quinta-feira, novembro 20, 2008

ela finge que me ama. e eu finjo que acredito

um elegantíssimo cd oferece flores em vida a uma das glórias do samba, nelson sargento, hoje com 84 anos. em "versátil", ele interpreta alguns temas inéditos, convida dona ivone lara e zeca pagodinho para cantar e recupera algumas jóias antigas (menos aquele histórico, mas puído samba que "agoniza, mas não morre").

a elegância está por toda parte de "versátil", menos num pequeno detalhe tão estranho que me motivou a trazê-lo aqui, para tecer alguns comentários (demarcados abaixo por intermédio de n1ú2m3e4r5o6s) e pedir opiniões e avaliações aos excelentíssimos leitores & leitoras sobre toda essa esquisitice.

trata-se de um texto de dois parágrafos, impresso no encarte do disco e assinado por ninguém mais, ninguém menos que nelson sargento. vai aqui copiado o recado de n.s., que já começa estranho pelo título, "Bem estar bem" (1):


"É muito importante - e ao mesmo tempo gratificante para todos nós - quando uma empresa (2) do porte e da envergadura da Natura tem a preocupação em investir, com dignidade, respeito e amor, na cultura do país onde atua e foi criada (3), exaltando e presigiando músicos, cantores, compositores (4) e todas as outras formas de arte, de um modo geral.

O Projeto Natura Musical tem um papel deveras espetacular (5) na música e uma nobre missão; (6) tirar do ostracismo ou do esquecimento (7) artistas de real valor (8) que, sem esse magnífico projeto (9), seriam eternamente ilustres desconhecidos (10). Parabéns e que dure para todo o sempre (11)".


(1) este é o slogan comercial de determinada fábrica, ou eu estou redondamente enganado?

(2) qual seria sua expectativa ao saber que nelson sargento escreveu um texto para o cd de nelson sargento? não seria de ouvi-lo discorrer sobre arte, música, samba? a minha era. mas olha ele aí falando de... "empresa"!

(3) até aqui, empresa, empresa, empresa. empresa impecável, diga-se, tipo assim a oitava maravilha do mundo, nos dizeres surpreendentes de nelson sargento. mas empresa.

(4) a música! ela chegou, até que enfim!, depois de 43 palavras, entre elas "empresa", "porte", "envergadura", "natura".

(5) "deveras espetacular"??? bem, isso até leva pinta de letra de samba de n.s., mas... "deveras espetacular"???

(6) sic para o ponto-e-vírgula; será que não houve revisão do texto por parte do "espetacular" projeto n(...) musical?

(7) alguma vez na vida você já viu algum sambista, algum cantor, algum artista referir-se assim tão direta e abertamente a seu próprio (suposto) "ostracismo", a seu próprio (suposto) "esquecimento"? eu nunca vi, nunca, nunca, nunca - e olha que já entrevistei às dezenas, talvez às centenas, artistas que talvez pudessem se enquadrar nesse rótulo carcomido e despistador de auto-responsabilidades. de gretchen a guilherme de brito, nunca ouvi ninguém autodeclarar-se "no ostracismo". estranho, muito estranho. deselegante até, eu diria.

(8) "artistas de real valor"? isso até já ouvi de diversas bocas próprias. mas na boca de um sambista? um sambista referir-se a si próprio como "artista de real valor"? juro, isso eu nunca vi - o que é até meio lastimável, uma demonstração triste da síndrome de autovitimização que no passado acometeu muitos sambistas e sambas, inclusive nelson sargento e "agoniza, mas não morre" (que, se você não lembra, assim se auto-apieda: "samba/ agoniza, mas não morre/ alguém sempre te socorre/ antes do suspiro derradeiro").

(9) tá, "magnífico", já sei. eu até concordo, nada de errado em a natur"ez"a integrar o samba, retirá-lo da penúria, fazer marketing de sua própria bonomia. mas, ah, é demais pedir um mínimo de elegância, nem que seja para fazer jus à tal nobreza do homenageado? ou seria até aquela tal nobreza uma modalidade mercadológica?

(10) "ilustre desconhecido", o nelson sargento? mesmo com "agoniza, mas não morre", "falso moralista", uma série de filmes em que atuou como ator e vários etceteras? e, de novo, n.s. em pessoa se autoclassificaria "ilustre desconhecido", você acredita mesmo? não há algo aqui ofendendo a inteligência do, er, consumidor?

