segunda-feira, fevereiro 19, 2007

carta de elforria

já que é carnaval, fico aqui encantado com o funk carioca "alcatraz", composto e interpretado pela surpreendente mc dandara sol (que nome incrível para uma mc de funk carioca!), e trazido cá para o asfalto pelo dj marlboro. cê tá escutando?

"alcatraz"
(mc dandara sol)

"fazer média pro pobre na televisão
tu pode achar maneiro, doutor, mas eu não acho, não
desce do salto, segue a ladeira, sobe o morro
nem só de sonho vive um povo
vá, que alcatraz é lá
desce do salto, segue a ladeira, sobe o morro
vai ouvir o gemido do povo
vá, que alcatraz é lá

lá no morro a vida é sofrida, só deus intercede por nós
e nas noites de balas perdidas a dor sufoca nossa voz
vi lá no beco um menino caído, inocente, pagou pelo mal que não fez
no último tiroteio na minha favela morreram foi seis

dizem que o criador de alcatraz queria criar era uma grande senzala
pra que de lá o negro saísse, mas hoje, livre, o negro não se cala
pode me botar de cabeça pra baixo, de pernas pra cima, mas eu vou cantar
tenho carta de elforria, brasileira, guerreira, pronta pra lutar"

por que será que a gente cá do asfalto costuma resistir tanto a dar ouvidos ao que um simples funk está querendo nos dizer? será que o nosso bloqueio de escuta é simplesmente por querermos seguir fingindo que a realidade ali exposta com tamanha objetividade e nitidez não tem nada a ver com o nosso comportamento cá no asfalto? e aí seguimos nos "indignando" só quando o menininho do asfalto é arrastado até o chão?, e aí seguimos no julgamento (a)moral em estribilho de autodefesa surda, de que "o funk é uma droga"?

e aí não pararemos nem um minutinho sequer para indagar se mc dandara sol tem mesmo a carta de "elforria" dela?, se eu tenho a minha carta de "elforria"?, se você tem a sua carta de "elforria"?, se nós temos mesmo nossa carta de euforia?

[p.s. momesco: o desfile da viradouro foi histórico, his-tó-ri-co, histórico, não foi? falando na bucha de jogo, de cartas, de b(c)aralho, de vício, de roleta (russa), quem diria... onde estará wally, neste imenso carnaval?]

[p.s. funkeiro: alguém aí sabe alguma coisa sobre a mc dandara sol? me conta?]

[p.s. carnafunk: o funk É o samba?]

terça-feira, fevereiro 13, 2007

feijoada (in)completa

e aí eu tô voltando, mas ainda beeeeeeem devagar, quase parando. tudo em riba por aí?!

então tem aquilo que a minha língua estava coçando para discutir na janela vremêia, desses causos aí das identidades nacionais e das identidades não-nacionais de nossos artistas e bandas, e, por contigüidade, de nós mesmos. freava a língua porque estava preparando uma reportagem sobre mais ou menos isso para a "rolling stone" brasuca (aí, de novo, a mistura entre identidades brasileiras e identidades estrangeiras, mora?). agora já está no ar, na edição número 5, o texto "made in brazil", se você der um pulo lá me conta aqui se bateu, como bateu etc.

outra coisa, tipo mural de avisos: a protagonista do "prata da casa" de hoje (terça 13, 21h) é mariana aydar, cê sabe como é, né? a moça já anda badalada na mídia dominante, mas achei que era bacana convidá-la, no mínimo porque ela é, incontestavelmente (você já ouviu?), uma promessa para essa nossa veterana e fatigada mpb. e o bacana é que, mesmo badalada, ela topou a parada - e vamos lá nós conferir (vamos? ou você prefere esperar a benetton topar patrocinar, a sanyo garantir o som, a g.e. iluminar, a macintosh entrar com o vatapá, o "jb" fazer a crítica?... mesmo sendo gratuita a entrada?...)!

