quinta-feira, maio 28, 2009

isto é fundo de quintal

eis aí o texto sobre chico science, o mangue bit e a música brasileira dos anos 1990, publicado na "carta capital" especial de 15 anos. estou saindo para dar uma volta neste fim-de-semana, mas depois a gente pode conversar sobre o assunto, e também sobre uns erros que estão contidos aí embaixo e vários leitores já constataram...


No quintal de casa
Antenado com o futuro, Chico Science devolveu o Brasil à música pop

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

O medo da origem é o mal [*]. A pista principal estava dada numa das primeiras frases declamadas por Chico Science quinze anos atrás, em Da Lama ao Caos, seu disco de estreia com a banda Nação Zumbi. A década anterior, na música brasileira, havia sido tomada de assalto por um modelo de rock que lutava para furar a casca do ovo, mas continuava essencialmente pautado pelo que acontecia nos EUA e na Inglaterra, ou seja, punk, new wave, gothic, uma série de termos gringos assim.

O pernambucano Chico Science, então com 28 anos, despontou naquele 1994 como um dos nervos expostos do chamado mangue bit. O movimento preservava na sonoridade e no imaginário a atração pelo chamado “Primeiro Mundo”, mas, novidade, começava a trilhar um caminho de volta ao quintal de casa. O mangue era “bit”, transistor, computador, mas Chico e Fred Zero Quatro (o outro cérebro por trás da jogada) haviam sacado que o horror à própria origem era um inimigo a combater. Foram buscar no ecossistema dos manguezais do Recife e nos folguedos de maracatu da zona rural o cimento para as ideias amontoadas de modo ainda confuso em suas cabeças.

Zero Quatro, líder da banda Mundo Livre S/A (ou mundo livre s/a, só em letras minúsculas), escrevera em 1991 um protótipo de manifesto, que foi batizado de “Caranguejos com Cérebro” e viria a constar no encarte de Da Lama ao Caos, o primeiro lançamento mangue bit.

Numa primeira parte, o texto defendia que os aparentemente inóspitos manguezais do Recife constituem viveiro explosivo de plantas, peixes, micro-organismos, matéria orgânica. A seguir, aplicava o conceito à metrópole em si, a “Manguetown”, e inseria um elemento crítico: “O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do País. Mais da metade dos seus habitantes mora em favelas e alagados”. Na conclusão, apresentava a “cena” mangue, “um núcleo de pesquisa e produção de ideias pop” interessado em combater a “depressão crônica que paralisa os cidadãos” e resgatar a criatividade nas entranhas da “Manguetown”.

A tecnologia, em tempos pré-Google, blogs, YouTube ou Twitter, surgia como elemento essencial da equação, e daí surgia a imagem-símbolo do movimento que se armava: uma antena parabólica espetada na lama do mangue. Dos subúrbios, favelas, periferias e lavouras de Pernambuco emergiriam nutrientes para alimentar, via internet e afins, o estado, o País, quiçá o planeta. Nessa troca se fortaleceria o metabolismo dos próprios “micro-organismos” do mangue.

Analisado em retrospecto, e sem supor que os meninos recifenses de classe média baixa soubessem disso conscientemente, o levante mangue bit frutificou e está em pleno vigor hoje. Não se pode dizer que tenha influenciado tudo o que veio depois, mas foi manifestação precoce de um ideário que só faria crescer dali em diante. Da periferia paulistana emergiu o hip-hop. Dos morros cariocas, o funk. De subúrbios mornos do Pará, o tecnobrega. E assim por diante.

Hoje se expressam e se fazem ouvir, cada vez mais, artistas desses vastos “ecossistemas” supostamente estagnados, os mangues da desigualdade social brasileira. Neste caso, como em nenhum outro, as preferências iniciais dos músicos (hip-hop, rock, funk, música eletrônica) foram encorpadas pela redescoberta de maracatu, ciranda, coco, baião, frevo, samba, jovem guarda, balada cafona de beira de estrada. Numa revisão modificada dos procedimentos tropicalistas de 1968, os micróbios do mangue começavam no chamado “underground” a desembaçar um espelho-Brasil no qual não nos mirávamos mais.

Outra qualidade “fora de moda” recuperada pelos autobatizados “mangueboys” foi a de combinar à arte (ou diversão) elementos pontudos de engajamento (ou conscientização), hibernantes no meio musical desde o AI-5. No Monólogo ao Pé do Ouvido que abria Da Lama ao Caos, Science pregava do seguinte modo o reencontro com as origens: Viva Zapata, viva Sandino, viva Zumbi, Antônio Conselheiro, todos os Panteras Negras, Lampião, sua imagem e semelhança.

O mangue não costumou citar muito o neocangaceiro pop pernambucano Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, mas, de todas essas imagens-exemplo, a do conterrâneo Lampião parecia especialmente forte. Completava um imaginário que vinha dos mangues salgados do litoral, passava pelo maracatu de baque virado da Zona da Mata e furava o Nordeste (e o Brasil) sertão adentro. Quando o mangue bit estreasse no cinema, em Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, o protagonista seria um mascate libanês amigo de Padre Cícero e Lampião. Science, em Banditismo por uma Questão de Classe, trataria como equivalentes o bando do “Rei do Cangaço” em fuga da polícia e os bandidos de favela do final do século XX. Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, expandiria e exportaria essa imagem.

O cangaço reaparecia junto à crítica social na faixa-título de Da Lama ao Caos, cantada, como sempre, em pronunciado sotaque local: Com a barriga vazia não consigo dormir/ e com o bucho mais cheio comecei a pensar/ que eu me organizando posso desorganizar/ que eu desorganizando posso me organizar. Talvez fosse uma “estética da fome”, mas reivindicando o fim da fome.

Ainda em 1994, a Nação Zumbi foi convocada a participar de um tributo a outro “rei”, Roberto Carlos. Chico incumbiu-se de reler o hino pacifista quase-religioso Todos Estão Surdos (1971), originalmente uma louvação a um personagem messiânico difuso entre Jesus Cristo, John Lennon e o próprio Roberto Carlos. E subverteu-o completamente, com cacos que não constavam do soul original de Roberto e Erasmo: Você que está aí sentado/ levante-se!/ há um líder dentro de você/ governe-o/ deixe-o falar. Parecia o discurso de Geraldo Vandré ou Mano Brown, nunca o do “Rei do Iê-iê-iê”. Por essa Roberto não esperava, mas não saiu diminuído com a diabrura.

A Cidade, um dos temas mais incisivos da primeira lavra de Science, parecia um concentrado de todas as características já mencionadas. Martelava com sarcasmo o pino da desigualdade social (a cidade não para, a cidade só cresce/ o de cima sobe e o debaixo desce). E demarcava qual era o fermento do crescimento das cidades: a força de pedreiros suicidas. Soava como um funk ou um rock, mas lá no meio invertia expectativas: Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu/ tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu.

Não convenceu o sempre nacionalista Ariano Suassuna, que passou a se insurgir contra o que via como espírito unicamente colonizado no mangue bit. Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco a partir de 1995, o dramaturgo só chamava o líder da Nação Zumbi de Chico Ciência, e virou inimigo número 1 dos “mangueboys”. E A Cidade terminava melancólica, ou irônica, ou ambos: Num dia de sol Recife acordou/ com a mesma fedentina do dia anterior.

Mesmo motorizado por efeitos tecnológicos e eletrônicos, o som da Nação Zumbi privilegiava percussões tribais e se esforçava por falar à aldeia natal. O desejo de empatia e aproximação se convertia na sonoridade impressionante dos nomes de localidades periféricas pernambucanas listados em Rios, Pontes e Overdrives, e proferidos em velocidade de rap: É Macaxeira, Imbiribeira, Bom Pastor, é o Ibura, Ipsep, Torreão, Casa Amarela, Boa Viagem, Genipapo, Bonifácio, Santo Amaro, Madalena, Boa Vista, Dois Irmãos, é o Cais do Porto, é Caxangá, é Brasilit, Beberibe, CDU, Capibaribe e o Centrão. A retórica é contemporânea àquela dos funkeiros cariocas Cidinho e Doca no Rap da Felicidade, cujo desejo de autonomia se traduz em eu só quero é ser feliz/ andar tranquilamente na favela onde nasci.

A decisão entre ficar em casa e migrar para a sede central da indústria cultural, no eixo Rio-São Paulo, permaneceria como dilema para as bandas do mangue. O impasse ensaiaria dissipar-se mais tarde, quando grupos mineiros como Skank, Pato Fu e Jota Quest descobrissem que era possível ter repercussão nacional a partir de um quartel-general montado na Belo Horizonte natal.

O mangue não passou incólume às garras da indústria cultural, ao contrário. Por volta de 1993, a imprensa caiu de amores pelo movimento e superestimou sua maturidade. Trombeteou seus conceitos sem entendê-los completamente, mudando o nome para mangue “beat”, e não “bit”. O que era unidade informática (e informativa) virou levada, batida, onda, moda. O segundo álbum apanhou Chico desencontrado da sabedoria espontânea do início. Afrociberdelia (1996) parecia diluir e embaralhar à beira da confusão os mandamentos do mangue.

Embates de bastidor foram travados com a multinacional Sony, que elegeu para divulgar o disco a releitura de Maracatu Atômico, de Gilberto Gil e Jorge Mautner [*], uma canção que de mangue bit só guardava o nome e a referência ao ritmo. Ao que consta, a gravadora impôs ao grupo emendar no final de Afrociberdelia três versões mais comerciais e “dançantes” de Maracatu Atômico. Começava a se desvirtuar, muito cedo, um programa original que não tinha nada a ver com remixes, pistas de dança robotizada ou agrados aos tropicalistas (Gilberto Gil participou do segundo álbum).

Por essas e outras, Zero Quatro jamais chegaria a ser contratado por uma multinacional. Era de sua autoria o mantra Computadores Fazem Arte, do primeiro disco da Nação: computadores fazem arte/ artistas fazem dinheiro. Não era imediatamente compreensível à época, mas faz total sentido hoje, quando a elite “emepebista” se encastela enquanto rappers, funkeiros, tecnobregas e outros “micróbios” compõem e gravam em computadores caseiros e se lançam no próprio bairro. Fazem-no sem qualquer apoio da indústria oficial, mas vendem discos artesanais a granel, e se comunicam com milhões de ouvintes.

Science não teve tempo de decidir como reagiria às pressões e imposições. Morreu aos 30 anos, num acidente entre Recife e Olinda. No velório, Suassuna chorou diante do caixão e o corpo foi escoltado ao cemitério por um grupo de catadores de cana da Zona da Mata, vestidos como guerreiros de maracatu.

Afrociberdelia podia padecer de certa desintegração discursiva, mas guardava alguns maracatus de tiro certeiro. Manguetown voltava ao tema da origem (andando por entre os becos/ andando em coletivos/ ninguém foge ao cheiro sujo/ da lama da manguetown), sob a perspectiva atormentada de um proletário. Somos todos juntos uma miscigenação/ e não podemos fugir da nossa etnia/ índios, brancos, negros e mestiços/ nada de errado em seus princípios, cantava Etnia. Além de revalidar os fundamentos da frase “o medo da origem é o mal”, pressagiava os ventos de afirmação racial de hoje. Na brincadeira de que um curupira já tem seu tênis importado, cutucava sem querer a tragédia dos “curupiras” favelados e seu fascínio por tênis Nike, fontes de status e extermínio.

Sangue de Bairro elaborava nova lista de endereços periféricos de nomes brasileiríssimos, Besouro, Moderno, Ezequiel, Candeeiro, Cela Preta, Labareda, Azulão, Arvoredo, Quina-Quina, Bananeira, Sabonete, Catingueira, Limoeiro, Lamparina, Mergulhão, Corisco, Volta Seca, Jararaca, Cajarana, Viriato, Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zabelê [*].

