quarta-feira, maio 30, 2007

o samba, a política e o mimo

ah, e por falar em "contramão da contradição", como fizemos grupalmente no tópico anterior e em sua respectiva janela vermelha... em tempo em que "mimos" & "mimados" vão às manchetes do noticiário, talvez não custe muito tempo & dinheiro resgatar uma reportagem que já foi notícia, já datou, já embrulhou peixe na feira e hoje pode voltar hibridizada, nem tanto notícia, nem tanto peixe embrulhado, nem tanto realidade, nem tanto ficção.

mais, êita. que diacho será isto agora, quase um ano após a publicação na "carta capital" 396, de 7 de junho de 2006?


O RAP, O GOL E O LUCRO
Contradição ambulante, Marcelo D2 alterna o discurso social e a exaltação a Ronaldo, sob medida para a Copa

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

É até possível que você não esteja ligado na mistura de rap com samba, nem tenha prestado atenção ainda em Marcelo D2. Mas, se assim for, a distância tem hora marcada para terminar: escalado por Ronaldo "Fenômeno" em pessoa para compor um samba-exaltação a seus feitos, o rapper carioca é sério candidato a se tornar "homem-gol" da música popular brasileira durante a Copa do Mundo de 2006.

Todas as partes envolvidas despistam a conexão, mas há evidências de uma estratégia montada em conjunto pelo tripé futebol-música-televisão, para ribombar Sou Ronaldo a cada novo gol do artilheiro. Composto a toque de caixa, o samba-rap não pôde ser incluído no novo disco de D2, e o recém-lançado Meu Samba É Assim saiu de fábrica com 30 mil cópias, cifra modesta para as vendas recentes do artista de hip-hop mais popular do Brasil.

O presidente da gravadora de D2 (a multinacional Sony & BMG), Alexandre Schiavo, admite que lançará uma versão especial do disco no auge da Copa, com Sou Ronaldo como faixa extra. Mas ele é evasivo quanto à participação da tevê na trama: "Mandamos a música para o departamento de jornalismo e esportes da Globo, e não tenho certeza ainda de como eles a utilizarão". Na assessoria da rede, a palavra de ordem é "ninguém nunca ouviu falar nessa história"; mas no domingo 28 lá estava D2, estreando Sou Ronaldo no Faustão.

Composta à moda dos sambas-exaltação futebolísticos de Jorge Ben (Jor), mas incorporando o rap desta vez, a música já foi incluída na edição brasileira do CD oficial da FIFA para a Copa 2006. E Schiavo comemora outro gol, marcado no meio radiofônico: "Foi fechada uma promoção nacional com a rádio Jovem Pan, que levará um ganhador para assistir ao primeiro jogo do Brasil na Alemanha com D2".

Todas essas pistas caracterizam a entrada definitiva no comércio desenfreado de um artista que despontou na primeira metade dos anos 90 com o grupo Planet Hemp e cresceu divergindo do modelo de feroz escapismo inconseqüente que predominava à época, com a axé music. A banda tornou-se célebre pela defesa do direito ao uso de maconha, o que rendeu processos e prisões, mas também fama e popularidade.

D2 seguiu sublinhando letras de consciência social, discursos de defesa da periferia carioca e, mais adiante, a fusão do americanizado hip-hop com emblemas brasileiros por excelência. Aos poucos, suplantou resistências até nos ambientes mais puristas, e hoje confraterniza com sambistas como Zeca Pagodinho e Alcione (presentes no novo CD) e bossa-novistas como João Donato.

"Havia resistência, com quase todos os músicos. Ed Motta falava 'hip-hop não é música, sampleia música dos outros'. Agora o rap pode ser considerado como música, como música brasileira, depois do que temos feito eu, Thaíde, Racionais MC’s, Rappin’ Hood...", avalia D2.

Mas, junto com o respeito, vieram as contradições. Tudo em que diz acreditar, na forma de rimas hip-hop, ele vem sistematicamente contradizendo por atitudes cada vez mais comerciais: passou a visitar o Domingão do Faustão, após muito criticar o programa; cantou para platéias high society da Daslu; é dono da marca Manifesto 33 1/3, que difunde o vestuário hip-hop...

Ele se diz ciente das contradições, e defende a própria postura: "Não fiz disco de rap com samba para vender milhões. Era uma incógnita, ninguém sabia se ia dar certo. Deu. Vi as portas se abrindo. O Big Brother Brasil me chamou, falei 'porra, vou lá'. Cantei as músicas do Planet Hemp, que me levaram para a cadeia. Toquei elas na porra da Globo, para 110 milhões de pessoas. É meio surreal, né?".

Na trilha das oportunidades, as perdas também se acumulam. Pela primeira vez, D2 assume como encerrada a banda em que se criou. E hoje vive às turras com dois dos maiores amigos, os também talentosos Bernardo "BNegão" (que o deixou "magoadaço" ao tachá-lo de "capitalista" numa entrevista à revista Bizz) e Gustavo "Black Alien", ex-parceiros de Planet Hemp que hoje desenvolvem carreiras próprias no mercado independente.

Mesmo sendo integrado por combatentes de ideologia parecida, o "partido do hip hop" arde no fogo amigo – não raro, as brigas também se transformam em músicas nos discos de um e de outros, numa versão pós-moderna do clássico duelo em forma de samba entre Noel Rosa e Wilson Batista, nos anos 1930.

"Bernardo não sabe nem o que é ser capitalista, está falando besteira. Mas ele foi o cara que saiu do Planet por causa de dinheiro, foi o cara que sempre brigou por causa de dinheiro", reclama.

Mas, ei, Marcelo, mágoas à parte, você hoje é mesmo um capitalista, não? "Lógico, quem não gosta de ganhar dinheiro? O que é o capitalismo? Quem trabalha mais ganha mais, é assim que rola. Eu trabalho muito, fui correr atrás. A vida é feita de decisões, eu fiz as minhas", diz, evocando em tom nostálgico os tempos idos em que ele, Bernardo, Gustavo e demais parceiros se reuniam em torno da descoberta do último filme de Spike Lee ou das rimas mais novas de cada um deles.

Se os amigos de agora são sambistas e jogadores dos altos escalões, D2 tenta uma abordagem mais humana que mercadológica para explicar o encontro com Ronaldo e a possibilidade de vir a criar a trilha sonora para um possível filme sobre a vida do jogador, também sob encomenda do próprio.

"Só o encontrei quatro vezes na vida, e pelo pouco que conheci é aquele cara por quem ninguém dá muito, meio bobo, sabe? Não é aquele cara fodão, mas é um cara que é fenômeno, mesmo, por tudo que passou. É um exemplo de superação."

D2 fala de si ao comentar uma afirmação polêmica de Ronaldo que, que se autodefiniu "branco". "Há pouco tempo vi que na minha certidão de nascimento está escrito 'pardo', acho que na dele deve estar também. Pardo é coisa de papel, né? Achei estranho, fiquei uns dois meses falando disso com todo mundo, 'que é que está escrito na tua?'. Bernardo falou que na dele também é, então beleza, pelo menos não é só comigo", brinca.

Aos poucos estende o tema, contando que a fama lhe trouxe acesso a restaurantes finos, apesar da "cara de pobre" que acredita ter, e mudou a relação com os policiais nas "duras" que ainda enfrenta nas ruas do Rio. "Os caras me param, 'ih, é o D2!', ai já abaixam a arma. Mas isso me incomoda. Você faz sinal para o táxi, o cara vem parando, olha e, 'zuuuum', vai embora. Não adianta eu ter R$ 4.000 no bolso para pagar", relata, deixando despontar na fala a recorrência do tema "dinheiro".

O visual importado tipo gangsta rap e os objetos dourados que adornam o pulso e o pescoço seriam modos de compensar a persistência de "duras" e humilhações? "Sei lá, eu diria que é mais uma coisa suburbana, de botar uns ouros, umas tranças... Isso não é ouro, não. Gostaria que fosse, mas, pô, custou US$ 190. O cara vai ver e logo pensar 'roubou de quem?'. Polícia logo pensa, isso é óbvio."

Não é só ouro o que reluz. Meu Samba É Assim vem coalhado de reflexões sobre o outro lado da moeda, como quando D2 conversa com a própria consciência, em Malandragem, ou quando interpõe em É Preciso Lutar a voz de Elizeth Cardoso em 1966, nos versos de protesto há um momento na vida/ em que é preciso lutar.

O ápice dessa veia é a Carta ao Presidente que encerra o CD. Depois de avisar que não venho por meio desta com protesto destrutivo, ao contrário, o narrador cutuca o presidente (minha mãe sempre dizia que o exemplo vem de cima/ e agora, Silva, você está em cima) e elege corrupção e mensalão como alvos preferenciais de crítica.

Mas, ei, D2, e você, que também é exemplo e também está "em cima"? Continua acreditando, como já declarou em entrevistas, que não é de sua conta o jabaculê, a propina entre gravadoras e veículos de comunicação, destinada a vitaminar sucessos musicais como os seus? Ele vai tateando: "Se acho isso direito ou não? Não acho direito, sacou?", "faço parte, mas não tenho conhecimento", "não vou chegar lá na Sony e dizer 'eu quero saber quanto é que você pagou para tocar minha música na rádio, senão estou fora'"...

É o mesmo artista que puxa a adormecida MPB para cima, presta homenagem sóbria a Ronaldo (quero muito agradecer a Deus por ter-me escolhido no meio de tantos) e vocifera, nos versos bravos de Gueto, que você quer sair do gueto/ mas a sua mente é um gueto. Ponta-de-lança, D2 navega zonzo entre a beleza e a dureza de ser uma contradição ambulante.

terça-feira, maio 22, 2007

entrevista com o lobisomem

hello, crazy people! o que segue abaixo é uma extensa entrevista concedida pelo músico lobão a este humilde blog, por concordância mútua entre ambas as partes (e até mesmo, acredite, com o aval da sony bmg, a multinacional que doravante abriga os uivos do grande lobo).

trocamos uma saraivada de e-mails de perguntas e de respostas, uma por uma, uma de cada vez, que se prolongou pelo longo intervalo entre os dias 30 de abril e 17 de maio passados. vários ditames, regras e costumes do jornalismo musical foram quebrados durante o bate-papo (ou tiroteio, vai do freguês determinar), como não será difícil perceber.

a edição posterior que fiz, por exemplo, consistiu em padronizar grafias, acentos etc., mas não mudou nem condensou nem resumiu nada do que foi respondido ou perguntado [no máximo, acrescentei umas pequenas intervenções e comentários necessários, assim, desse jeitinho, em itálico.]. isso jamais aconteceria numa entrevista convencional para jornal, revista ou tevê, e por aí você pode ter uma idéia da trabalheira que é "editar" uma entrevista (e, nesse processo de edição, selecionar de um catatau de informações só as, hum, "melhores" partes).

o que segue, então, é a fala solta do entrevistado, com o lobisômetro (esse termo saiu da própria boca dele) ligado à toda e sem freios. o entrevistador, por certo, também não anda meio desligado. ficou comprido? ficou, mas é pedregulho bruto, nada de papinha na boquinha do nenê. ficou intrincado? ficou, também, mas, ah, cansei de fazer esse mastigatório sozinho no escuro do meu quarto, sabe? (me ajuda?);

e, se posso fazer um pedido depois de tanta ralação, então eu peço: por favor, leia você mesmo/a e tire suas próprias conclusões sobre isso tudo aí, sim? porque eu mesmo ainda não entendi direito para que colinas o lobisômetro está apontado, nem qual será o papel da matilha diante de tanta (ou tão pouca) novidade. e vamos nós!