no mais, que mais? depois de uns quase dez dias sem acompanhar o noticiário-em-manada, já me pego de frente com esse treco de redução de maioridade penal, com o habitual furdúncio-de-mídia, haja, viu?... há não muito tempo, já "conseguiram" manter o armamentismo pelo "não" ao "não às armas", depois veio o pcc e todo mundo ficou assoviando para alto, fingindo que uma coisa não é, em parte, conseqüência da outra. agora volta "remodelado" o mesmo papo defensivo, bélico, criminalizador, acuado, parece que a experiência amarga não ensina nada aos "livres" armamentistas confinados nos condomínios de ferro gradeado, credo. depois da próxima leva de violência e radicalização, vão fingir de novo que o cu não vive em íntimo contato com as calças?

outra que parece mobilizar a mídia-em-ataque-de-nervos (alô, dona globo!), mais-um-pouco-de-mais-do-mesmo, é o estardalhaço por causa da classificação indicativa [chama isso mesmo?, só li notícias pela transversal (do tempo), hihihi] nas nossas tão conscensciosas e educativas televisões. a globo, parece, já está naquele mesmo pique dos tempos (recentes, você não acha?) de ancinav, conselho de jornalismo etc. a gritalhada surda para qualquer opinião contrária só grita o sambinha duma nota só: "censura!", "censura!", "censura!". ãhã, acham que a gente não está vendo nem entendendo nada (ou seja, que nossas nobres tvs não estão tão preocupadas com "censura", "autoritarismo" e a clicheteria toda quanto com a determinação em continuar garantindo as mesmas mordomias e mamatas de sempre)? pois teremos que ver, pois as coisas parecem estar levemente mudadas (vide roberto carlos, que desta vez, parece, não conseguiu satisfazer o capricho de interditar um livro sério a respeito dele).

no mais é isso, devagar, devagarzinho. tenho aqui umas coisas sobre música para falar, mas acho que vai ser só quando a preguiça começar a passar um pouco mais, viu, bichim?... por enquanto só tô voltando, devagarinho, um abraço e um beijo para todo mundo que ajudou a manter o blog positivo e operante durante o descanso do guardião-de-araque! eu tô voltando!...

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

meia-entrada-inteira-dobrada, paratodos

ei, você aí! esquindô!, o carnaval já se insinua pelas frinchas do brasil inteiro, você não tá sentindo?! mas, ei, e sobre este estado de coisas descrito aqui abaixo, você se arrisca, em pleno carnaval (quand'onde o nobre É o plebeu e a plebéia É rainha), a dar pitaco, a se posicionar, a participar de mais esta construção coletiva? [digo "participar" ao ar livre, por fora, porque por dentro, na penumbra, já participa(mos), né?] ou não, muito pelo contrário, cê não tem nada a ver com isso?, só estava por aí (*) de passagem?, pulando bem nobre por entre os pingos da chuva plebéia, pros pingo da chuva não te moiá?

[(*) glossário: "aí" = "na cultura brasileira" = "no mundo".]


BENEFÍCIO OU ENGODO?
A concessão de meias-entradas vira terra de ninguém. Sob uma avalanche de falsificações, cresce o movimento pela moralização do acesso à cultura

POR ANA PAULA SOUSA E PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Numa das apresentações da peça Camaradagem, encenada pelo Grupo Tapa, em São Paulo, o borderô atesta: dos 73 ingressos vendidos, 64 receberam o benefício da meia-entrada. No Reserva Cultural, cinema freqüentado, basicamente, pelas classes A e B, também em São Paulo, 75% dos bilhetes são comprados por quem tem carteirinha de estudante.

É a própria União Nacional dos Estudantes (UNE), que brigou pela criação desse benefício, que faz a avaliação dessa despropocional estatística: “Houve uma mercantilização total da carteira de estudante", atesta Gustavo Petta, presidente da entidade. "Não existe nenhum controle de qualidade, entidades cartoriais sem nenhum papel político ou cultural são criadas só para vender carteira e fazer negócio. E os produtores fizeram o quê? Passaram a dobrar os preços praticados e a vender meia entrada a todo mundo. É um engodo, uma enganação”.

O cenário é de confusão. De abusos. Desde que, em 2001, uma medida provisória retirou da UNE a centralização da emissão de documentos de identificação estudantil, as carteirinhas se multiplicaram, sem que se definisse a responsabilidade pela fiscalização, algo que acabou levando a uma avalanche de carteirinhas falsas.

O direito à meia-entrada, conquistado pelos estudantes na década de 40, sempre teve detratores históricos, como os donos de cinema. Hoje, porém, desagrada a gente de todos os lados: donos de teatros e casas de shows, artistas, entidades esportivas e os próprios consumidores.

