sexta-feira, março 30, 2007

s.s., the brazilian idol

ei, você aí. topa (mas nada por dinheiro) parar para pensar por uns instantes nesta que é uma das relíquias do nosso folclore?

talvez você o ache "brega", odeie o que ele representa, simplesmente o despreze ou até mesmo seja fã e/ou dê uma espiadinha nele aos domingos (ou nas sessões sorturnas do programa "rei majestade"), mas de uma coisa eu tenho certeza: silvio santos faz parte da sua vida, assim como um roberto carlos da televisão (e do circo, nessa sua transversão pós-eletrônica em forma de plim-plim), assim como faz parte preciosa da minha vida também.

por essa & por outras, $ilvio $antos não merece uns minuto a mais da sua-nossa atenção?

(segue reportagem extraída da "carta capital" 437, de 28 de março de 2007. enquanto isso, na 438, já está circulando uma outra reportagem, dessa vez construída a partir do filme "ó paí, ó", de monique gardenberg - você já foi à bahia?, ainda não?)

E AGORA, LOMBARDI?
O SBT perde terreno com o desgaste do personalismo de Silvio Santos

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

No início de março de 2007, Silvio Santos decidiu ensaiar uma volta triunfal ao seu hábitat natural: os lares brasileiros nas tardes de domingo, pelo filtro da tela do SBT. Na tarde do dia 18, no programa Tentação, ele brincava de atirar às “colegas de auditório” frases risonhas no estilo “Lombardi, nós vamos tomar o dinheiro delas”, “o que importa é nós ganharmos o dinheiro delas” e “pobre se contenta com qualquer coisa”.

Nem tudo voltou a ser como era antes, no entanto. Nos três primeiros domingos, o renascido Programa Silvio Santos foi derrotado em audiência não só pela Rede Globo como também pela Record. E se distanciou um pouco mais dos tempos idos em que o animador e empresário podia apregoar sua rede de tevê como a segunda maior do Brasil.

Em reservado, Senor Abravanel (seu nome verdadeiro) admite a colaboradores que os programas de animadores de auditório são coisa do passado e que ele próprio, Silvio Santos, não dá mais ibope. A volta à programação dominical, aos 76 anos, soa como uma tentativa de reconquistar espaço de acordo com o mesmo modelo que fez dele rei absoluto da programação popular na tevê, dono de um sofisticado complexo empresarial e a pessoa física que mais pagava Imposto de Renda no País no ano de 2000.

Os sinais de que o Sistema Brasileiro de Televisão já não consegue mais se alicerçar no modelo que criou como alternativa ao “padrão Globo de qualidade” se acumulam desde 2001. Foi quando, num soluço de popularidade que não voltou a se repetir, o reality show Casa dos Artistas conquistou audiência e repercussão explosivas e, fato incomum para Silvio Santos, causou comoção não apenas entre o público habitual das faixas C, D e E, mas também entre as chamadas classes A e B, quase sempre aparentemente refratárias à suposta cafonice do homem do Baú da Felicidade.

Duas imagens recentes ajudam a consolidar a impressão de que Silvio Santos vem sendo atropelado por transformações que vão além do mero avanço da Record. Uma delas, no fim de 2006, foi a inauguração do hotel de luxo Jequitimar, no Guarujá (SP), sob um investimento estimado em mais de 150 milhões de reais e tido como o primeiro empreendimento do Grupo Silvio Santos destinado às classes A e B.

A outra diz respeito ao apresentador Carlos Massa, o Ratinho. Hábil condutor de programas naquele perfil popularesco e sensacionalista que fez o esplendor do SBT dos anos 90, ele amarga um prolongado inferno astral dentro da empresa. Seus programas têm sido submetidos constantemente a alterações e cancelamentos.

Freqüentador assíduo do “ranking da baixaria na tevê” criado pela Câmara dos Deputados, Ratinho ultrapassava 30 pontos de audiência no Ibope no fim dos anos 90. Em janeiro de 2007, o “jornalístico” Jornal da Massa pelejava para vencer o desenho A Turma do Pica-Pau, da Record, na faixa de 6 a 8 pontos. Segundo diagnósticos internos, a imagem sensacionalista dos programas de Ratinho passou a afugentar o mercado publicitário, e ele se tornou uma fonte de faturamento negativo e prejuízos constantes para o SBT.

A conhecida instabilidade de Silvio Santos frente à grade de programação atinge ápices inéditos, e não afeta apenas Ratinho. O troca-troca de horários e formatos desestabiliza a tradicional Hebe Camargo e a emergente Adriane Galisteu e coloca as equipes do departamento jornalístico em estado de apreensão permanente.

Em dezembro passado, o departamento de divulgação foi extinto, e a determinação vigente até hoje é de que os profissionais da casa não concedam entrevistas. Sem equipe de divulgação, o SBT parou de informar publicamente os horários das atrações, e a situação prevalecia ao menos até a quinta-feira 22, às vésperas da estréia da nova programação, que, segundo o reclame exibido no ar, iria “fazer a concorrência tremer de medo”.

Para o sociólogo Sérgio Miceli, autor do ensaio A Noite da Madrinha, sobre Hebe Camargo, Silvio Santos ficou com um naipe de alternativas desgastadas. “Hebe tem audiências muito baixas, é uma sobrevivente dela mesma, assim como ele próprio. São dinossauros de um outro momento”, avalia.

Miceli atrela o ocaso de tais figuras ao desenvolvimento do País como um todo: “A sociedade brasileira está vivendo transformações importantes. O efeito do aumento de escolaridade não aparece imediatamente, mas é evidente que depois dele a tevê nunca mais será a mesma coisa, terá outros padrões de difusão”.