pedro alexandre sanches - lobão, você é um cara de direita?!??
____________________

lobão - eu, na verdade, não consigo me encaixar nessas definições pré-fabricadas, e, por que não dizer, anacrônicas. não sou de esquerda porque eu acho supercafona neguinho se dizer de esquerda (geralmente as pessoas se acham superiores), e não sou de direita porque aí as pessoas acham os outros inferiores, e é supervilão ser de direita, cê me compreende?
____________________

pas - compreendo mais ou menos... quando você recentemente disse "sou um cara de direita", na "folha", estava então querendo fazer uma provocação?, uma gozação?, o quê?
____________________

l - aquilo ali foi mal editado. eu falei que, mesmo quando adolescente, eu já tentava espantar a esquerda festiva do grêmio do meu colégio, dizendo que era fã do delfim netto, que era de direita etc. e tal... saiu na "folha" que eu era de direita, fã do delfim netto. só que essa declaração não faria sentido sendo colocada para os dias de hoje. uma vez o nosso querido delfim sendo uma eminência parda do palácio do planalto, não espantaria nem provocaria ninguém com uma piada tão desavisada como essa... o que eu estou querendo dizer com esse discurso é que ficam no meu pé, me cobrando uma fidelidade que eu nunca me propus a ter. estão me chamando de traidor quando eu sempre me coloquei como tal!!! você deve se lembrar do meu manifesto de "a vida é doce". lá, numa determinada página, eu falo: "ser traidor do seu próprio reino, ser traidor do seu próprio sexo, de sua classe, de sua maioria"... ora bolas... querer ficar me cobrando alguma coisa depois de tudo que aconteceu, pra mim é uma piada!
____________________

pas - é meio um "quem está na chuva é pra se queimar", não é, lobão?, de quem se sentiu muito cobrado por você mais tarde querer te cobrar também. mas, só para encerrar esse assunto "político", em quem você votou nas últimas eleições presidenciais? no candidato da esquerda ou no candidato da direita? aliás, quem era o candidato da esquerda, quem era o candidato da direita, quem era a heloísa helena? você sabe, hoje em dia, "quem são os ditadores do partido colorado, o que é a ditadura ao sul do equador" [faço aqui uma citação a "sob o sol de parador", que lobão lançou em 1989]?
____________________

l - o maior problema aí, pedro, é que a questão colocada é burra e inconsistente. coisa que não aconteceu quando EU cobrei. nessas eleições eu votei em branco. pedro, eu acho os nossos quadros disponiveis muito fracos. eu acho essa história de esquerda uma boa merda que deixa a nossa culturinha ao relento da miséria do pensamento. acho também que estou na hora de empreender as coisas sem as tais alianças que andei entabulando no transcorrer desse tempo. nessa minha experiência só vi falcatrua, troca de favores, mensalão e muito obscurantismo. o país não tem nenhuma cara, nenhuma direção, nenhuma estrutura.
____________________

pas - há uma certa desolação nessa sua afirmação sobre falcatruas e obscurantismos? você está falando especificamente sobre política, ou dá para estender essa mesma lógica para o meio musical, fonográfico, radiofônico, televisivo etc.?
____________________

l - tem logo de cara o gil [berto gil] no ministério [da cultura], tem a distribuição de cargos, tem o mensalão, tem os intelectuais protegendo o zé dirceu, tem as cotas raciais e uma política racial de merda, tem a igreja despejando culpa com sua teologia da libertação, tem a bolsa-família gerando profissionais do parto, tem um patriotismo canhestro e obtuso que oscila desde a nova onda de música de protesto até os rastafáris gaúchos... é duro!! tudo é regido por um determinado paradigma, nunca a mpb histórica foi tão cultivada como a "tradição a se seguir" como nos dias de hoje... para mim, o grande cancro está aí. o meio fonográfico mudou (encolheu), o radiofônico também (agora a onda é ringtone na cabeca)... sai jabá, os alvos mudaram e tem um monte de bundão cobrando "coerência", todos ignorando suas posturas pré-fabricadas... é mole?
____________________

pas - você não acha que em linhas gerais "mensalão" e "jabaculê", seja lá quais forem suas respectivas especificidades (que nunca conseguimos entender muito bem), obedecem às mesmas lógicas e metodologias e atendem às mesmas necessidades?
____________________

l - claro! daí minha pinta de otário! é a cultura do jeitinho brasileiro de que tanto se tem orgulho e xodó. seria também ligado ao culto da preguiça e da ausência específica de mérito ou merecimento para se relacionar com qualquer coisa. é o pistolão para o emprego público, é a compra de carteira de habilitação, é compra pra anistiar multa, compram-se diplomas, indultos, votos, execuções em rádio... tudo isso com total ausência do tal merecimento. aqui no brasil, se você paga você existe, se você não paga você não existe.
____________________

pas - eu queria falar então sobre a sua participação individual nessa engrenagem. ao se associar à sony bmg depois de uma fase bastante produtiva e combativa fora da "grande" indústria, você volta a integrar esse sistema, ou seja, você volta a "existir" perante o pensamento vigente. aí teríamos de concluir que você (ou melhor, a sua gravadora) está pagando para você existir? quais são, para você, os ganhos e as perdas de optar por trilhar esse novo caminho?
____________________

l - essa estranha forma de existir infelizmente não é um privilégio meu, mas de todo o cancioneiro popular brasileiro. pagando pra existir tem o roberto carlos, o caetano, a bethânia, a gal, o gil e qualquer outro que você pensar. é assim que os ídolos se configuram. agora eu te pergunto: por que você acha que eles não merecem? você pode me explicar essa diferença de pesos e medidas? não há perdas, eh, eh, e essa é a maior frustração dos meus inimigos. não há perda alguma. só o incômodo de alguns em me ver em primeiro lugar nas paradas, eh, eh... fora o fato de que, de repente, alguém me pince para formar um digníssimo "quadro histórico da mpb", coisa que ninguém fez ou se lembrou de fazer enquanto agi de forma unilateral. agora vai ter neguinho até questionando minha qualidade musical. não agüento mais ganhar prêmio de personalidade do ano. eu grito porque sei que sou um músico importante (o que é patetico declarar aqui, mas...)! sei que prevalecerá a verdade. isso é uma questão de tempo. mas, de qualquer forna, o meu subtexto é tipo chega, meu bem, já deu, agora me dá isso aqui, vai, eh, eh!!! não tenho mais paciência em [posar? faltou o verbo... de excluído da história.
____________________

pas - uma coisa que me ocorreu desde o início, ao saber do seu "acústico mtv", foi que, mesmo que agora pelo avesso do avesso, você não deixa de estar na posição que tem ocupado há muito tempo, da contracorrente: está entrando de volta na grande indústria fonográfica no mesmo momento em que figurões como chico buarque, maria bethânia, gal costa, rita lee e dezenas de outros estão saindo dela, no momento em que a antiga mega-estrutura das grandes gravadoras parece estar em pleno desmonte. isso é coincidência, ou dá para estabelecermos alguma relação entre esses dados todos?
____________________

l - bom, pensando dessa maneira, até que comeca a fazer sentido a tal da frase "eu sou a contramão da contradição", frasezinha explorada de maneira tão infeliz até então pelos nossos colegas jornalistas. você deve ter lido alguns deles tentando aludir uma suposta minha contradição em "me vender para o sistema", percebendo nessa frase um ato subliminar de confissão!!!!!! [quais jornalistas falaram isso, que eu não vi?] é claro, né? "eu sou a contramão da contradição" é igual a "olha como eu sou contraditório!!!!!". porra, pedro... é de lascar o cano essa rapeize!

agora, que eu estou concebendo uma nova era (não se espante com a minha grandiloqüência) de criatividade, de prosperidade no setor, ah, disso eu tenho plena certeza. fora o fato que esses caras que você mencionou estão "independentes" sem nenhum atrito mais sério. eles simplesmente seguiram uma tendência. e simplesmente cumpriram o rito de assinar os seu contratos da mesma forma de sempre. não transformaram nada (como sempre lhes é peculiar, eh,eh). afinal de contas, você já conhece o que eu acho dessas criaturas. e o meu papo é radicalmente outro. eu acho que você já deve ter percebido que eu joguei uma bomba atômica (essa é a precisa intensidade) nas expectativas dos mais desavisados, nos sem imaginação, nos seguidores, nos rebanheiros, nos dogmas escrotos de demonização dos objetivos, com o intuito de mudar a cara desse marasmo em que estamos vivendo. vou lhe fazer uma confissão sem rodeios: eu quero mudar agora o mainstream e sei que talvez seja o único cara que pode ter essa pretensão... e é por isso que estou aqui, fazendo desse jeitinho bacana de ser, eh, eh, eh. também tenho certeza que só posso efetuar essa aventura tendo total excelência artística. por isso é que cometi um acústico como nenhum outro. e, pra concluir jocosamente, eu merecia essa doce coincidência, eheheheheheheh.

p.s.: a música, o show bizz, nunca vai viver sem astronômicos investimentos. as gravadoras têm que existir, mas existir de outra forma, e cabe a nós repensá-las, e transformá-las.
____________________

pas - de um modo geral, você está de volta à gravadora a que sempre pertenceu nos anos 80 e 90, que era rca, depois virou bmg e hoje é sony bmg. em que você os sente iguais ao que eram quando lobão tinha 20 e poucos anos? em que eles mudaram? eles ficam mais "malditos" ao lançar agora discos de lobão e tim maia? eles estão sendo contraditórios, está havendo algum tipo de pacificação, o que é que acontece afinal?

p.s.: você gostaria de comentar mais a fundo essa aparente queixa em relação à "rapeize" dos jornalistas?
____________________

l - o que acontece, pedro, é que eu percebi a oportunidade de fazer um puta disco, e o fiz. pensa bem... como e por que surgiram essas questões? porque as gravadoras cometeram excessos, excessos fatais, e tiveram que pagar caro por isso. agora, ficar querendo exterminar a indústria fonográfica, bem, se não bastasse ser cafonérrimo, é além de tudo muito imbecil!!!!!, você não acha? pois bem, pedro, você deve estar bem atento ao meu timing nesta sua entrevista... pode calcular o quanto isso deve me estar incomodando profundamente. pô! por que você não abre seu coração e sua cabeça, espera chegar uma cópia do dvd inteiro, 5.1, superbem gravado (faço questão de te mandar!). relaxa... ouça atentamente e depois vamos falar sobre o que interessa que são as músicas as letras e a performance. é isso aí, meu amigo, sem mais (nem menos), um forte abraço, lobão.

p.s.: pedro, o que me preocupa é o mico que essa rapeize vai sofrer no fim da história, morou? vai rolar um vexaminho, tipo, olha o que esse babaca escreveu... é isso. de alguma forma, quem perde é a inteligência, o bom raciocinio, a clarividência, e a pricipal vítima é o publico que lê esse monte de merda!!!!
____________________

pas - ei, cê já cansou da entrevista?... eu nem comecei a parte "musical" ainda...
____________________

l - não, pedro, definitivamente não me cansei. o que eu quero dizer com isso é que, desta vez, o disco fale por mim. pra mim, a resposta pra todas essas especulações e tudo o mais estão dentro da história musical do disco. pra você ter uma idéia, pra mim é até divertido testemunhar esse zum-zum-zum de pré-julgamentos histéricos e precipitados. toda essa vibe me excita e me faz rir, mesmo que seja de escárnio. mas, pessoalmente, acho que você não merece essa lengalenga. mas, se você quiser continuar, saiba que essa minha interrupção é de fundo epistemológico. é, de certa forma, um... cuidado com a sua pessoa. portanto, se for assim, manda ver. agora eu estou em porto alegre, cidade onde levei a tal porrada na orelha!!! [hein?, essa não deu "tempo" de perguntar?].

você pode imaginar o quanto estou me divertindo, né? neste exato momento vou para um jantar com 20 fãs da promoção da rádio pop rock. de tarde participei de uma promoção na atlântida fm, depois na ipanema. estouramos o ibope num programa ao vivo na tv rbs. e você pode estar imaginando as coisas que eu estou ouvindo. eu acho que essa minha nova aventura será um case de sociologia!!! o fato de me assumir absolutamente contra a corrente da esquerda brasileira será meu novo e favorito prato no cardápio. caiu uma ficha enorme quanto a isso, tipo uma revelação (apesar de ser o óbvio ululusantos!!!!). sendo assim, continuemos, pedro, tô na escuta...

