, o edu, o gil e tantos outros nos festivais da record. quando da decisão final, embora a minha preferência fosse "achou!" [falou!], não quis revelar o fato pois seria um fator de influência muito forte naquela decisão [boa, solano, boa!]. fui ético demais. hoje me arrependo.

pas - essa questão do parentesco coloca o debate que está acontecendo também no patamar de discussões sobre limiares éticos? mas o limiar ético não seria equivalente, caso luiz tatit e dante ozzetti vencessem um festival de "nova música brasileira"?

sr - vou anexar um texto que responde a essa pergunta.

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[opa!, como blog não tem anexo, vai aí o (belo, generoso) texto de solano ribeiro:]

a "contabilidade" do festival cultura (por solano ribeiro)

a frustração por não ter acontecido o final apoteótico que se delineava abalou a todos os que trabalharam na realização do festival cultura. vale a pena, porém, fazer uma avaliação sem as emoções do momento e pensar nos desdobramentos. se fosse "achou!" a vencedora da final do festival, depois da eletrizante apresentação de jair rodrigues, em emocionante releitura da "disparada" com théo de barros e heraldo do monte, teria acontecido um dos mais empolgantes espetáculos mostrados pela televisão brasileira. a ser comparado às lendárias apresentações dos festivais do passado. mas o festival cultura trazia o subtítulo que significava um compromisso: "a nova música do brasil", já posto em dúvida pelos críticos em função da presença de muitos nomes com alguma quilometragem. provavelmente os jornais e revistas seguiriam o mote da manchete do "estadão" no dia da final: "festival da cultura termina hoje sem revelações". ou: "achou!", dos veteranos dante ozzetti e luiz tatit, é a nova música do Brasil?". [bingo!, solano, a crítica de jornal, irmã mais chata e ranheta da "voz do povo", ia botar não sei quantos mil defeitos, fosse qual fosse o resultado, não é mesmo?] a crítica seria imediata, ainda sob os ecos de uma noite memorável. todos alegres e felizes com a vitória que significaria um capítulo a mais no currículo da talentosa dupla. quis o júri que o resultado fosse diferente. "contabilidade" é o início da carreira de dois jovens desconhecidos que apresentaram um trabalho sofisticado em ritmo 5/4, num formato meio esquisito para o leigo que pode ser rotulado como elitista. mas, como dizia o recém-falecido e genial maestro e compositor alemão koellreuter: "quem quer fazer o novo deve ter coragem para o embate". foi o que fez o júri dando a vitória a danilo moraes e ricardo teperman, que jamais imaginaram ganhar o festival e se divertiram muito com o fato e com as vaias. no futuro, com o talento que têm, serão lembrados como tendo sido lançados pelo festival cultura que está destinado a fazer parte da história da música popular brasileira. pena que a história não seja escrita em uma semana.

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pas - que músicas e que artistas você diria que foram injustiçados pela tirania inevitável do processo desclassificatório? o painel a que o júri chegou na finalíssima correspondia aos seus ideais, ou se afastava deles?

sr - eu olho para o todo, ou seja, para um painel que quanto mais variado for melhor efeito terá para a televisão. maior será o espectro atingido. injustiçados? "misturada", "a moda", "samba russo", "contrapeso", "romance pós-moderno", "hotel maravilhoso", "sem lugar"...

pas - o júri é simpático? o júri é incompetente? a vida não se resume a festivais?

sr - palavras de caetano e vandré. acho que é preciso que o júri leve em consideração o poder que cada música tenha de se comunicar. de fazer sucesso. quando júri e público concordam o festival repercute melhor. [a voz do povo é a voz dos deuses neoliberais da publicidade?]

pas - o festival cumpriu suas expectativas, realizou seus desejos, atiçou seus sonhos? haverá outro festival na tv cultura? solano ribeiro estará nele?

sr - não sei. a euforia que existiu durante todo o festival desapareceu com o resultado. [engraçada, essa sensação do solano. a minha foi justamente a oposta: tudo vinha um bocado desanimado, o tempo todo, e a fogueira só foi se acender na final, antes, durante e depois do resultado e do festivaia.]

[numa segunda leva, fiz ainda algumas perguntas que havia deixado de lado a princípio, eis:]

pas - por que a presença, no júri final, de tantos nomes ligados à vanguarda paulistana?

sr - o júri da final seria uma mistura do júri prévio com o das eliminatórias, como estava previsto. consultados, miguel briamoste tinha um concerto, o mesmo acontecendo com marcelo jafé. daniel piza naquela noite receberia um prêmio. fui obrigado, para seguir o combinado, a usar os que estavam disponíveis.

pas - estando fechado em profissionais ancorados no eixo rio-são paulo (com presença maciça de paulistas), o júri constituído não leva a uma distorção em termos geográficos? não diminui as chances de artistas gaúchos, maranhenses, mineiros, paranaenses etc. etc. que também passaram pelo festival?

sr - quando escolho nomes para o júri espero que exerçam sua tarefa baseados em suas tendências e acreditando em sua isenção. se colocarmos um jurado de cada região ele provavelmente vai batalhar por seus conterrâneos e não será um jurado imparcial. [hum? e o jurado paulista? e o carioca?]

pas - o júri constituído por apenas uma mulher (nas eliminatórias e semifinais) e somente homens (na final) não provoca um viés sexista, talvez machista (também dominante na nossa música popular, que, por exemplo, costuma isolar as mulheres quase sempre na posição de intérpretes)?

sr - não encontrei nomes diponíveis para aumentar o número de mulheres [hum???]. com base no que estava previsto a magda pucci deveria participar da final. como foi escalada para comentarista isso ficou inviável.

o "caso joyce", ele não esclareceu. reperguntei, espero a resposta. enquanto isso, saí também em busca cibernética de joyce. citei, como havia feito com solano, a suspeição levantada pelo concorrente osmar "sonekka" lazarini, "ouvi dizer que ela pediu a conta quando recebeu ordens de veto vindas da direção". num primeiro momento, joyce respondeu o seguinte:

"mas ora veja, que falácia... se bem que, cá entre nós, algumas ordens bem que foram dadas. Agora, se foram cumpridas... só faltou combinar com os 'alemão'."

logo joyce leu a celeuma da janelinha vermelha, se animou e escreveu para o blog o seguinte (e belíssimo, generosíssimo) depoimento (obrigado, joyce!):
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(por joyce)

já que apareci na fita e você me pede uma resposta (acho que essa curiosidade também é sua, né?) [é! é! é!], vamos lá. por que foi que eu não estava na final do festival? desde o início, quando o helton [altman, coordenador musical do festival - e, ó mundo pequeno, um dos empresários de maria rita] me convidou, minha primeira reação foi dizer que não. até porque havia um monte de parceiros meus concorrendo: toninho [horta], zé renato, sérgio santos e, last but not least, o [luiz] tatit, parceiro recente, embora não tão amigo íntimo quanto os outros. achei que isso daria problemas éticos de alguma forma, mas ele me convenceu de que o júri teria muita gente diferente opinando, e que além de tudo ele confiava na minha honestidade em votar nas músicas que eu realmente achasse boas, independente de quem fosse (o que de fato aconteceu).

também não curto muito festivais competitivos, acho mais legal uma mostra de músicas, mas compreendo que a competição aumenta o ibope. acho ainda que é válido, sim, ter um festival de vez em quando como vitrine: pros mais novos que precisam aparecer e pros mais antigos que não têm exposição na mídia. tempo de serviço não pode ser documento num país onde só se aparece com jabá [ié!!!]. eu dispensaria a competição e ainda proporia um júri popular, via internet, pra que o júri "impopular" [hahahaha] ficasse mais à vontade, sem pressões do tipo "essa e aquela música são melhores para o programa", como ouvimos diversas vezes (mas não aceitamos, lembra?) [lembro, lembro, sim].

de qualquer forma, fui, participei e teria tido prazer em ficar até o fim. não estive no júri da final, mas teria votado exatamente do jeito que foi. quando ouvi pela primeira vez a música "contabilidade", na mesma hora me perguntei: quem são esses caras? quase tudo o que apareceu vindo de compositores novos tinha a cara de outra pessoa. tinha lenine, guinga, aldir blanc, egberto [gismonti], [paulo] vanzolini, paulinho da viola, de um tudo. 'contabilidade' não tinha a cara de ninguém, e isso já me interessou. depois fiquei sabendo que os meninos moram na frança, o que talvez explique eles não terem ninguém da cena atual como referência.