(11) por favor, por favor, você que está lendo isto aqui. me explica, me ensina, me diz o que você está pensando sobre esse texto aí? me ajuda a entender o que é que há, o que está se passando?

em tempo, quem tiver visitado recentemente o blog-irmão pedroalexandresanches.wordpress.com notará imediatamente que este tópico foi instigado por um comentário do leitor guto, a propósito do show "labiata", de lenine. não emendarei a fala do guto aqui, para não encompridar demais, mas a copio na janela vermelha, imediatamente após publicar este tópico, e você entenderá facilmente o que está em jogo.

antes de terminar, só repito uma vez mais: nada contra as tramas do patrocínio, de modo algum, nem quero aqui desempenhar eu o "falso moralista". mas, ai, essa deselegância nada discreta, quem ainda agüenta, hein?

quanto a mim, só me traz irritação, e torna mais especial a faixa 12 de "versátil", quando n.s. canta de novo o genial samba antigo "falso amor sincero", aquele que diz assim: "o nosso amor é tão sincero/ ela finge que me ama/ e eu finjo que acredito". toda vez que seu nelson pronuncia "ela", eu não consigo mais parar de pensar na natura.

tudo bem que, embora "ele" não o diga, a recíproca deve ser 100% verdadeira. né, seu sargento?

terça-feira, novembro 11, 2008

a casa caiu, reconstrua-se a casa?...

vamos a ela, agora ("carta capital" 521, 12 de novembro de 2008):

Tem gato e rato na tuba
Auditoria contra Wilson Sandoli provoca troca de acusações na OMB

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

TEM GATO E RATO NA TUBA


POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Menos de uma semana após Wilson Sandoli ter sido afastado da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), o presidente interino da seção paulista da instituição se adianta a uma auditoria interna e vem a público expor uma série de acusações contra o homem que foi instalado na instituição pela ditadura militar e lá permaneceu nos últimos 42 anos. Documentos exibidos por Roberto Bueno, que até setembro era vice-presidente de Sandoli, dão conta da compra de carros blindados e armas, empréstimos pessoais e até despesas de velório. Tudo com recursos da OMB, ou seja, dos contribuintes músicos.

Há dois anos, o ex-desembargador Sandoli acumulava as presidências do Conselho Federal, da sucursal paulista da Ordem e do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado de São Paulo. Em 2006, foi obrigado a renunciar à duplicidade de cargos na OMB e abdicou da presidência nacional em favor do vice à época, o ex-militar João Batista Vianna, da seção carioca da instituição. Foi Vianna que conduziu agora o afastamento de Sandoli da regional paulista por 90 dias, enquanto a auditoria esquadrinha o sexto andar do edifício da avenida Ipiranga onde está instalada a OMB, no centro da cidade.

As fechaduras foram trocadas para bloquear o acesso de Sandoli, porque ele não estaria cumprindo o acordo extrajudicial que levou ao afastamento. O repórter entra na sede em atmosfera de filme policial, escoltado por integrantes da equipe de seguranças que monitora o local em tempo integral. Na sala de reuniões ornada com um grande retrato de Sandoli, auditores analisam pilhas e pilhas de documentos. Um dos advogados da OMB explica que uma auditoria realizada há alguns anos na seção paranaense culminou com o incêndio da documentação, daí a vigília redobrada.

Mais tarde, na mesma quarta-feira 5, o repórter voltará ao prédio, agora para entrevistar o próprio Sandoli. Sem acesso ao sexto andar, ele subiu ao sétimo, onde ficam instalações do Sindicato dos Músicos. Antecipa-se e responde sem ser perguntado sobre as insinuações de que os colegas do andar abaixo estariam sob ameaças, até de morte.

"Disseram que eu mandei matar, o que é isso? Eu vou fazer uma coisa dessas? Tenho um nome a zelar", protesta Sandoli, de 80 anos. "Estão fazendo terrorismo", diz o advogado que o acompanha, Nelson Altieri. "Precisa colocar cinco seguranças? Aqui ninguém é bandido", prossegue o ex-presidente. "Isso tudo é uma armação do Vianna, o presidente que eu mesmo coloquei lá no Conselho Federal, com o Roberto Bueno, que quer tomar o meu lugar aqui."

Ele gesticula, cruza os braços em torno dos próprios ombros e os abraça, para explicar: "Até outro dia, Bueno me abraçava, me beijava e dizia que 'desta cadeira ninguém tira o senhor'".

"Eu era vice e não sabia", diz e repete Vianna, de 83 anos, por telefone, do Rio de Janeiro. "Não peguei o relatório ainda, mas sei que são coisas absurdas. Ele parece um ditador, eu não aceito isso", afirma o homem que foi alçado pela primeira vez à presidência da regional carioca em 1979.

Em São Paulo, Bueno demonstra nervosismo, parece prensado entre os ambos os lados. "Vivo de música, não me chamo Wilson Sandoli", diz o maestro e dono de uma escola de música no Tatuapé. "Por que ele não fala comigo, se só me abraçava e beijava?", pergunta Sandoli, abraçando os próprios braços outra vez. "Então ele é um laranja?", dispara.

Vice até outro dia, Bueno é outro que se diz "surpreso" com o teor dos documentos. E enumera acusações, algumas delas amplamente conhecidas nos bastidores da música brasileira.

Mostra, por exemplo, comprovantes de que em 11 de janeiro de 2005 a OMB de São Paulo pagou 195 mil reais à Minasmáquinas Automóveis, por uma Grand Caravan da Chrysler. Numa outra nota fiscal, de 26 de fevereiro, a Ordem gasta mais 80 mil reais, para blindar o automóvel.