p.s.: não vai me perguntar sobre o faustão?
____________________

pas - ih, a cada nova resposta a entrevista muda de rumo, hahaha. desta última, não posso deixar de perguntar duas coisas imediatamente, antes que as esqueça. a) nem imagino as coisas que você está ouvindo nas promoções dos programas de rádio, conta aí... b) o que aconteceu com (você e) o faustão?
____________________

l - ué, pelo que me consta, o cara que tem as informações maneiras é você!!!! quanto às promoções, elas são muito criativas, e eu estou incrementando sempre novas modalidades. nesse sentido, o que você quer realmente saber??? se já teve um misterioso pacto de cumplicidade? se há uma conspiração no ar? pô, isso até daria um roteiro de novela das seis!!! pô, o que aconteceu no faustão foi o que sempre acontece quendo eu vou lá: a gente arrebenta a boca da matilde, e, por sinal, desde o "perdidos na noite", pois a gente é amigo e parceiro desde sempre. afinal de contas, pedro, se eu fosse me prender aos pré-julgamentos que cercam tudo isso, não haveria "a vida é doce", não haveria numeração dos discos, nao haveria a revista
["outracoisa", revista que lobão edita e lança nas bancas, sempre acompanhada do
disco inédito de uma banda nova
]. e por falar em revista, pô, pedro, eu cheguei a pensar que você poderia torcer para eu trabalhar, por exemplo, num programa como o "saca-rolha" [hein?!], tipo em prol da causa!!! mas você não acha mais prático, correto e inteligente lançar simplesmente um bom disco, um ótimo trabalho, ao invés de ficar enchendo lingüiça na frente das câmeras?? será que isso faz sentido???

sinceramente, pedro... isso tudo desafia brutalmente a minha já combalida inteligência. pois, afinal de contas, eu sou um artista e a minha expressão maior é a canção!!!, e não esse tremendo papo furado. você não acha que eu mereço ser ouvido por aquilo que realmente eu faço?? será que eu vou viver o bastante para testemunhar esse singelo e fundamental reconhecimento? te confesso que eu adoraria!!
____________________

pas - ô, lobão! você despertou a minha curiosidade, dizendo "você pode imaginar o quanto estou me divertindo", e eu perguntei, nada mais que isso... a pergunta seguinte também não estava nos planos, mas vá lá: você tá desconfiado à beça, ou é impressão minha?
____________________

l - desconfiado de quê???? ô, pedro... se eu tivesse algum grilo, eu já tinha pulado fora. eu simplesmente gosto de você, e de certa maneira estou tentando te provocar mais do que você está tentando me provocar!!! pô, esporte é saúde, rede globo de televisão!!! mas, voltando à vaca fria, por exemplo, estou agora em curitiba fazendo rádio. fiz transamérica e toquei um pocket show na jovem pan. eu tenho realmente muita novidade (falando sério agora) pra te contar, como é do meu feitio. tenho feito muitas parcerias com os divulgadores regionais, e isso tem resultado em muitas parcerias muito criativas. fora a total receptividade em aceitar meus métodos heterodoxos de autopromoção, eh, eh. por exemplo: fechei com a gianinni uma promoção de 30 violões para eu sortear, e eles ainda vendem o cd e o dvd em todos os pontos de venda da gianinni por todo o país... legal, né? tô a fim de fazer um festival de música independente com parceria das gravadoras. e tenho um plano para desvilanizar a industria fonográfica: restaurar o "disco é cultura" e deduzir os 25% do preco final do cd. não é só isso: destributalizar toda a cadeia de produção, desde o papel, a matéria plástica do cd, etc. e tal. pedi ao [alexandre] schiavo [atual presidente da sony bmg] para escrutinar todo o metabolismo tributário, para depois formarmos uma comissão para um périplo pelo planalto... creio que a gente tem muita chance de vitória, afinal de contas, se [o livro] "marimbondos de fogo" [de josé sarney] é cultura... kelly key tambem é!!!, e xeque-mate, eh, eh!! há outra coisa que estava me deixando muito preocupado e hoje tive uma notícia espetacular: a revista continua e já vai estar nas bancas na semana que vem [a esta altura, já está]!!! pegamos o [grupo carioca] canastra, que a sony moscou, eh, eh!! bem, já é bem de madrugada, tá frio pra caralho por aqui e amanhã a gente se fala.
____________________

pas - lobão está desconfiado de quê?, sei lá eu!, hahaha. também gosto de você (embora ache que esse é outro assunto), mas tive um pouco essa impressão de desconfiança, ao te sentir (posso estar enganado) tentando conduzir e direcionar as minhas perguntas, algo que não lembro de ter sentido antes entrevistando você...

mas, então, é sobre esses troca-trocas às vezes vertiginosos das peças desse nosso grande tabuleiro que eu gostaria de conversar um pouco contigo. se, há cinco anos, o marcos maynard dissesse que estava fazendo "promoção" ou "parceria" com rádios e divulgadores, certamente o lobão responderia com muita veemência: "é jabá!". sem querer fazer aqui num blog o mesmo papel de patrulha moralista que é tão freqüente na mídia tradicional e muitas vezes
se esparrama uniformemente por entrevistados e entrevistadores (ói nós aqui, né?), o que fico me perguntando é: como podemos falar dessas coisas, sejam elas o que forem, do modo mais transparente possível?, como podemos simplesmente dar a elas os nomes que elas têm? e aí, essas coisas todas, promoção e parceria e jabá e entrevista e crítica musical e reportagem e publicidade etc. etc. etc., será que no final das contas elas são todas mais ou menos a mesma coisa?

mudando o ponto, sobre seus planos de política musical (posso chamar assim?): à primeira vista parecem bem bacanas - se quiser explicá-los com mais detalhes, fique à vontade, por favor! só fiquei meio ressabiado com esse tópico de resgatar o lema "disco é cultura", que, afinal, foi um entre inúmeros slogans da ditadura brasileira, não foi? você acha mesmo que disco ainda é cultura, nestes tempos em que não se sabe mais ao certo nem sequer se disco ainda é disco?
____________________

l - é, pedro, realmente você tem razão... se certos caras gritassem qualquer tipo de promoção eu gritaria cada vez mais alto: JABÁ!!! afinal, estamos falando de alguns dos maiores parasitas da história do disco. mas isso não significa que a promoção em si seja algo reprovável. senão a gente vai parar num convento de carmelitas, não é verdade? quanto a essa desconfiança, eu repito: eu estou muito à vontade, como sempre estive. aliás, eu acho que realmente estou te provocando como nunca fiz, mas não estou tentando direcionar nada. pedro, pensa bem, tem um monte de gente sendo expelida das gravadoras e das rádios, maynard, cláudio condé... as majors lá fora estão de olho como nunca estiveram nessas figuras. pra mim as coisas estão muito claras, claras como nunca. eu estou num período em que vislumbro uma radical mudança de rumo nas coisas. quanto ao processo de enxugamento tributário, é algo que sempre quis empreender na cena independente.

pô, pedro, sem traumas... "disco é cultura" é útil, pode ajudar toda a cena musical. e, vamos e venhamos, disco é cultura, sim... pode ser até cultura da merda pura, mas isso agora não tem muita importância. o que é importante é que muita gente boa vai se beneficiar com isso (eu sei o quanto levo vantagem na "outracoisa" por ter essa isenção). ora, não tem cabimento a gente perpetuar esse gatilho improvisado, para sobreviver nas bancas de jornal, enquanto neguinho se fode na vida real. então usemos o próprio exemplo da revista e vamos facilitar a vida da galera. não tenho a menor dúvida de que qualquer disco é cultura (pode até ser má cultura, mas isso não vem ao caso). mas pra que empatar a foda de um processo que vai proporcionar um desafogo na indústria e um automático crescimento no investimento de coisas novas (e velhas tambem!!!)? se o lula importa o delfim e outras coisas mais da ditadura, por que não repescar o "disco é cultura" sem frescura? por que tanta rejeição? se é legal, funciona e vai fazer um monte de gente feliz, não vejo motivo nenhum para encanar com a paradinha. quanto aos discos continuarem existindo, pedro, eu te garanto: eles continuarão, sim, e por muito, muito tempo ainda.

[como minhas perguntas começaram a ficar maiores desse ponto em diante, lobão passou a fatiá-las em pedaços na hora de responder, respondendo-as trecho por trecho. para não manter essa mistureba de identidades entre entrevistado e entrevistador, opto aqui por desfatiar as respostas, inserindo na pergunta um número identificador correspondente para cada trecho de resposta. parece complicado, mas tenho certeza que você vai entender.]
____________________

pas - e na sony bmg, você não vê resquícios daquela cultura representada por nomes como maynard e condé? afinal, o mercado até hoje chama eles de "muñoz boys", em referência ao padrinho ideológico de todos, tomás muñoz, que nos anos 80 foi o mentor do sucesso mercadológico avassalador da cbs, depois sony, agora sony bmg. abaixo os conventos de carmelitas!, mas... em que terreno exatamente estamos pisando agora? (1)

tudo bem quanto ao "disco é cultura", cada um com sua opinião e nada que machuque o outro tanto assim, né? mas aí eu queria então sair dos slogans e logomarcas da ditadura e passar para um outro, esse tal "acústico mtv"... fico pensando em como a entrada com tudo do brasil nos modelos neoliberais (com ápice na era fhc) teve, nas indústrias musical e televisiva, um correspondente à risca, que foi o formato "acústico mtv". não é da própria essência neoliberal, tirar o máximo proveito possível da mercadoria (no caso os nacos mais atrativos, ou "comerciais", da obra de vocês, artistas), até o esgotamento total, em busca do lucro monetário maior e mais imediato possível?

estou me lembrando, a propósito disso, de um mea culpa interessante do atual presidente da universal, josé antonio eboli, numa entrevista recente que fiz com ele. vou transcrever para você essa parte da entrevista, que não havia sido publicada até agora, e fazendo a ressalva de que o eboli fez essas afirmações em tom autocrítico, ciente de que está falando de dentro, do núcleo, na posição de quem acabou de lançar mais um acústico do zeca pagodinho e se prepara para produzir o acústico-canto-de-cisne de sandy & junior. (2)

eboli diz o seguinte: "aqui, infelizmente, comenta-se que a geração de executivos que está na faixa dos 55 anos não preparou seus substitutos. as gravadoras foram coniventes com essa situação". e então ele segue, mostrando que uma lógica parecida foi aplicada aos elencos artísticos: "se for trabalhar apenas em cima dos medalhões, fica uma situação que não avança. concordo com quem nos critica pelo excesso de lançamentos acústicos e ao vivo. isso fez o mercado ficar viciado. isso veio desde o lançamento do real, e criou muitos problemas. era mais fácil fazer um 'unplugged' [acústico] para ter resultado imediato. mas isso cria dois problemas: vicia o consumidor a comprar os 'best of' [coletâneas de 'grandes sucessos'] e impede que novos artistas apareçam. o brasil é o único país do mundo com essa proporção
de discos ao vivo. a indústria foi em busca do imediatismo. se em 1999 e 2000, quando começou a se impor uma nova realidade, tivéssemos falado 'agora o mercado é outro, acabou a farra', é provável que hoje tivéssemos mais talentos do que temos hoje. tivemos medidas típicas de brasil, 'isso vai passar'. esta sempre foi uma indústria que gastou muito, com executivos e com projetos, e hoje pagamos o preço". (3)

só mais um trecho da fala do eboli, quando ele fala da "síndrome do pós-acústico": "quando o artista lança um disco inédito, depois do disco ao vivo de 'best of', o público e o rádio rejeitam. aconteceu conosco, com kid abelha, ivete sangalo, zeca pagodinho. quando sai um disco de estúdio, a vendagem baixa de 1 milhão de cópias para 150 mil, 50 mil. lá fora, um artista faz 'best of' quando está encerrando a carreira, aqui virou uma solução de imediatismo".

eu queria entender onde você se coloca nesse tiroteio todo, à parte o seu discurso entre provocador e falastrão, de dizer que seu acústico é melhor que os outros e que a chegada do lobão ao "acústico mtv" significa que o formato melhorou. porque tenho certeza que você tem plena consciência dos argumentos do eboli, e nesse sentido imagino que, além de uma festa, uma retomada e uma volta por cima, o "acústico" também deve representar para você uma causa de angústia e preocupação. por exemplo, neste momento o lobão do "acústico mtv" que gera lucro na sony bmg não está brigando com o lobão do universo paralelo [nome do selo independente de lobão] que lança o canastra (que, concordo com você, é um grupo novo fenomenal)? como você se sente dentro desse tiroteio não mais com a indústria, mas, talvez, consigo mesmo?