outro dado que eu devo confessar, o meu vício nem tão secreto: gosto de harmonia, gosto de acorde torto, dissonante. a combinação de 2 violões pode ficar muito chata, com cara de folk music, quando é feita de forma repetitiva e sem imaginação. ali tem 2 violões se combinando e se completando de maneira extremamente criativa, coisa que pra mim como violonista bateu super-bem. compositores-músicos, que maravilha! também adorei o arranjo, que por mim dividiria o prêmio com o de "hai cai baião", outra música de que também gostei muito. e os vocais se abriam totalmente fora das manjadas fórmulas tônica-dominante-subdominante. quem for músico aí no blog vai entender o que estou dizendo.

pro pessoal que não se interessa por acorde e só presta atenção na letra, também tinha caldo: de todos os comentários que li sobre essa letra, ainda não vi ninguém mencionar o fato de que foi a única música que tocou em questões atuais do mundo, não só do Brasil. "fraternidade se conta em genocídios/ homens armados em missões saneadoras" e, inclusive, o "preservativo de baixa qualidade", tão execrado, tão épatant la bougeoisie, a cara da áfrica negra morrendo de aids. "carros, cartões de crédito, metralhadoras, um milhão a mais, um milhão a menos". tudo o que eu queria ouvir de 2 garotos recém-chegados e desconhecidos (pelo menos pra mim).

atenção: não sou amiga nem parceira do wandi [nem eu!], e só fiquei sabendo da filiação muito depois. isso jamais foi mencionado em nenhuma reunião do júri, e devo dizer que a vitória de "contabilidade" não me parece que fosse a solução preferida da organização do festival (você estava lá... fala aí, pedro! [não era, joyce, eu diria até que solano ficou possesso, como hermelino já contou lá no texto dele; e ele em pessoa confessa o mesmo nas respostas acima, né? sobre mr. marcos mendonça, prefiro nem cogitar, haha]). seria melhor acabar em apoteose com a música que o público queria. acho essa insinuação muito boba. foi pura falta de sorte o pai estar ali trabalhando e infelizmente [hahahahahaha] ter um filho talentoso concorrendo.

desde o início a gente sabia que o júri das eliminatórias não seria o mesmo da final e que alguns membros seriam substituídos. fui escolhida pra não voltar na final. não sei os critérios dessa escolha, mas a gente pode imaginar alguns, como quiserem... 1) sorteio; 2) o preço da passagem, já que eu moro no rio [é, o mensalão tá pela hora da morte...]; 3) eu era a única mulher no júri; 4) gosto de música com mais de dois acordes; 5) algumas vezes bati de frente com o pensamento vigente; 6) penso em voz alta e digo alguns impropérios quando alguma coisa me surpreende... sei lá, pode ter sido tudo isso ou nada disso. de qualquer forma, vi pela tv e gostei de ter terminado como terminou. o fato de ter provocado tantas e tão candentes discussões prova a validade do festival, ainda, a esta altura dos acontecimentos. que venham outros, se for pra revelar gente nova e interessante.
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a partir das palavras de joyce, encafifei e fui conferir: "contabilidade" fala de igualdade e de fraternidade, mas troca liberdade por felicidade. curioso, não? pois faço minhas as palavras de joyce sobre a canção dos meninos, em que não sinto nenhum gosto de suflê de geraldo "chuchu" alckmin, como tantos resmungaram.

enfim, leio e releio tudo isso e fico achando que, afinal, foi tudo legal à beça. penso & repenso em tudo que já debatemos aqui e me pergunto se é conversando que a gente se entende & derruba teorias conspiratórias, teses persecutórias, mitos paranóicos... venho & vou & venho e concluo que, sim, é conversando que a gente se entende & eleva o nível de participação & ferroa a tirania dos autoritarismos, beija as delícias das democracias.

faço a contabilidade, tiro o saldo das vitórias & derrotas que também acumulei na finalíssima acumulei no meu cofrinho de afinidade, faço a soma na calculadora de vil metal e fecho o balanço: o saldo foi positivo, o preservativo era de boa qualidade.

why does my soul...?

enquanto isso, na gringolândia, o bacanudo norte-americano moby fazia um showzaço para a patota gente fina do high society da sampaulândia. espaço das américas, era o nome da nave.
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cabiam não sei quantas mil pessoas. não sei quantas mil cidadãos e cidadãs sacudiam o esqueleto e cantavam freneticamente aos comandos de mr. moby, adorável sujeito-normal-com-cara-de-mané, enquanto ele se lamuriava: "why does my heart feels so bad?".
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moby, dick, se multiplicava por seis, sete, oito telões gigantes, mas muito menos gigantes que o tamanho do espaço das américas, suficiente para abrigar um albergue provisório para não sei quantas mil vítimas do furacão de new orleans, do furacão do jazz, do furacão do blues.
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o mais surreal era o gigantesco saguão 2, que terminava lá no fundo não em palco, mas no mais gigantesco dos telões gigantes. saguão cheio, a platéia b, que pagara os mesmos módicos r$ 140 de passaporte para o paraíso, se contentava e se fartava em assistir um cinema-show, drive-in da hollywood musical.
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pareciam todos hipnotizados, os fãs que chacoalhavam hipnoticamente aos sons hipnóticos do rock'n'roll eletrônico do hipnotizador bacana que odeia george w. bush, o presidente de seu próprio país. flautista de hamelin.
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segundo moby em si propriamente dito (alô, erika) propala (e eu acredito), a maior parte do planeta, inclusive naquela parte do planeta chamada estados unidos, detesta mr. bush, esse assassino cruel e impiedoso de afegãos e iraquianos.
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alguém aí tem coragem de defender mr. bush? alguém aí se dispõe a ficar com sr. osama, com doctor hussein?
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alguém aí prefere ser chefiado por mr. da silva que por mr. bush, mr. osama, mr. hussein, mr. magoo, mr. m?
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pois é, estavam (quase) todos hipnotizados. ambiente chique. r$ 140 na bucha do canhão.
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jornalista musical, não paguei os r$ 140. a fofa assessoria de imprensa me convidou, eu preciso me informar, é preciso saber viver...
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um amigo do gabriel pediu para furar a fila de entrada na nossa frente. fez questão de pagar duas cervejas para nós, em agradecimento. recusamos, irritados. constrangidos, aceitamos. "mensalinho ao contrário", como ouvi falarem hoje na tv?
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moby, o menino-lobo, uivava: "why does my soul feels so bad?".
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lá fora, desde a portinha do paraíso, a fila que encheria não sei quantos mil ônibus no vizinho terminal barra funda e os despacharia ao nordeste do brasil, o clima era bem outro. a hipnose coletiva não ganhava palco, nem platéia, nem firmamento.
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os ambulantes vendiam de tudo, praticamente empurravam goela abaixo dos mutuários do inamps do rock new age norte-americano produtos não customobyzados feito cervejas, halls, tridents, vodcas, capetas, uísques, búfalos vermelhos. no ipods, please, mr. mowgli, o menino-lobby.
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trabalhadores braçais que encheriam não sei quantos caminhões de bóias-frias pr'algum canavial compravam ingressos sobrando por uma ninharia, vendiam ingressos faltando por uma mixaria. pra que gastar r$ 140 (ou r$ 70, o melô do estudante), se aqui é a terra do jeitinho?
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seguranças corpulentos resgatavam da fila meninas, de duas em duas, e as conduziam até o túnel oculto que furaria a fila e encurtaria a viagem nada psicodélica das minimadames d'ouro ao mundo-cão da fila da matrícula, do pão, do leite, da sopa, do remédio, da água potável, do elixir da vida longa que é a música marítima do príncipe da new wave da new age da house music de papel crepom e prata.
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recrudescia a furação de fila, mensalinho no inps de mutuários miseráveis envernizados por grifes transcontinentais. first world is here, why does my soul? o coro de playboys engrossava a voz, protestando contra os furadores. "furou a fila, sim, e cala a boca, senão apanha. isso aqui é favela", reagia o antiplayboy forte, negro, alto, viçoso, ameaçador. calavam-se os playboys.
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"isso aqui é favela." sim, isso ali era favela. favela chic.
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a luta de classes era esculpida em agulhas agudas, lá fora. aqui.
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lá na angulosa brasília, com tubos catódicos & suas prensas, a turma de dentro da redoma brincava com fogo, sem entender o que diabos estava acontecendo nesse tal país do futuro que tanta gente vive de dentro fingindo que desdenha de fora. maroca. poroca. indaiá.
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esquisitamente, o fenômeno esquizóide continuava a extrair estranheza: esquisitões de rolex & esquisitinhas de daslu insistiam em sacolejar vestindo motivos verde-amarelos em seus corpos bem nutridos. r$ 1,99. cantavam em hino na língua do playmobil, mas vestidos com as cores & as armas do país-chiqueiro da puta que nos pariu.
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e a luta de classes era torneada em tulipas tortas, aqui dentro. lá.
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no bar hypado, em busca de cerveja, a princesinha loura se exasperava, gritando aguda pela não sei que milésima vez: "uma cerveja, por favor". agressivo, o garçom negro perdia a paciência pouca, meu pirão primeiro. olhava-a com sobrancelhas de desdém e respondia: "vai ter que esperar".
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lá fora, cachorro-quente com batata-palha, r$ 1. cá dentro, hot dog com pirê de potatoes, r$ 4, olha a brahm'olha a brahm'olha a nova schin, a nova skin. cem milhões a mais, cem milhões a menos. genocídios, cartões de crédito, metralhadoras.
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"já estou esperando há horas", gania a aguda, quase relinchando. "vai continuar esperando", ladrava o grave, agressivo e ameaçador como mais nenhum garçom em todo o circuito jardins-morumbi-alphaville.
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um tapa nervoso com a mão fina na mesa de fórmica selava a desistência da loura. soberana e incompreendida, ela zunia para o próximo balcão, carregando consigo o fracasso de não ter conseguido ser servida pelo garçom, de não ter sido humilhada em vez de humilhar (como quase sempre acontece).
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a dondoca boçal ERA o malandro serviçal.
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e moby não entendia nada. why does your people feel so bad, brazil?
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seu povo pulava, hipnotizado, sonhando com o poder emanado de $ 140 patacas, in cash. na cabeça-cadeia dos que faziam parte dessa massa, a de dentro & a de fora, não sei quantas mil almas estavam armadas para a luta de classes e apontadas para a cara do sossego.
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e cada uma das almas se perguntava, sem encontrar resposta: "why, uai, por quê?".