Um profissional envolvido nas recentes reformulações do SBT atesta que a rede dispõe de pesquisas que apontam uma relação direta entre esse aumento da escolarização e o declínio da programação estilo mundo-cão: se a escolaridade aumenta, cresce em proporção direta o grau de exigência do espectador. Silvio Santos também sabe disso, mas aceitar que há um SBT que está morrendo lentamente e um outro que espera para nascer significa, também, jogar para o alto várias décadas de reafirmação do modelo personalista idealizado por ele.

“Crescendo dentro de um fenômeno de urbanização e migração cidade-campo, Silvio recriava a quermesse rural, o jogo e a brincadeira”, analisa o sociólogo e pesquisador de comunicação Laurindo Leal Filho. “Com isso, auxiliava na ressocialização desses migrantes, diminuía o choque deles com a cultura urbana. Hoje, o processo migratório já não se dá mais daquela forma.”

A hesitação constante entre conservar e modernizar parece povoar em cada detalhe o SBT, tido por muitos funcionários como uma empresa exemplarmente moderna em termos trabalhistas – quem tem carteira assinada, por exemplo, recebe todo mês uma cesta básica, que é entregue em domicílio.

Se, por um lado, Silvio insiste nos programas de auditório copiados de matrizes em Miami e na América Latina, por outro, dá sinais de preparar a própria sucessão. Na comemoração dos 25 anos de existência da rede SBT, em agosto passado, afirmou que não estará presente nos próximos 25 anos e que as filhas é que ocuparão seu lugar. Ele tem seis filhas, entre elas Patrícia Abravanel, diretora do braço financeiro do grupo (o Banco Panamericano), e Daniela Beyrutti, recém-nomeada diretora artística do SBT.

Um clima de tensão geracional parece compor o pano de fundo do atual momento. Há poucos dias, foi demitido Orlando Macrini, tido há longa data como braço direito de Silvio. A ascensão de Daniela, por sua vez, tornou-se visível no ano passado, quando ela dirigiu a primeira edição da versão nacional do reality show American Idol, destinado, de acordo com a publicidade, a revelar “o novo ídolo do Brasil”.

O programa Ídolos incorporou para si dicotomias entre popularizar e sofisticar, modernizar e conservar. Começou destoando dos padrões do SBT, com uma linguagem de edição dinâmica e inteligente. Revelou de cara o “ídolo” juvenil Leandro Lopes, um cantor rebelde de cabelos vermelhos arrepiados (e logo apelidado de “Pica-Pau”), mas ele foi sendo diluído e domesticado no decorrer do programa. Vencedor, estreou em disco pela Sony & BMG, mas vendeu modestas 32 mil cópias, em nada parecidas às cifras de milhões da indústria fonográfica dos anos 90.

Revigorado em 2005, o telejornalismo do SBT transformou-se no ano passado em alvo preferencial da indecisão quanto a faixas de público e modelos de patrocínio a ser buscados. Contratada para conduzir o SBT Brasil, Ana Paula Padrão ficou à mercê da inconstância de Silvio. Com índices de audiência menores que os esperados, teve de trocar seis vezes de horário, antes de acertar sua saída do telejornal e trocá-lo por um programa semanal de reportagem, SBT Realidade, que deve estrear na segunda-feira 26.

Ana Paula diz que está feliz com o novo rumo, que consolida a determinação trazida desde os tempos de Globo, de abandonar o posto de apresentadora de telejornal. “É difícil explicar, fica até antipático, mas eu sou repórter, gosto da rua. Não entrei nisso para ser famosa. Surfei na onda midiática, mas dizer que adoro sentar maquiada na bancada e ser reconhecida em loja? Não, não gosto.”

Dizendo-se desinteressada das meras guerras de audiência, ela afirma torcer por um novo nivelamento entre as diversas redes de tevê do Brasil: “Acho muito bom que se democratize a comunicação, o acesso à informação, a distribuição de informação. Toda hegemonia é ruim. Será bom para todos uma divisão mais razoável, contanto que seja limpa”.

Com a saída de Ana Paula, Silvio tomou pessoalmente as rédeas do SBT Brasil, que passou a ser apresentado por Carlos Nascimento e Cynthia Benini (ex-Casa dos Artistas). Roteirizou e dirigiu pessoalmente a gravação piloto do novo jornal. A estréia foi desastrosa, oscilando entre 2 e 4 pontos de audiência.

No processo, trocou também o comando geral do núcleo jornalístico, entregando-o a Paulo Nicolau (egresso da Record), em meio a lances folclóricos: o intermediador da vinda de Nicolau teria sido Itamar de Oliveira, colaborador antigo e ex-adestrador de cães do patrão do SBT.

Outra que esteve à deriva por longo período foi a equipe do jornalista Carlos Amorim, que trabalhou no Fantástico e foi um dos criadores do Domingo Espetacular, da Record. O plano de criar um programa de entretenimento e informação para os domingos foi iniciado e interrompido inúmeras vezes desde o começo de 2005, até o cancelamento definitivo e a demissão de todos os profissionais envolvidos, em março de 2007. Entre eles estava Magdalena Bonfiglioli, repórter do SBT desde a primeira transmissão do canal, em 1981.

Por razões diversas, programas como a revista dominical que não houve e o SBT Brasil imaginado por Ana Paula Padrão se ancorariam mais na credibilidade junto ao público e aos anunciantes que na disputa ponto a ponto pelo Ibope. Divergiriam diametralmente, portanto, da obsessão por audiência dos tempos espalhafatosos de Ratinho e Gugu Liberato, que por vezes produziram episódios deprimentes, como o da falsa entrevista de dois supostos integrantes do PCC no Domingo Legal, em 2003.

Participariam de um lento distanciamento entre o SBT e as faixas C, D e E de público, que sempre o consagraram e que, por sinal, também se encontram em franca transformação, seja nos ditos “grotões”, seja nos centros urbanos. Esse deslocamento, como observa um ex-diretor do SBT, poderia fazer a rede cair para quarto ou quinto lugar no ranking das tevês.