(ufa, desta vez a pergunta ficou looooooonga... peculiaridades dos novos formatos...) (4)
____________________

l - (1) estamos pisando no terreno das possibilidades reais de transformação. eu estou acreditando que vou me relacionar de forma criativa e parceira com eles. vou pagar pra ver, né?

(2) é o seguinte: olha só a diferença de direção, enquanto eles estão pretendendo lançar não somente um disco canto-do-cisne, mas também economicamente um suicídio, no meu caso eu conto com o ineditismo da maioria do meu projeto. sou um ilustre desconhecido musical para 90% da população que me conhece e me tem por muito familiar (o que é verdade). eu acho que essa mistura de reencontro com meu lado puramente artístico está dando um grande alívio na minha pessoa, assim como na grande maioria das pessoas. sei que fiz um trabalho de pesquisa de linguagem, sério, de texturas novas, desterritorializações de instrumentos que contam uma nova história de antigas estruturas, como o choro, por exemplo. fora o antifolk, que estou amando, com grandes novos artistas explorando novas sonoridades para os instrumentos acústicos. isso a gente pode fazer graças a um grande esforço e a descoberta de novíssimas tecnologias de captação de violão. pedro, a gente parecia que estava num colégio interno de tanto que a gente ensaiou, arranjou, pesquisou, e se divertiu também... mas eu encaro pra mim esse projeto como uma reorganização de uma carreira que me fazia me sentir como um fantasma sem história nem passado, com minha obra toda trancada há mais de 17 anos, meus discos novos de carreira caminhando inexoráveis para o total oblívio e eu vendo tudo isso acontecer e, pior, sentindo isso tudo não só na pele como também na alma. por tudo isso, eu não poderia estar mais satisfeito e convicto da excelência do trabalho cometido por uma equipe
sencacional. então, vamos ver para onde as coisas se direcionarão. agora as cartas estão lançadas.

(3) que bom que NÃO deixou substitutos!!! era tudo o que eu queria: lobão in wasted land, ah,ah! o problema deles é que sempre surfaram na merda da consciência infeliz. quem pratica essas coisas atrai essas coisas e transforma tudo a seu redor nessas coisas horrorosas!!! é o famoso toque de "mirdas"! além do que o que se fala em necessidade de bandas novas através da minha exposição na mídia por ocasião desse lançamento é uma beleza. além de a "outracoisa" continuar firme e forte, forjando no inconsciente da nação a necessidade imperiosa do novo, começando inclusive comigo mesmo e todos esses anos de pesquisa musical. se eles se foderam, fui eu um dos seus
primeiros vaticinadores dos infortúnios que estavam por vir, não é verdade? agora pretendo me inserir no contexto com fortíssima penetração, para tentarmos modificar esse estúpido corolário, para algo assim como... a nova era de ouro da música popular brasileira! gostou? ah, ah!, mas eu te confesso que acredito nisso mesmo.

(4) quando as pessoas prestarem mais atenção ao que venho fazendo, com toda certeza acharão tudo muito claro aquilo que falo e digo. quanto a mim mesmo, creio que dá para sentir fisicamente o meu entusiasmo diante da empreitada. e minha posição? é claro que minha posição é esta: se tem terror, o fantasma aqui sou eu. e mandar bala, arriscar novos caminhos movido pela satisfação de usufruir a potência necessária para conseguir os objetivos que se planeja, a liberdade para se habituar a desvios perigosos sempre na concentração máxima, e ter em mente que o princípio do drible é, e sempre será, o suave movimento do acenar com o falso óbvio, falei? (ufa também!)
____________________

pas - lobão, você tocou num ponto em que eu queria chegar, e que aqui de fora me parece o principal elemento dessa sua aventura pelo "terreno das possibilidades reais de transformação": especulou-se muito sobre se você "está mordendo a própria língua", se virou "cordeirão" etc., mas não tenho visto muito interesse pelo ponto de que seu contrato com a sony bmg prevê o relançamento, após décadas, da sua obra desde 1982 em diante. eu queria saber em que medida esse é um elemento central deste atual momento e como é que isso vai funcionar. sei muito por cima que havia uma disputa judicial antiga entre você e a sony bmg, e todos sabemos que nesse período todo sua discografia ficou banida da cdteca brasileira. várias perguntas numa só: o que vai acontecer agora? eles vão relançar meio em troca do projeto "neoliberal" (ops, juízo de valor meu) do "acústico mtv"? a disputa judicial terminou? há alguma previsão de que você possa recuperar no futuro o direito de propriedade sobre sua própria obra? (aliás, você poderia explicar para nós, leigos, como é essa questão de propriedade da sua própria obra junto a uma grande gravadora?) por que esse silêncio geral da nação a respeito de certos artistas (como você por exemplo) "rebeldes" que ficam banidos (ou que se banem eles próprios, será?) do sistemão? esse silenciamento é uma espécie de castigo? (1)

e, mudando de assunto, enfim: o que é o anti-folk? (2)
____________________

l - (1) ok. é claro que a primeira coisa que se ventilou nessa negociação foi a pendenga judicial que já vigora desde 2002. meus advogados me informaram das minhas reais chances em reaver os masters: se tudo der certo, em dez anos. e isso é um prognóstico muito otimista. nessa negociação com a sony bmg, a gente vira sócio na empreitada de lançamento. o meu intento é lançar tudo o que eu já gravei na minha vida, e sair tudo em parceria, universo paralelo/sony bmg.a meta será lançar toda a coleção, incluindo os álbuns da emi ("nostalgia da modernidade") e da universal ("noite"), fora os independentes, além dos "out takes" perdidos por aí. além de todos esses trabalhos entrarem automaticamente em cartaz, será realizada uma caixa de luxo comemorativa destes meus primeiros 50 anos, mais uma tiragem de mil cópias em vinil de todo o trabalho, tudo isso previsto para este natal. nem precisa dizer que estou me sentindo novamente um cara com uma história pra contar e, por isso tudo, muito feliz.

(2) anti-folk é uma espécie de movimento que assola o mundo, com violões, canções e muita linguagem nova em termos de música acústica e poesia. tem caras como ben kweller, matthew hebert, cat power, juana molina e uma porrada de outros caras fazendo uma nova cena de compositores-cantores (fora o bob dylan, com seus últimos discos, arrebentando). isso nos ajudou muito na concepção do "acústico", uma vez que tinhamos algo super-hypado acontecendo no mundo, ao invés de encarar um processo burocrático característico do formato. ou seja, o mundo está mais acústico. a gente acabou de fazer o primeiro show da turnê em curitiba, e dá pra notar que no show as pessoas têm mais chances de entender qual é a paradinha. quando começou "el desdichado" [canção de abertura do "acústico mtv"], foi um clima fortíssimo de statetament, um clima de que aquilo tudo que eu estou dizendo tá valendo. e deu pra notar que as coisas tendem ir para um lugar que ainda não foi habitado. é um clima de prestações de contas, daqueles de caubóis de filme de bangue-bangue! é uma vibe tão densa que eu nunca senti numa apresentação, nem mesmo quando saí da cadeia, em 87. afinal de contas, sou um exilado, e, tanto para o mal quanto para o bem, estou sendo recebido como tal. a partir de agora eu senti que vou poder ser respeitado por aquilo que eu faço (música e poesia), não somente por aquilo que venho teorizando (falastrão, encrenqueiro, quixote, traidor etc.). provavelmente não se poderá dizer agora, por exemplo, que sou invejoso, ressentido, né? agora eu sou uum... rebelde (no sentido chique da coisa)!!! agora sou uma espécie de medida da rebeldia, algo diferente do que as pessoas queriam se esquivar da raia como há tão pouco tempo (se lembra na numeração?). exemplo: segundo nosso querido caetano, ele anda mais rebelde que o lobão!!!! e viva o lobisômetro!!!

p.s.: isso ainda vai dar muita história engraçada, eh, eh eh... e nem sequer começamos!!!
____________________

pas - bem, feitas essas contas, parece bacana (e inesperada) essa parceria entre o "universo paralelo" e o "sistema", não? e essa de o lobão ser relançado em vinil e em caixa, já é definido e definitivo? o "desterrado" está de volta à terra? e o que você acha que propiciou essa "reconciliação", tanto da sua parte quanto da deles? (1)

ah, sobre o antifolk, acho que me expliquei pela metade: eu queria saber o que seria o antifolk traduzido para a "língua brasileira", e traduzido para o lobão e o seu "acústico mtv". aproveito a ocasião para confessar que ouvi o seu "acústico" sob o efeito da sua provocação (bravata?) de que ele seria um sinal de que o nível do projeto melhorou - mas, sinceramente, achei um disco legal, mas não melhor, nem pior que tantos e tantos acústicos que temos ouvido em série há já 15 anos. quero dizer, consigo assimilar muito mais o seu acústico no sentido tático e estratégico (de ser, por exemplo, a isca que vai fisgar o resgate da sua obra toda) do que no sentido propriamente artístico e criativo, você entende? o que pensa dessa minha (mera) opinião? (2)

será que você e o caetano estão prestes a entrar numa disputa juvenil de "eu sou o mais rebelde!" e "não, eu é que sou!"? o seu "acústico mtv" é o seu "cê"? (3)
____________________

l - (1) sim, isso acontece. e, avaliando direito, era tudo pelo que eu vinha lutando. acho que o mercado precisa da minha presença. e eu precisava de mais combustível para continuar realizando minhas coisas.

(2) não é que o projeto melhorou com a minha presença. eu tenho certeza que fiz um disco que quem se interessar verá sua beleza e força. pedro, me entenda, a gente sabe quando faz uma coisa relevante ou não... e eu sei que fiz um disco histórico. quanto a tentar te sensibilizar, aí são outros 500. mas eu tenho como certo que você nunca se emocionou muito com o meu trabalho, portanto, nesse caso, a coisa fica na mesma.

(3) ah, pedro, você tem que entender que, apesar da minha rigorosa autocrítica, com toda a certeza eu me tenho num patamar em que você não concorda, ou sei lá o quê... respeito suas preferências e convicções... mas às vezes dá uma comichão de te dizer que o buraco é tao mais embaixo... para as favas com estratégia, pedro, às vezes um charuto é apenas um charuto, e ainda bem que a maioria das pessoas pensa assim, pois se eu dependesse do seu julgamento da minha obra, não haveria auto-estima que desse jeito... eu estaria mortinho, eh, eh...
____________________

pas - ô, lobão... você atribuiu a mim o título de "juiz", mas também faz aí uns julgamentos de valor, meio à moda que algum antigo "crítico" "ranzinza" da "folha" faria com desenvoltura exemplar, não?... eu até diria que não me surpreendo em saber que você tem como certo que eu nunca me emocionei com o seu trabalho, mas... é uma convicção que você formou sozinho e por conta própria, sem nunca ouvir isso da minha boca e sem saber que quando moleque eu era fã ardoroso de "vida bandida" e de "cuidado!", e que já mais crescido me empolguei outras tantas vezes, especialmente com "nostalgia da modernidade" e "a vida é doce", não é mesmo? (1)

mas, poxa, não vá me dizer que eu precisaria me converter em fiel fervoroso do ideário "acústico mtv" para fazê-lo acreditar no meu apreço pela sua obra! não, né? gosto da sua obra, ô, meu!, e tô em paz com ela... (2)

quanto às cambalhotas que o ideário tem dado na gente e que a gente tem dado no ideário, confesso, aí é mais complicado de acompanhar e compreender - e acredito que não estou sozinho nesse sentimento (saudável, acho eu) de confusão... é mais penoso entender aquelas letras genéricas do tipo "político é tudo igual" que bandas como ira!, titãs e capital inicial de repente voltaram a fazer como se simplesmente ainda morássemos nos anos 80. seu caso é diferente, porque você saiu de onde estava e virou seus próprios argumentos do avesso: de repente pulou da conversa de que "executivo de gravadora é tudo igual", "emissora de TV é tudo igual" e "artista 'teletubbie' é tudo igual" para bem dentro do epicentro do furacão. (3)

ainda assim, nos outros casos como no seu, volta e meia eu me pergunto se toda a indignação que circulou e circula das bocas dos artistas mais rebedes para os cadernos de cultura idem, e vice-versa, não virou meio um jogo marcado em que, nalgumas instâncias, estamos todos sempre trombeteando discursos da boca para fora para consumidores que, do outro lado da parede invisível, também são criadores e portadores e disseminadores desse mesmíssimo discurso boca-pra-fora. (4)

testando uma síntese depois dessa digressão toda: não seria mais simples e transformador a gente meramente falar de modo mais aberto e transparente sobre todos esses significados e contradições (mas, ai, que jornal ou revista ia querer-e/ou-poder publicar?)? aliás, isso não é exatamente o que estamos tentando agora, nesta entrevista que tomou um jeitão que eu, pelo menos, nunca antes tinha sequer imaginado fazer na vida? (5)

poxa, sensacional a gente estar peitando esse teste!, você concorda? (6)
____________________

l - (1) me perdoa, pedro, eu me precipitei.