sábado, setembro 17, 2005

relações perigosas?

este tópico veio para reproduzir reportagem musical da carta capital 357, de 31 de agosto de 2005, batizada "a banqueira da mpb".

mas não resisto e aproveito o calor da hora para citar, também, ou outro assunto caliente. lê aí, antes, um trechinho da reportagem que está nas bancas nesta semana, que quer falar sobre maria rita e seu novo disco, mas teve de "ceder" um "espacinho" à parte para um outro assunto, este que se segue:

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RELAÇÕES PERIGOSAS
A gravadora Warner dá iPods para jornalistas que entrevistam a cantora

Sob o pretexto de permitir a 30 profissionais brasileiros as melhores condições possíveis de audição do novo trabalho de Maria Rita, a Warner Music Brasil montou um kit de imprensa em que constavam, além do CD e do DVD com o making of da gravação, um aparelho iPod Shuffle, com as músicas do disco Segundo previamente carregadas.

O iPod, que armazena grande quantidade de música num aparelho minúsculo, custa US$ 130 na loja oficial da Apple. Como não é fabricado no Brasil, só pode ser comprado no País em versão importada, cujo preço oscila, em sites de busca, entre R$ 562 (na loja virtual Gravit) e R$ 1.190 (no site Submarino).

O diretor de marketing da gravadora, Marcelo Maia, assim explica a promoção: "A Warner entrou em contato com a Apple para propor uma parceria num iPod customizado de Maria Rita. Não houve tempo operacional hábil para essa proposta se realizar. Cada uma foi então para o seu lado e a Warner optou por preparar um kit com a forma mais profissional para se escutar um disco com tão pouco tempo disponível antes das entrevistas". Segundo Maia, a gravadora optou então por comprar os iPods, o que teria sido feito aqui no Brasil mesmo, por preços que ele disse não saber precisar.

CartaCapital recebeu um desses kits, ouviu o trabalho em CD e no iPod e devolveu o aparelho à gravadora. – PAS

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agora, de volta ao assunto original do tópico:

A BANQUEIRA DA MPB
A contratação de Chico Buarque pela gravadora de Kati Almeida Braga muda parâmetros no mercado musical

Por Pedro Alexandre Sanches

Uma das maiores novidades musicais do ano, no Brasil, chama-se Chico Buarque. A afirmação pode até parecer desprendida da realidade, mas se justifica pelo fato de que se origina no veterano compositor de MPB uma atitude de impacto político no seio da cultura nacional. Chico acaba de interromper uma ligação de 35 anos com a indústria multinacional de música. Chico agora pode dizer que não só musicalmente, mas também nos bastidores, é um artista brasileiro independente.

No pano de fundo dessa transformação está a gravadora exclusivamente brasileira Biscoito Fino, uma das várias empresas ditas independentes que vêm comandando uma reconfiguração no mapa das expressões artísticas e dos grandes negócios da música nacional.

Chico é a surpresa de agora, mas nem é um pioneiro: a mesma BF inverteu parâmetros há três anos, quando fez de Maria Bethânia sua primeira contratada entre os chamados medalhões da MPB. Iniciava-se uma debandada que se espalhou, dali por diante, entre nomes como Gal Costa, João Bosco e Djavan, e que estaria ligada, supostamente, a uma incapacidade das multinacionais em continuar bancando contratos fundados em luxo, privilégios e desperdícios.

O presidente da Sony & BMG, Alexandre Schiavo, que perdeu o passe de Chico para a BF, é lacônico ao tratar do caso, por e-mail: "Vejo com naturalidade a saída de Chico. Ele não tinha contrato com a gravadora, negocia a cada novo disco. Seu empresário apresentou uma proposta e nós, uma contraproposta". A insinuação aí contida, mas não explicitada, é de que a contraproposta implicaria perdas para Chico.

Mas as mudanças vão de vento em popa. Mesmo sendo de porte pequeno (projeta vender 750 mil discos em 2005), a Biscoito Fino já comemora um crescimento de 80% em relação ao primeiro semestre de 2004. O dado é consolidado pela aquisição do passe de Chico, para a gravação de um álbum inédito, ainda neste ano, e, mais adiante, de um pacote com CD ao vivo e DVD.

À beira de completar cinco anos de vida, a gravadora carioca adota um modelo híbrido, que reverte cânones comerciais tornados hegemônicos pelas multinacionais na década passada, mas não coloca romantismo no lugar de rigor administrativo. A BF é fruto de uma sociedade equânime entre a cantora Olivia Hime e a empresária Kati Almeida Braga, dona do Banco Icatu.

A primeira traz de volta uma instituição desprestigiada pela grande indústria, a da diretoria artística exercida efetivamente por profissionais ligados umbilicalmente à música. "Mas Kati me enlouquece para eu aprender as coisas da parte financeira", observa a artista, que é casada com o compositor Francis Hime.

A segunda coopera em termos de poderio financeiro e visão gerencial, mas vem de uma longa história de atuação cultural. Foi sócia de Flávio Rangel e Beatriz Segall em empreendimentos teatrais, e também tem proximidade com a arte por razões pessoais: foi casada com o diretor teatral Gianni Ratto e é prima, por lados distintos, tanto de Francis Hime como de... Chico Buarque. "Também toco a área artística, tudo bem misturadinho. Mas vou muito mais para as contas, e Olivia, muito mais para o resto", explica a banqueira, que se desprendeu em parte dos afazeres no Banco Icatu para se dedicar à BF.