O mangue bit à maneira de Chico Science interrompeu-se com sua morte, entre problemas amontoados à frente de quaisquer soluções. O movimento dos moleques periféricos não resolveu impasses, nem a maioria daquelas mazelas se extinguiu de 1994 para cá. Mas o significado do pequeno levante talvez estivesse inscrito no CD de despedida, em Um Passeio no Mundo Livre, espécie de Rap da Felicidade em versão recifense (eu só quero andar/ nas ruas de Peixinhos/ andar pelo Brasil/ ou em qualquer cidade/ andando pelo mundo/ sem ter “sociedade”). Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar, afirmava no início daquele maracatu cibernético. Foi isso o mangue bit. E Chico Ciência não viu, mas o Brasil hoje não se encontra onde estava há década e meia.

[*] contém erros. por favor, consulte o quarto comentário da caixa de diálogos abaixo.

segunda-feira, maio 25, 2009

pode estar num asteroide

hoje pela manhã fui a uma sessão paras jornalistas do filme "a festa da menina morta", estreia do ator paulista matheus nachtergaele como cineasta.

sem entrar em maiores detalhes, achei maravilhoso, acachapante, o filme - e se passa inteiro na amazônia, em meio a um sem-número de personagens com feições indígenas, o que é um tiro no coração do alvo deste tempo.

durante a sessão, não pude parar um instante de pensar em lars von trier. me pareceu um lars à brasileira, à amazônica, o matheus - e não estou aqui falando de cópia, muito pelo contrário, que "a festa da menina morta" é repleto de peculiaridades e idiossincrasias.

(não sei se falei isto aqui algum dia, mas lars von trier é meu ídolo maior desde pelo menos "dançando no escuro". não vejo a hora de ver "anticristo".)

relações estranhas se teceram em meu coco, porque a amazônia de nachtergaele tem um pé grande no manguebit (co-roteirista, com matheus, é o recifense hilton lacerda, que tenho a alegria de conhecer assim meio de longe). lembrei de novo que, como comentei lá no congresso de jornalismo cultural, quando chico science morreu escrevi no obituário da "folha" um punhado de lugares-comuns jornalísticos e de baboseiras estúpidas, em especial a afirmação de que a morte do chico abortava o manguebit.

pois o manguebit está mais vivo do que nunca, frutificando filmes ("a festa da menina morta"), movimentos (tecnobrega), políticas públicas (preciso citar?), 12 anos depois da morte de chico science.

e relações esquisitas se teceram em meu coco, porque na "carta capital" especial de 15 anos que está nas bancas escrevi, entre outros, um texto grande sobre chico science e outro, pitoco, sobre lars von trier. vai aqui esse segundo, que começa em bush e termina em obama:

Lars Von Trier
Com Dogville, o dinamarquês desferiu golpe cinematográfico feroz na hegemonia norte-americana

NO CINEMA, o golpe mais feroz à hegemonia norte-americana foi desferido em capítulos por um dinamarquês, o diretor Lars Von Trier. O anárquico manifesto Dogma 95 deu início à série de provocações, mas ficou mais circunscrito aos círculos cinéfilos. Em 2000, a proposta ganhou grandiloquência hollywoodiana em Dançando no Escuro, um musical épico estrelado pela cantora islandesa Björk. Sua personagem cantava alegre e feliz, não pelos motivos tradicionais dos musicais, mas como modo atarantado de reagir a uma sucessão insuportável de tragédias pessoais. Em Dogville (2003), a anti-heroína ganhava a feição hollywoodiana (branca de olhos azuis) de Nicole Kidman e mergulhava numa crise banhada em violência, cuja responsabilidade não conseguia (ou não queria) perceber. Se parece profético, em 2005 viria Manderlay, em que a mesma anti-heroína se via frente a frente com o próprio racismo.

sexta-feira, maio 22, 2009

apareceu aparecida (*)

deixa eu contar. desde quarta-feira, 20 de maio de 2009, não sou mais funcionário da "carta capital". a revista precisou demitir (apontar quais as razões não cabe a mim), e eu fui um dos "escolhidos" - também havia pedido para ser escolhido, mas acho que nesse caso isso não faz diferença. devo virar colaborador eventual da "cc" (pela qual ainda nutro grande respeito), mas isso depende de detalhes, não é certo ainda.

há meses - pelo menos desde dezembro passado, quando naufragou o projeto de uma revista de cultura que a companheira querida ana paula sousa e eu estávamos desenvolvendo na editora -, eu desejava ardentemente sair. infelizmente, não tive coragem de tomar eu mesmo a atitude, e permaneci acomodado esperando godot.

evidentemente, ser demitido não é gostoso. mas, fora o orgulho ferido, digo de peito aberto que estou muito feliz, muito, em especial por reconquistar um naco de uma matéria(-prima) de que há 14 anos eu não dispunha: liberdade.

o que vou fazer com minha liberdade, ainda não sei. mas tenho certeza absoluta de que novas histórias acontecerão, e que serão sensacionais (e estou aberto a sugestões!).

agora, vamos pro mundo!

p.s.: já está nas bancas a revista com meu texto de, em termos, despedida. é sobre chico science.

p.s. 2: meu e-mail preferencial, a partir de agora, é pedroalexandresanches@gmail.com.

p.s. 3, para don gabu:


(*) esse título, de um samba de 1970 de são jorge ben (e acompanhamento do trio mocotó), foi escolhido a dedo, por um bocado de razões, é claro.

zii zie

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Cotação: 2 e ½

Se as capas dos discos pudessem contar a história dos discos, as de Caetano Veloso talvez desnudassem confissões perturbadoras. O rei-sol leãozinho que enchera de luzes e cores a maioria das capas desde pelo menos 1979 de repente se turvou, à beirada do século XXI. De 1999 para cá, tudo virou escuridão nas vitrines de seus discos autorais. As nuvens carregadas na capa marítima do novo Zii e Zie – Transambas exacerbam este já comprido ciclo de sombra – e, não, o assunto aqui não é a embalagem do CD.

Em 2002, como num soluço otimista, Caetano se ligou ao bardo esganiçado Jorge Mautner e lançou Eu Não Peço Desculpa, ensolarado da capa à sequência de canções pop leves, quase descontraídas. E então o tempo fechou, e fechado contiua. Cê, de 2006, inaugurou e Zii e Zie eleva às alturas algo que eu arriscaria chamar de uma “estética do desagradável” dentro destes 41 anos de caetanografia. Nos dois álbuns, o artista arranca de dentro e põe para fora, às dezenas, motivos de ódio, desolação, separação, tristeza, depressão, inveja, solidão, dor, medo, morte.

Delineia-se daí um Caetano franco, quase transparente, mas duro de ouvir. À gosma roxa de Cê, somam-se agora modos de cantar do dono da banda, entre agressivos e lamuriosos (Por Quem?, Tarado) e a aspereza das sonoridades e da banda. Seus “transambas” não são de cantarolar ou assoviar junto, e custa um bom número de audições até começarem a causar alguma empatia. Mesmo nos que pendem à bossa nova, não há barquinho, nem patinho, nem saudadinha – exemplos dessa vertente são a (des)esperançosa Sem Cais (“inda posso me apaixonar”, ele canta e não-canta), a zangada Falso Leblon, a relutante Lapa e Lobão Tem Razão, por sobre a qual a morte ronda assustadora. A barra aqui é pesada, como se dizia nos tempos da obra-prima Transa, lá por 1972.

A ponte induzida entre Transa e Transambas é evidente, mas os temas de lástima de agora (e de Cê) mais fazem lembrar Araçá Azul, de 1973. Lá, a atitude antipop se chamava “experimentalismo”. Aqui, desnuda que a capa de Araçá Azul, se parecem mais com melancolia e desamparo – e até empatia, quando os espinhos de Sem Cais penetram os ouvidos, ou quando Perdeu passa a soar menos estranha e sua rispidez começa a fazer sentido.

Não se sabe se o subtítulo de Zii e Zie quer se referir a um esquecido LP chamado Transamba, lançado em 1973 pelo futuro cantor de samba-enredo Marcos Moran, com versões black-pop para sambas de Chico Buarque, Novos Baianos, Antonio Carlos & Jocafi e Paulinho da Viola. Mas é transparente a intenção de bulir com o samba, do modo torto e arrevesado de hábito. Mesmo nos dois espécimes pinçados do disco de 1976 de Clementina de Jesus (Incompatibilidade de Gênios, de João Bosco e Aldir Blanc, e Ingenuidade, de Serafim Adriano), o andamento desacelera, a simpatia se esfumaça, a ironia é ressaltada. Leal ao samba de uma nota só dos tempos idos da crucial invenção tropicalista, Caetano reafirma, quantas vezes julgar necessário: chova ou faça sol, a música para ele é, sempre e ainda, musa híbrida. Desorganizado e despido de sua (suposta) caretice, o santo samba em Caetano é trans.

Se há no fundo dos cutucões ao samba uma sombra de rivalidade entre os modos baiano e carioca de sentir alegria (e tristeza), Caetano não deixa claro – ele nunca deixa, e esse é outro ponto nuclear do programa de governo tropicalista. Incrível é perceber que nestes tempos, esteja brigando com o samba, listando termos repulsivos, berrando raivas, tentando repelir o ouvinte ou fazendo as guitarras gritarem, Caetano só faz falar de amor, o tempo todo. Faria então sentido o mar que quebra majestoso na praia lúgubre da capa de Zii e Zie. Deve ser esse o modo tropicalista de amar. E muita gente fala esse idioma por aqui.

p.s. (três horas mais tarde): deve ter dado para perceber, publiquei este texto sem querer, freud explica... saiu na "rolling stone" do mês passado, mas eu não chequei se há alguma diferença entre esta versão, "original", e a efetivamente publicada. coisas do jornalismo...

quarta-feira, maio 20, 2009

lá vem o homem da gravata florida

e quem já foi ver o "ninguém sabe o duro que dei", hein? e que sentimentos o filme lhe(s) causou?

por ora, uma reflexão rápida e ligeira extraída da "carta capital" 546, de 20 de maio de 2009 (feliz aniversário, johnny alf!).


NOVO ROUND PARA SIMONAL
POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES


Apesar de histórica resistência, Wilson Simonal (com Pelé na foto) está enfim de volta às paradas, com a estreia do documentário Ninguém Sabe o Duro Que Dei, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, em cartaz desde sexta 15. Irônico é que Simonal atribuía à Rede Globo grande parte da responsabilidade pelo ostracismo que amargou entre 1971 e a morte, e hoje tem sua história resgatada por um funcionário da casa (Manoel, comediante do Casseta & Planeta), sob co-produção da Globo Filmes.

Simonal (1939-2000) foi o artista brasileiro mais popular da virada dos anos 1960 para os 1970, e caiu em absoluta desgraça com a disseminação da suspeita (nunca provada) de que seria informante da ditadura. Atrás do rastilho de pólvora que o implodiu no momento em que encantava Sarah Vaughan e era regravado por Stevie Wonder, estava o jornal de esquerda O Pasquim, onde surgiu a ilustração do "dedo-duro" de Simonal. Eram ligados ao tabloide os ex-parceiros comerciais do cantor Carlos Prosperi, Carlito Maia e João Carlos Magaldi, esse último futuro alto-executivo da Globo.

O tema é espinhoso e o documentário [NÃO *] chega a tocar nos nomes de Magaldi, Prosperi e Maia, todos já falecidos. Ainda assim, é trabalho que avança até onde nunca se chegou em respeito à fabulosa e trágica história do garoto de favela que virou ídolo nacional, depois inocente útil e por fim bode expiatório da esquerda e da direita. O trio diretor preocupa-se em desenhar o personagem sem lhe atribuir inocências nem culpas, e o faz com pleno sucesso.

Chocante e comovente, o filme abre caminho para próximos passos. Deixa em aberto o ambíguo papel da mídia (a Globo, mas não só ela) como coautora da ascensão e mais tarde um dos carrascos na derrocada de um artista crucial.