(2) na verdade, o que me afligiu foi você não ter percebido a diferença de som (principalmente dos violões) da gravação, os cuidados dos arranjos, as levadas, as cordas, o 5.1, a película tape to tape. isso tudo, além da execução, traz uma diferença brutal em relação aos outros projetos. mas, de certa forma, eu teria feito uma mixagem com mais contrastes do que a que ficou... será que foi isso que deixou o disco tão normal?

(3) pois é... a gente sabe os limites que nós temos e que a rapaziada das gravadoras têm. cabe a nós tentarmos repensar o próprio show bizz como um todo. ontem falei novamente com o schiavo e ele é um cara que realmente quer modernizar a cena. propus a ele a criação da universo Paralelo virtual (o [carlos eduardo] miranda [produtor do "acústico" de lobão e jurado do programa "ídolos", do sbt] está dentro) com um evento grande até o final do ano, um festival. está na hora de verificar as condições de negociação com as gravadoras. elas já não são mais donas da verdade, e seus atuais executivos estão bem mais flexíveis e receptivos a novos métodos e idéias. às vezes me sinto um glauber rocha protopunk, anunciando que o
executivo de gravadora é o novo gênio da raça, eh, eh...

(4) pra mim, pedro, as coisas entre os artistas foram muito simples: quem ficou até o final e quem amarelou. quem ficou foram o frejat, a beth carvalho e o ivan lins, sendo que o frejat foi realmente o único artista com contrato assinado com uma gravadora [ele pega outra rota que não a da pergunta, e passa a se referir à campanha da classe musical em favor da numeração obrigatória dos discos, em 2002, e não ao "marketing da rebeldia" (posso chamar assim?) dos artistas e bandas]. o resto se em borrou todo, se bandeou para um discurso de despotencialização. mas agora, do meu lado, a única coisa que tirei dessa história foi muita vergonha por aqueles que se prestaram a esse papel tao pulsilânime. quanto a fazer marketing interagindo com esses nomes... tô fora mesmo!

(5) eu não posso estar sendo mais claro e sincero com você. posso estar meio pressionado, mas isso já era de se esperar, né? afinal de contas, me encontro num corredor polonês onde nem sempre os fatos correspondem às nossas idéias. por exemplo: sou um cara que todo mundo diz que fala mais do que faz. esse disco, pra mim, é muito importante por trazer à baila minha maneira de fazer música com um repertório que considero bastante representativo. espero que essa ficha caia.

(6) claro! de repente, só uma catarse para nossos pensamentos começarem a aparecer, né?
____________________

pas - legal, vamos para a reta final, então (isso já está graaaaande...).

nem sei se o seu "acústico mtv" parece tão "normal" assim (a parte mais técnica desses processos nunca foi minha especialidade, longe disso), quando enveredo por aí é só no sentido de (hahaha) "todo acústico é (ideologicamente) igual", mesmo... mas, quanto à pressão, admito que estou fazendo (com certo constrangimento), e sabendo que deve ser o momento em que ela vem de todos os lados - o papo de "lobão mordeu a língua", enfim, que entendo que seja sentido por você como um corredor polonês (aliás, interessantíssima essa imagem, hein?), mas posso apostar também que você está enfrentando conscientemente e sem ingenuidades. por toda parte, até mesmo [aqui!] no meu blog, surgiram manifestações entre incrédulas, decepcionadas, ressentidas, até agressivas - enfim, aquela indignação passiva de que eu estava falando, que me soa meio parecida com essa música nova do ira! (outra banda que adoro), "o candidato", naquela linha "todo candidato pede o teu voto, e depois te engana"... (1)

vou lhe fazer então uma última pressão/provocação, voltando desta vez eu a outro slogan da ditadura: a sua descrença na política e nos políticos (ou nos compositores, cantores, jornalistas, críticos de música) não é assim tão ampla, geral e irrestrita, é? digo isso porque estava de manhã escutando o disco novo do canastra, lançado na sua revista "outracoisa", e vejo lá o patrocínio da petrobras e do ministério da cultura, ao lado do slogan "brasil - um país de todos", do atual governo federal. no fundo, a nossa santa indignação de classe média sempre posta na sala tropicalista de jantar não é mesmo um pouco da boca para fora, para consumo das massas (ou massinhas), lobão? (2)

e, por fim, acho que já é hora de ir encerrando (da minha parte, me sinto satisfeito e esclarecido, embora ainda mais ou menos confuso). algo mais que você gostaria de acrescentar? Algum balanço a fazer desta nossa entrevista?, foi um corredor polonês?... (3)
____________________

l - (1) bacana, pedro! o que eu estou testemunhando é uma defenestração emocional e burra, do tipo "vai no rock'n'rio", eh, eh... quando eu te falo esses detalhes técnicos, eles com certeza influenciam no resultado final, como interpretação (você pode imaginar a emoção de um cara como eu cantando "a vida é doce" com aquelas cordas e aquele puta som? a diferenca é da vida para a morte!). você, pedro, pode imaginar o quanto eu estive envolvido emocional e artisticamente nesse projeto? pensar que a gente cultua os nossos melhores momentos ao vivo (até "carcará"...). eu sei que estou passando por um corredor polonês (emocional e
ideológico), e é por isso que não tenho paciência de ouvir essas mumunhas, pois tenho a memória do que foi "performar" esse repertório. quantas vezes eu chorei por pura intensidade. e a alegria dos músicos?... são coisas subjetivas, mas que interferem imediatamente no resultado final. e a perversão do afro-samba de baden powell no "el desdichado"? e o barítono em lugar do sete cordas, e as linhas celtas nos bandolins nos "choros", e a guarânia paraguaia com viola caipira ao invés de um violão flamenco? quantas histórias ficarão soterradas porque os cânones da crítica musical do país teimam em reverberar trocadilhos infames, piadas patéticas, especulações sinistras? e nossa realidade retumbante de alegria, criatividade e desafio desanda pelas linhas tortas do amanhã... pô, pedro, já que estamos literalmente arreganhados, eu quero que você saiba que, na minha parca concepção, eu fiz um disco emocional, que a maioria das pessoas jamais pensariam em viver, quando muito poder comprar uma cópia dessa aventura. tem músicas nesse disco que superam as versões originais, e é isso que eu sinto em relação ao que eu fiz: algo que tenho carinho e orgulho de ter feito.

(2) não, pedro, é algo bem mais complexo que isso... é quase suicida da minha parte!! eu tenho que levar ferro e cobrança todas as horas que vou negociar. é bem humilhante. e eu te confesso que não tô com muita paciência pra continuar aturando isso, não. pensa bem, eu nunca lucrei nada com isso e neguinho fica tirando onda da minha cara... dá vontade de ligar o foda-se!! afinal, se neguinho tá órfão... eu nunca fui pai de ninguém!!!!!!

(3) a gente está prestes a viver uma nova era de prosperidade e paudurescência. eu ponho o meu na reta como em todas as vezes anteriores. vamos fazer mais história, vamos mudar tudo!!! e tenho dito!
____________________

pas - então tá bom então, lobão! muito, muito, muito obrigado pela generosidade, pela entrevista e pela dedicação em responder as perguntas ao longo dos últimos muitos dias. agora devo demorar um tempinho dando uma penteada nos formatos e padronizações de texto, mas te aviso assim que for ao ar, ok? viva a prosperidade!
____________________

l - valeu, pedro, só queria te dar umas notícias que estão me deixando muito alegre: o pessoal da sony bmg está realmente a fim de realizar um projeto como a trama virtual. eu e o miranda estamos bolando um formato e vamos às primeiras reuniões com a gravadora. está sendo lançado um tal de "cd zero", que custa r$ 9,99. no meu caso, pedi ao schiavo para testar (o cd tem cinco músicas, tipo um ep) e colocar as canções que não entraram no cd, mais as duas próximas de trabalho. é isso aí, pedro... eu gostei muito dessa conversa, estou muito entusiasmado (como sempre, né?), e vamos ver no que isso vai dar. um forte abraço, fico no aguardo. e... bem,
eu gostaria de que você fosse no show, pô...

sexta-feira, maio 18, 2007

uma orquestra de sapo

andei dando asas às memórias.

e lembrei que, quando eu inaugurei este blog, em outubro de 2004, construí o primeiro tópico, meio assim sem querer, como um sample de "o circo chegou", que jorge ben lançou em 1972, no disco "ben".

naquela ocasião, eu nem sabia que menos de dois meses depois eu ia pedir demissão da "folha". muito menos ainda sabia eu que,
menos de dois anos depois, eu escreveria na "carta capital" uma reportagem sobre o circo brasil, que seria tão importante para mim.

eu não sabia de nada, mas estava tudo lá dentro, fermentando feito sementinha em solo úmido, né? que bonito.

hoje em dia, eu só sei que continuo não sabendo de nada. a não ser que jorge ben jor se considera um emo e se sente muito feliz por isso. e que mano brown é, para mim, o jorge ben (jor) dos anos 2000. quem sabe daqui a alguns anos a gente volte a conversar sobre esses brinquedos suspensos no passado-presente-futuro, né?...

por enquanto, hoje de manhã senti saudade e fui ouvir, embevecido, "o circo chegou" (e "morre o burro fica o homem", e "domingo 23", e "quem cochicha o rabo espicha", e "as rosas eram todas amarelas"...). e, pronto, copio a letra de "o circo chegou" aqui, porque continuo achando que é uma das mais lindas que já foram escritas.


o circo chegou
(jorge ben)

o circo chegou
vamos todos até lá
olha, que o circo chegou
não custa nada você ir até lá
o circo é alegria de viver
o circo é alegria que você precisa conhecer
tem um macaco cientista
um urubu que toca flauta e violão
uma orquestra de sapo
a cabra ciclista e a girafa seresteira
tem um anão gigante
a mulher barbada e o homem-avestruz
tem o homem-foguete
que entra em órbita a qualquer hora
e quando menos você espera, suspense!, o leão foge da jaula
mas calma, minha gente, que o leão é sem dente
calma, minha gente, que o leão é sem dente
um mágico que engole espada e come fogo
vira elefante e sai voando
vinda diretamente de paris uma linda, sex-bailarina dançando ao som da escaldante banda
do seu tião brilhantina
e quando não está roubando mulher
aparece o palhaço tereré
distribuindo goiabada e requeijão
e ingressos pra domingo que vem
e anunciando a grande atração
a grande atração
é uma grande vidente
uma grande vidente que tudo sabe, que tudo vê, que tudo sente
e agora com vocês a grande cartomante, a internacional deise
a mulher do homem que come raio "leise"

terça-feira, maio 15, 2007

...perto

e aí existe um cara que eu não conheço, mas que me procurou por e-mail para mostrar um texto que escreveu sobre o show dos racionais mc's na virada cultural, de que ele foi "testemunha ocular", segundo suas próprias palavras.