A unanimidade gera mobilizações como a articulada pela emergente Associação Brasileira dos Empesários Artísticos (Abeart), que luta pela instituição de uma lei federal que "regulamente" e "moralize" o acesso à meia-entrada no Brasil, segundo as palavras de seu presidente, Ricardo Chantilly, ex-empresário do grupo pop Jota Quest.

“Estamos no pior cenário possível. Todo mundo está na famosa lei do ‘me engana que eu gosto’. Eu finjo que dou desconto, o estudante finge que paga meia-entrada, o político finge que está fazendo algo”, resume Ricardo Chantilly. “Estou assumindo, como produtor, que, do modo como as coisas estão, o cidadão está pagando dobrado para ter cultura no Brasil”.

Refere-se ao fato conhecido, mas dificilmente admitido pelos agentes culturais, de que os preços têm se inflacionado diante da distribuição indiscriminada de carteiras de estudante. Hoje, o cidadão que consome cultura sem desfrutar do benefício está vivendo uma espécie de regime “pague dois e leve um”.

Uma das razões da confusão é a existência de uma série de leis estaduais e municipais, às vezes conflitantes, sobre o tema. A dispersão remonta à década de 80, quando a indústria cultural movimentou lobbies no Congresso Nacional e conseguiu evitar a aprovação de uma lei federal de meia-entrada. Os estudantes decidiram recorrer às assembléias e câmaras municipais.

Não bastasse essa dispersão, outra surgiu em 2001, quando o ministro da Educação de FHC, Paulo Renato Souza., retirou da UNE e da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) o controle exclusivo da emissão de carteirinhas. A Medida Provisória nº 2.208 autorizou qualquer "estabelecimento, associação ou agremiação estudantil" a emitir "documentos de identificação estudantil". A partir daí, a emissão se disseminou, inclusive pela maciça falsificação por parte de não-estudantes determinados a gozar do benefício do meio-ingresso.

As centrais estudantis perderam o controle da distribuição, mas não o ônus da “culpa” por todo e qualquer caso de falsificação. No início do primeiro mandato, o presidente Lula chegou a prometer à UNE que revogaria a MP, mas ela continua em vigor. Procurado por CartaCapital, o Ministério da Educação, que tem vínculos diretos com essa questão, não se pronunciou.

No atual contexto, em que vparuis setores começam a buscar uma convergência, há, por exemplo, quem reavalie a UNE. “Era um monopólio, o que não é simpático a ninguém. Mas era certo, porque pelo menos havia um órgão regulador e centralizador da emissão”, diz Chantilly. “Quando a UNE concentrava, era um pouco melhor”, concorda Valmir Fernandes, presidente do Cinemark, a maior rede de cinema do Brasil. “Agora, com várias instituições podendo emitir as carteirinhas, essas leis estão completamente desmoralizadas.”

A possível volta do controle para as mãos da central estudantil também gera resistência, como expõe Eduardo Tolentino de Araújo, diretor do Grupo Tapa: “A UNE usava a emissão para se subsidiar e também liberava carteirinha para todo mundo”.

Mas nem a UNE parece mais disposta a reivindicar o papel de controladora do processo, até por admitir que não tem condições de coordenar as tarefas de emissão, distribuição e fiscalização. “O que a gente defende é um mecanismo que, inclusive, sirva para fiscalizar a gente mesmo. Nem queremos que volte o modelo exclusivo, achamos que deve haver uma regulamentação, sob acompanhamento do Ministério da Educação (MEC)”, afirma Petta.

Por seu lado, a UNE tem sido alvo preferencial de denúncias de fraude. Em março deste ano, por exemplo, duas jornalistas da Folha de S.Paulo obtiveram carteirinhas emitidas por um convênio firmado entre a UNE e a Rádio Jovem Pan, sem sequer precisar apresentar comprovante de que fossem estudantes. As críticas recaíram sobre a entidade, enquanto sua parceira naquele convênio, a rádio Jovem Pan, era poupada de maiores responsabilidades.