(*) o termo entre colchetes deveria constar do texto, mas por cochilo meu sumiu e inverteu o sentido da frase.

segunda-feira, maio 18, 2009

o bandido da luz (re)encarnada

um dos filmes que eu mais amo vai gerar um filhote rebelde depois de 40 anos (minha idade!). vai daí uma reportagem ("carta capital" 545, 13 de maio de 2009) sobre ele, sobre eles, sobre elas, sobre ela.


LUZ VERMELHA REENCARNADO

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Em 1968, foi lançado o filme O Bandido da Luz Vermelha, e, com ele, o chamado cinema marginal brasileiro. João Acácio Pereira da Costa, o personagem real no qual o marginal da ficção foi livremente inspirado, ganhou liberdade em 1997, após uma temporada de 30 anos na prisão. Morreu assassinado em janeiro de 1998 (o ator Paulo Villaça, que o interpretou no cinema, morrera em 1992). O cineasta Rogério Sganzerla, autor e diretor d'O Bandido, morreu de câncer cerebral em 2004, aos 57 anos. Ainda assim, o Bandido da Luz Vermelha está vivíssimo em 2009.

O personagem voltará às telas em nova encarnação, desta vez no corpo do cantor Ney Matogrosso. Ele é o protagonista de Luz nas Trevas – A Revolta de Luz Vermelha, atualmente em produção. O roteiro original foi escrito por Sganzerla ao longo de vários anos, até poucos dias antes de morrer. Chegou a ter duas mil páginas. Apanha o bandido na cadeia, condenado a uma espécie de pena perpétua, "prisioneiro de mim mesmo".

Na vida como na ficção, Luz Vermelha usava roupas exóticas, assaltava casas burguesas com uma lanterna em punho, jantava com as vítimas, estuprava, matava. Na nova versão tem um filho não-reconhecido, Tudo ou Nada (interpretado por André Guerreiro), nascido, crescido e marginalizado na Favela do Lixão. Um ex-menino de rua, como também foi João Acácio, mais tarde descrito como portador de esquizofrenia paranóide. Com locações na favela de Heliópolis, a nova fábula avança em direção à escalada contínua de violência e favelização no Brasil.

Matogrosso foi ator antes de se firmar como cantor, e em 1976 lançou um inspirado disco chamado Bandido. Sisudo e barbado em algumas cenas, trabalha agora para se despir de sua forte persona musical e dar substância ao personagem brutalizado. "É um exercício de contenção, de introspecção", diz, em meio a uma filmagem no Parque da Luz, no centro de São Paulo.

A cidade, por sinal, é outra personagem central do filme de 1968 como do atual. E deixa à vontade o artista hoje radicado no Rio. "Surgi em São Paulo, com cabeça paulista, atitude paulista. Muito tempo depois descobri que fui gerado numa pensão na praça da Sé", diz, um dia antes de filmar ao ar livre na caótica rua 25 de Março.

O esforço de se dissociar da imagem musical andrógina não o impede de encerrar o filme no topo de um prédio, reinterpretando Sangue Latino (jurei mentiras e sigo sozinho...), uma das canções que o alçaram à fama em 1973, com o grupo paulistano Secos & Molhados. "Mas procurei fazer o bandido cantando, e não eu mesmo. Fiz grave, uma oitava abaixo."

A direção de Luz nas Trevas cabe à ex-esposa de Sganzerla, Helena Ignez, em dupla com o cineasta paulista Ícaro Martins (de O Olho Mágico do Amor, 1981). "Sou da turma que resolveu fazer cinema vendo O Bandido da Luz Vermelha", afirma o codiretor.

Como atriz, Helena estreou com o cinema novo, em Pátio (1959), do então marido Glauber Rocha, baiano como ela. Poucos anos depois, juntou-se aos "filhos" rebeldes de Glauber, formuladores da anarquia e do niilismo pós-AI-5 do cinema marginal. Namorou o carioca Júlio Bressane, que a dirigiu em Cara a Cara (1967), e se casou com o catarinense Sganzerla, futuro sócio dele na produtora Belair Filmes. Hoje às vésperas de completar 70 anos, teve três filhas, Paloma, com Glauber, e Djin (atriz no novo filme) e Sinai, com Sganzerla.

"Como a maioria das mulheres dominadoras, caso com pessoas mais jovens. Só Glauber tinha a mesma idade que eu", brinca. O cineasta baiano tinha 20 anos quando lançou Pátio. Sganzerla estreou O Bandido aos 22. "Essas relações amorosas e também cinematográficas me agradam muito. No começo achava estranho, porque com o machismo reinante nessa geração a que pertenço, durante muito tempo fui a mulher do Glauber, a ex-mulher do Glauber", diz.

À distância desses cineastas tão aguerridos, teria ela se transformado tardiamente em cineasta? "Mas eu sempre dirigi o meu trabalho. O que eu não quero é essa valorização da palavra 'cineasta'. Não valorizo", responde na diagonal. Ela dirigira em 2007 o independente Canção de Baal ("um filme sobre o comportamento machista, algo que eu conheço profundamente"). E admite o estranhamento diante do ambiente industrial de Luz nas Trevas, um filme patrocinado e orçado em 2,7 milhões de reais.

"Fazer um filme dentro do mercado é muito mais difícil que criar fora dele", constata. "Em Canção de Baal, não tinha que prestar contas a ninguém. Desta vez tem. A equipe de profissionais de luz e maquinaria é a melhor de São Paulo, mas tem o ritmo de mercado, com funcionamento muito diferente do cinema de invenção e poesia que fiz até hoje. É inédito para mim". E arremata com uma confissão incomum entre seus pares: "Às vezes me sinto amarrada".

Lembra que O Bandido da Luz Vermelha, embora arrojado, foi um filme comercial em seu tempo (foi vendido por Sganzerla como "um western sobre o Terceiro Mundo"). Mesmo apostando que Luz nas Trevas também será bem-sucedido, diz que a ligação com o cinema de mercado é passageira. "Não me preocupo (com o mercado), em nenhuma circunstância. E me afastei. Saí do mundo mesmo. Mas não da arte, do pensamento, da criatividade, do espírito. Me sinto muito viva e livre. E não quero me integrar em mercado nenhum. Essa homenagem a Rogério está feita".

Tampouco a relação de Sganzerla com o mercado não foi harmônica. Após o levante do cinema marginal, seguiu trajetória errática, sempre com grandes dificuldades de concretização de projetos. Fez Nem Tudo É Verdade entre 1980 e 1986, em referência direta ao inacabado It's All True (1942), que o norte-americano Orson Welles filmava no Brasil dentro da chamada política da boa vizinhança. Welles foi influência escancarada em seu cinema, especialmente n'O Bandido.

Sganzerla nunca pareceu se desvencilhar do impacto do primeiro filme, possível prisioneiro de si mesmo, como seu personagem. De fato, não são poucas as semelhanças simbólicas entre criador e criatura, a começar pela marginalidade artística de um e a concreta de outro.

Em Luz nas Trevas, o bandido se diz recuperado e convertido, e se auto-rebatiza Luz Divina. Foi como se denominou João Acácio, catarinense como Sganzerla, ao ser solto em 1997. Sganzerla visitara Acácio na prisão em 1994, com o pretexto de uma reportagem da revista Manchete. Levou-lhe de presente uma Bíblia.

Acácio foi morto com um tiro na têmpora quatro meses depois de libertado, por um amigo que o hospedava no bairro periférico de Cubatão, em Joinville (SC). Teria assediado as mulheres da casa e ameaçado matar a família. "Meus dias aqui são de um morto-vivo", proclama o personagem de Luz nas Trevas, antes de fugir da prisão com a cumplicidade involuntária da mídia, vestido com colete de repórter, dentro do furgão de uma emissora de tevê. "Eu não sei viver", lamenta-se.

"Não vamos esquecer que a Ordem do Mérito só é dada para quem demonstrar que não o tem", diz um policial no roteiro, como a simbolizar o sentimento de inadequação do autor em relação ao mundo a seu redor.

Sua ex-esposa trabalha 12 horas por dia na homenagem ao autor-personagem, e de início minimiza o esforço de conduzi-la: "Esse é um filme que já vem dirigido". Mas em seguida corrige a afirmação: "Rogério não está me dando nenhum tipo de dica. Eu que me vire".

quinta-feira, maio 14, 2009

na margem do rio piedra eu sentei e chorei

para terminar (por ora) esse assunto de rio tietê & que tais, uma história que estou lendo aqui, embasbacado. é do excelente livro "tietê - o rio que a cidade perdeu - são paulo, 1890-1940", do historiador janes jorge, que me chegou por causa da reportagem, pelas mãos da rosane pavam.

o título já explica o livro, mas o livro em si esquadrinha o processo de assassinato do rio tietê, por quem mesmo?... por nós moradores desta cidade, cada um jogando minuto a minuto sua pazinha de lodo no defunto, desde a chegada de pedro álvares cabral.

mas embasbacado de vez eu fico a partir da página 80, quando janes descreve um tal projeto serra (ó o nome), conduzido a partir de 1925 pelo conglomerado canadense-anglo-americano tramway light and power company limited. a light, você sabe, mãe-avó da eletropaulo, da sabesp, dessas coisas.

era um monopólio, a light, e tinha adesão total do governo estadual (um ex-advogado da light "presidiu" o estado de são paulo entre 1924 e 1927).

e o que o formoso conglomerado fez com os dois principais rios paulistanos está explicado nos seguintes trechos:

"(...) ardilosamente, a Light alterou o seu projeto inicial, o que trouxe conseqüências desastrosas para São Paulo e cidades próximas. Primeiro, conseguiu uma concessão do governo estadual para retificar o rio Pinheiros em troca do direito de propriedade sobre as várzeas inundáveis saneadas, que foram posteriormente vendidas. As várzeas do Pinheiros foram definidas, por esse contrato de concessão, como as áreas atingidas pela água do rio com base na maior cheia registrada. Por isso mesmo, em 1929, a Light provocou a maior enchente da história da cidade, ao abrir as compotas de Guarapiranga quando os rios paulistanos já estavam altíssimos em virtude de vários dias de chuva intensa. As águas do Pinheiros e do Tietê avançaram sobre terrenos onde jamais imaginaria que isso pudesse ocorrer.

"Outra modificação fundamental no projeto Serra foi que as águas do Tietê foram incorporadas ao complexo hidroelétrico de Cubatão com a reversão do curso do Pinheiros retificado, através das usinas elevatórias da Traição, construída na altura do Butantã, e a de Pedreira, na represa do rio Grande. O Tietê, represado em Parnaíba, passaria a ser afluente do Pinheiros e as águas de ambos, assim como as da represa de Guarapiranga, iriam para a represa do rio Grande. Correndo ao contrário, os maiores rios da cidade, Tietê e Pinheiros, tornaram-se tributários do pequenino rio das Pedras e passaram a acionar as turbinas em Cubatão. Desse modo, a Light, em um só lance, se apropriou das várzeas do Pinheiros, conseguiu aumentar a produção de eletricidade com menos investimentos em obras e impedio que as águas do Tietê seguissem em direção à hidroelétrica de seus competidores - que, diante disso, abandonaram seu projeto, vendendo suas instalações para a própria Light".