o nome dele é franklin ruão (e-mail franklin@tigra.com.br), tem 36 anos, é jornalista e escreve na revista paisá, que, ainda segundo suas palavras, é "uma publicação de cinema, cultura e comportamento de uns amigos meus", quer dizer, dele.

eu achei o texto excelente, e comentei com ele como seria espetacular se cada testemunha ocular daquele show (ou se pelo menos um punhado entre todas elas) escrevesse seu próprio relato do que viu, no seu próprio blog (ou coisa que o valha).

teríamos a história completa do que aconteceu ali, certamente muito mais fidedigna e abrangente que qualquer cobertura em qualquer veículo de mídia, não é mesmo?

ele me respondeu que está pensando se terá ou não um blog ou um site (ou coisa que o valha), e fcomentou comigo dos jornalistas também presentes, que fizeram seus relatos a partir da "área vip e não na multidão como eu", quer dizer, ele.

e, vou te contar, apesar de o franklin ser apenas mais um na multidão (assim como qualquer um de todos nós), ainda assim eu li o relato dele e em vários momentos o senti mais abrangente e informativo que tudo que tinha lido até então sobre o caso, nos veículos de mídia tradicional.

vai daí que propus para o franklin, vai daí que ele aceitou: publico a seguir na íntegra o texto que ele escreveu e passa a fazer parte neste instante deste blog de crative commons, para que possamos todos compartilhar de um ângulo de visão tão único quanto diferente de todo aquele blablablá que nosso cérebro se acostumou a traduzir no piloto automático, a partir de outras folhas e de outras telas. aquele blablablá, acho que você sabe, não raro vêm embebido num velhaco e repetitivo ar de indignação sacrossanta-classe-mídia, daquelas que se esgotam nelas mesmas 15 minutos depois de transitar esterilmente entre o veículo/comunicador/redator e o leitor/espectador/recept(ad)or.

ao franklin, eu agradeço a gentileza de me mandar o texto, e a generosidade de permitir a publicação aqui no solo fofo da (minha) (nossa) blogosfera. a todo mundo, eu vos proponho então: que tal discutirmos um cadinho essa história, à luz do que o franklin está nos contando?

[obs. 1: o título do texto fui eu que escolhi.]

[obs. 2: este tópico pretende ser mais ou menos complementar ao anterior, chamado "tão..." comenta aqui..., comenta ali..., comenta onde quiser..., se não quiser comenta nada não...]


"DESCULPA BROWN"

POR FRANKLIN RUÃO

"São Paulo, seis de maio de 2007. Praça da Sé, São Paulo. Outono. Agora eu quero ver se a Praça da Sé é o lugar! Quero ver se aqui é o lugar!"

Com estas palavras, Mano Brown dava início ao show dos Racionais MC's que depois se transformaria em uma batalha pelas ruas de São Paulo.

Naquela madrugada não compareci à Praça da Sé para atuar como jornalista, fui apenas como mais um espectador disposto a ver o show junto com a multidão e deixo aqui meu ponto de vista de quem foi testemunha ocular dos fatos e esteve exatamente dentro do olho do furacão.

Às três e quinze da madrugada de domingo, eu e dois amigos (Hector, veterano de vários shows dos Racionais MC's, e Issao, recém-chegado do Japão em féria na cidade) subíamos a alameda Barão de Limeira rumo ao show. Não nos preocupamos em chegar no horário divulgado pela organização da Virada Cultural, porque tínhamos certeza absoluta que o show começaria atrasado.

A Praça da Sé estava completamente tomada pela multidão e as ruas ao redor também. Apenas com muita disposição conseguimos atravessar o oceano de pessoas e nos aproximamos do lado direito da praça, bem onde a rua terminava e começava a calçada. Exatamente em frente da banca de jornal. Notei que apesar da praça estar lotada ainda não havia ninguém em cima da banca que oferecia um local estratégico para ver o show.

Enquanto esperávamos, o teto da banca de jornal já começava a ser tomado por um grupo de pessoas. Simultaneamente outras começaram a escalar a marquise da farmácia que ficava na mesma calçada da banca de jornal e logo dezenas de jovens ocupavam vários andares de todos os prédios disponíveis. Um rapaz pulou na varanda do conjunto comercial, em questão de segundos já estava dentro do prédio, abrindo a janela da sacada ao lado e ajudando seus companheiros a subir.

Não havia ninguém realizando segurança no local, nenhuma força policial do Estado ou seguranças privados. Quando o show da banda de abertura começou, os mais audaciosos já estavam escalando o prédio para realizar pichações.

Do local onde estava pude acompanhar o teto da banca ceder gradativamente à medida que o número de pessoas em cima dele aumentava. Quando o teto estalou pela primeira vez a policia já estava no local. Com a mesma agilidade que utilizaram para subir na banca e nos prédios, todos desceram rapidamente debaixo de golpes de cassetete. Os que haviam invadido o prédio se esconderam dentro dos escritórios.

Tudo leva a crer que a polícia não se manteve no local, pois quando o show dos Racionais começou o grupo de escaladores voltou a ocupar a banca de jornal e os prédios ao redor.

Recordo nitidamente quando o rapaz sem camisa e usando boné que ficou escondido dentro do prédio escreveu com a lata de spray preto "Desculpa Brown" na parede do lado de fora do sexto andar. Quando vi aquela cena, tive a certeza que ele estava escrevendo o testamento de toda a multidão. Pela primeira vez na noite comecei a me preocupar.

No palco era possível ver e sentir todo o carisma messiânico de Mano Brown. Com um visual genuíno de quem sabe do que está falando e usando óculos escuros, Mano Brown logo após a primeira música, parou em um lado do palco e comentou com toda a sua manha adquirida em anos de sobrevivência na periferia: "Dizem que não pode ter show do Racionais... Que a gente fala mal da policia. Quem fala mal da policia?", para em seguida emendar "Eu sou 157", levando o público ao delírio.

A esta altura a PM já começava a bater em todos que estavam nos arredores da banca de jornal. Uma clareira começava a ser aberta. Na parte de baixo da Praça da Sé era possível ver uma multidão que havia sido afastada e isolada pela PM, que agora se preparava para marchar sobre nós.

Mano Brown é o nome mais importante do cenário musical brasileiro da atualidade e será preciso ainda muito tempo e reflexão para compreender todas as idiossincrasias de sua personalidade. Mano Brown não está apenas cantando suas composições, ele realmente acredita de corpo e alma naquilo que está dizendo e sua disposição de ir até o final e sacrificar-se como um mártir ficou clara para todos que compareceram na Praça da Sé naquela madrugada.

Após a multidão incitada ter atirado várias garrafas de vidro, pedras e até barras de gelo contra a PM, tudo que restou foi assistir ao massacre anunciado. Várias pessoas foram brutalmente agredidas. Quando a PM disparou contra nós, fomos empurrados pelos que fugiam, caímos no chão e por pouco não fomos esmagados pela massa que fugia. Issao milagrosamente recuperou seu tênis perdido e junto com outras pessoas tentávamos nos abrigar atrás de uma das palmeiras imperiais que adornam a Praça da Sé.

Durante todo o tumulto, as camadas de espectadores que nos separavam da PM foram sendo retiradas e agora estávamos frente a frente com os homens da tropa de choque. Centenas de pessoas levantaram as mãos mostrando nitidamente para a PM que não estávamos armados e não iríamos atacá-los. Muitos estavam sendo retirados da rua com as mãos na cabeça e Mano Brown reafirmou sua posição de permanecer na Praça da Sé: "Vocês podem ir, eu vou ficar, eu vou ficar aqui".

Neste momento algumas pessoas que estavam com as mãos levantadas começaram a bater palmas, tentando fazer a PM entender que aqueles que estavam sendo detidos eram os verdadeiros baderneiros e que o restante queria continuar assistindo o show em paz. Mano Brown não deixou este fato passar incólume e comentou, visivelmente aborrecido: "Batendo palma pra PM?".

Acredito que na verdade as palmas eram uma ironia contra a PM que estava agredindo a todos indiscriminadamente. Neste momento ficou evidente o abuso de autoridade e o excesso de violência utilizado contra o público. Um soldado que ficaria marcado na memória de todos, com seu bigode negro no melhor estilo de general de república do terceiro mundo, portando uma carabina, disparou contra nós e em seguida recebemos as bombas de gás lacrimogêneo.

Não havia mais nenhum lugar seguro para ficar e corremos em direção ao palco para buscar abrigo. Ao pular a barreira da área VIP em frente ao palco distendi um músculo da perna, mas consegui atravessar a barreira junto com a multidão que também fugia. Olhei para trás e vi Issao tentando pular a barreira, com os olhos irritados pelo gás lacrimogêneo. Mesmo ferido voltei para resgatar meu parceiro em dificuldades, contornamos a barreira e ficamos logo abaixo do palco.

Ainda sofrendo os efeitos do gás, acreditávamos que agora finalmente a PM nos deixaria em paz para poder assistir ao final do show. Mas isto não aconteceu: a tropa de choque continuou agredindo o restante do público que estava concentrado do lado esquerdo da Praça da Sé e que até aquele momento ainda não havia sentido a fúria da policia, pois nós que estávamos no frente absorvermos todo o impacto da primeira onda de ataque.

O público que permaneceu apenas queria ver o show, mas a PM estava determinada a estragar a festa. Eles continuaram atacando até que não houvesse mais condições de permanecer no local. Mano Brown, que já havia mudando seu discurso há algum tempo, tentava acalmar os ânimos e encerrou o show preocupado em preservar a integridade física daqueles que ainda resistiam.

O último desafio foi sair correndo da Praça da Sé. A PM começou a organizar um "corredor polonês" ao mesmo tempo que conduzia todos que fugiam para um verdadeiro beco sem saída. Aqueles que não conheciam as ruas do centro foram seguindo na direção indicada pela PM e com certeza não encontraram nenhuma luz no fim do túnel.

Conhecedor das ruas do centro, segui por outro caminho em relativa segurança junto com meus amigos. Mesmo assim foi impossível esquecer a imagem da multidão seguindo para o matadouro. Este foi apenas um dos muitos detalhes que a imprensa não noticiou.

Esta apresentação do Racionais MC´s já garantiu seu lugar na galeria de shows mitológicos do Brasil, ao lado da banda Sepultura na Praça Charles Miller em 11 de Maio de 1991, show este que eu também compareci e cujo saldo final foi uma morte.

No final perguntei para o meu amigo Issao sua opinião sobre tudo aquilo e para a minha surpresa ele respondeu animado: "Adorei! No Japão não tem nada parecido!".

segunda-feira, maio 14, 2007

tão...

pois então. mais uma breve cyber-entrevista com rita lee saiu publicada na "carta capital", dentro da ronda divulgadora que ela faz de seu "biograffiti".

abaixo (1), copio a introdução à entrevista que saiu na revista, com a explicação também brevíssima (se é que é necessário) do que é "biograffiti". o texto, na revista, se chamou "a desconstrução de rita lee".

depois (2), segue a entrevista dita cuja, mas não na versão "carta capital", e sim em sua ainda breve íntegra, para lá dos espaços e convenções cabíveis e habituais do jornalismo.

para o que vem de bônus, uma explicaçãozinha a mais: a canção "tão", a que nos referiremos adiante, trata de uma personagem ("real", ao que parece) daquelas que têm poder de irritar a rita só pelo fato de existirem, e de se fazerem chatas de tão tão tão tão boazinhas que tanto se esforçam por parecer.

vamoaí, então.

(1)
Artistas brasileiros consagrados começam a utilizar o formato DVD para avançar alguns milímetros além do trivial e, por vezes, recontar sob ângulo próprio e particular a participação que tiveram na construção da história da música brasileira. A exemplo do que fez Chico Buarque (num pacote com 13 volumes chamado Desconstrução), Rita Lee usa a caixa tripla Biograffiti (Biscoito Fino) para desconstruir um naco da imagem ilusória da "pop star", lustrada ao longo de quase quatro décadas.

Numa mistura de shows (novos e antigos) com documentário, música pública e memórias privadas se alternam e se confundem, em especial nas cenas em que ela aparece criando três canções inéditas, e assim as torna públicas antes de elas estarem 100% prontas. Abaixo, perguntas de CartaCapital que Rita respondeu por e-mail.