Todos os fatores de mudança tropeçam, um por um, nos valores e na vaidade do Silvio animador e “artista”, que sempre andou lado a lado com o empreendedor certeiro que ele também tem sido ao longo das últimas cinco décadas.

Carioca da Lapa e filho de um comerciante que chegou a se viciar em jogos de azar, Silvio nasceu pobre, mas, contrariando o chiste que ainda comete com as “colegas de auditório”, não se contentou com qualquer coisa.

Antes de se tornar o homem do Baú, dos domingos e do SBT, foi camelô nas ruas, locutor de anúncios via alto-falante na barca Rio-Niterói, animador na Rádio Nacional, orador em comício político, apresentador de circo. A título de ilustração, sabe-se que até hoje usa uma fritadeira elétrica e um forno de microondas para preparar ele mesmo suas refeições, nos intervalos entre as gravações.

“O SBT é muito estruturado em cima de uma pessoa só, da visão de mundo e de sociedade de um homem de negócios formado na rua”, arrisca o especialista Laurindo Leal Filho. “Todas as decisões são tomadas a partir do feeling pessoal dele. Esse feeling dava certo porque era uma alternativa popular ao padrão Globo, mas talvez falte racionalidade, do ponto de vista de uma empresa de comunicação no mundo capitalista.”

Eis aí, enfim, o cabo de força hoje segurado numa ponta por Senor Abravanel, o empresário sofisticado, e na outra por Silvio Santos, o artista popular em pleno picadeiro. Enquanto luta consigo mesmo, nas arquibancadas e nos camarotes o público espectador também se encontra em pleno movimento.

sexta-feira, março 23, 2007

teatro, boate, cinema, qualquer prazer não satisfaz...

eu ainda quero falar um pouquinho mais sobre supermercados.

é que houve uma época, vários anos atrás, em que eu andava freqüentando uma outra loja do pão de açúcar. era ajeitadinha, apesar de apertadinha, e ficava bem na região fronteiriça entre uma área mais "nobre" e outra área "menos" nobre da provinciana, puritana, pura e pútrida são paulo.

um dia fui atendido no caixa por um rapaz negro que logo se demonstrou muito, muito, muito gentil, simpático e atencioso. não lembro se foi logo na primeira vez, ou se foi numa das próximas, mas eis que num "pluft" ele puxou assunto comigo, enquanto registrava os preços das minhas compras.

também não lembro se foi olhando na minha cara ou vendo o nome no meu cartão do banco, mas o que aconteceu foi que ele me perguntou, assim na bucha, se eu não era jornalista, se eu não escrevia na "folha".

sim, eu escrevia. e ele fez comentários e elogios generosos, fazendo bulir aqui dentro aquelas vaidades que a gente gosta à beça de ter (e por que não?), mas não gosta nem um pouco de admitir que tem.

admitindo um pouco mais, acho que, do alto dos meus mais estúpidos preconceitos, eu gozava o espanto feliz de descobrir que o caixa do pão de açúcar lia o jornal, lia a "folha" moderninha, lia o que eu escrevia, tinha me visto em sei lá que programa de tv, esse trambique todo aí.

pois então, o nome dele era andré, e a partir dali passei a acalentar o prazer tímido e acanhado de bater papo com o andré sempre que calhava de eu cair no caixa dele lá no pão sem açúcar.

e, vou dizer, ele elogiava, mas não me economizava também de uns bons puxões de orelha. reclamava docemente de alguma imbecilidade que eu havia escrito sobre o djavan, reprovava gentilmente o meu desinteresse pelo mano brown e pelos racionais mc's e pelo hip-hop brasileiro, e assim por diante.

não só por causa do andré, mas também por causa dele, fui desenvolvendo mui devagarinho um interesse pelo hip-hop feito aqui mesmo na minha vizinhança. tive orgulho quando afinal o andré pôde começar a ler textos falando de hip-hop, e assinados por mim. a partir de aprender a me interessar, aprendi também a gostar, olha só quanta coisa o andré me ensinou!

depois, o andré saiu do pão de açúcar (acho eu), e perdi o contato com ele.

mas um dia, passado mais um tempo (não me lembro direito da seqüência exata das coisas), eu recebi um e-mail do andré, com notícias do andré.

e passei a fazer parte de um mailing do andré, por intermédio do qual ele divulgava os poemas que escrevia. eram poemas sempre fortes, quase sempre atormentados e tristes.

aliás, não eram, são. porque até hoje volta e meia recebo o doce spam de poemas do andré.

nesse meio tempo, ele também me contou que estava pelejando pela vida, e que estava freqüentando o curso de teatro do antunes filho.

minha vaidade ficou batendo bola com meu orgulho (e com meus preconceitos, será?), uma coisa assim ping-pong. porque, ah, vá, posso confessar?, dá, sim, um calorzinho gostoso saber que existe uma particulazinha ínfima do meu trabalho de formiguinha ajudando a compor o esforço hercúleo de um jovem talentoso por conquistar o mundo.

ah, por falar em hércules... te contei que outro dia eu fui ao cinema ver um filme encantador (embora bastante doloroso), chamado "os 12 trabalhos"? fui, tinha umas sete pessoas na sala de cinema, é uma produção brasileira, paulista, paulistana, dirigida pelo ricardo elias, que eu não conheço.