@

parece enrolado, eu sei. mas deixa só eu rascunhar em forma de indagações o que (acho que) entendi, boquirroto boquiaberto.

a) enchentes podem ser provocadas por mãos humanas quando elas a seu bel prazer abrem e fecham comportas de represas?!

b) o rio tietê era curvo e ficou "reto" por ação daquelas mesmas mãos, e/ou de mãos parceiras?!

c) essas mãos (ou digo patas?) também inverteram o curso dos rios pinheiros e tietê?! viraram os rios do avesso?!, transtornaram os pobres coitados de pontacabeça?!, puseram o norte no sul?!?!?!?

d) o pomposo shopping iguatemi e bairros paulistano "chiques" como jardim américa e jardim europa foram edificados à custa dessa tramoia especulativa e do assassinato do rio pinheiros?!

e) e por fim, parando agora de fazer tanta pergunta: toda vez na vida que passei ali pela marginal eu me cocei de vontade de saber por que a usina elevatória de traição tinha esse nome tão eloquente, curioso e contundente, t-r-a-i-ç-ã-o, e-l-e-v-a-t-ó-r-i-a. agora entendi.

enfim, só para arrematar, o parágrafo de conclusão desse trecho do janes jorge:

"Monopolizando grande parte dos serviços públicos em São Paulo, atuando em diferentes negócios, com influência na imprensa e próxima ao poder, entende-se por que a Light era conhecida popularmente como o "polvo canadense, já que seus tentáculos penetravam por toda a cidade e arredores. E, quando o polvo estende seus tentáculos por sobre outra criatura viva, geralmente, é porque ela é sua presa".

e a gente aqui com medo de cobra, aranha, urubu, ratazana...

quarta-feira, maio 13, 2009

possível novo quilombo de zumbi

13 de maio. como prolongamento da reportagem "o rio e a margem", cresço aqui a entrevista com josé vicente, o reitor da faculdade zumbi dos palmares. considero-o uma figura admirável (para maiores detalhes favor consultar, no tópico "um quilombo do século xxi", o subtítulo "um ex-matuto"), que tem muito a dizer. muito.


PEDRO ALEXANDRE SANCHES - Quando visitei a escola, ainda ficava na Luz. Queria que você fizesse um resumo de tudo que aconteceu até chegar aqui ao Clube Tietê.

JOSÉ VICENTE - Ai, Pedro [suspira], acho que em grande medida essas andanças retratam justamente a procura desse tema do lugar, dentro do espaço territorial, da cidade de São Paulo, ou um lugar no imaginário das pessoas, sejam negras ou não-negras, um lugar na educação. E retratam também a dificuldade de consolidar ou materializar utopias que, ainda que sejam muito bem-vistas e recebidas, têm sempre a característica de exigir ações objetivas, mão na massa, dinheiro, financiamento. Aí você vê que às vezes é mais fácil ficar só na utopia que colocá-la de pé. A andança pra lá e pra cá retrata essa busca de um lugar, mas retrata talvez a persistência, a perseverança. Apesar dos pesares continuamos aqui, à frente da luta. E em grande medida isso sintetiza também uma contradição: é um tema terrível para trabalhar, mas um tema que na atualidade permite algumas adequações, acomodações, transmutações. E mesmo alguns sucessos. Apesar de ter andado, andamos nunca de lado, sempre pra frente.

Coincidentemente, tudo começou aqui na Armênia, ali do outro lado do metrô. Saímos porque se transformou num espaço acanhado, que exigia expansão. O projeto começou a ter boa aceitação, bastante sucesso. Fomos para um espaço maior, na Luz, e da mesma maneira a condição do trabalho exigiu um espaço maior, depois veio a Barra Funda...

PAS - Estão craques em fazer mudança...

JV - Já viramos, dá pra abrir uma construtora [ri]. Na Luz, eram 3 mil metros quadrados, 25 salas ocupadas como salas de aula, administração, laboratório etc. Já estávamos com mais cursos que seriam autorizados, e sabíamos que tínhamos que pensar em alugar outro prédio noutro lugar, ou partir para um espaço que pudesse manter tudo junto. Mas sempre damos sorte grande, pensamos na Barra Funda, chegamos ali e encontramos uma placa, "aluga-se".

PAS - O que funcionava lá antes?

JV - Era o centro de distribuição da Submarino. Alugamos, reformamos e estávamos lá. Mas desde o primeiro dia do projeto já estávamos - e continuamos ainda - solicitando cessão de imóvel com o governo federal, o estadual, o municipal, fazendo todas as injunções políticas e institucionais para ter um espaço definitivo e gratuito. O tipo do nosso trabalho não permite pagar água nem luz, quanto mais aluguel. Uma primeira resultante, logo no começo de tudo, foi um predinho que o governo federal cedeu, na antiga Justiça do Trabalho, perto da Luz, por intervenção da Marta [Suplicy]. A Secretaria de Patrimônio da União nos cedeu, entramos, reformamos. Quando íamos mudar, disseram: "Dá o prédio de volta que ele vai precisar ser utilizado para outra atividade". Aí partimos pra Luz, enquanto seguíamos conversando, também com o governo estadual e municipal. Quando nos aproximamos do prefeito [Gilberto] Kassab, dissemos que gostaríamos de contar com a colaboração dele, sabíamos que havia muitos espaços, principalmente dos clubes, que estavam sendo retomados, ou seriam reformulados para cumprir outras demandas sociais. Ele deu a sugestão: "Por que não se instalarem no Clube de Regatas Tietê?". Trouxemos a demanda ao clube, que está numa situação muito difícil. Este era um prédio que estava desocupado, sem atividades. O que está acertado com a prefeitura é a cessão de um espaço de 20 mil metros nesta área, será o espaço no qual, por 50 anos, poderemos instalar a faculdade.

PAS - Isso já se pode afirmar? É definitivo?

JV - Foi feito um protocolo de intenções com a prefeitura. Agora está no departamento jurídico da prefeitura, nos últimos ajustes, e vai pra câmara municipal, que tem que aprovar uma lei nesse sentido.

PAS - O pleito é ficar aqui neste terreno mesmo?

JV - Nós vamos ficar aqui. Nos próximos meses a lei será aprovada. Em setembro o Clube de Regatas Tietê volta para a prefeitura, porque está terminando um comodato de 50 anos. A prefeitura então faria essa nova destinação dos 20 mil metros, e os outros 40 mil metros transformaria num centro de treinamento olímpico.

PAS - O clube acaba?

JV - Não, o clube não acaba, não. Eles têm a pretensão de reservar um espaço para o clube, que ainda poderá usufruir do centro olímpico, e disponibilizar uma área de esportes para a comunidade como um todo, não só para os sócios do Clube Tietê. A ideia é que eles também permaneçam, mantenham a história e a tradição, mas que o uso seja coletivo, não dos sócios. E, mais ainda, que esse uso inclua tanto esporte quanto educação, lazer etc. Parece que o clube teve muito interesse, até porque o centro olímpico prevê sua reforma inteira. Ganhariam um clube novinho, e custeado pela prefeitura, em grande medida. Da mesma maneira, a prefeitura ganharia um espaço esportivo de primeiro mundo, também educacional. Seria um jogo de ganha-ganha, todos seriam beneficiados.

Mas nesse meio tempo, tendo em conta que esse prédio estava abandonado, nós reformamos e já viemos para cá. Isso nos auxiliou com 70% do nosso valor do aluguel. No outro espaço pagávamos 100 mil reais de aluguel-mês. E neste primeiro momento aqui, com a parceria com o clube, estamos fazendo só manutenção - água, luz, jardinagem, segurança. Não tem aluguel, só essas despesas que o clube não poderia pagar por nós. Uma vez o espaço definido, aí então partimos para aquele que será um momento bastante contundente do trabalho, que é pôr de pé uma sede definitiva.

PAS - Que não seria este prédio?

JV - Não, outro prédio, bonito, novo, perfumado, mais adequado. Este aqui já cumpre uma série de objetivos. Estão aqui o metrô, a Marginal, o verde, o campo. Nós sempre trabalhamos no sentido de dignificar esse tema, que merece um espaço à sua altura. O trabalho vai ser de passar o chapéu onde for possível, mas fazer uma obra bonita, bacana, que ilustre e trate esse tema com dignidade. Mas também é coisa que já poderíamos ter feito há muito tempo, ao curso da trajetória. Acabamos fazendo indiretamente, mas nos imóveis dos outros. Cada um a gente vai reformando, reformando, e depois...

PAS - Por isso você falou que podia abrir uma construtora.

JV - É, o que empenhamos de recurso pra reformar prédio dos outros já daria pra ter construído uns dois pra gente.

PAS - Vocês não pagariam aluguel? Seria um comodato também?

JV - Um comodato. Mas não é que não pague. Você precisa apresentar uma contrapartida. O nosso desejo, que já está posto, é que a gente pudesse, ao mesmo tempo que desenvolve ensino superior, disponibilizar acesso ao ensino médio e técnico para os mais necessitados. Estamos criando possibilidades para isso em algum momento - aliás, até já abrimos, o Colégio Técnico Zumbi dos Palmares, que vai funcionar principalmente na parte da manhã, quando temos disponibilidade de espaço. Já estamos começando com o curso de enfermagem, junto com o HCor. O colégio técnico é gratuito. A gente ofereceria à municipalidade o uso de toda nossa estrutura pra atender, dentre outras coisas, o ensino gratuito pra molecada, e da mesma maneira a nossa expertise pra alguma outra ação que interesse à prefeitura. Seria uma forma de devolver em ações a contribuição do município.

PAS - No governo da Marta, a retomada dos espaços públicos causou polêmica. De alguma maneira é o que está se concretizando agora?

JV - Foi, houve aquela CPI que analisou a situação de vários espaços públicos municipais, clubes, jóquei, que deveriam cumprir uma série de finalidades e não cumpriram, ou hoje não reúnem mais condições. A prefeitura então tem solicitado ou contrapartidas ou a retomada dos imóveis. No caso aqui do Tietê existe esse desejo de repor o espaço naquelas glórias anteriores, mas também atender ao público da região que não tem equipamentos de lazer, escola, educação. Está muito em voga agora o clube-escola, que é transformar em espaço pra criança. Em regra os clubes, grande parte deles, estão precisando responder a esta nova realidade.

PAS - Aí tem esse dado impressionante, de que isto já foi um espaço de elite, e racista. Conversando com o presidente do clube, percebi que, não sei se voluntariamente, o Tietê hoje virou alguma espécie de democracia, com a faculdade, os coreanos, as festas na piscina da comunidade gay.

JV - É, eles ficaram obrigados a se apresentar com outra roupagem. A gente não sabe quanto isso é fruto de uma decisão voluntária, mas, pro bem ou pro mal, de maneira geral estão fazendo uma curva qualquer fora daquela linha. E, no caso de negros, é sintomático, há o episódio com Milton Gonçalves. Quando era garoto, ele quis participar de uma atividade aqui no clube e foi impedido. Segundo ele, diziam textualmente que aqui não se aceitavam negros. Ele guardou uma grande mágoa em razão desse acontecimento.

Outra coisa é que o Movimento Negro Unificado começou em razão da ação do Tietê. Os quatro jovens que fundaram o MNU tinham tentado participar de uma atividade aqui e foram impedidos. Teve passeata, foi um agito danado na época, e baseado no caso do Tietê criou-se o MNU, pra combater racismos de toda natureza. Hoje, circunstancialmente, vem um trabalho dessa natureza pra este espaço, e o público que antes não podia entrar pra usufruir as benesses do clube hoje entra pra estudar.

PAS - E também pra usufruir do clube, se quiser, não?

JV - Ah, sim, usufruindo do clube também. Mas esse é um dado extraordinário. Não se voltou pra entrar na piscina, mas pra ir além da piscina. E mais ainda, com espaço aberto inclusive para os usuários do clube tietê, para os sócios. A generosidade que eles não tiveram naquela época a gente está devolvendo agora.

PAS - Vocês têm percebido algum resquício dos tempos de resistência por parte deles?