"O que tem ter carro importado?", devolve Sandoli. "O carro é da Ordem, os seguranças me buscam em casa, me levam. Eu tenho carro particular, este é para serviços da Ordem, festas dos músicos à noite."

A seção paulista se revela cliente assídua da Massaropi Artigos de Caça e Pesca. Em 12 de abril de 1999, Sandoli comprou em nome dele próprio uma pistola Glock calibre 380, no valor de 2.150 reais. No mesmo dia, foram emitidas notas fiscais em nome de três outras pessoas físicas, pela aquisição de três pistolas Taurus calibre 380, por 1.300 reais cada. A compra total, de 6.050 reais, foi efetivada com um cheque da OMB paulista. Segundo Bueno, ninguém sabe do paradeiro de tais armas.

"As armas são para os seguranças, estão aí, não tem problema nenhum", contesta Sandoli. E a que foi comprada em seu nome? "Essa era para mim mesmo, eu ainda tenho. Era tempo de assallto, comprei para sair à noite, de madrugada, nos shows. Eu quase nunca usava. Nunca usei."

Sandoli rebate a história notória dos meios musicais, de que anda sempre armado. Levanta, apalpa os bolsos, mostra que estão vazios. "Nunca vim para a Ordem de revólver." Por fim, mostra o porte de armas que carrega na carteira. "Posso usar na hora que quiser. Mas não uso."

Outros documentos evidenciam que Sandoli adotou o hábito de fazer empréstimos a ele mesmo. Em 6 de outubro de 1999, por exemplo, o Conselho Federal emprestou 700 mil reais à regional paulista. "Não sei disso, para mim é novidade", diz o diretor afastado. No dia seguinte, o advogado liga para dizer que foi um "adiantamento pessoal". Em 23 de julho de 2003, a OMB emitiu um cheque nominal a Sandoli, no valor de 200 mil reais. Segundo o advogado, foi uma operação interna já contabilizada.

Os ex-aliados hoje sustentam que tal duplicidade de cargos nas duas casas foi a porta aberta para um sem-número de irregularidades praticadas de lá e de cá. Afirmam que a dívida da OMB paulista junto ao Conselho Federal é de 1,4 milhão de reais. Sandoli diz que já devolveu 300 mil reais.

Um documento de 18 de maio de 2006 dá conhecimento da venda da sede da OMB no largo do Paissandu, por 300 mil reais. A Ordem fez publicar edital de convocação de assembléia geral do conselho, para autorizar a venda do imóvel. Mas isso aconteceu em 22 de junho, mais de um mês após a transação. "Não sei, preciso ver a documentação", diz.

Segundo Bueno, em abril de 2005 a OMB paulista arcou com as despesas de funeral e enterro de Izabel, esposa de Sandoli, inclusive 69.714 reais gastos em anúncios fúnebres em jornais da capital. "Como era minha esposa, o secretário mandou publicar nos jornais, para os músicos ficarem sabendo. Eu fiquei uma semana sem vir à Ordem, eles mandaram publicar", diz. O advogado completa: "Foi o próprio Bueno que autorizou. É um absurdo, vão responder por danos morais".

Outras denúncias são cruzadas, de parte a parte, como no caso da interrupção de repasses de verbas entre regionais. Cada lado acusa o outro de pressionar integrantes dos conselhos e forçá-los a assinar documentos de apoio ou repúdio a este ou aquele presidente. De dois conselheiros procurados por telefone por CartaCapital, um não respondeu e outro disse preferir se "eximir".

Antes de sair do edifício já vazio, noite fechada, o repórter pergunta se o ex-presidente pretende voltar quando esgotarem os 90 dias de afastamento temporário. "Quero que façam auditoria, quero ver se provam alguma coisa contra mim." Mas e se depender dele, volta? "Preciso voltar, para mostrar que o trabalho aqui foi...", interrompe-se. "Fui eleito. Se fui eleito...", decreta, por cima das acusações correntes sobre fraudes em sucessivos processos re-eleitorais.

E como as estrelas da música nacional reagem diante de tais acontecimentos? Ao menos em público, o desinteresse parece geral. Uma frase recente do músico George Israel, do grupo Kid Abelha, durante um debate na Feira Nacional da Música, em Canela (RS), sustenta a impressão. "Eu não quero saber. Sou de um clube e quero usar a piscina, só", disse Israel, referindo-se ao escritório de arrecadação de direitos autorais.

Mas não é de hoje que a água tem escoado pelo ralo da piscina.

sexta-feira, novembro 07, 2008

a casa caiu?

está chegando às bancas hoje (sexta-feira 7), na "carta capital" 521 (12 de novembro de 2008), a reportagem "tem gato e rato na tuba". os sete primeiros parágrafos estão no site da revista, e indico-os aqui enquanto não publico na íntegra, porque a história me parece saborosíssima, e bastante simbólica destes tempos de brigas entre polícias civis e polícias federais, e de brigas entre policiais federais e policiais federais, e de brigas entre entes políticos em geral (com jornalistas no meio, como sempre), e de campanhas eleitorais morais, e de obamas, ibamas e osamas:

TEM GATO E RATO NA TUBA