"os 12 trabalhos" acompanha um dia na vida de um motoboy, um desses meninos crescidos que zunem de moto pela cidade afora, não raro formando turra com taxistas e atraindo a zanga e a raiva e o rancor de motoristas ricos-brancos-cultos-esclarecidos-despreconceituosos que adoram comer shimejis e shitakes fresquinhos adquiridos no pão de açúcar (se não nalguma importadora mais afamada e renomada).

sob trilha sonora hip-hop e não-hip-hop orquestrada com esmero pelo ex-mulheres negras e ex-karnak andré abujamra, "os 12 trabalhos" conta a história do motoboy, sob a ótica, sob os valores e sob as dores dele, do motoboy.

adotando o ponto de vista do motoboy, o filme de ricardo elias expõe (suponho eu) conflitos e pensamentos do motoboy que aposto que você nunca supôs que um motoboy teria, embora você mesmo(a) os tenha todo dia, assim como eu também.

mas, então, voltando aos supermercados.

heracles, o motoboy negro do filme, tem de cumprir ao longo do filme uma sucessão de tarefas hercúleas que garantam a ele, no fim do dia, a certeza (certeza?) de que o emprego de motoboy continuará sendo seu no dia seguinte.

e, num intervalo e outro da lida, ele se dedica ao que parece ser seu ofício de sonho e talento: desenhar. o motoboy heracles é um desenhista.

nem preciso te dizer que o heracles (interpretado pelo incrível ator negro sidney santiago) me fez lembrar do andré, trocentas vezes, durante o filme, preciso?

[o filme tem uma maioria quase absoluta de atores negros, será que é por isso que a maioria quase absoluta das cadeiras do (super)shopping(mercado) "gay" caneca estava vazia? ou é "só" porque o filme é brasileiro mesmo? você foi ver "antônia"?]

pois, eu vou te contar, não é que há em "os 12 trabalhos" um outro personagem, assim pequenino e discreto, também motoboy, chamado maguila, e não é que quem interpreta o maguila no filme é o andré, aquele mesmo andré com quem eu conversava no pão de açúcar?

não preciso te contar que meu orgulho aumentou mais uma bolotinha diante da tela cheia do cinema, preciso?

indo embora do cinema, passei em frente àquela loja apertadinha do pão de açúcar, em que nunca mais entrei. deu uma nostalgiazinha assim morna e macia, e eu estou até agora me perguntando, e te pergunto também: será que o pão de açúcar faz a mínima idéia sobre quem se esconde por dentro das meninas de piercing que recolhem os reai$$$ que edificam a "riqueza" da sua garbosa e gabola dinastia pato?

segunda-feira, março 19, 2007

tá na cara que o jovem tem seu automóvel...

estamos num desses bairros paulistanos tidos como "nobres" (ou quase), dentro de uma loja cintilante da rede de supermercados pão de açúcar.

notamos que a moça do caixa que computa nossos itens ostenta no nariz um minúsculo esparadrapo transparente (ou quase).

ficamos curiosos, machucou o nariz, foi?

não, não machucou. o esparadrapinho ali faísca discretamente para ocultar o que há por baixo dele: um minúsculo piercing de nariz.

perguntamos o porquê da faisquinha, e a mui jovem mocinha - algo desconsolada, algo conformada - nos esclarece que na, garbosa rede de supermercados pão de açúcar, funcionários são proibidos de usar piercings.

e nós estamos em 2007, a diversidade bombando lá fora.

e estamos em 2007, num bairro dito "nobre", habitado por gente tida como "esclarecida", entre cidadãos "conscientes" que detestam (e nunca, nunca, nunquinha praticam) preconceito, discriminação, seleção ideológica, cisão sócio-econômica, censura política, blá, blá, blá...

e estamos em 2007, num bairro "nobre", dentro de um supermercado "top de linha", abarrotado de produtos diet, light, orgânicos, preocupados a valer com nosso colesterol, nossa glicose, nosso meio ambiente, nossa ecologia.

lá fora do supermercado, dentro dos apartamentos, cidadãos e cidadãs de "bem" e de "classe" sorvem sua dose diária de alta cultura (e de alta costura) e degustam seus shitakes, seus shimejis e seus champignons adquiridos no pão de açúcar, enquanto comentam entre dentes como lutam pela liberdade de expressão, como prezam os direitos humanos, como deploram o racismo, como admiram a diversidade sexual, como toleram toda e qualquer diferença.

(alguns deles são até donos e/ou altos funcionários da rede pão de açúcar ou de outras tantas corporações "chiques", "prestigiosas", "pluralistas" e "politicamente corretas" que compõem a superestrutura desta sociedade.)

ocasionalmente, alguns deles até proíbem seus e suas "melhores" funcionárias e funcionários de usar piercing, saias, esmalte, lantejoulas ou tons escuros de pele.

e é em parte por conseqüência de sua adesão "cidadã" irrestrita ao livre arbítrio do livre mercado da autodeterminação dos povos dos méritos individuais de cada cidadão civil(izado) que a jovem menina do caixa do pão de açúcar não pode usar piercing no nariz, não, sinhô, não, yayá.

supomos, em nossa vã filosofia, que aquele apêndice "moderno" e "vulgar" poderia chocar fregueses mais conservadores, agredir o senso estético e a elegância de freqüentadores mais "finos", provocar piripaque em velhinhas mais cardíacas.

mas, não, dormirão tranqüilos fregueses, freqüentadores, velhinhas e altos executivos: piercing não pode!, a "nobre" família paulistana está salvaguardada!

enquanto o murmurinho corrói as árvores ao redor, comentamos com a moça do piercing camuflado que, assim, desse jeito, com aquele esparadrapinho meio arroxeado piscando no nariz, cada vez mais e mais gente freguesa ainda vai olhar e estranhar e perceber e perguntar e prestar atenção no piercing que o pão de açúcar (não) tolera e que ela (não) usa .

ela solta um riso discreto, mas satisfeito, e responde que sim.

quinta-feira, março 15, 2007

cafonas fueran los besos que me diste...

hegemonia norte-americana, george w. bush, imperialismo transnacional, aparato bélico apontado para o oriente? pfff, parece que não é desse tipo de papo que a comunidade hip-hop brasileira anda mais a fim atualmente... vai daí a seguinte reportagem, da "carta capital" 429, de 1 de fevereiro de 2007.

cafonas, sim!, e daí?!