JV - Ah, sim, sim. Só não posso dizer se é uma resistência relacionada à discriminação racial. Talvez uma discriminação mais de perda. Grande parte dos sócios gosta de dizer sempre "meu avô nasceu aqui", "meu filho". É um clube centenário, tem mais de duas ou três gerações que passaram por aqui, então tem logicamente um sentimento afetivo muito grande. Acho que a resistência é em sentir que os tempos são outros, as coisas mudaram, e eles ou não se aperceberam ou não se prepararam. Talvez tenham a percepção de que estão perdendo um espaço, de que outros estão se apoderando de um espaço que é deles. Talvez em razão disso o olhar torto, mas não quero crer que obrigatoriamente seja por estar sendo usado por negros.

PAS - Vocês estão aqui desde fevereiro, nesse tempo não há nenhum registro de conflito entre as duas nações, digamos assim?

JV - Ainda não. Seguramente deve ter alguns olhares, comentários de toda natureza, contestações de parte a parte nas reuniões do conselho do clube. Mas não tem qualquer coisa objetivada ou textualizada, como "você é negro, não entra na minha piscina, a água é minha". Não quer dizer que não estejam pensando. Mas o fato é que o clube estava às moscas, o estado precário denuncia. Isso aqui está trazendo é vida. Tem aí esse continente simbólico interessante, mas que em nenhum momento foi a condição pra qualquer coisa. Depois é que vieram à baila todas essas informações. O fato é que poderia ter acontecido uma resistência terrível, mas estar aqui significa que, ainda que houvesse e existam pensamentos nesse sentido, dos que estão aí conduzindo, dos que restaram, poucos colocaram objeção, "de jeito nenhum". Aliás, isso não foi imposto, foi uma acordo de consenso.

PAS - Não dá impressão de que em tudo que a Faculdade Zumbi dos Palmares faz se descobre depois um significado simbólico?

JV - Pois é, tudo. Como se diz que não cai uma folha de uma árvore se Deus não quiser, às vezes a gente para pra pensar e pensa, que coisa, que sina, o que nos foi determinado e a gente cumpre no imaginário... Depois, quando junta as pontas, meu Deus do céu, a gente é obrigado a pensar que está cumprindo uma missão divina, qualquer coisa parecida, porque são muitas circunstâncias extraordinárias.

PAS - No começo você falou de utopia. Mas desde que existe a faculdade elegeram um presidente negro nos Estados Unidos. O ministro do STF Joaquim Barbosa anda em evidência...

JV - Pois é, rapaz! Sabe que estou indo para os Estados Unidos na segunda-feira [dia 4 de maio]? Não sei se você lembra que quando Condoleeza Rice esteve aqui, no ano passado, ela assinou um plano de ação Brasil-Estados Unidos, pra promoção de ações afirmativas, inclusão e valorização de negros, principalmente na educação, na língua inglesa, no mercado de trabalho. Esse plano foi assinado, teve duas reuniões aqui, terminou o governo e se imaginava que com Obama não prosseguiria. Era um plano republicano, eventualmente os democratas não teriam interesse. Mas ao contrário, chegaram e já pegaram o plano pra fazer as conduções devidas. Então agora me convidaram pra essa reunião de trabalho, pra acabar de ajustar, adequar ou melhorar o tal do plano, o mesmo plano assinado pela Condoleeza. Generosamente me convidaram, e com muita satisfação estarei lá.

PAS - Você esteve lá no processo eleitoral também.

JV - É, na verdade estive três vezes nos Estados Unidos no ano que passou. Primeiramente fui pra um encontro mundial de educação promovido pelo Departamento de Estado, pela Condoleeza Rice. Me convidaram, fui, a única representação do Brasil que participou desse encontro fomos nós.

PAS - Era um congresso racial?

JV - Não, tinha gente do mundo inteiro. Eles estavam muito preocupados com os reflexos da intolerância, em decorrência do 11 de setembro. Estavam tentando encontrar caminhos pra combater a intolerância via educação, na linha de que não podemos ensinar a odiar, temos que ensinar a pacificar. Tendo em conta a característica da temática negra que já estava em voga, nos convidaram. Depois fui convidado pra ser observador da campanha eleitoral, fiquei lá um mês. E voltei para a posse.

PAS - Por sua conta?

JV - Não, fui convidado pelo comitê do Obama. Quando estive lá tivemos conversas e contatos. Ficou a perspectiva de ser convidado para ver de perto se Obama ganhasse. Ganhou, o comitê convidou. E ao final acabei sendo convidado também pela American Express, cujo vice-presidente é um negro. Lá é normal, é natural [ri], né?

PAS - De quão perto você viu?

JV - A sede da American Express é na Pensilvania Avenue, fiquei a 150 metros do Capitólio.

PAS - Perguntar se foi emocionante é desnecessário...

JV - É inenarrável. Inenarrável. Inenarrável. Como você sabe Washington tem muitos negros, então seguramente 70% daqueles 2 milhões eram negros, todos chorando, pulando, um negócio fabuloso. Fabuloso. Foi maravilhoso. E agora então eu volto pra participar de um seminário sobre a Unilab. Não sei se você sabe essa história, pelo menos já inspiramos alguma coisa, que o governo federal está criando - nós estamos em pé de guerra com ele, mas...

PAS - Por quê?

JV - Não é possível, o presidente Lula veio, viu a nossa formatura, e o que ele fez no outro dia? Mandou criar a Unilab, Universidade Federal de Integração Luso-Afro-Brasileira, em Redenção, no Ceará. Pelo amor de Deus, a gente está há dez anos trabalhando que nem condenados, pagando todos os impostos sem ajuda de ninguém, e quando vocês voltam a atenção pra isso vão fazer uma universidade lá no Ceará? Pô, pega nosso projeto, melhora... Está lá o projeto andando na Câmara, aprovaram 160 milhões de reais pra implantação da bendita Unilab. E, bom, Lula vai atender quem? Os negros dos países africanos. Todos estamos precisando, é justo, mas e nós, negros brasileiros, como ficamos nisso tudo? O que deu pra entender é que eles querem se transformar num centro de qualificação intelectual e profissional, preferencialmente para países africanos.

PAS - Mas se é um projeto de integração com a África, é diferente do de vocês, não?

JV - É, mas que vem inspirado na iniciativa de incluir os temas negros. O que estamos dizendo é que o que sempre se pediu no país era ferramentas que permitissem a inclusão do negro no ensino superior, na universidade pública, no mercado de trabalho. E, quando essa ferramenta é minimamente pensada, é pensada numa outra perspectiva, do negro africano. Tá um questionamento danado, uma briga. Mas, enfim, o modelo seguiu-se à Zumbi dos Palmares, então ficamos contentes com isso, está posto. E hoje, neste momento [24 de maio], está lá a Conferência Mundial de Racismo na ONU, saindo faísca, com o [presidente iraniano Mahmoud] Ahmadinejad soltando trovões verbais contra Israel, uma briga danada.

PAS - O tema é planetário.

JV - É. Temos essa discussão toda. Temos a São Paulo Fashion Week... O pessoal está em cima deles, cadê o Brasil miscigentado nessa passarela?

PAS - E estilistas falando barbaridades... [[em 12 de abril, a "Folha de S.Paulo" publicou a seguinte argumentação da estilista Glória Coelho contra a hipótese de criação de cotas para negros nas passarelas: "Na Fashion Week já tem muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com mãos de ouro, fazendo coisas lindas, tem negros assistentes, vendedoras, por que têm de estar na passarela?".]

JV - Você vê que coisa absurda? Espírito de casa-grande e senzala é apelido.

PAS - O que você sente, pessoalmente, diante de um comentário como esse?

JV - A gente é obrigado a admitir que se trata de um descolamento terrível da realidade, e não é de negro, não. Acho que ela diria isso em relação a pobre, a qualquer outra coisa. São dois mundos tão distintos, tão diferentes, tão separados, tão desiguais. Um mundo que seguramente permite que se essa Glória vivesse 150 anos talvez correria o risco de nunca na vida cruzar com um negro no seu caminho.

PAS - Será? Os empregados dela devem ser negros.

JV - Ela pode até cruzar, mas nessa circunstância, e não numa situação de interação. Quando discursou na nossa formatura, o ministro [da Educação] Fernando Haddad falou uma coisa engraçada: "Eu fiz graduação, mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo, fiquei ali 15 anos. E nunca não tive a alegria de ter ou um professor ou um colega de faculdade negro". Foi muito bacana a palavra dele: "Vocês tiveram mais sorte do que eu, porque puderam ter um amigo negro". Mas são caminhos tão paralelos que dificilmente em algum momento vão se cruzar. É outro ambiente, outro mundo. Nesse sentido, soam até naturais a compreensão e a manifestação dela.

PAS - Ela presta um serviço sem saber, porque se expõe, inclusive ao ridículo. Deve ter muita gente que concorda com ela, mas...

JV - É. Não sei onde eu li, um cara estava falando do livro do Chico Buarque, o "Leite Derramado". Ali Chico faz a constatação do racismo da elite branca brasileira. Não li ainda, mas fiquei muito interessado. Chico tem sido vítima, ele diz como são o desconforto e a tristeza dele toda vez que vai à praia com o neto [filho de Carlinhos Brown]. Só falta dizerem "sai daqui, negrinho", só depois que descobrem que é o neto do Chico Buarque... Aí é que ele se deu conta do racismo e passou a escrever sobre isso, escreveu no "Leite Derramado".

PAS - Li o livro, e confesso que fiquei incomodado. É certo que está tentando fazer uma crítica, mas é uma voz em primeira pessoa, que fala coisas terríveis, e faz ficar pensando em que medida não é o autor mesmo que está ali...

JV - Só posso dizer que ele viveu a experiência bem de perto, com a família. O fato é que tantos outros grandes personagens poderiam ter se posicionado sobre o tema, e todo mundo ficou em cima do muro, ou não o fez. O legal dele é vir e dizer "olha, as coisas são assim, sim". Senão a gente cai naquela conversa mole de que "não somos racistas" [ri], porque não existe raça. Ai, meu Deus do céu, quem falou que precisa haver raça pra haver racismo?

É como no artigo de hoje do José Serra ["Folha", 24 de maio], também achei muito esquisito, muito esquisito. Ele vem num artigo qualquer, fazendo uma análise do massacre contra os armênios, e depois fecha: "Por isso nós precisamos combater quem quer que seja que apresente a possibilidade de privilégios a partir da raça, porque isso em algum momento vai instigar o ódio racial e vai acontecer como aconteceu com a Armênia". Não entendi o recado. Primeiro que José Serra nunca escreve, e quando escreve normalmente trabalha sobre aspectos econômicos. De repente vem pegar Turquia e Armênia pra mandar recado? Como você bem sabe está lá no Congresso Nacional a aprovação ou não da lei de cotas nas universidades públicas. Não entendi de onde surgiu José Serra se posicionando sobre isso, sendo que ele nunca deu qualquer entrevista sobre isso. Tá mandando recado pra quem?

Mas o fato é que o país hoje se debruça em encontrar uma resposta e um caminho pra esse tema. E aí acho que todos nós falhamos, sejam os governantes, as personalidades, os políticos, mas também a academia. Porque ao longo destes 120 anos ninguém se debruçou sobre esse tema pra pensar políticas públicas ou soluções quaisquer. Agora, por qualquer motivo, se consolidou uma, todo mundo é contra, ou a grande maioria é contra. Legal, não é cotas, é o quê? "Não, deixa do jeito está e vamos fazer a universalidade." Está de brincadeira? Mais 120 anos esperando o bolo crescer? Manda outro. "Não temos, vamos discutir." Então deixa as cotas e depois a gente discute outro.

PAS - Mas também a realidade vai pressionando. Obama não bagunça um pouco a acomodação geral?