Ao menos em discurso, Kati procura amenizar o impacto da contratação de Chico e do forte crescimento recente da gravadora, que também fixou acordos fonográficos com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), com o respeitado selo instrumental paulistano Pau Brasil e com o espólio de Tom Jobim (o selo Jobim Biscoito Fino acaba de relançar o disco Tom Jobim Inédito, de 1987, antes veiculado pela multinacional BMG).

"A crise do mercado musical, para nós, foi uma oportunidade. Sempre, em todas as crises, em qualquer área, as empresas estabelecidas tendem a sofrer mais, porque têm um custo alto para se reestruturar. Há uma perplexidade, que é o bom momento de outros entrarem leves, pensando em como se estabelecer num cenário de mudança", afirma.

Estaria aí, em parte, a explicação para o crescimento não só da BF, mas também de outras gravadoras que surgiram nos últimos anos e comemoram avanços expressivos.

A Trama, ligada ao grupo VR, diz ter crescido neste ano 98,5%, em relação ao primeiro semestre de 2004. Apesar de privilegiar artistas jovens, a casa paulista está prestes a lançar o novo disco de Gal Costa, Hoje, em que, pela primeira vez em muitos anos, a cantora interpretará músicas de autores de gerações mais recentes.

Desvinculada de qualquer grupo econômico, a carioca Deckdisc, que aposta em novos talentos, informa que já cresceu 56% em faturamento em 2005. Entre as independentes de maior porte, a única que ainda não arrisca cifras é a Indie, que festejara 300% de crescimento entre 2003 e 2004, colhido em parte por contratações de veteranos como Alcione, Jorge Aragão, Alceu Valença e Luiz Melodia.

Mesmo variáveis, tais dados contrastam com o mercado multinacional, que estaria amargando uma redução de 20% ou mais. A cifra é negada pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), que até hoje não divulgou, oficialmente, sequer os números relativos a 2004.

O crescimento pujante das independentes não significa, porém, que haja uma unidade de ação ou de propósitos entre elas, como atestam opiniões sobre o caso Chico. "Acho ótimo. É mais um credenciamento, uma legitimação ao trabalho das independentes", celebra Líber Gadelha, diretor da Indie.

Não é o que pensa o dono da Deckdisc, João Augusto, egresso de larga experiência no grande mercado multinacional: "Do ponto de vista da evolução da cena independente no Brasil, a ida de Chico para a Biscoito Fino não representa absolutamente nada, pois, até onde sei, a sua contratação foi feita em bases tão grandes que nem multinacionais hoje poderiam praticar".

Kati Almeida Braga dá sua versão, procurando desmistificar o item dos montantes de contratos, mas evitando a pergunta: "Chico tem um contrato normal, como o que teve em outros lugares, e como têm Bethânia, Olivia Hime... A gente faz a conta, é claro. Será que dá para fazer? Dá? Então, pronto".

A pouca transparência na explicitação de valores alimenta o "fogo amigo" entre os ditos independentes. Volta João Augusto, da Deckdisc: "Totalmente bancadas por grupos financeiros, gravadoras como a Biscoito Fino, Trama e Indie não podem ser chamadas de independentes. Esse tema é sempre uma boa pauta para a imprensa, mas deveria ser aprofundado. Só assim uma contratação como a de Chico deixaria de ser apontada como uma pancada das 'indies' nas 'múltis' (se eu dirigisse uma multinacional, iria rir muito disso), para ser aceita como mais uma simples vitória do poder econômico".

Um dos diretores da Trama, João Marcello Bôscoli, afirma que não é bem assim. "Vivíamos o pior tipo de relação que pode haver entre majors e artistas. Se o cara quer ter carro blindado, ele paga. Não dá mais para misturar estação. O que o artista tem de querer, hoje em dia, é uma gravadora que não roube e faça seu trabalho direito."

Ele ressalta que, se casos como o de Chico criam influência positiva sobre a classe artística, não se pode relevar também que muitas mudanças têm acontecido por falta de opção dos artistas num cenário de contínuo encolhimento do mercadão dominante.

De sua ponta, Kati e Olivia reivindicam o direito de tomar espaço e abrigar seus pares por afinidades musicais, recriando um ambiente propício à MPB clássica, que muitos julgam decadente e que as grandes gravadoras já não vêem como lucrativa. "Estamos crescendo organicamente, não há business plan", defende Kati.

"Viemos fazendo um investimento financeiro ao longo do tempo. É como se estivéssemos comprando uma gravadora pronta, mas estávamos fazendo a nossa, em vez de ir lá e comprar uma, muito mais cara...", afirma Olivia, ao que Kati completa: "Comprar uma é muito menos agradável, e você não tem a gravadora que quer".

Ela tenta explicar por que gravadoras como a BF podem, então, contradizer sensos comuns sobre comércio e decréscimo artístico, permitindo, por exemplo, que Maria Bethânia esteja vivendo ali uma das fases mais produtivas de sua carreira: "Os custos fixos de uma multinacional devem ser muito mais altos que os nossos. Posso fazer mais do que eles, porque meus custos são muito mais baixos. Posso fazer um disco que venda 5 mil exemplares e que para mim vai dar retorno. Para uma grande gravadora, não daria".

"Em nosso caso, as duas donas estão dentro do escritório, trabalhando o dia inteiro, não têm de contratar oito diretores. Não temos de seguir um padrão internacional de taxa interna de retorno. Nossa taxa de retorno é um pedaço em dinheiro, outro pedaço em alegria. A gente faz como quer, e isso nos dá uma liberdade muito grande", completa Kati.

Vai nessa direção o testemunho do músico Rodolfo Stroeter, que, aliando-se à BF, quebra uma fase que ele classifica como "de estagnação" de seu selo Pau Brasil. "É uma especulação, mas talvez Chico já não tivesse nenhum prazer em continuar lançando por uma grande gravadora. Talvez isso desestimule o artista a tal ponto de ele pensar 'vou dar um gás, escrever, gravar e não vai acontecer nada, vou fazer para quê?'. A verdade da máquina fonográfica é um pouco essa, virou isso. O que tem de artista de alto perfil, de grande criatividade, que ficou nessa situação...", afirma Stroeter.

Somadas todas as convergências e todas as contradições, a adesão de Chico ao projeto de Kati e Olivia não deve mover muitas peças no tabuleiro da música brasileira em termos de renovação de talentos. Mas remexe, sim, em humores algo acomodados, tanto de ícones da MPB como da própria estrutura musical como um todo.

A associação entre a força artística e a financeira pode dar substância a protestos como o de João Augusto, mas a reaproximação, em caráter quase familiar, de dois pólos que em geral se têm como adversários tampouco deixa de injetar ares de velha novidade ao cenário. "A banqueira e a artista fazendo negócio juntas é a coisa mais razoável do mundo. A artista sem a banqueira não faz e a banqueira sem a artista não faz. Então é melhor juntar os dois", crava Kati. "É melhor, a gente vai juntando tudo pela vida afora", carimba Olivia.

E as duas, que agem como aliadas harmônicas em quase tudo, só deixam subir o fogo do atrito e do conflito quando o assunto chega à crise política atual.

"O Brasil, apesar de toda esta crise, está passando por ela sem grandes tumultos na economia. Isso já é um grande sinal de que o País está entrando em crise unido, e que o País está saudável junto. Está acontecendo objetivamente com o PT, mas não é só isso, é o Brasil inteiro. Isso não nasceu hoje, é a história do País", começa a artista, arriscando-se pelas veredas da economia.

"Disso eu discordo. Acho possível que algumas, digamos, malpractices acontecessem no Brasil, mas o PT radicalizou. E aí ficou num nível intolerável e teve de ser extirpado, que bom", continua a financista.