Segundo o tesoureiro da UNE, Rovilson Portela, a Jovem Pan distribuiu, em 2006, 100 mil carteiras para estudantes universitários e 30 mil para estudantes secundaristas, cobrando, em média, 30 reais por emissão e repassando 4 reais à entidade. "A nossa intenção era fazer convênio com uma empresa que propiciasse uma rede especial de benefícios aos estudantes", justifica Petta. "A legislação atual não tem nenhuma restrição a esse tipo de associação", diz, reconhecendo que há um vazio de fiscalização nessa área.

O convênio com a rádio é apenas um exemplo. Outro, com a agência de intercâmbio e viagens Student Travel Bureau, que emite as chamadas carteiras Isic (Internacional Student Identification Card), resulta, segundo o tesoureiro, numa média de 600 mil carteiras emitidas por ano. A UNE afirma ter emitido 465.194 carteiras em 2005.

No atual estado de coisas, carteirinhas são emitidas em locais tão variados quanto entradas de festas de peão e a rede de fast-food Pizza Hut. “A Skol e a Rádio Mix têm uma carteirinha, o que pode até ser legal, mas é imoral, uma deturpação do objetivo da lei. Você não pode fazer carteira de cerveja para jovens, isso é muito grave. Por que a cerveja está dando desconto no meu negócio? A Fernanda Montenegro por acaso ganha desconto para comprar cerveja?”, pergunta o presidente da Abeart.

“A falsificação hoje é uma indústria. E os produtores têm razão quando dizem que não podem arcar com essa promoção quase generalizada”, admite Juca Ferreira, secretário-executivo do Ministério da Cultura (MinC). Apesar do tom crítico, ele deixa claro que as soluções para o problema ainda são nebulosas. “O que eu posso dizer é que esse assunto estará na ordem do dia no segundo mandato do presidente Lula. A acessibilidade à cultura é o mote do ministério, então temos que tratar dessa questão.”

A acessibilidade – e, por conseqüência, o sentido da carteirinha – é mesmo outro dos nós da situação, que se entrelaça com a falsificação generalizada. Na rede Cinemark, que cobra 21 reais por uma entrada no Shopping Iguatemi, em São Paulo, no sábado à noite, a meia-entrada consome de 65% a 85% da bilheteria.

E em todos os cinemas a média é mais ou menos a mesma. “De 70 a 75% dos ingressos são de estudantes e pseudo-estudantes. Os funcionários já nem tentam mais controlar. E você sabe que não são nem desempregados nem estudantes carentes que vão ao Reserva com carteirinha fajuta, né?”, diz Jean-Thomas Bernardini, dono do Reserva Cultural.

“O cinema, hoje, é, em 90% dos casos, entretenimento, e não cultura”, pontua Bernardini. “Será que temos que subsidiar o estudante da FGV, que chega de Audi ao cinema para assistir 007? Mas quase sempre, quando falamos nesse assunto, fica parecendo coisa do lobby dos donos de cinema querendo ficar mais ricos.”

Na mesma direção vai o presidente da Abeart: “Do jeito que é hoje, esse benefício existe só para nós que moramos na Suécia brasileira. Será que quem vive na periferia freqüenta esses espetáculos? Será que a população tem de ganhar desconto para ver Zezé di Camargo e Luciano, Ivete Sangalo, Cirque du Soleil?”.

Para o presidente do Cinemark, “a porcentagem de meias-entradas é menor nos lugares de menor poder aquisitivo, até porque, quanto mais você freqüenta, mais interessante fica a falsificação. No Brasil, as pessoas de baixa renda não vão ao cinema e, do jeito que está, elas têm de pagar um preço artificialmente elevado”.

Tais dilemas estendem-se à produção realmente cultural, como evidencia o diretor teatral Eduardo Tolentino. “É surreal! Se o Estado acha que o estudante deve ir ao teatro por um preço menor, deveria subvencioná-lo”, diz, evocando um confronto constante entre a iniciativa privada e o papel do Estado: “Além de subvencionar estudantes, eu subvenciono mais um monte de gente que tem direito à meia-entrada. Um dia, eu estava na bilheteria e vi o hollerith de um juiz, que o apresentou pra comprovar a idade. A aposentadoria dele era de 25 mil reais mensais. Eu também me pergunto se estudante das redes pública e privada não é diferente”.