JV - Pois é, porque a realidade está aí dizendo: se vocês não fizerem a mudança eu vou fazer, e a mudança vai ser pro bem ou pro mal. Pode ser pro bem, procurando um caminho que transforme essas energias dispersas em convergentes. Ou vamos começar a construir muro em tudo que é canto, na Paraisópolis, muro de Berlim pra tudo quanto é canto. Em vez de nós nos debruçarmos sobre o problema, vamos fazer muro. Mas sejam muros ou cotas ou qualquer coisa, alguma coisa vai ter que ser feita. Aí é que estamos esperando o grito dos democratas. Até agora, está todo mundo em cima do muro, é muito triste isso. A conquista desse tema negro acaba sendo uma conquista não-democrática. Tem um livro muito bacana, "Na Lei e na Raça", uma dissertação de mestrado do hoje secretário municipal de Reparação do Rio de Janeiro [Carlos Alberto Medeiros], o que ele diz é que o que se conseguiu aqui pros negros é uma conquista isolada, individual e solitária do negro. Não tem nem mídia, nem igreja, nem sindicato, CNI, ABI, OAB, ninguém. É você e você mesmo, contra tudo e contra todos. É muito triste, porque isso teria que ser uma luta de todos, porque é uma uma luta cujo resultado interessa a todos os brasileiros. E o brasileiro ainda não foi despertado pra isso.

PAS - Posso dizer que sou testemunha de que a mídia não melhorou quanto a isso.

JV - Eu sei. Nós estamos agora contestando a cota de 10% ou 20%. Criamos a cota de 1. Você vai ver que em alguns lugares os caras agora fazem questão de pôr um negro: "Olha, tem um aqui, tem um no bolso pra você [ri]". Ou quando você discute espaços de responsabilidade social: "Põe um negro aí na propaganda, pra que possamos nos apresentar politicamente corretos". Mas o "politicamente correto" é um negro e 30 não-negros do lado.

PAS - Eu estava percebendo isso outro dia na novela das oito. A personagem continua sendo empregada doméstica, mas agora tem uma casa, tem conflitos, um filho esquizofrênico... Dá um mal-estar, é melhor, pelo menos ela tem filhos, mas, ainda assim...

JV - [Ri.] Tem marido, né? Vai ter uma novela em que a Taís Araújo vai ser a protagonista e, segundo informações que tenho ouvido, vai ter algumas cenas quentes. Porque, por incrível que pareça, Pedro, até hoje você nunca viu uma cena quente de atores negros. Nunca, nunca. Em que novela você vê uma mulher negra e um homem negro se beijando, se roçando, rolando na cama? Nunca. É um tabu. Os negros que vemos primeiro não tinham família, segundo, eram sempre engraxates, jardineiros ou porteiros. Legal, conseguimos incluir negros com núcleo familiar. Aliás, teve até a discussão dessa última novela, com Milton Nascimento, "quando é negro protagonista, é bandido sem-vergonha" [ri], foi uma briga danada. Mas, enfim, tem negro com vida familiar, com carro etc. Dizem que nessa novela virá. E que negócio terrível, já puseram gay, lésbica, demente, tudo. Me parece que a mídia, ou a novela brasileira, ainda não tem segurança nem maturidade pra colocar dois negros se beijando.

PAS - Isso é conspiração involuntária, algo que ninguém faz e ninguém sabe por que não faz?

JV - Pois é, rapaz, vai saber. Me parece que ninguém quer pôr a mão na ferida. Todo mundo concorda, "puxa, que coisa, nunca vi um homem negro e uma mulher negra". Aí você fala com Manoel Carlos ou quem quer que seja, ele diz "é mesmo" e também não faz. A gente trabalha com algumas empresas aqui que nos ajudam com algumas vagas de estágio, e a grande dificuldade que tivemos de convencer parte deles no início do trabalho é que a gente sentia que nem era só por restrição ao tema. É que isso aí é trabalhoso. O cara teria que parar, começar a pensar nesse assunto, ler sobre, mudar o ambiente interno, preparar os outros funcionários, logicamente no início ia ter uns atritos que ia ter que administrar. Tudo isso ia fazer ele ter que parar o que estava fazendo, deixa, é melhor não.

PAS - Também tem que trabalhar com convicções internas que nem sabe que tem...

JV - É. Na mídia, ou na novela brasileira, tivemos "Xica da Silva", que foi uma coisa muito pontual, mas isso não é uma normalidade. Ao passo que, coisa engraçada, todos os filmes norte-americanos que entram no assunto entram com propriedade. Tem uns seriados de negros que passam no SBT - passa, vende, dá ibope, tudo sob controle. Chega aqui, num país miscigenado, vai pôr negro... Eventualmente não vende, como dizem sempre. Como diz a mulher aí, é a mão invisível do mercado. Na hora que o mercado estiver pedindo negro eu coloco negro. É um tabu que ninguém quer pôr a mão.

PAS - E um dos chefes máximos daquela mesma TV é quem escreve um livro dizendo que não somos racistas. E a prova de que somos, sim, está ali, na mesma TV, todo dia.

JV - É o fim da picada. Todo dia, toda hora. Esse é o triste do brasileiro, que prefere dissimular a realidade do que encará-la de frente. Ele vem com essa conversa aí, e tenta aliciar outras pessoas, de que não somos racistas. Pode até ser que na essência o brasileiro não seja racista, mas as práticas racistas estão postas aí, numa estrutura que se retroalimenta continuamente. E ele não entende isso como uma anormalidade, e é por isso que a moça vem dizer: "Ah, mas tem negro aqui fazendo bolsa, fivela". Mas, olha, tá errado, não tem na passarela. Se pode fazer fivela, poderia com a mesma propriedade estar na passarela. Aí ela diz: "O problema não sou eu, o problema é o mercado". Mas o mercado não é um ser invisível e dotado de vontade. O mercado é você. Precisa de um papo desse pra ela cair na real, quem sabe muitos tenham um insight com um caso desses. É bacana. Por isso digo que trabalhos como o de vocês da "CartaCapital", que ponham o tema na bandeja, são fundamentais, continuam sendo um trabalho de conscientização.

/PAS - Excepcionalmente, a capa da "CartaCapital" desta semana é o Joaquim Barbosa. As revistas também não põem negros na capa.

JV - Não põem. A nossa mídia como um todo não trata esse tema com profundidade e seriedade. A nossa academia torce o nariz. Nenhuma das nossas instituições sociais se mobilizou ou traz qualquer solidariedade - ABI, OAB, magistratura, Ministério Público etc. Se o Ministério Público tivesse chamado meia dúzia para um termo de ajustamento de conduta, já tinha mudado essa realidade no país. Nenhum dos partidos políticos tem qualquer ação objetiva nesse sentido - nem nesse nem em qualquer outro, mas nesse mais ainda. Nenhum, de A a Z, direita, esquerda, centro. As variações religiosas também, não se tem nem padre negro. Os organismos internacionais em regra estão pouco preocupados com isso. Aqueles que teriam como obrigação legal zelar por isso, como BNDES, está mandando tanta grana pra essas empresas... Imagina se ajudassem a pôr essa Zumbi de pé. Dão grana pra ONG da mulher do deputado, então deem pra gente, ajuda a botar de pé. A luta continua sendo solitária, de um grupo de negros, meia dúzia de colaboradores, interessados...

PAS - Mas não é bem assim. Quantos alunos você tem aqui hoje?

JV - 1.800 alunos.

PAS - É menos solitária do que já foi...

JV - Ah, sim, mas estou dizendo pra você que nossa alegria é saber que a vida nos permite, apesar das contradições, mostrar que é possível fazer.

PAS - Como você falou, por mérito de quem resolveu peitar.

JV - Pedro, se nós com todas as limitações conseguimos, imagine governo, Ministério da Educação, BNDES. Já teriam feito há 120 anos, poderiam ter feito muito melhor, com muito mais propriedade, há muito mais tempo. Outro aspecto é que, tudo bem, é uma grande realização, mas no macro é uma gota no oceano. Quando conversamos naquela outra oportunidade, me lembro que falei pra você que a USP tinha quatro professores negros, em 5.400. Nós já fomos pra duas conferências mundiais sobre racismo e discriminação, e continua com quatro. Isso é um termômetro.

PAS - Um termômetro de como a elite paulista é racista até o último fio de cabelo.

JV - Até a medula. No governo Fernando Henrique Cardoso - que é o mais aprofundado conhecedor de temas negros, com tese de doutorado sobre negros - não tivemos nenhum ministro negro. Tivemos Pelé, que foi ministro extraordinário por seis meses. Repare que agora, no primeiro, segundo e terceiro escalão do governo estadual do PSDB, não tem um negro. Mesmo na prefeitura não tem um negro. E só depois de muita pressão que dos 360 desembargadores agora temos um negro.

PAS - Com pressão?

JV - Com pressão. Diga-se de passagem, o Serra teve sensibilidade. Mas às vezes acaba sendo a sensibilidade do Serra, mas não é a do establishment, do PSDB verticalmente. É do governante A, B ou C. Mesmo os três ministros do Lula, o Joaquim Barbosa, não é um plano do partido, no mais das vezes é o Lula que bate o pé, "quero, vai ser assim, pronto, acabou", contra tudo e contra todos.

PAS - Você acha bom ou ruim o Joaquim Barbosa fazer o barulho que fez?

JV - Ele não fez por querer. Acho que teve uma reação talvez desmedida, mas uma reação frente a um fato ali do trabalho, acidente do trabalho.

PAS - Teve um apoio imenso da sociedade "desorganizada", pelo menos na internet.

JV - Com certeza. É fruto da seriedade, da postura reta dele. Por outro lado, está se polemizando gratuitamente, porque, antes dele, pelo amor de Deus... Quer mais que aquele Marco Aurélio de Mello, que saía no braço com todo mundo? Sempre houve esse bate-boca lá.

PAS - Falamos tanto da dimensão simbólica, o que você percebe de mudança simbólica no dia-a-dia aqui na escola, entre os alunos, por causa da chegada de Obama? Acredita que vai ter efeitos diretos?

JV - Sabe que tem dois alunos e um professor nossos que estão nos Estados Unidos, no nosso primeiro intercâmbio? Estão chegando por estes dias. Em maio ou junho, chega o pessoal de New Orleans. Conseguimos o primeiro intercâmbio internacional, estamos soltando rojão.

Mas qual seria minha leitura? Acho que nossos alunos viram e veem na possibilidade Obama um reforço da sua auto-estima. Também viram no sucesso do Obama talvez a confirmação disso que estamos conversando, de que nós podemos. Está contribuindo muito pra que compreendam que não existe almoço grátis. Ou seja, Obama chegou porque é bom, e é bom porque foi pra escola e fez a lição de casa. Então descobriram que isso de fato foi uma boa escolha. E os alunos aqui batem boca, "eu quero", "eu faço", eles descobriram um espaço de manifestação. A gente fica muito contente e triste ao mesmo tempo, porque os poucos espaços que o negro tem pra falar coletivamente, publicamente, é nos nossos veículos, na "Revista Afirmativa", no programa "Negros em Foco". Fora isso, meu amigo, não tem espaço pro negro falar. No mais das vezes quem está sempre discutindo o negro é o outro. Então pra nós é importante a perspectiva de um jovem negro ter voz e utilizá-la, ainda que internamente. E Obama tem também influenciado muito esses jovens a pôr na mesa uma série discussões - conferência de racismo, a própria instituição, mensalidade, se o ambiente está legal, o que está faltando. Estão contestando, cobrando, virando clientes exigentes.

PAS - Na sua opinião Obama está indo bem como presidente?

JV - Pois é, Obama é o tipo do cara que não precisaria fazer anda pra ser "o cara", em termos de simbologia. Ele representa muita coisa. Mas o que me parece, nas sinalizações, é que ele está surpreendendo. Foi ao Oriente Médio e surpreendeu, veio aqui e tomou uma 51 com Hugo Chávez, e está tudo certo. Ele tem uma capacidade fabulosa de desanuviar ambientes. E mesmo na condução da crise norte-americana não tenho ouvido qualquer crítica muito mais ácida no sentido de ele estar cometendo barbeiragem. Está firme, o povo americano está apoiando, continua sendo um ídolo, a rainha tá assim com o cara [ri].