(2)
pedro alexandre sanches - um momento especialmente tocante de "biograffiti" é o depoimento que você faz sobre seus pais, em que inclusive mergulha por passagens tristes e dramáticas, que contrastam com sua imagem pública quase sempre alegre e engraçada. como é para você compartilhar com o público esse lado menos conhecido?

rita lee - todo palhaço tem seu lado triste, não é mesmo? nas entrevistas me senti como se estivesse na minha terapia. as gravações foram feitas em lugares confortáveis, a equipe era gente fina, então não havia por que não responder as perguntas que me fizeram.

pas - se você se vê nas cenas de "biograffiti", percebe diferenças entre a rita lee do "acústico mtv", do show de 2000 e dos shows mais recentes? você está mais tranqüila e serena agora, ou é impressão minha?

rl - tranqüila, não muito, serena, sim. com a idade a gente aprende a lidar com as armadilhas da vida, observando mais e explodindo menos.

pas - como é para você inserir nos dvds imagens que parecem ser do processo de construção de músicas novas, num momento em que, de acordo com as convenções habituais, elas talvez ainda não estejam 100% "prontas"? haveria mais um pequeno tabu sendo quebrado aí?

rl - a graça está justamente em mostrar o processo de gravar uma demo tosca, sem arranjo definido, a letra podendo mudar, uma situação ainda brincalhona e descompromissada, que posteriormente será aprimorada. ou não. não sabemos se elas vão constar do disco de inéditas que vamos lançar no fim do ano pela biscoito fino, então ficam como um pequeno cadeaux para quem tiver a caixa.

pas - essas músicas novas dão o tom de algum trabalho futuro, inédito? o que vem por aí?

rl - temos várias inéditas na manga, de pauleira a baladas, mas no momento não sei qual tom o bebê vai ter. ainda estou no começo da gravidez.

pas - numa determinada passagem, você comenta que, sob efeito de drogas, fez as suas melhores e suas piores músicas. toparia citar alguns exemplos de cada um desses blocos?

rl - das melhores posso citar "coisas da vida", "lança perfume", "mania de você", "orra meu", "papai, me empresta o carro", "shangrilá", são tantas emoções... as piores eram tão ruins que fiz questão de deletá-las em benefício da minha auto-estima.

pas - os (neo-)mutantes realmente convidaram você para participar da volta do conjunto? ou teria sido meio um convite pró-forma?

rl - o sérgio [dias] cansou de me convidar, e sempre declinei.

pas - o que você achou, especificamente, do depoimento do tom zé sobre você? se reconhece nas palavras dele?

rl - o depoimento dele foi genial e inesperado para mim. finalmente alguém explicou que roberto [de carvalho] e eu escancaramos nossa cama e convidamos o mundo para uma suruba pedagógica.

pas - sobre a música "tão", aquele adjetivo "chata" se escreve com cê-agá ou com xis? para não arriscarmos queimar seu filme com colegas locais, você poderia dar alguns exemplos de celebridades da gringolândia que você acredita que se encaixam nessa categoria "xata"?

rl - eu escrevo chata mesmo... eu diria que bono vox é o primeiro da lista de pessoas que de tão corretas e boazinhas são para lá de chatas e extremamente falsas. não podemos deixar de fora celine dion, sempre sorrindo, sempre discreta, sempre chata!

pas - entrevistando há poucos dias o ronnie von [cuja reportagem está na mesma "carta capital" 444], ele comentava que perdeu completamente o contato com você, e que nunca conseguiu levá-la ao programa dele na tevê, apesar de várias tentativas. e completou com umas reticências: "não sei se ela não gosta de mim...". você poderia contar alguma coisa a respeito disso?

rl - fala pro ronnie que eu não sou chegada em programas de tevê, só vou na hebe e no groisman, que sempre foram gente fina comigo. fala pra ele que eu sempre o defendo pelo crédito do nome mutantes. e finalmente fala pra ele que dia desses a gente junta a creche e faz um pic-nic.

segunda-feira, maio 07, 2007

a indústria das ruas, vol.3: a "fraude" "brasileira"

concluindo o ciclo iniciado no tópico "a indústria das ruas", mais ali abaixo, reportagem da "carta capital" 442, de 2 de maio de 2007, sob o som yeah-yeah-yeah do grupo lee jackson (alô, márcio almeida!).


DO IÊ-IÊ-IÊ AO AI, AI, AI...
Diretores de gravadoras que começaram como banda de covers dos Beatles são demitidos, em meio a suspeitas de fraude

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Eram cinco garotos que amavam os Beatles e gravavam versões cover de sucessos de Elvis Presley. Paulistana, a banda se chamava Lee Jackson, ex-Amebha. Juntos, os cinco venderam milhões e milhões de discos nos anos 80, 90 e 2000. Mas não eram discos deles, e sim de artistas tão diversos quanto Roberto Carlos, Julio Iglesias, RPM, É o Tchan, Caetano Veloso, Sandy & Junior, Maria Rita, Chitãozinho & Xororó, Chico Buarque e RBD. É que, de roqueiros brasileiros que cantavam quase sempre em inglês, viraram altos executivos da indústria fonográfica brasileira e latino-americana.

De outubro de 2006 para cá, três dos ex-garotos foram demitidos dos postos de presidência que ocupavam nas gravadoras EMI e Warner.

Sob a guarda direta ou indireta de dois deles, aconteceu algo que em 25 de outubro a matriz inglesa do multinacional EMI Group classificou como uma "fraude contábil" que afetaria "os resultados do negócio musical da EMI no Brasil". No comunicado oficial, dizia-se que a terceira maior companhia de discos do mundo estava "conduzindo uma investigação completa" e "suspendendo alguns executivos seniores da filial brasileira".

De executivos seniores, na EMI brasileira, só havia o presidente local da companhia, Marcos Maynard, ex-organista do Lee Jackson, que de fato foi demitido naqueles dias.

Como diretor das gravadoras CBS (hoje Sony BMG), PolyGram (hoje Universal), Abril Music e EMI, ele carrega no currículo feitos comerciais variados e abundantes. Nos anos 80, participou da criação do sucesso infantil A Turma do Balão Mágico e do sucesso juvenil RPM. Nos 90, gerenciou a renascença do ex-Menudo Ricky Martin a partir do México e a explosão da axé music a partir da Bahia, e sugeriu a Caetano Veloso que gravasse o álbum em espanhol Fina Estampa (1995). No ano passado, na EMI, veiculou dois discos de Marisa Monte e uma bem-sucedida série de 12 DVDs de Chico Buarque.

Maynard nega a existência de fraude e move processo por perdas e danos contra a EMI Music do Brasil. "Eu nunca tirei um centavo de ninguém. Exijo uma retratação pública da EMI", afirma ele, que alega razões processuais para não conceder depoimento a CartaCapital.

Segundo o pronunciamento de 25 de outubro, a manobra financeira ilícita envolveu maquiagem dos resultados da EMI brasileira: o lucro foi superestimado em 9 milhões de libras (36 milhões de reais), e as receitas, em 12 milhões de libras (48 milhões de reais). Diante do anúncio, as ações da EMI caíram 8,8% na Bolsa de Londres.

A notícia se espalhou pelo mundo no mesmo dia, em títulos como o da BBC, que seguiu a linha de estigmatizar o Brasil e vitimizar a matriz: "Brazilian fraud hurts EMI Music". No Brasil, o assunto rendeu uma reportagem do Estado de S. Paulo e notas curtas nos outros principais jornais. Lá fora, o assunto desapareceu rapidamente do noticiário.

Procurada por CartaCapital na segunda-feira 23 de abril, a vice-presidente de comunicações corporativas da gigante fonográfica, Jeanne Meyer, afirmou que não faria nenhum comunicado adicional ao que foi divulgado no site da empresa.

Mas o silêncio generalizado não significa que o episódio não tenha trazido desdobramentos. Em 12 de janeiro passado, a EMI anunciou o desligamento de Alain Levy e David Munns, respectivamente presidente e vice-presidente mundiais da divisão musical da multinacional. As ações da empresa caíram 6% naquele dia, e o mercado atribuiu as demissões às vendagens decepcionantes de alguns dos principais lançamentos de fim de ano, como o novo álbum do pop star Robbie Williams e Love, um disco de antigos sucessos dos Beatles "maquiados" para um espetáculo do Cirque du Soleil.

Em março, caiu o ex-baterista do Lee Jackson, Marco Bissi. Superior hierárquico de Maynard, ele ocupava o posto de presidente da EMI Music Latina, com sede em Miami (EUA), e afastara poucos dias antes o diretor-financeiro da divisão latina, Jorge Meléndez. Uma vez que o diretor-financeiro mundial, Stuart Ells, saíra em 27 de outubro, no calor do episódio da "fraude brasileira", chega-se à conclusão de que, em seis meses, um efeito dominó devastou as linhagens brasileira, latino-americana e mundial de presidentes e diretores-financeiros da EMI.

Para entender a seqüência é preciso recuar na história ao momento da "brazilian fraud". O primeiro profissional afastado, por determinação do presidente mundial, foi o vice-presidente financeiro e de vendas do Brasil, A(*) B(*). Ele teria sido responsabilizado por Maynard pelo superfaturamento, mas hoje move processo trabalhista contra a EMI, inclusive por danos morais.

Segundo o advogado de B(*), Carlos Roberto Fonseca de Andrade, o cliente possui provas de que cumpria ordens "mandatórias" de Alain Levy, David Munns e Stuart Ells. "Estão nos autos vários e-mails em que A(*) alertava para dificuldades, e Jorge Meléndez, Marco Bissi e Stuart Ells determinavam que cumprisse mesmo assim", diz o advogado.

O que acontecia, naquela ocasião, era a exacerbação de uma prática corrente na indústria fonográfica: a venda consignada para lojistas, que em certas ocasiões aceitam comprar das gravadoras quantidades exageradas de discos, mas têm o direito de devolvê-los mais tarde, caso não haja procura suficiente por parte do público consumidor.

Pressionadas a apresentar resultados positivos às matrizes, as filiais se habituaram a forçar a aquisição superestimada pelas lojas – é o que até poucos anos atrás fazia grandes magazines ficarem abarrotados de discos de Roberto Carlos após o Natal, por exemplo. Os relatórios são enviados à matriz como se a venda consignada fosse definitiva e vão integrar resultados supostamente vitoriosos da empresa toda. Após o anúncio da "fraude contábil", uma avalanche de devoluções passou a abarrotar os estoques da EMI.

A técnica de inflar vendagens pode ter surpreendido a "machucada" EMI mundial, mas, sob a condição do anonimato, executivos demitidos afirmam que não: a determinação "mandatória" não teria sido enviada só para o Brasil (cuja receita representa cerca de 1,5% do faturamento total da EMI), mas para as várias praças onde funciona a gravadora. A exigência de resultados volumosos era geral.

A voracidade recente da EMI foi noticiada em agosto de 2005 por CartaCapital. Uma reportagem na edição 353 dava conta dos excelentes resultados relatados por Maynard à gravadora num cenário de forte crise, e completava: "Tais resultados se consolidaram nas vendas de Natal, em que o mercado sofreu uma queda de 18,3% nas cópias consumidas em relação a dezembro de 2003, enquanto a EMI registrou o formidável crescimento de 288%".

Ao ser contratado por Bissi, Maynard beneficiava-se da fama de "agressivo" (ou de potencializador voraz de vendagens), segundo atestam passagens por CBS, PolyGram e Abril Music. Essa última chegou a abocanhar mais de 10% do mercado nacional em apenas quatro anos e meio de existência, mas foi abortada pelo Grupo Abril em 2003, sob especulações de um rombo de 18 milhões de reais, o que o executivo negou com veemência à época.

Tampouco as outras gravadoras locais se surpreenderam. Diz o presidente do escritório brasileiro da Universal Music, José Antonio Eboli: "A Nielsen audita as vendas da Universal, e sabíamos que a EMI tinha 12% do mercado em termos de venda ao público e declarava à ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos) que tinha 28%".