"Eu já discordo, porque acho que, em outros momentos, outros milhões de governos não deixaram surgir como o PT deixou", segue Olivia, ao que Kati deixa o dissenso arrefecer. Feito artista, ela segue capturando Chicos e Bethânias, na árdua tarefa de abaixar ao menos em alguns tons a trágica sinfonia da dependência histórica do Brasil e dos brasileiros.

quinta-feira, setembro 15, 2005

cassado?

cassado! cassado!! cassado!!!

segunda-feira, setembro 12, 2005

ontem: devassos no paraíso *

na quebrada da soleira, este blog já se deixou permear pelas vozes de intelectuais dedicados a examinar questões afeitas à situação das minorias, às lutas das minorias, aos avanços seguidamente obtidos pelas minorias nesta lavanderia chamada brasil.

foi assim que já habitaram estas quatro paredes virtuais teses, hipóteses e sínteses de helio santos, mv bill, luiz eduardo soares - helio versando sobre negritude, preconceito racial, abismo social; bill rimando negritude, preconceito racial, abismo social, desigualdade, violência; luiz eduardo refletindo sobre violência, desigualdade, abismo social, preconceito racial e sexual, política, polícia...

já não era sem tempo, acrescento agora o protagonismo do componente sexual inerente aos conflitos de minorias & maiorias silenciosas. para tanto, convoco para cá o pensamento de joão silvério trevisan, no já clássico "devassos no paraíso - a homossexualidade no brasil, da colônia à atualidade" (lançado em 1986 e revisto e ampliado após longa ausência para reedição em 2000 pela editora record). com a chegada de joão silvério, a discussão se amplifica para preconceito sexual, discriminação sexual, violência sexista, ideologia, política...

seu livro traça uma quase-história da homossexualidade no brasil, dos dias de inquisição e punição do brasil-colônia à sexualidade de consumo "guei" (como ele prefere grafar) dos anos 1990, atravessando um percurso demorado & doloroso, mas contínio & progressivo de suspensão de patrulhas morais, religiosas, policiais, sanitárias, psiquiátricas, médicas de por sobre a homossexualidade.

pioneiro brasileiro do ativismo homossexual desde os tempos do jornal alternativo "lampião da esquina", o ex-cineasta trevisan peitou "devassos do paraíso" em plena era de treva, na fase de vigência mais aguda do panicoduto gerado pela aids. escrito no calor do horror, o livro deixa registradas resistências que talvez fossem causadas pela impossibilidade de admirar toda a paisagem anuviada dentro do espesso nevoeiro do aqui-agora da luta antidiscriminação - deve ser por isso, por exemplo, que o texto de joão silvério ainda se recusa a aceitar a validade e a legitimidade do comportamento bissexual.

em outros casos, a visão obnubilada pela luta sangrenta em pleno ato redunda em momentos de pura e comovente história - história do brasil, da política brasileira, da sexualidade, das minorias & das maiorias brasileiras. remeto especificamente a dois capítulos que colocam em fricção as origens do movimento homossexual brasileiro e do movimento político de esquerda pós-ditadura militar. os títulos (tristonhos) dos capítulos são "cooptação, institucionalização, diluição" e "um saldo melancólico".

ali, trevisan narra os imbricamentos, na virada 1979-1980, entre polítca e militância sexual. documenta o nascimento do movimento gay local e os assédios de participação (e/ou cooptação mal-intencionada, segundo a visão ainda acuada dos anos 80) por parte de correntes esquerdistas trotskistas e stalinistas (por militantes não necessariamente homossexuais). relata a coexistência, até mesmo num ato público do dia dos trabalhadores no abc paulista, entre o movimento gay e o operariado em fase de forte articulação. estamos falando, se é que é preciso explicitar, do nascimento do partido dos trabalhadores.

descreve um cisma, uma diáspora, uma suposta sabotagem do movimento gay por parte dos comissariados de esquerda que então se estruturavam e profissionalizavam. não cita nomes, mas é automático deduzir que entre esses deveriam se contar caciques reconhecíveis do noticiário político-policial tucano/petista/comunista/socialista de hoje. às vezes persecutório, trevisan se lamenta de que os "cooptadores", obsessivos na pregação de que o fim político deveria sobrepujar qualquer outro interesse humano, empurravam os militantes gays de então a uma situação-limite em que o prazer, o contato sexual e o amor já eram subordinados e marginalizados pelo dever da prioridade política.

não houvesse a luta política, teriam os militantes homossexuais trepado & amado mais nos anos 80? e os militantes políticos, esses que hoje dependem tanto de madame jeany corner, o que diriam a respeito disso?

parece-me curiosa a interpretação melancólica do autor sobre os resultados do embate político-sexual, provavelmente rascunhada nos anos 80 e revisada no final dos 90, quando as paradas gay ainda não haviam conhecido o processo de radical agigantamento que as enrijecem hoje, 2005. a rivalidade fratricida entre gays, esquerdistas e operários (entre minorias igualitariamente achatadas, reprimidas e perseguidas, portanto) aparece como fiel da balança e não vê, por trás da cortina maciça de fumaça, que desde as brigas entre semelhantes da origem até hoje, tanto o libertário movimento gay quanto as convicções políticas progressistas materializadas no partido dos trabalhadores se tornaram vencedores e assentaram lugar entre as hegemonias em construção do brasil anos 2000.

ambos os movimentos venceram, mesmo por sobre tanta divergência, rivalidade, incompreensão mútua e preconceitos recíprocos. teriam vencido com maior velocidade, se se tivessem assentado nos surrados princípios-irmãos de liberdade, igualdade, fraternidade.

continuam avançando entre passos largos, ainda que os teatros da birra se revalidem enquanto brigam feito adultescentes de pepeta no beiço lula, gabeira, bornhausen, severino, heloísa, jefferson, marta, serra, dirceu...

não fosse suficiente a intolerância recíproca praticada entre a política e a sexualidade (com flagrante desfavor para a última), joão silvério segue adiante na descrição de outro cisma, outra diáspora: o que caracterizou e caracteriza as relações periclitantes entre a militância gay e a militância intelectual. a considerar as palavras e experiências do autor, reprimidos eram os homossexuais pelos militantes de esquerda (heteros, bis ou gays), reprimidos foram os homossexuais pelos intelectuais (gays, bis ou heteros). liberação sexual manteve o status de tabu, ainda mais com o vírus-fantasma da aids tomando conta do pedaço e instalando o pavorduto entre gregos & tucanos, entre militares & paisanos.

é dessa discussão que quero extrair dois grandes parágrafos de "devassos no paraíso", que parecerão esotéricos a quem não queira saber de petismo, homossexualidade, luta de minorias, luta de classes e o escambau, mas têm tudo a ver com dilemas vigentes e dominantes no brasil de 2005, este bebê que só agora está começandinho a aprender a necessidade política/humanista do respeito e da admiração desinvejosa pelo próximo. vai, silvério, vai:

"nesse universo espremido entre a cooptação política e a epidemia da aids, os temas debatidos pelo movimento de liberação homossexual brasileiro acabaram indo parar, direta ou indiretamente, em salas de universidades, na década de 1980. sobretudo nas áreas de sociologia e antropologia, instaurou-se uma tendência mais crítica ao liberacionismo guei, com base em referenciais teóricos típicos do período. na esteira das reflexões do francês michel foucault, sobretudo, esss estudiosos partiam do pressuposto de que o liberacionismo homossexual incentivaria a formação de uma 'identidade guei' e, portanto, estaria reinstaurando a função normatizadora dos médicos e psiquiatras, por colocar a sexualidade dentro de definições e categorias estritas. assim, sua crítica centrava-se contra a ideologia identitária, que levaria a uma nova compartimentalização e a uma nova forma de poder. esse debate alastrou-se entre os jovens universitários, mas não conseguiu apresentar propostas alternativas àquelas criticadas e que reorientassem as lutas pelos direitos homossexuais no país. ao contrário, o debate teórico contribuiu para minar as incipientes idéias políticas do abalado movimento homossexual, necessariamente fundado na construção de uma identidade possível. o mais próximo da prática que tais críticas conseguiram chegar foi a máxima: 'não sou homossexual, estou homossexual" - ostentada como signo de modernidade em certos grupos de intelectuais gueis de então. ora, sinais emitidos compulsoriamente pela sociedade bastam para comprovar que, em contrapartida, não se pode estar heterossexual. ao contrário, a sociedade exige ser heterossexual e, portanto, impõe a heterossexualidade como padrão de normalidade. além das punições sofridas, alguém que esteja homossexual irá, na melhor das hipóteses, integrar a horda dos mendigos da normalidade - em busca, talvez, de um casamento de conveniência, como nos velhos tempos. não é de estranhar que muitos estudos de gênero produzidos no período resultaram em dissertações discutíveis e distanciadas da realidade, beirando a masturbação intelectual e levando à mesmice."