MENOS EUA. MAIS BRASIL

Uma nova safra do hip-hop abre-se para o samba e para a canção dita “cafona”

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

O rap está descobrindo o Brasil. Quase 20 anos após o advento dos Racionais MC’s, a temporada mais recente de lançamentos de discos do gênero aponta para uma marcante mudança de comportamento entre os artistas de hip-hop: as bases e os samplers (amostras musicais incluídas dentro dos raps) de temas norte-americanos vão cedendo espaço às referências de música brasileira, que, pela primeira vez, se multiplicam de modo a se aproximar da hegemonia.

O segundo dado de impacto diz respeito a qual é esse Brasil que está sendo descoberto pelos rappers verde-amarelos. A dita MPB, aquela que ao longo das últimas décadas foi se confinando a nichos elitizados governados por uns poucos medalhões, segue encontrando pouca ressonância na abundante leva nova que inclui nomes (às vezes inusitados) como Ca.Ge.Be, GOG, A Família, SNJ, Criolo Doido, Z’África Brasil e Negredo, entre tantos outros.

O rap se reconcilia com a música brasileira, mas privilegiando seus setores mais marginais, notadamente o samba “de raiz”, os ritmos nordestinos tradicionais e, mais ainda, a música comumente chamada de “cafona” ou “brega”. Entre os samplers escolhidos para dar bases musicais às rimas, referências constantes são Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Roberto Carlos, Celly Campello, Altemar Dutra, Paulinho da Viola, Lindomar Castilho, Zé Ramalho, Paulo Diniz, Zeca Pagodinho, Amado Batista e muitos outros.

Muros altos de preconceito e medo tiveram de ser demolidos para que o gueto do rap passasse a ensaiar a construção de pontes de ligação com o samba ou com a canção não elitizada. A abordagem é ainda hoje ressabiada: muitos artistas começam a conversa creditando a aproximação ao desejo de homenagear os gostos musicais de mães e pais.

É o que demonstra César Sotaque, do grupo Ca.Ge.Be (abreviação de Cada Gênio do Beco), formado por quatro rapazes e uma menina da periferia norte de São Paulo, que estréia com o surpreendente Lado Beco (editado pelo selo Equilíbrio, de KL Jay, um dos Racionais). César explica, levemente constrangido, qual é a base do impactante rap Missão Comprida: “O sampler é de Barros de Alencar. Faz parte da minha infância, minha mãe sempre ouviu muito rádio AM. Não digo que gosto, mas criei um carinho com música brega, jovem guarda. Queremos ter nossa identidade, que é brasileira. O rap tem de assumir a cara nacional. Mais de 80% do CD é de sampler brasileiro, queríamos que fosse tudo”.

Algo parecido diz Gato Preto, do grupo paulista A Família, que reúne integrantes da capital e do interior e estreou em 2006 com o CD Cantando com a Alma: “É difícil os mais jovens conhecerem Altemar Dutra, Bartô Galeno, Paulo Sérgio, mas esse é o pessoal da nossa infância. Era o que nossos pais ouviam em casa, minha mãe cozinhando, com o radinho de pilha ali tocando, o cigarro de palha na boca”.

Baião, coco e embolada também fluem por essas árvores genealógicas, como ilustra Gaspar, do grupo Z’África Brasil, que apresentou há pouco seu segundo álbum, o denso Tem Cor Age, em cujas rimas e melodias são onipresentes Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, Zumbi e Lampião: “A influência nordestina vem da minha família. Meu pai é sanfoneiro do Rio Grande do Norte, depois a família toda migrou para o Ceará, ele está em São Paulo há 40 anos. Antes, o embolador ia para a Praça da Sé com um pandeiro, hoje a gente vai com dois microfones e um DJ. É tudo o mesmo som do canto falado”.

O vínculo materno reaparece na fala de Bastardo, do inspirado e já veterano grupo SNJ (Somos Nós a Justiça). No 100% independente A Esperança É o Alimento da Alma, a banda se abre, pela primeira vez, à citação de Tim Maia e a um sampler de Se Você Pensa, de Roberto Carlos. “O sampler é uma homenagem à minha mãe. Mas ela não gosta, fala que eu estraguei a música dele”, brinca. “É um jeito de a gente conseguir convencer uma pessoa de 40 anos para cima, que gosta de Roberto Carlos e Rita Lee, a escutar rap.”

Vem de Bastardo uma indicação de que sons nativos não chegam ao rap apenas como homenagem a pais e mães: “Sou ‘fãnzão’ de Roberto Carlos. O que eu quero é mostrar sons que curto e não têm nada a ver com rap, mas podem ser usados de um jeito que fique com a nossa cara”.

O que soa como novidade maior é um discurso inédito que começa a reconhecer que há vínculos evolutivos entre a música brasileira e o filhote rebelde hip-hop, já que não é de hoje que rappers se nutrem, sem alarde, dessas fontes (é bom lembrar que Jorge Ben e Tim Maia estiveram desde os primórdios no DNA dos Racionais). Um dos pontos de virada, como vários admitem, foi o esboço de aproximação de nomes de certa visibilidade, como Rappin’ Hood, Marcelo D2 e Xis, com o samba mais consistente e a canção nacional tradicional.

Mas, mais que o carioca D2 e os paulistas Rappin’ Hood e Xis, o desbravador louvado pela maioria dos novos artistas chama-se GOG (codinome de Genival Oliveira Gonçalves). É de Brasília e se movimenta com desenvoltura (embora sempre à margem da mídia) no rap paulista da capital e do interior. No novo CD, Aviso às Gerações..., ele sampleia da black music nacional de Cassiano ao romantismo “cafona” da jovem-guardista Lilian (Sou Rebelde, de 1979, é a base de Sonho Real, um rap sobre o MST).