No Reserva Cultural, apesar de o ingresso mais caro custar 16 reais, o preço médio é de 10 reais. “Tem esse estigma de que o cinema é caro. Muita gente reclama, mas, quando falam comigo, eu penso: ‘Você está pagando para todos os outros que usam carteirinha’. Sem meia-entrada, eu poderia baixar para 10 reais”, garante Bernardini. Será mesmo?

Se há quem lute pela mera extinção do benefício (como associações de clubes de futebol, por exemplo), há também quem se comprometa com a tese de que uma regulamentação da meia-entrada virá, sim, acompanhada de uma redução nos preços da cultura. “Nós somos a favor da meia-entrada. O que queremos é moralizar, é criar uma carteira de verdade. O preço vai cair”, promete o presidente da Abeart.

Outros donos de cinema dão a mesma garantia e, para provar que não se trata de mero discurso, recorrem a um exemplo prático. Em Porto Alegre, até maio de 2006, não havia meia-entrada para estudantes. Nesse mês, enquanto em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília o Cinemark cobrava 18 reais pelo ingresso no sábado à noite, em Porto Alegre esse valor era de R$ 12.

Mesmo após a instituição da carteirinha, o preço médio de Porto Alegre continua sendo um dos mais baixos dentre as capitais brasileiras. “É um dos poucos lugares em que conseguimos fazer promoções e manter um preço menor”, diz Adhemar Oliveira, sócio da rede Unibanco Arteplex, que mistura o conceito dos multiplex de entretenimento a filmes de arte. “Mesmo depois da criação da lei, a carteirinha é usada de maneira racional”, pondera, referindo-se ao fato de o desconto de 50% valer apenas para dias de semana. Num sábado, por exemplo, a carteirinha gaúcha garante apenas um abatimento de 10%.

O que os setores organizados envolvidos tentam, agora, ainda em relativo silêncio, é colocar o assunto em debate no Congresso Nacional. Não faltam projetos de lei em tramitação nos âmbitos federal, estadual e municipal, muitos deles propondo a expansão do direito. Há projetos, por exemplo, de concessão de meia-entrada a doadores de sangue, a menores de 21 anos, a portadores de deficiências etc.

O projeto que atrai maior convergência de interesses entre entidades estudantis, artistas, exibidores e produtores foi apresentado pelo deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ). “É muito bom. Prevê uma cota de 30% para meia-entrada, postula a perda do benefício em áreas VIP e camarotes e prevê que a perda de receitas resultantes do desconto seja deduzida do pagamento de impostos devidos. Aí, sim, o Estado estaria arcando com o custo, e não os artistas”, diz a compositora e coordenadora do Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música, Cristina Saraiva.

Ainda em tramitação nas comissões da Câmara, o projeto de Paes dever ser arquivado porque o deputado não voltará à Câmara em 2007. “Mas já estamos preparando um novo projeto de lei, para pôr na mão de algum senador no início do próximo ano”, afirma Chantilly. A expectativa é de que, chegando ao Congresso, o debate alcance de modo significativo a sociedade, o que não aconteceu até agora.

Essa é outra ponta que tende a ser eximida de responsabilidades quando o assunto é a cadeia de enganos em que se transformou a meia-entrada: a do consumidor de classe média ou alta, adulto e não-estudante, que, embora auto-identificado como honesto e cioso de sua cidadania, cada vez mais adere às inúmeras formas de falsificar o documento.

Uma publicitária de 32 anos afirma a CartaCapital, sob a condição do anonimato, que mantém o privilégio “meio no esquema de que ‘ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão’”. Se os agentes culturais denunciam a omissão do Estado, a “cidadã comum” mostra identificar nos produtores de cultura os agentes que a estariam lesando: “Colocando a mão na consciência, acho feio. Mas acho mais feio ainda a cultura custar tão caro. É claro que tudo tem um preço, mas eu acho que existe abuso. Não acho realmente necessário cobrar 150 reais pelo ingresso de um show, ou 400 reais por uma cadeira no picadeiro do Cirque du Soleil. Esse, nem com carteirinha falsa eu tive coragem de ir”.

O que fica evidente é que não se pode mais falar em acesso à cultura no Brasil sem que a meia-entrada seja debatida, sem subterfúgios, por todas as pontas da sociedade.

[reportagem originalmente publicada na "carta capital" 423, de 13 de dezembro de 2006.]