"ainda assim, parece-me impossível uma adequada análise dos caminhos e descaminhos da homossexualidade tornada 'questão', no brasil, sem levar em conta os antropólogos e outros estudiosos de gênero que, receio eu, podem constituir uma nova elite do controle da sexualidade - especialmente em se tratando de um país onde a universidade costuma deter todo o acesso ao saber. aliás, por semelhante motivo, o poeta e ensaísta octavio paz dizia que os antropólogos correm o risco de se tornar os herdeiros diretos dos missionários católicos. apesar das justas críticas que se possam fazer aos rumos tomados pelo fragilizado movimento homossexual brasileiro na década de 1980, isso não justifica o menosprezo que certos antropólogos da sexualidade muitas vezes manifestaram, de modo quase hostil, contra o liberacionismo homossexual como um todo, talvez ressentidos diante de certa tendência antiintelectual comum entre os ativistas gueis de então. a verdade é que, protegidos pelos muros do saber universitário, tais professores acabaram ignorando as sutilezas e ricas contradições do ativismo guei historicamente realizado e tenderam a deixar de lado discussões importantes ocorridas em muitas de suas áreas, no brasil ou fora dele; a questão da autonomia política, por exemplo, e suas ressonâncias no universo das relações humanas e sociais. nesse sentido, receio que o titubeante movimento homossexual tenha tomado os rumos mais conformistas, na época, exatamente por causa da omissão de muitos intelectuais homossexuais, que preferiram não sujar as mãos, inclusive para não atrapalhar sua carreira universitária, e assim deixaram morrer à míngua propostas muito promissoras. se vários desses intelectuais chegaram a namorar e até mesmo privar com o movimento homossexual, é muito estranho que, fazendo a crítica do que vivenciaram, tenham se colocado acima da crítica. além do mais, ao fugirem do espinhoso problema da 'identidade guei' como o diabo foge da cruz, suspeito que tais estudiosos reproduziram um antigo pudor universitário e, com isso, o enrustimento como estilo de vida comum entre homossexuais de antanho. da minha parte, prefiro usar um argumento dos antropólogos contra médicos e psiquiatras, para lembrar que, assim como esses últimos, também antropólogos e intelectuais 'participam ativamente na história do homossexualismo' [peter fry e edward macrae]. seria saudavelmente subversivo se eles, enquanto homossexuais, vivessem essa história por dentro, de modo a se fazerem resolutamente sujeitos e não camuflados (porque pretensamente neutros) objetos de suas próprias análises. com certeza, é essa pretensa 'neutralidade' que tem mantido a homossexualidade trancafiada nos armários da universidade brasileira".

engraçado, a omissão dos intelectuais sentida por trevisan desde os longínquos anos 80 parece ser a mesma moeda corrente da nova modinha de "denunciar" o "silêncio dos intelectuais" diante da suposta ruína do castelo petista. se, na curva de espaço-tempo de quase 30 anos, a omissão intelectual pode caber como fio unificador dos reclames dos pirracentos radicais da esquerda e da sexualidade, pode-se enxergar aqui um sinal de que os velhos irmãos às turras são bem mais parecidos do que dissonantes, não?

eis aqui onde eu gostaria de chegar, reivindicando o auxílio luxuoso de joão silvério trevisan. se tratada como pretenso compromisso de "neutralidade", a manutenção, por qualquer pessoa, de zonas-tabu em sua identidade (sexual, física, racial, moral, social, política, afetiva, amorosa, psíquica, econômica etc.) se torna, por si só, a bactéria letal, o vírus, a aids, o ímpeto suicida, o câncer instalado, a morte-em-vida. não é o et de varginha que estraga nossa festa, é o rombo guardado escondido lá dentro.

a robotização causada pelo hábito de tornar "invisíveis" - clandestinas - nossas características, er, "diferentes" redunda em zonas de medrosa clandestinidade, em pequenas zonas-fantasma rondando identidades que não podem dizer orgulhosamente seus nomes, em pequeninos segredos guardados que fariam ruir o mundo se descobertos pela sociedade implacável (como se a sociedade, sendo composta por indivíduos "imperfeitos", já não conhecesse um a um todos aqueles segredinhos).

se despida de qualquer laço de orgulho (mesmo que discreto e resguardado), a identidade individual violentada de cada um de nós redunda coletivamente no silêncio dos intelectuais, no autoritarismo da mídia, na covardia dos vira-casacas, no preconceito contra as mil e uma minorias (seja ele praticado por quem for, maioria ou minoria), na chantagem, no suborno, na propina nossa de cada dia, na corrupção, no mensalão, na auto-ilusão que torce também secretamente pela ruína ética da sociedade toda (ou, no mínimo, do "bode expiatório" que constitui o hemisfério supostamente miserável de nossa sociedade-mente maciça, inteiriça).

fora do namoro (antinarcisista) diante do espelho com nosso mosaico de identidades, mesmo que o reflexo resulte confuso e todo esburacado, há apenas uma sina: a de todos - malufistas & troianos, hedonistas & baianas - termos que nos resignar em ser para sempre mendigos auto-iludidos da "normalidade" inalcançável, praticantes protestantes de uma ética que vale para o universo inteiro, menos para nós mesmos da boca para dentro.

roupa suja se lava em casa. mas o vento puro do ar livre é necessário para que a roupa limpa seque rapidamente, solta, leve e livre das traças do bolor.

[* este texto tem um tópico-irmão, logo aqui embaixo; a síntese entre os dois nós faremos depois, juntos, aqui, ali, em qualquer lugar]