Pois GOG se aventura por essas praias há tempos. O excelente Tarja Preta, de 2004, apostava na diversidade da música brasileira, liquidificando referências díspares como Elis Regina, Jorge Ben, Wanderléa, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Raul Seixas, Vanusa, Toquinho & Vinicius de Moraes, Toni Tornado, Legião Urbana... O romântico Paulo Sérgio, que iniciou carreira em 1968 como êmulo do “rei do iê-iê-iê” Roberto Carlos e adquiriu contornos de mito popular ao morrer precocemente em 1981, é a redescoberta de GOG que vem sendo ecoada por muitos dos novos grupos. O pernambucano Lenine, outro dos citados por ele em Tarja Preta, foi o primeiro a topar pavimentar a ponte também de cá para lá: em retribuição, convidou o rapper para participar de seu acústico na MTV.

Esse tipo de diversidade também é mote central do paulistano do Grajaú Criolo Doido, que apresenta a estréia-solo Ainda Há Tempo após 18 anos trabalhando com ação social comunitária, rap e circo. Ele cita e sampleia Celly Campello, Baby Consuelo, o samba culto Maior É Deus (de Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro), o mexicano Trini Lopez e, até, temas infantis de Walt Disney para Alice no País das Maravilhas e Os Três Porquinhos. “Uso Disney por ironia. Alice fala deste meu país maravilhoso e tão feliz, cadê esse país?”

Os artistas são unânimes em creditar parte da distância antes guardada ao medo da repressão pelos artistas sampleados. De fato, as colagens são feitas à base da transgressão, sem pedir autorização. O medo estaria diminuindo? “Eu não represento nada para a Disney, ainda não represento nada nem para o rap”, provoca Criolo Doido. “Não represento perigo para a Disney. Até queria que me processassem e tirassem o disco de circulação, quem sabe aí eu chamava a atenção”, ironiza.

Na faixa Voz e Violão, Criolo Doido explicita outro elemento crucial de diferenciação deste novo momento: o rap tenta, pouco a pouco, se libertar do rótulo de antimusical, aproximando-se também da melodia e de instrumentos tradicionais. Criolo Doido faz uma alegoria para justificar o rompimento de mais esse dogma: “O rap é uma religião fortíssima. Às vezes, a gente tem de ser duro para conquistar o respeito das pessoas, para só depois poder abrir os ouvidos e o coração”.

“É um crescente”, concorda Bastardo, do SNJ, que só no novo CD começou a usar violões, teclados e baixo. “Por todos os lugares do Brasil há grupos que estão não mudando de estilo, mas se encaixando em outros lados da música, na vontade de ser feliz, de progredir”, afirma, expondo o esforço atual do rap em se expandir além dos preceitos de protesto negativista de suas origens.

Isso significaria uma capitulação às críticas renitentes quanto ao “mau humor” desse gênero musical? Mais ou menos. É fato que uma vertente industrial algo suavizada tenta neste exato instante se impor, a partir dos discos das quatro protagonistas do filme Antônia, Negra Li, Cindy, Quelynah e Leilah Moreno. A ala feminina do hip-hop galga o pioneirismo de conquistar seu quinhão de expressão, às vezes fundadas demais no modelo de rhythm’n’blues mercadológico à moda norte-americana.

Num outro pólo, há artistas agressivos e sempre ignorados pela mídia, como Dexter (que lançou de trás das grades o forte Exilado Sim, Preso Não!) e o grupo Facção Central (cujo recente O Espetáculo do Circo dos Horrores, se alterna por temas como MST, guerrilhas, crítica política, situação carcerária etc.). No meio-termo, a politização extrema também rege o trabalho de grupos que procuram distender o rap, como GOG, Z’África Brasil, A Família, Ca.Ge.Be, Inquérito, Face da Morte etc.

Se a grande indústria multinacional se fascina diante das meninas de Antônia (três delas estão sob contrato da Universal), o rap de letras contundentes de vários desses grupos encontra guarida na distribuidora Sky Blue, cujo diretor artístico é Mister Sam, tutor nos anos 70 e 80 de Gretchen, a “rainha do bumbum”. “Já é tradição os caras do hip-hop virem aqui lançar seus discos. O cara grava e traz, a gente lança”, simplifica Mister Sam. Pragmática, a Sky Blue participa do processo pavimentando outra ponte outrora improvável: é ela que faz chegarem às lojas de qualquer shopping mauricinho os discursos mais contundentes da atual música brasileira, invariavelmente egressos das periferias.

Há ainda um ponto a comentar, e César Sotaque é o primeiro a citá-lo, falando pelo Ca.Ge.Be. “A maioria de nós terminou o ensino médio. É importante, e o começo de alguma coisa”, diz, contando que o grupo conduz carreiras paralelas de serralheiro, porteiro, babá, operário etc.

A sede de conhecimento parece estar em voga no rap daqui, no interesse pela história da música e do Brasil, pelos instrumentos musicais, pela literatura nacional (caso do grupo Mzuri Sana, que buscou em Machado de Assis a inspiração para sua Ópera Oblíqua). Caso emblemático é o de um dos grupos-revelação do momento, Inquérito, formado em Hortolândia (interior de São Paulo) e vencedor do Prêmio Hutuz (promovido no Rio pela Cufa, de MV Bill) de melhor rap de 2006, por Pais e Filhos.