Conversei com um amigo dos Estados Unidos, ele estava dizendo que elegeram o novo presidente do Partido Republicano, e é um negro. Preciso checar essa informação, mas tenho quase certeza que isso aconteceu. Ele estava dizendo que o maior impacto do Obama nos EUA foi fazer o Partido Republicano colocar um negro na presidência, uma coisa inusitada, imponderada, impensável, irrealizável.

PAS - Se ele fica amigo de Lula, Chávez, Evo, iranianos, vai acabar sendo classificado como do "eixo do mal", ou de esquerda?

JV - Me parece que ele só tá trocando o porrete de mão. Tanto é que saiu fora da conferência - pelo amor de Deus, como um negro boicota uma conferência sobre racismo? Acho que isso demonstra que é bonzinho, mas não muito. Ou que, pra implementar prioridades não pela força, mas pelo argumento, precisa se apresentar como bom moço. Mas, na hora que estiverem em jogo os interesse americanos, não tenha dúvida, ele tem que ter lado, e vai ser obrigatoriamente com o eixo da força política que lhe dá sustentação. Não tem como estar no meio de uma força política e achar que o cara é bonzinho, que não tem caixa dois de campanha, grupo que vai ganhar as licitações. Gostemos ou não, isso é a essência da política. Se na sustentação dele tiver o cara que quer vender mais aviões ou armas, ele não vai dizer: "Não vamos mais vender armas". Por outro lado, ele não é o governo dos negros, ele é um governante negro.

PAS - De qualquer modo, vai ser interessante acompanhar a trajetória. Você de perto, às vezes.

JV - Eu só vi ele pela cordinha, quando ele fez o percurso a pé eu estava na cordinha. Mas terça vou estar lá no Departamento de Estado. Pra Hillary Clinton pelo menos dá pra dar um tchauzinho [risos].

[A entrevista se encerra, ele se põe a mostrar a parede cheia de recortes de reportagens sobre a Zumbi dos Palmares em diversos veículos de imprensa. Fala da formatura da primeira turma, no ano passado.] Foram 241 formandos, se juntar com os 120 que vêm agora temos 360. Estamos felizes de formar a segunda turma, mas 360 jovens é o maior número de negros formados em toda a história da América do Sul, em pleno Terceiro Milênio, num país que se diz que é uma democracia racial. Olha que abusrdo. Tem muita lenha pra queimar ainda.

PAS - O legal é que a cada semestre vai aumentar.

JV - É, missão cumprida. Se eu for pro segundo andar, vou feliz.

PAS - Nem pense nisso por enquanto, tem muita coisa pra fazer ainda.

JV - É [ri], estou feliz.

terça-feira, maio 12, 2009

parece que endoideceu

não sei se alguém estranhará o que vou dizer agora, mas (com licença devidamente pedida a dona gal costa & a muitos outros mais) eu não conheço nenhuma releitura de dorival caymmi mais batuta do que esta, de "o mar", pelo grupo mato-grossense (do norte) vanguart.



todo dia era dia de índio!

a change is gonna come

textinho ligeiro sobre bob dylan, da "carta capital" 545 (13 de maio de 2009).


DYLAN EM LUA-DE-MEL

Se alguém, no campo artístico norte-americano, foi beneficiado pelos anos Bush, esse alguém se chama Bob Dylan. Não sem certa ambigüidade, a imagem do artista hoje quase septuagenário subiu uma vez mais ao primeiro plano, reencarnando talvez os humores de insatisfação e protesto que o fizeram grande nos anos 1960. O folk voltou à tona, e conta até com inusitada voga no Brasil, de nomes novos como Vanguart e Mallu Magalhães.

Em Together Through Life (Sony), Dylan avança pela era Obama adentro, adocicado por canções de amor quase otimistas e motivado por expressões afirmativas como as de It's All Good e da faixa-título. Em grande parte do CD, uma sanfona agridoce aveluda a voz áspera e amacia faixas quase alegres, como Beyond Here Lies Nothin’ e I Feel a Change Comin’ On. Evoca à distância o monumental álbum Desire (1976) e reaproxima o autor de um ambiente sonoro cigano, acaipirado.

Talvez para provar que nem tudo são sorrisos e acenos, Dylan preserva em Life Is Hard o tom de fossa amorosa e o andamento arrastado, soturno. A coleção de críticas favoráveis e a escalada a alguns topos de paradas atestam que a lua-de-mel entre o velho poeta e seu rebanho prossegue. - POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

segunda-feira, maio 11, 2009

toda vez que eu viajava

seguindo ainda no tema aberto pelo tópico anterior, e pela reportagem sobre o clube (e o rio) tietê, estranho é olhar o mapa fluvial desta parte do brasil e observar o rio tietê indo desaguar no rio paraná, o rio que tem o nome do estado onde eu nasci.

não nasci em são paulo, e no geral sou bem ignorante em matérias de história e geografias deste estado (das do paraná também pouco sei, mas isso já é uma outra questão...). tanto que demorei anos para entender que o tietê nasce na serra do mar e avança rumo ao interior (pela minha lógica torta, achava que devia ser o contrário).

pois então, é lá, no rio paraná do meu paraná, que cai a sujeira toda de cá da minha são paulo, a sujeira toda da "prosperidade".


estranho também é seguir olhando abaixo, paraná adentro, e encontrar lá, desmbocando no mesmo paranazão, mas bem menorzinho (e portanto menos poluidinho) que o tietê, o rio ivaí. o rio da minha infância, o maior clube e parque de diversões (natural) que eu frequentei na vida. o rio onde meu pai pescou a vida toda, e de onde trouxe um monte de peixe (que na época eu não gostava de comer).

a propósito, voltei lá no rio ivaí poucos meses atrás, depois de uns 15 anos de desencontro. entrei dentro dele como sempre, sem nem pensar se hoje está ou não poluído (será que está?). era taaaanta saudade que eu nem sabia que tinha.

quando eu era pequeno, nas margens do ivaí só havia mata e barro e plantação de soja e o casebre da família do joão guarda (o guarda florestal do pedaço) e, mais lá longe, as cidadezinhas de ivatuba e doutor camargo. hoje as barrancas do rio estão apinhadas de condomínios fechados, portais com entrada controlada, casas com piscina, portões com cadeado.

a casinha de madeira do joão guarda evidentemente não está mais lá, naquela curva que não sai da minha memória um minuto sequer.

mas, mais estranho de tudo, o rio ivaí pareceu aos meus olhos (e outros sentidos) o mesmo de sempre. pareceu quase meu, como eu acreditava que era uns 30 anos atrás.

mas fico pensando... será que desde pequeniniho eu já depredava rio?

sexta-feira, maio 08, 2009

o rio, a margem e o quilombo

não é de hoje que me encanta a história da faculdade zumbi dos palmares.

nem é de hoje que me causa profundo desconforto a proximidade do rio tietê, o estado em que ele se encontra e o que significa esse estado.

o que eu nunca imaginei, nunca, é que um dia esses dois temas se encontrariam e entralaçariam numa mesma reportagem que eu iria fazer. lá vai ela, da "carta capital" 544, de 6 de maio de 2009.



O rio e a margem
Outrora espaço da elite paulistana, o Clube de Regatas Tietê é hoje ocupado pela Faculdade Zumbi dos Palmares

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Era a década de 1940. A um grupo de meninos pobres das redondezas foi dada a oportunidade de aprender natação no tradicional Clube de Regatas Tietê, à beira do rio, no bairro da Ponte Pequena, zona norte de São Paulo. Na portaria, a entrada foi permitida a todos eles, menos um. Esse, além de pobre, era negro. Foi barrado. A discriminação racial era regra nos clubes da cidade, do estado, do País.

Frequentado originalmente pela elite paulistana e celeiro de atletas como a tenista Maria Esther Bueno, o Clube Tietê vive, aos 102 anos de idade, realidade bem distinta. Neste 2009, recebeu cerca de 1,8 mil novos frequentadores, 87% deles negros. É que um de seus edifícios instala, desde fevereiro, a Faculdade da Cidadania Zumbi dos Palmares, fundada em 2004 sob a regra de destinar ao menos 50% das vagas a estudantes negros.

O clube vive um prolongado processo de decadência e perda de sócios. O contrato de comodato com a prefeitura está prestes a terminar, a dívida acumulada é de 300 milhões de reais. A Zumbi dos Palmares ocupa provisoriamente o antigo galpão de ginástica olímpica, judô, esgrima e balé, em troca de pagamento de água, luz e manutenção do prédio, sem aluguel. O reitor José Vicente pleiteia, na prefeitura, ocupar o espaço pelos próximos 50 anos, também em regime de comodato. "Estamos nos últimos ajustes. Vamos ficar aqui", afirma.

O garoto negro dos anos 1940 foi barrado quando o rio Tietê avançava rumo à total degradação, mas ainda era usado para nado, navegação e regatas. O menino hoje tem 75 anos, é ator e se chama Milton Gonçalves. A história é exemplar de situação amplamente familiar a cidadãos negros, ou melhor, a “todos os negros do Brasil”, segundo suas palavras. Ele próprio viveu experiência mais traumática do outro lado do rio, quase em frente, na Associação Atlética São Paulo.

Ao completar 18 anos, tentou entrar num baile carnavalesco da Atlética, e foi mais uma vez impedido, desta vez por um segurança que nas horas vagas era seu companheiro de peladas. Insistiu. Argumentou que costumava assistir aos jogos no clube e ninguém dizia nada. Foi contido pelo presidente do clube em pessoa, sob a explicação de que "os sócios não iam gostar".

"Já existia a Lei Afonso Arinos, e eu disse: 'O senhor sabe que se eu for à delegacia vão fechar seu clube?'. Ele respondeu: 'Você acha mesmo que vão fechar este clube por causa de alguém como você?'. Foi um dia de terror para mim", relembra. Naqueles tempos, só soube de um casal negro que conseguiu entrar num baile do Tietê. Estavam fantasiados, os rostos ocultos por máscaras. "Lá pelas tantas, tiraram as máscaras. E foram retirados do clube."

Vicente lembra que o Movimento Negro Unificado foi articulado, inicialmente, em reação a um caso de discriminação racial de quatro jogadores de vôlei no Clube Tietê. Era 1978, mais de três décadas após o episódio vivido pelo ator. "O público que antes não podia entrar aqui hoje vem para estudar", avalia.

Mineiro criado em São Paulo, Gonçalves traduz o que sentiu quase 60 anos atrás: "Me deu um ódio, fui beber cachaça no bar ao lado, fiquei lá sozinho. Num momento desses, explode na sua cabeça tudo que você já sabia e fingia não existir. Passei muitos anos com muito ódio dentro de mim. Por anos, planejei tocar fogo nos barcos, dinamitar o prédio, qualquer coisa. Mas o bom senso prevaleceu, fui procurar outros conhecimentos".

O atual presidente do Clube Tietê, o esgrimista Edson Oliveira Rocha, aborda o tema espinhoso: "Num passado não tão distante, o clube era racista. Havia racismo, não se deve negar. Foi praticado, mas não é mais. Hoje é uma associação de várias raças". E ilustra: "Temos aqui 300 coreanos praticando badminton (esporte semelhante ao tênis, praticado com raquete e peteca). Alguns chegam de limusine blindada, são pessoas de posse mesmo".

O clube, que no auge chegou a ter 30 mil associados, possui hoje cerca de 2 mil, segundo seu presidente. Ainda se tentam vender os outrora disputados títulos, por uma "joia" de 1,8 mil reais, sem sucesso. E a mensalidade de meros 35 reais garante o acesso de qualquer frequentador.

Rocha atribui ao avanço dos condomínios fechados o ocaso do clube. "Hoje os condomínios da elite dão ênfase a piscina e quadras de tênis."