hoje: lava roupa todo dia, que agonia (que agonia?) *

você já leu alguma análise ampla, abrangente e serena sobre a crise política que governa o brasil-2005? quero dizer uma análise adulta, que não se precipite à angústia e ao alvoroço de fechar posição estabanada contra lula, o governo e o pt, nem tampouco a favor deles. leu? aposto que não leu. no elogio à adultescência que tem erigido o pilar central da grande imprensa brasileira de 2005, serenidade é artigo raro, é mico-leão dourado aterrorizado diante do pânico da extinção precoce.
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por isso é que exulto ao topar com a grande análise em oito páginas "o pt e seu labirinto", por feliz "coincidência" estampada nas páginas da revista em que eu trabalho (não, nem conheço seu autor, raimundo rodrigues pereira; só sei que ele é jornalista experiente e, hoje, independente). sua reflexão parece um elogio à maioridade cidadã, porque não foi feita sob os objetivos delirantes de apear lula do poder, ou ancorar lula ao poder, mas antes para analisar a conjuntura e os contextos com os elementos que possuímos à mão para fazê-lo, em plena vigência da dramaturgia da conjuntura e dos contextos. simples assim. simples e raro, como água não poluída.
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infelizmente, no site da "carta capital" só é possível ler os primeiros parágrafos da análise. para lê-la inteira, é preciso procurar e encontrar a revista, no velho e maltratado formato papel. tá pensando que análise serena e adulta dá em árvore? não dá no pé, tem que ir ao tororó. quem quiser vatapá que procure fazer.
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em minha opinião, trata-se de interpretação essencial, de grande alcance, fundamental para quem cobice entender um quindinzinho do que seja da crise que vive, da origem da crise no seio do próprio governo, dos interesses (mal) escondidos por trás dela. traz informações tão óbvias e públicas que nem hão de ser encontradas nas páginas da "veja", da "folha", do "estado", da(o)s "globo"s etc. sem almejar explicar o que está escrito lá, copio aqui-agora alguns desses trechinhos que, de tão óbvios, nem despertam o espírito investigativo dos grandes meios de comunicação controlados por patriotas da iniciativa privada interessados exclusivamente no bem geral e público da população brasileira (morou na ironia?).
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vai parecer complicado o labirinto percorrido por pereira, mas tenho certeza de que você conseguirá compreender.
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"a transformação de lula no anti-lula completa-se depois de eleito. isso pode ser visto por um detalhe: o comportamento do governo em relação à cpi da evasão de divisas, também chamada de 'cpi do banestado'. as investigações sobre a evasão vinham de antes. tinham se destacado graças ao trabalho de um procurador da república no paraná, celso três, que conseguiu na justiça a quebra do sigilo bancário de contas especiais - as chamadas cc5 - abertas pelo banco central em foz do iguaçu. em maio de 1998, através de 'carta capital', três denunciou o desvio de r$ 30 bilhões por meio de '117 empresas e 11 figurões'. em fins de 2001, os americanos, interessados em perseguir eventuais terroristas árabes da região de foz, começaram a passar para os investigadores brasileiros arquivos bancários relativos a doleiros que operavam nos eua a partir de remessas que partiam de agências bancárias naquela cidade. e, no começo do governo lula, com a expectativa de grandes mudanças no país, a polícia federal e o ministério público decidiram aprofundar a investigação dessas contas."
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"em abril de 2003, a polícia federal, depois de uma operação em nova york com apoio dos americanos, apresentou no congresso brasileiro um relatório das investigações. o documento apontava nomes bastante conhecidos no pfl e no psdb: citava jorge konder bornhausen, s. motta, josé goldenberg, josé serra, wigberto tartuce, ricardo sérgio de oliveira. descrevia um 'esquema maluf', por onde teria saído dinheiro ilícito do ex-prefeito e ex-governador de são paulo. falava de uma 'conta tucano', através da qual teriam sido movimentados us$ 176,8 milhões (note-se, mais ou menos dez vezes o caixa 2 assumido por delúbio soares, de cerca de r$ 50 milhões), chegando ao detalhe de cerca de us$ 18 mil que teriam sido pagos à apresentadora do programa de tevê de josé serra na campanha de 2002, valéria monteiro. a esta altura, no entanto, o governo lula já tinha se distanciado claramente da idéia de alterar o sistema de remessas para o exterior pelas contas cc5. a equipe econômica que escolhera era tão conservadora quanto a de fhc e iria aprofundar o ajuste econômico neoliberal."
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"a cpi acabou instalada, à revelia do comando governista, em junho de 2003. e terminou de forma melancólica no início de 2005, sem a aprovação de uma conclusão final. ela acabou se voltando contra o então chefe da casa civil, josé dirceu. curiosamente, como coordenador político do governo na época, dirceu tinha comandado o esforço primeiro para evitá-la e, depois, para contê-la. parlamentares do psdb e do pfl fizeram vários discursos dizendo que o 'comissário' josé dirceu montara com a cpi um banco de dados para perseguições políticas ao estilo soviético. 'ninguém duvida - disse o senador tasso jereissati, do psdb - que sob o comando do zé direcu', 'a cpi do banestado montou um banco de dados sobre empresários, passando dos limites legais'."
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"[em 2005,] embora a economia ancorada nas exportações começasse a dar resultados espetaculares para umas poucas centenas de grandes empresas e bancos e a criar um expressivo, embora pequeno, surto de emprego formal, a base governista começou a se agitar; o partido perdeu as eleições para a presidência da câmara em fevereiro, e em junho jefferson abriu o bico. o escândalo escancarou todas as debilidades do partido que parece ter acreditado que realizaria profundas mudanças políticas no país sem qualquer ruptura, sem um choque com as forças extremamente conservadoras que o controlam e que o tornam, há séculos, um dos mais injustos do mundo."
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"a revista 'veja', a maior do país e a pioneira nessa denúncia, fala do escândalo nestes termos: ele teria sido provocado por 'uma quadrilha que avançou sobre o dinheiro público no governo lula', com 'apetite pantagruélico', 'naquele que vem se revelando o maior e mais audacioso esquema de corrupção da história política brasileira'. essa avaliação, que é a da maioria dos meios de comunicação das empresas do grande capital, não se apóia nos fatos ou nos precedentes históricos. não há, até agora, prova de uso de dinheiro público no esquema delúbio-valério que é o centro do escândalo. (...) em termos quantitativos, é um escândalo irrisório. a comissão de inquérito do congresso que apurou remessas de dinheiro para o exterior mandou, no ano passado, à receita federal uma lista com os nomes de todos os que tinham enviado mais de us$ 100 mil para fora entre 1998 e 2002, para que fosse verificado quem tinha pago os impostos devidos e os faltosos fossem punidos. o resultado: r$ 224,2 bilhões de multas, para centenas de empresas e alguns milhares de pessoas. perto desse montante, os r$ 56 milhões do esquema delúbio-valério são uma migalha: 0,02%."
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"na história do país, a imprensa sempre amplificou crises. e sempre com o sentido de apoiar as forças mais conservadoras. em entrevista a 'carta capital' e também em sua coluna no jornal 'valor', (...) o cientista político wanderley guilherme dos santos disse: 'a grande imprensa levou getúlio ao suicídio, com base em nada; quase impediu juscelino de tomar posse, com base em nada; levou jânio à renúncia, aproveitando-se da maluquice dele, com base em nada; à tentativa de impedir a posse de goulart, com base em nada. a grande imprensa em países em desenvolvimento é a grande porca das instituições..."
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vejo provas vivas (mas mórbidas) da precisão dessa avaliação de wanderley no noticiário destes dias. exemplos?
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severino cavalcanti, 'ladrão de galinhas' do atual escandoloduto traficado pela mídia, foi alçado a todas as manchetes garrafais, execrado unanimemente por todas elas. foi humilhado publicamente pelos repórteres que o acossaram em nova york. sub-produziu mais um "herói sem nenhum caráter" versão século xxi: o ultra-canastrão sebastião buani, um "miserável" fornecedor de rações alimentares a bacanas brasilienses (severino contra sebastião, os males do brasil são?).
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no histórico 9 de setembro de 2005 (alô, dunha!), paulo maluf foi preso, soterrado por uma montanha de provas acumuladas maior que a pilha de manchetes anti-severino - nem por isso maluf ganhou de severino a prioridade nas manchetes (paulão & seu filho flavião, os males do brasil não são?).
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menor prioridade ainda mereceu uma reportagem acanhada em baixo de página da "folha" em que um perito avaliava que a assinatura de severino, naquele documento provador de suborno que poderá motivar sua ruína e cassação, não corresponde ao modo habitual de severino assinar seu nome. poderia ser uma falsificação? deixa para lá, manchetes assinaladas não se apagam jamais.
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e então vem o arauto moralista clóvis rossi coroar os abusos no artigo "todos malufaram" (nem todos, caro rossi): vocifera contra o brasil (e contra o povo brasileiro, suponho), que estaria invertendo valores e prioridades ao permitir que a prisão de maluf merecer menos espaço no noticiário que o assalto ao galinheiro de severino. como se quem definisse as manchetes dos jornais fosse essa garatuja mítica denominada "brasil", ou então seu sórdido povo, e não os gloriosos chefes de jornalismo & seus sabujos.