Três integrantes do Inquérito cursam faculdade, um deles na Unicamp e dois na PUC de Campinas. “Sempre digo que sou um rapper na universidade, e não um universitário no rap, porque a idéia de fazer faculdade veio bem depois da entrada no rap. Aliás, veio muito do rap, de tanto escutar as letras do GOG. Resolvi fazer algo para a sociedade além do rap, pois no rap não dá para fazer tudo. Prestei vestibular dois anos até conseguir. Hoje posso dar aula para a molecada como voluntário em cursinhos comunitários”, sintetiza Renan. E é complementado pelo parceiro Klandestino: “Aprendemos com pessoas de outro nível social, e eles aprendem com a gente. Acredito que a revolução vai ser escrita, e não armada”. São novas facetas do rap, que o Brasil ainda está por descobrir.

quinta-feira, março 08, 2007

não, eu não sou uma bruxa! *

papelão, hein?... garanti que não ia sumir e... sumi!!!

é que, sabe?, foi dando uma modorra... as férias foram correndo pelas veias, bombaram as artérias, encheram os pulmões de oxigênio e se impuseram: "por favor, pare agora!". de escrever, eu quero dizer. o esqueleto estava precisando de repouso, o cérebro já circuitava em piloto automático, a ansiedade por escrever andava mais forte que o prazer e o gozo em escrever (tudo isso em período menor que quatro meras semanas, cê acha?! eu acho, eu achei...).

vai daí que agora miro pela frente o ofício robusto de lubrificar as juntas, reconectar o tico e o teco, readquirir o desejo de ter opinião em vez de ficar só observando e olhando e fazendo "hum" enquanto passa o comboio quase sempre tresloucado do dia-a-dia. algo me diz que vai ser devagar, que a vontade ainda é maior de ficar só espreguiçando, alongando, bocejando, ruminando... cenas dos próximos capítulos?: espero poder contar com a paciência [mas e a tagarelice? que fim levou? gato comeu?] da comunidade, das visitas repentinas, dos viajantes-em-trânsito, contarei? então, acho que é meio isso. câmbio, (ando meio) deslig(ad)o.

desligo? não, não desligo! já que músculo só enrijece na malhação, apenas algumas coisinhas, só pra não dizer que não falei de músicas.

1
o que ando farejando feliz e embasbacado nestes dias ainda preguiçosos é "yes, i'm a witch", o recém-lançado disco da veteraníssima yoko ano, 73 anos de diabruras e bruxarias inscritas num currículo para lá de interdisciplinar. achei (porque encontrei) o disco dela lá entre os perfumes de "sou culto" e "sou moderno" e "sou antenado" que exalam das tubulações sobretaxadas da daslu dos discos (quero dizer fnac, versão s.p). e achei (porque considerei) que o disco daquela que ainda hoje é tida como (ex-)sra. john lennon é fantástico, espetacular.

a primeira pessoa de quem me lembro toda vez que alguém profere perto de mim essa quase onomatopéia - yoko ono! - é luiz calanca, o incrível capitão da incrível nau-sebo-gravadora independente baratos afins. me lembro de suas debochadas camisetas em homenagem a yoko, de sua adoração incondicional por yoko e de uma de suas frases de efeito recorrentes (e também espetaculares), aquela que diz que "o meu beatle predileto é yoko ono". hoje, com "yes, i'm a witch" na caixa de som, fico me perguntando se, acima de qualquer efeito, o que as frases e camisetas do luiz queriam (como ele segue querendo, sempre) dizer ao excelentíssimo freguês, não era, mais simplesmente, algo como "deixa de ser preconceituoso, mané!, você por acaso alguma vez ao menos ouviu yoko ono antes de rejeitá-la?".

eu, freguês e discípulo, admito: não, eu não tinha ouvido. para mim, como para a torcida fanática da beatlemania, era tão mais fácil rotular yoko como a "megera destruidora de beatles", com base filosófica (fi-lo-só-fi-ca???) em todo aquele antiqüíssimo lengalenga do "bode expiatório, do "agente laranja", do "elemento emergente", para achincalhar a anarquia em que (alguns d)os beatles sonhavam (não tão) secretamente em mergulhar, e para legitimar a preguiça atroz de sequer ter curiosidade em conhecer o lado escuro do sol, dos sóis...

pois isso são águas passadas, você sabe. até mais que isso: quando artistas "modernos" como the flaming lips, peaches, le tigre, antony, jason pierce, cat power, dj spooky etc. etc. etc. se mobilizam para reprocessar os clássicos obscuros de yoko e transmutá-los para linguagens "atuais", talvez já tenha passado da hora de concluir (-questionar): agora é moda gostar de yoko (é?). pois que seja, com efeito daslu e tudo: nada mais gostoso que viver numa época em que os ouvidos esboçam um princípio de dilatação, em que as percepções (mesmo as mais consumistas) ensaiam se abrir para aquilo que tem a dizer o sempre oprimiddo elemento marginal expiatório (mesmo que multimilionário, como imagino que seja dona yoko) da esquina ali adiante (alô, arnaldo baptista!, alô, maria alice vergueiro!).

pois, ouvindo "yes, i'm a witch", eu me sinto nalgum termo suspenso no tempo e no espaço, entre a contemporaneidade do velvet underground e a contemporaneidade do cansei de ser sexy, entre a zoeira do "experimentalismo" e a fofura do "kiss kiss kiss", entre o fogo bélico do ocidente e a água bélica do oriente, entre a violência pontuda masculina e a violência entranhada feminina, entre a misoginia-homem dos beatles (dos mutantes) e a miso(andro)ginia-mulher de yoko (de quem?). e fico embevecido em perceber que a undergroundália continua viva e chutante, pairando além (ou melhor, aquém, aqui dentro) de todos esses valores em conflito, mesmo nas franjas do mainstream.