Mas na vida e morte do rio parece se esconder o fio da meada. Milton Gonçalves lembra quase ter se afogado embaixo da Ponte Grande, nos anos 1940, mas o pequeno paraíso de caça, pesca, coleta, esporte e recreação, utilizado por ricos e pobres, se deteriorava desde ao menos o início do século, como descreve o historiador Janes Jorge no livro Tietê – O Rio Que a Cidade Perdeu (Alameda).

Nada faz lembrar a diversidade ao longo do curso do rio, num passado em que uma ponte ligava os rivais Tietê e Espéria (outro clube ainda em atividade, do outro lado do rio), atletas amadores andavam de pedalinho pelo rio, frequentadores de chapéus, ternos e vestidos elegantes assistiam às regatas em mesas instaladas à beira da água. Lavadeiras pobres também exerciam seu ofício à margem do rio, e o confronto de classes nunca deixou de estar presente.

O livro de Jorge descreve a criação da União Paulista dos Clubes de Remo, em 1903, e se refere ao estatuto "altamente elitista" formulado para afastar os trabalhadores dos esportes náuticos. Em 1912, narra, a Federação Paulista de Remo excluiu os operários do rol de remadores registrados para a temporada oficial.

Em seus anos de auge, o Clube Tietê deu guarida a uma série de esportistas bem-sucedidos. Maria Esther Bueno começou a treinar ali em 1950 e conquistou 589 títulos internacionais. Foi tricampeã em Wimbledon, em 1959, 1960 e 1964. O nadador Abílio Couto foi recordista mundial na travessia do Canal da Mancha e atravessou, em 1965, o Estreito de Gibraltar. Antes, a pioneira Maria Lenk se tornou a primeira mulher sul-americana a competir nas Olimpíadas, em 1932 e a primeira a quebrar recordes mundiais de nado, em 1939. No futebol, o Tietê adquiriu, em 1935, o São Paulo da Floresta, que tinha jogadores como Arthur Friedenreich.

São Paulo cresceu, a ponte entre o Espéria e o Tietê desapareceu e extensas áreas dos terrenos às margens do rio foram desapropriadas para a construção da Marginal Tietê, que soterraria com ela a memória de uma cidade erguida às margens do rio.

De 1924 em diante, por exemplo, realizou-se no Tietê a tradicional Travessia de São Paulo a Nado, um percurso de 5,5 quilômetros da Ponte da Vila Maria até o Espéria, na Ponte Grande. Em 1935, 1936 e 1947, a disputa foi vencida pelo jovem João Havelange, mais tarde presidente da Fifa. Em sua última participação, em 1948, ele contraiu tifo negro e ficou dois anos internado, segundo narra o livro fotográfico Tietê – O Rio de São Paulo (A Books).

Em 1972, as regatas foram transferidas para a raia olímpica da USP. A avenida Santos Dumont, onde fica a entrada do Clube Tietê, é hoje uma inóspita via expressa. Sem rio à vista nem paisagem aprazível, os frequentadores originais abandonaram a região. "O Tietê estava às moscas, a faculdade está trazendo vida ao lugar", diz Vicente.

Outro elemento da democracia de raças e identidades instalada no Tietê versão anos 2000 é a Pool Party, uma festa à beira da piscina promovida no clube pela boate gay The Week, para uma média de 8 mil frequentadores. "Não fazemos restrição nenhuma, Nossas sócias velhinhas vão. No começo se assustam, mas participam. Modestamente, essa democracia irrestrita deve-se a mim", diz Rocha, num início de noite, recém-chegado do emprego diurno numa multinacional fabricante de elevadores, onde trabalha como eletrotécnico, uniformizado.

"O conselho e os associados mais velhos resistem. Resistem à Pool Party, ao tênis dos coreanos, à Afrobras (a ONG por trás da Zumbi dos Palmares), aos programas sociais", diz. "Como presidente voluntário, minha vida é um inferno. Tenho polícia atrás de mim, por causa da dívida do passado, processos trabalhistas. Isso vai ser resolvido com a venda do clube de campo, que está em andamento." Refere-se à sede campestre de um milhão de metros quadrados às margens da represa de Guarapiranga, hoje desativada.

A convivência entre negros e não-negros parece rudimentar na nova configuração do clube. "Os coreanos ficam lá longe, acho que estão indo embora mais cedo desde que a gente chegou", sorri Alexandrina Souza, aluna do quarto ano de administração. Três jovens coreanos reagem à tentativa de aproximação com expressões assustadas. Dão as costas e se afastam rapidamente.

Segundo o presidente do Tietê, não há nenhum registro de conflito até aqui. "Os sócios frequentam mais durante o dia, e a faculdade só funciona à noite. Não há confronto entre as partes", afirma.

De fato, é exclusivamente noturna a escola, que atualmente oferece os cursos de direito, administração e tecnologia em transportes terrestres, e no segundo semestre deste ano deve abrir vagas para publicidade e propaganda e pedagogia. As mensalidades, abaixo dos preços médios das universidades particulares, oscilam em torno dos 300 reais.

Entre o fim da tarde e o início da noite, a paisagem do clube se mescla entre meninos da escolinha de futebol, tenistas coreanos e os alunos da Zumbi que chegam, muitos deles de ternos, gravatas e cabelos black power. A maioria trabalha durante o dia e estuda à noite. Vários dormem nos pufes da biblioteca enquanto esperam as aulas.

Numa noite de sexta-feira, o movimento é grande nas várias lanchonetes do Tietê. Em cena improvável há 50 anos, uma das lanchonetes comanda a animação com churrasquinho ao ar livre e Zeca Pagodinho cantando o tempo que Don Don jogava no Andaraí em alto volume.

"Às 20h30, está todo mundo nos nossos bares. Isto aqui está uma grande festa", comemora Rocha. Ainda tem adesão pequena, segundo ele, a proposta de associar os alunos da Zumbi ao clube. Admite que a concessão de desconto, inicialmente proposta, é objeto de discórdia na diretoria. "O conselho não aceitou um preço promocional para os alunos. Eles pagam o mesmo que qualquer associado", diz.

Wallace de Moraes, do terceiro ano de administração, utiliza o equipamento esportivo diariamente. Comenta os vaivens de localização da escola, que antes teve sedes na Luz e na Barra Funda, essa última num antigo centro de distribuição da loja virtual Submarino. "A parte ruim é tanta mudança. A faculdade ainda não tem uma estrutura sólida. O curso tem problemas, mas isso vai do esforço do aluno."

Atualmente desempregado, Alexandre Pinheiro dos Santos, do terceiro ano de administração, tem usado a piscina durante o dia. "O mundo dá voltas. Quem diria que eu ia entrar num clube, estudar nele e ainda nadar por 15 reais", observa. "A escola está engatinhando, muita coisa precisa melhorar. Mas não dá para se cobrar tanto, o projeto é maravilhoso."

O reitor interpreta as "andanças" da sede em termos simbólicos. "Elas retratam o tema do nosso lugar no imaginário, na educação. É uma luta difícil, exige ações objetivas, mão na massa, dinheiro, tanto que às vezes é mais fácil ficar na utopia", diz.

"Há uma contradição aí. É um tema terrível para trabalhar, mas que na atualidade permite alguns sucessos. Temos andado sempre para frente, não de lado." Além do crescimento dos 2 mil metros quadrados iniciais para os 20 mil de hoje, as andanças têm levado a faculdade aos Estados Unidos, dentro de um programa de ações afirmativas firmado por Condoleeza Rice no governo Bush e mantida por Barack Obama.

Vicente foi observador das eleições presidenciais pelo Partido Republicano, e voltou para a posse de Obama, a convite do comitê democrata e da American Express, cujo vice-presidente é negro. "O que senti ali, a 150 metros do Capitólio, é inenarrável." Na segunda-feira 27 de abril, integraria uma comitiva do Plano de Ação Conjunta Brasil-Estados Unidos contra o Racismo e a Discriminação Racial em Washington, numa reunião com a secretária de Estado, Hillary Clinton.

Sua intenção, se confirmada a conquista do Tietê, é erguer ali uma sede própria, especialmente planejada. Segundo ele, o objetivo do prefeito Gilberto Kassab (DEM) é transformar o terreno num centro de referência em treinamento olímpico, sem interromper o uso do clube como espaço coletivo. A escola faria parte desse contexto.

Vicente cita a CPI municipal que em 2001 investigou a cessão de espaços públicos a entidades privadas como marco de um processo de mudança. "A prefeitura tem solicitado contrapartida social por parte das instituições privadas, ou então retomar os espaços. Ficaram obrigados assim a apresentar outra roupagem, não se sabe até que ponto por decisão voluntária."

Esse é um dos entraves do atual Tietê, e de outros clubes. "Hoje o Ministério Público estranha o uso de espaços públicos sem fins de prestação de serviço à comunidade. Não entendem muito isso de ser restrito a uma elite, exigem contrapartida", afirma Rocha.

A população negra que hoje aflui à Faculdade Zumbi dos Palmares segue na luta por espaço na sociedade. "Nas novelas, os negros não são mais só empregados domésticos. Agora também são sambistas e jogadores de futebol. Não sei se você entende que estou sendo irônica", diz Alexandrina. "Quando o personagem negro é rico, é bandido. Precisa ser assim?", pergunta, em referência ao político corrupto interpretado por Milton Gonçalves em novela recente da Globo.

Milton Gonçalves até hoje não pisou no Clube Tietê, mas diz que voltaria se fosse pela Zumbi dos Palmares. E formula, com a voz embargada, um elogio amargo à iniciativa: "Ser obrigado, em pleno século XX, a ter uma faculdade separada... Não é justo. Não é justo. Eu ajudarei enquanto vida tiver, mas ainda acho que é uma humilhação". Em março de 2008, ele fez um discurso sobre a Abolição na cerimônia de formatura da primeira turma da faculdade, no Ginásio do Ibirapuera.

Sobre aquele dia, fala José Vicente: "Não tenho o que dizer, é missão cumprida. Eram 241 negros se formando, nossa terceira abolição. É o maior número de negros formados na universidade em toda a América do Sul, você acredita?". O que responderiam os dirigentes e sócios do Clube Tietê que barraram Gonçalves seis décadas atrás?

quinta-feira, maio 07, 2009

peguei um ita no norte

assim como deputados, jornalistas costumam viajar muito a trabalho.

se você não é do ramo, deve imaginar que os veículos de comunicação onde eles trabalham pagam suas passagens, certo?

errado, não é bem assim.

como contei ontem num debate sobre crítica musical no congresso de jornalismo cultural promovido pela revista "cult" no tuca (o mesmo lugar onde sérgio ricardo quebrou o violão, como lembrou o arthur dapieve), eu viajei para tudo que é canto a trabalho durante os dez anos em que trabalhei na "folha".

na grande maioria das vezes, não foi o jornal que pagou minhas passagens. sabe quem foi? a parte interessada na reportagem que eu ia fazer. geralmente, a gravadora que estava lançando o cd do artista que eu ia entrevistar.

será que isso é tão diferente assim dessa incrível "descoberta" que fizeram agora, sobre como o suplicy, o gabeira, o ciro, o heráclito (tem algum tucano de cepa na mamata?) etc. mercantilizam, digamos assim, suas cotas de viagens?

quem costuma pagar, por exemplo, as viagens dos jornalistas que fazem reportagens turísticas? ou as refeições dos críticos gastronômicos? os cds que alimentam o jornalismo musical fast-food?

jornalistas de renome nunca viajaram-viajam-viajarão "a convite" (esse é o jargão habitual) dos nobres deputados, senadores, prefeitos, governadores etc.?

com que recursos será que a globo arremessa seus profissionais aos quatro cantos deste mundo redondo, da amazônia aqui perto até a índia lá do outro lado da bola?

também não sei, mas, viu?, haja paciência para aturar jornal e jornalista cuspindo lição de moral sobre a "imoralidade" que enxergam só e sempre nos outros e nunca neles mesmos.