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daí que é preciso ir buscar ar fresco nas seções "do leitor", hoje os espaço mais progressistas dos jornais, apesar de toda sorte de opiniões fascistas e autodestrutivas que também cabem ali. fecho totalmente com a opinião da superleitora (e historiadora) sheila schvarzman, que assim se posicionou no "painel do leitor" da "folha" de clovis rossi: "é insuportável ver, uma vez mais, um corruptor vertendo suas lágrimas na primeira página do jornal. é hora de acabar também com essa hipocrisia. o pobrezinho empresário pagou porque pôde, porque quis, porque isso é uma prática institucionalizada entre todos, desde sempre. afinal, as ruas das cidades podem receber restaurantes, e o senhor buani, se não fosse conivente com a prática, se não se beneficiasse da clientela certa e de outras vantagens, iria, como outros concorrentes seus, dar duro em outra freguesia. chega de desfaçatez. chega de apontar nos outros os erros que nossa sociedade permite e incentiva. chega dessa falsa idéia de que a pureza será resgatada excluindo os defeitos que estão sempre no outro. é fácil e covarde". bravo, sheila, bravo, bravíssimo!
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ei, você aí. já escovou os dentes, lavou as mãos e tomou banho hoje? molhou as mãos (as suas, as de algum outro)? e autocrítica generosa? já fez a sua, hoje?
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ah, não foi mera invasão das leitoras sem-texto, a da sheila. a ministra-chefe da casa civil, dilma roussef, dissera parecido no mesmo jornal, pouco antes: "afinal, você tem os corrompidos e os corruptores. esses jamais foram punidos, você não tem um caso de corruptor punido". a punição dos corruptores (de galinheiro) será inaugurada por severino cavalcanti, aquele que espuma bocas hidrofóbicas na profissão de xingo "rei do baixo clero" (alô, roberto carlos!, alô, luta de classes!)?
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dilma também se pronunciou contra a hoje popularíssima "delação premiada" (essa filha caçula de roberto jefferson) e contra o "julgamento político" sem provas (para ela característico de "regimes de exceção"). "não podemos repetir o período da idade feudal, em que eu tinha de provar minha inocência. mulheres tinham que provar que não eram bruxas", diz, anti-autoritária, a brava dilma. ela sabe do que está falando, foi torturada pelo regime ditatorial quando a delação era extraída mediante a punição da tortura, obrada por forças conservadoras que devem ser tias-avós das que hoje ensaiam premiar as delações.
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escrevendo outro abrangente artigo na mesma edição (359) da "carta capital" em que foi citado por raimundo rodrigues pereira, o cientista político wanderley guilherme dos santos avançou sobre o cisma e a diáspora que parecem ser vividas dramaticamente hoje pelos brasileiros que se julgam, se dizem ou se comportam como progressistas (ou "esquerdistas", se não lhe doer o palavrão). passando de raspão pelo pv de fernando gabeira ("deixo de fora o partido verde, por estar operando como abrigo de aventureiros, associados, no momento, à direita institucionalizada"), esse intelectual 100% não-silencioso lança-se à (auto)crítica do conservadorismo auto-sabotador exercido de dentro, por parte de petistas intelectuais e intelectuais petistas que integram aquela maioria que, segundo pereira, "para não cair nas más graças da grande imprensa conservadora, tem adotado uma atitude 'de quem não tem nada a ver com o problema', como disse a economista petista maria da conceição tavares" (incluam-se entre esses, por favor, todos os eleitores "decepcionados" de lula, sejam ou não "intelectuais"). escute esta canção, veja esta canção do wanderley:
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"lêem-se as declarações de, literalmente, clubes de famílias paulistanas, fundadoras do pt, indignadas com o que fizeram com o que tratam como o seu quintal, pregando re-fundações e re-pactuações. explicam os escândalos como resultado da falta de caráter de alguns dirigentes. isso é auto-ilusão, no melhor dos casos. no pior, é a evidência de que o partido dos trabalhadores, o acontecimento político mais relevante na história política brasileira, sofre cerrado assalto, ao mesmo tempo, dos reacionários de fora e de dentro da legenda. a busca das origens equivale a uma confissão de quem se refugia no passado porque não tem ânimo para decifrar o futuro. é a direita doméstica". bravo, wanderley, bravo, bravíssimo!
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e auto-ilusão, você já praticou hoje? se acostumou ao hábito, sem nem saber quando, onde e por que adquiriu tal hábito anti-higiênico? se apega ao passado por medo do futuro? e o presente, como/onde é que fica?
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direita doméstica, pois é. sacumé? manja a "cafetina" jeany mary corner, a "mulher pública" cuja existência tem enchido de pavor as existências dos "homens públicos" (alô, vange!)? ninguém soube expliciar tão bem quanto ela nestes dias o que é que o wanderley tá querendo dizer com esse papo de "direita doméstica". falando à "folha", jeany revelou quem é seu atual ídolo político brasileiro: heloísa helena, do ultra-esquerdista (será mesmo?) psol. com o perdão dos termos chulos e caricatos que vou utilizar agora, eu adoro assistir à forte atração da "puta" pela "freira" (e espero que seja correspondida, e que a brava heloísa aceite a reivindicada filiação de jeany no seu psol).
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eu não tô falando que a puta é a freira, e vice-versa, assim como a esquerda festiva é a direita doméstica, e vice-versa?
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ou você acha que é à toa que jeany mary corner não hesita em nomear seu outro ídolo político atual, de envergadura tão sólida quanto à de helô helê? sim, é ele, roberto jefferson, ele mesmo, o paizinho postiço da "delação premiada" e dos "julgamentos políticos". jeany está entendendo tudo, tudo, tudinho, mesmo filiada (infelizmente, na minha opinião) à vertente esclarecida da direita doméstica, aquela que consegue abençoar o improvável casamento ideológico entre helô helê & bob jeff.
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mais drástica ainda que a direita doméstica esclarecida deve ser a direita doméstica auto-iludida, aquela perpretada pelo altivo fernando gabeira, intelectual e militante político-comportamental que tantas boas contribuições já prestou ao brasil. num ataque de "com meu cabelo grande eu fiquei contra o que já sou", gabeira tem se declarado "arrependido" da "encrenca" que ajudou a criar, por tudo que fez para ajudar a subida de lula ao poder (no longínquo 1989, gabeira foi cotado para vice de lula, mas foi sobrepujado por pressões que incluíam, até mesmo, insinuações homofóbicas). depois de tanta luta, gabeira arrependeu, cansou, jogou a toalha. encarna hoje o mais ferrenho inimigo dos nordestinos "ignorantes" lula e severino.
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de mãos dadas com gabeira nesse ímpeto, aparece o senador pefelista de perolados olhos claros jorge bornhausen. direita doméstica de alto garbo, o libertário gabeira hoje forma outro casamento ideológico improvável, com um oligarca sulista freqüentador das listas de beneficiários das contas cc5 lá de cima, que, não bastase isso, volta e meia deixa escapar laivos nazifascistas contra aqueles que deve julgar inferiores a sua estampa ariana - entre os quais certamente se contarão às centenas nordestinos, homossexuais, mulheres, negros, petistas & outros companheiros. o que é isso, companheiro?
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seja enrustido ou esclarecido, conservadorismo é isso aí. noivado de gabeira com bornhausem dá lobisomem. casamento de helô helê com beto jé dá jacaré. e nem adianta querer discutir os sexos dos anjos.
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é por essas & outras que pulo dos cantos do auto-engano para as cantorias do auto-comhecimento, da radicalidade da direita doméstica para o nomadismo da esquerda cigana. remeto-me à entrevista concedida a silvana arantes, bem longe daqui, lá em veneza, pelo cineasta brasileiro fernando meirelles, diretor de "cidade de deus" e um dos amplificadores, para o mundo, do brasil (cidade-estado de deus) de seu jorge & mv bill, dadinho & zé pequeno, deize tigrona & tati quebra-barraco, serginho & lacraia, & outros milhões de anônimos. meirelles acha que "o que está acontecendo no brasil é muito bom", que "essas coisas sempre existiram, e nós fingíamos que não".
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prosaica, a conclusão dele é a mesma que, acho, deve explicar por que o brasil, apesar de tanta crise, anda firme, alegre & pintado de verde-amarelo (até nas famosas boates modernas!), mesmo quando a orquestra da auto-ilusão luta para nos fazer crer no bicho-papão de que o precipício está próximo. vai, meirelles, vai: "a crise dói, como todas as crises doem - as pessoais, as profissionais, as matrimoniais. mas estamos na situação do cara que vai ao analista para procurar resolver os seus problemas e não de quem tenta se matar. o risco-país não aumentou. o país não parou. continuamos trabalhando muito, todos os dias, como sempre fizemos e, ao mesmo tempo, lavando a roupa suja". é que, o fernando sabe, é tempo de desafiar as atávicas pulsões de morte que nos fazem crer que carregamos a sina de sermos apenas metade, o hemisfério miserável do mundo (de nossa cabeça). é deste partido que quero a carteirinha de filiação.
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é que, 505 anos depois de seu cabral, o brasil tem descoberto que se atirar ao desconhecido causa medo, vertigem de suicídio, tristeza, crise. mas que sairá voando graciosamente, toda vez que houver fortalecido bem as asas antes de pular.
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você já voou um pouquinho, hoje em dia?

[* este texto tem um tópico-irmão, logo aí em cima; a síntese entre os dois nós faremos depois, juntos, aqui, ali, em todo lugar]