2
vai daí que também quero contar de um momento altamente inusitado que presenciei em férias, por puro acaso. estando em salvador nalguns dias de fevereiro, antes do carnaval, eis que me deparei não mais que de repente com um programa inesperado: um show-homenagem coletivo a mãe menininha do gantois, naquele espaço extraordinário que é a concha acústica do teatro castro alves (você já foi à bahia, nego?, não?, então...).

nem sei se os jornais daqui do umbigo-sul(deste) noticiaram, mas, vou te contar, era um treco assim: gal costa, caetano veloso, maria bethânia, gerônimo, mariene de castro e márcia short ficavam o tempo todo sentados no palco assim quietinhos, caladinhos, assistindo como nós ao show que eles mesmos (assim como nós) protagonizavam. a cada momento, um deles se levantava e solava, para a observação compenetrada, nossa e dos colegas, dos mainstream & dos underground, dos protagonistas-artistas e dos protagonistas-platéia.

na ciranda do candomblé e no tempo-espaço exclusivo da bahia, víamos a concha libertar pouco a pouco seus moluscos. víamos maria bethânia eficaz como sempre (apesar de um tanto distanciada na aura tirana da diva). víamos caetano veloso austero e bem-comportado (embora aqui e ali elegesse repertório que parecia precisar homenagear mais a si prório que às mães menininhas do candomblé). víamos gal costa se desviar do tema proposto na escolha das canções (mas dar a volta por cima graças ao apoio incondicional do público e à própria alegria que ia vazando dos poros da melancolia). víamos márcia short comprimida entre dois pólos equivalentemente intimidadores (o mainstream e, sim, o underground). víamos gerônimo em estado de graça (no balanço que "é d'oxum", na pena marginal de índio baiano, no conforto do terreiro natal, na graça das canções expiatório que o brasil não-baiano pouco se interessa em conhecer). e víamos mariene de castro roubar o show e rodar a baiana feito uma entidade, feito pérola dentro da ostra-mãe que no passado já gerou clementina de jesus e clara nunes (nunca supus essa força da mariene, nem quando ouvi seu disco independente poucos anos atrás, e muito menos naquele mesmo dia, quando a vi pela tv, meio desanimadinha, dando entrevista para a globo local).

parecia, mesmo, que ali naquela cidade (e naquele palco-concha) todo mundo era d'oxum, e eu fiquei curioso me perguntando por que é que um evento daquela natureza só acontece na bahia. porque ali estão plenamente acolhidos, se sentindo em casa, será? bom, nem é bem assim, porque para qualquer um que estivesse com os dois olhos bem abertos a fogueira das vaidade queimava evidente dentro da concha, soltava até fumaça. o diretor do espetáculo (e do grupo teatral do olodum), márcio meirelles, explicou que daniela mercury desaparecera subitamente do elenco porque "ficou presa em são paulo", ãhã. e alguém haverá me explicar um dia como seria possível que gal e bethânia algum dia cantassem o dueto da "oração de mãe menininha" de dorival caymmi a (quilô)metros de distância uma da outra e sem se olharem nos olhos nenhuma vez sequer.

pois, olhe, foi o que aconteceu. nem foi menos bonito por causa de tanta distância, mas que eu garrei a matutar, ah, isso garrei: será que artistas cultos, maduros, verdadeiros faróis condutores da sensibilidade geral da nação, também praticam aquele infernal hábito pré-primário de "ficar de mal"? e aí, indagações ainda mais aflitas:, será que a nossa imaturidade É a imaturidade de nossos ídolos?, será que mariene de castro É (e será) maria gal bethânia costa?, será que as abelhas-rainhas e os zangões institucionais "ficam de mal" por motivos tão estapafúrdios e infantis quanto os que já nos fizeram "ficar de mal" de alguém um dia?

3
e, dito tudo isso, puxando fios de meadas tão tresloucadas quanto as que emendam lou reed a yoko ono a lovefoxxx a gal costa a maria bethânia a gerônimo a peaches a mariene de castro, eu me lembro assim de repente de... britney spears (e de george w. bush, seu duplo-anti-duplo ultra-pato(i)(lógico)-masculino, que por força das ondas do destino deu de querer desembarcar nas ancas do brasil justamente hoje).

parece que britney (ex-amiga da madonna, aquela que boy george detesta por ser homofóbica; o homem misógino É a mulher homofóbica?, o homem homofóbico É a mulher misógina?) virou o bode expiatório da vez, a cabra da peste da temporada, né? - careca, anticristo, desmaiada, sem-calcinhas, intoxicada, mãe irresponsável, desintoxicada, sabe o oratório todinho, o rosário judaico-cristão-islâmico-budista-macumbeiro inteiro?... "maníaca", "depressiva" (ou, no termo mais tênue e menos inquisitorial, "bipolar"), esses termos não aparecem, não, que esses a mídia carniceira tem pudor maçônico em utilizar, né?

não sei se a multidão feroz (e a mídia hidrofóbica que a arrebanha) está tão disposta a decretar que britney "só quer aparecer e chamar atenção" quanto esteve de julgar (e condenar) yoko como "demônia demolidora de beatles", mas... será que ninguém está vendo estamira em britney?, será que vamos continuar dando aqueles gargalhinhos nervosos de quem (finge que) não tem nada a ver com isso diante dos evidentes pedidos de socorro que britney anda nos enviando em rede planetária? (alô, mr. michael jackson!) caça à(o)s bruxa(o)s já era, era medieval, ou será que, oops, we did it again?, we'll always do it again?

pronto, taí, lubrificando aos pouquinhos. deixa agora eu tentar responder os comentários do tópico anterior, que estão atrasaaaaaados. té logo, comadre, compadre.

[* quando escrevi as linhas gerais deste texto, ontem, 7 de março, eu não estava minimamente concatenado com a idéia de que hoje, 8 de março, seria "dia da mulher" - não em termos racionais, pelo menos. e saiu assim, tudo entrelaçado com os labirintos da identidade feminina (e masculina), e você vê que "loucura" - alô, estamira-que-somos-nós! - é a intensidade com que a gente se vê de repente embebidA no caldo de cultura que está fervendo ao nosso redor, bem aqui no aqui-e-agora, não é mesmo?]