Eboli avalia o peso do episódio na indústria fonográfica nacional: "O impacto negativo é grande. Causa descrédito lá fora, e o executivo brasileiro fica nivelado, como se fôssemos todos assim". E menciona o impacto financeiro: "Tivemos uma queda de mercado de 68,5% no primeiro trimestre, segundo a ABPD. Esse valor não é verdadeiro, porque há o fator EMI, de um trimestre anterior inflado contra um trimestre posterior cheio de devoluções". De acordo com ele, as auditorias da Nielsen apontam que, descontado o "fator EMI", a queda real seria de 16% a 17%.

Há poucos dias, a EMI brasileira ganhou novo presidente, Marcelo Castello Branco, que chega de uma temporada na Universal espanhola. "Não há como negar que o problema no Brasil tem impacto internacional, nas bolsas inclusive", diz. "Chego para tomar medidas duras, mas não cabe a mim exercer julgamento. Há uma investigação em curso, vai caber à companhia internacional a decisão de como proceder quando concluída."

No Brasil, a retirada de Maynard foi o ponto inicial de nova rodada de "dança das cadeiras" entre gravadoras. Em 1997, Castello Branco substituíra Maynard na presidência local da Universal. Agora, acaba de dispensar grande parte da diretoria montada pelo antecessor na EMI.

Na Universal, o diretor artístico Max Pierre foi demitido há poucas semanas, após décadas de trabalho ali e na Som Livre (da Globo). O presidente da Warner, Cláudio Condé, também foi substituído. Ambos são, como Maynard e Bissi, remanescentes de uma geração de executivos que conquistaram altos salários em tempos de vendagens e contratos milionários – ou de "farra", na expressão empregada por mais de um figurão.

Condé, por sinal, é o terceiro dos ex-Lee Jackson recém-afastados do coração da indústria. De cantor de frente do grupo, ele foi "descoberto" com Maynard pelo mitológico homem do disco André Midani, e foi sucessivamente presidente de gravadoras em Portugal, Brasil e Espanha. Procurados por CartaCapital, nem Condé nem a nova diretoria da Warner se pronunciam sobre as razões de sua saída.

Em escala mundial, um pano de fundo comum aproxima a Warner e a EMI, duas gravadoras que têm vivido em constante crise. Desde a fusão entre as multinacionais Sony e BMG, em 2003, a indústria alimenta a expectativa de que as próximas a se unirem sejam EMI e Warner. Em junho de 2006, as duas companhias fizeram ofertas simultâneas entre si, de comprar a rival por 4,6 bilhões de dólares. Nenhum negócio foi fechado. Segundo um executivo brasileiro, a venda de uma EMI sobrevalorizada poderia render aos condutores da negociação uma comissão da ordem de 10% a 15%, ou seja, de no mínimo 460 milhões de dólares.

Em março passado, cinco meses após a descoberta da tentativa de sobrevalorizar as vendas no Brasil, a Warner fez novo lance para comprar a concorrente, desta vez por 4,1 bilhões de dólares. A EMI recusou a oferta, afirmando que era baixa demais.

Outro pano de fundo envolve, novamente, o termo "fraude", e se refere à obra dos Beatles, até hoje um dos carros-chefes do catálogo da EMI. Em setembro de 2006, o Supremo Tribunal de Nova York autorizou Paul McCartney, Ringo Starr e os herdeiros de John Lennon e George Harrison a entrarem na Justiça contra a corporação, acusada por eles de fraudar vendas e desviar direitos autorais do grupo. O ex-grupo pedia 25 milhões de dólares e pleiteava recuperar para si os originais da obra.

Neste mês, noticiou-se uma bandeira branca entre as duas partes. "Acordamos termos mutuamente aceitáveis e não haverá outros comentários", afirmou uma porta-voz da gravadora.

Em escala local, os discos do Lee Jackson circulam pela primeira vez no formato CD, graças a uma reedição bancada pela EMI durante a gestão Maynard. Títulos como Rock Samba – Tribute to... Elvis e Rock Samba Vol. 2 (ambos lançados em 1977) reexibem uma mistura que os rapazes tentavam emplacar no Brasil, forrando rocks de Elvis e dos Beatles cantados em inglês com instrumentos de samba.

Em 2002, os cinco músicos-executivos se reuniram para um show comemorativo no Clube Pinheiros de São Paulo, que foi transformado em álbum duplo lançado pela Abril Music. Estavam lá Condé, Maynard, Bissi, o baixista Sérgio Lopes e o guitarrista Luiz Carlos Maluly.

Lopes ainda resiste como diretor da EMI latina. Maluly é o único dos cinco que abandonou mais cedo a carreira de executivo, mas continua trabalhando nos bastidores musicais como produtor. Dirigiu discos do RPM, Engenheiros do Hawaii, Zizi Possi, Simone, Ney Matogrosso, Cássia Eller, Sandy & Junior e outros. Atualmente, produz as duplas sertanejas Bruno & Marrone e Edson & Hudson.

O jornalista Tom Gomes, editor da revista de mercado Sucesso e membro votante do comitê latino do Grammy, vem preparando a biografia do grupo, que pretende batizar de Lee Jackson – Banda de Milhões. "Minha idéia é usar aquele modelo de histórias de pessoas que lutaram muito na vida e chegaram a um lugar importante", conta ele, que foi compositor de iê-iê-iê e é próximo dos Lee Jackson. "Mas meu texto terminava com um happy end, e essa história nos últimos meses teve um fim melancólico, nessa indústria em total decadência. Quero esperar um pouquinho mais para reescrever."

Segundo Gomes, Bissi está montando uma gravadora própria, independente, e Condé "não se preocupa em voltar a trabalhar tão cedo".

Quanto a Maynard, voltou a cuidar da produtora que fundara após o encerramento da Abril Music. Fã incondicional de Elis Regina (a cantora inseriu um agradecimento a ele no disco de 1977 que contém a clássica canção Romaria), ele hoje colabora com projetos de artistas como Roberta Miranda, Paulo Ricardo e o jovem Jay Vaquer.

A Maynard Enterprises fica num edifício no bairro paulistano do Itaim, o mesmo que também abriga o escritório de outra figura mitológica da música brasileira, Manoel Poladian, um produtor de shows de temperamento agressivo que foi veterano de Maynard na Faculdade de Direito do Mackenzie e estreou na música como empresário do Lee Jackson.

No mesmo andar da Maynard Enterprises, do outro lado do corredor, fica o escritório paulista da EMI Music do Brasil.

Colaborou Márcia Pinheiro

(*) Em 29 de novembro de 2010, retirei o nome do profissional em questão desta versão da reportagem, a pedido de uma pessoa próxima a ele. Se quiser saber o porquê de eu "censurar" (para usar termo em voga em 2010) um trecho de meu próprio texto, posso esclarecer via pedroalexandresanches@gmail.com.

quinta-feira, maio 03, 2007

erasmo carlos em detalhes

pois então. mais ou menos ao mesmo tempo em que roberto carlos molha os olhos de seu biógrafo não-autorizado paulo césar de araújo no fórum paulistano da barra funda, uma história mais ou menos igual, mais ou menos diferente, acontece nos subterfúgios do lado b, no outro lado da moeda dourada do "rei".

constrangido pelo lamentável litígio entre rc e pc, vou ficando calado o mais que consigo, até mesmo por razões éticas: como é que eu iria poderia usar prerrogativas jornalísticas para abordar imparcialmente esse assunto, se eu próprio também escrevi um livro sobre roberto carlos (& erasmo & wanderléa), e se o meu livro ainda anda circulando por aí, tímido (& atirado) e solto (& aprisionado) como sempre foi?

não tem como, não tem. mas é claro que também tenho lá minhas historietas (quase) de bastidor, e duas delas eu gostaria de contar aqui agora.

a primeira: há uns vários meses, quando erasmo carlos fez um show aqui em são paulo, fui cortesmente convidado a comparecer pela assessora de imprensa gilda mattoso (aquela mesma, do caetano, do gil, do pessoal lá da patota).

lá fui eu, acompanhado da marcia, todo feliz (& assustado). não bastasse, acabei conduzido pela gilda e pelo léo esteves, gentilíssimo filho e empresário do homem, para cumprimentar erasmo no camarim (um ambiente do qual, de resto, costumo fugir como o diabo foge da cruz, com exceções raríssimas - e nem sempre exatamente felizes, eu diria).

era meu primeiro encontro com o "gigante gentil" (como o apelida dona rita lee) depois de ter lançado "como dois e dois são cinco", imagina se eu não tremi feito vara verde. tremi, ô, se tremi. abracei erasmo tímido, temeroso, bambeando como bambu.

gigante gentil, ele tirou uns baratos com a minha cara, disse que eu devia estar doidão de alguma substância quando escrevi todas aquelas coisas imaginosas lá. mas foi afetuoso, carinhoso, e observou que, se merecera aquele tanto de esforço e dedicação de minha parte, era sinal de que alguma importância ele devia ter nessa tal música popular brasileira (imagina se não, seu erasmo, imagina!).

o contato foi rápido (& envergonhado, da minha parte), mas antes de eu fugir correndo do camarim erasmo ainda chamou o léo para que tirasse uma foto, eu ao lado dele, "crítico" & "artista", (não-)biógrafo de braços dados com (não-)biografado. não tenho essa foto até hoje (porque não pedi), mas, vixe mãinha, você calcula meu orgulho, não calcula?

pois então, por discrição ou pudor nunca costumo comentar esse episódio, mas, poxa, ele também me pertence, eu tenho o direito, né? e, além do mais, andei lembrando dele por conta da segunda historieta, iniciada há mais ou menos um mês.

foi quando a assessora de imprensa luciana bastos me procurou, por parte da gravadora independente indie records e, de novo, do léo esteves. eles propunham que eu escrevesse um texto para a imprensa (codinome "release") sobre "erasmo carlos convida - volume ii", o novo álbum do cara.

o disco já deve estar nas lojas, e essa segunda historieta segue contada com um pouco mais de apuro aí embaixo, no release que aceitei escrever e que republico agora aqui no blog.

[em tempo: estrelas não mudam de lugar por causa dessas pequenas fábulas de fadas & bruxas, mas não é curioso como o mundo continua dramaticamente repartido "em lado a" e "lado b", como se a esfera terra fosse ainda um antigo bolachão vinil? não é estranho perceber como "lado a" e "lado b" prosseguem sendo inversos complementares e indissociáveis?, roberto carlos penando (& fazendo penar) no proscênio & erasmo do outro lado do espelho, observando tudo calmo e calado?

quanto ao paulo césar e a mim, sinceramente não acredito que pertençamos de modo estanque a lados "a" ou "b" - afinal, somos da (já agonizante) era do cd, pois não? ainda assim, neste momento não dá para negar um certo paralelismo à distância, em relação aos lados ocupados pelos carlos roberto e erasmo, respectivamente...]

enfim, vai aí o texto enviado junto com "erasmo carlos convida - volume ii" aos colegas jornalistas & outros bichos afins:


Sonhos & memórias da música emotiva brasileira, vol. 2

Por Pedro Alexandre Sanches (*)

O bochicho correu solto em 1980, quando Erasmo Carlos lançou o pulo de gato que colocaria em novos termos sua (monumental) importância como compositor (e cantor) popular brasileiro. Erasmo Carlos Convida... dava veludo novo a clássicos do cancioneiro nacional co-escritos por ele, enfileirando duetos ilustres com Gal Costa , Tim Maia, Gilberto Gil, Rita Lee, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Jorge Ben, Nara Leão, Wanderléa e, claro, Roberto Carlos. O bochicho: se o caso era chegar perto de completar um "quem é quem" da geração de Erasmo (& Roberto), estavam faltando Chico Buarque, Elis Regina, Milton Nascimento...

As razões para as ausências só ele mesmo pode dissipar, mas hoje, 27 anos mais tarde, Erasmo Carlos Convida - Volume II reata o fio da meada - e, de quebra, volta a oferecer ao Brasil a oportunidade (seguidas vezes desperdiçada) de redimensionar (de novo) a estatura de um dos dois compositores mais populares da nossa história.

Hoje já não há como Elis duetar com Erasmo, mas aqui estão enfim Chico e Milton, duelando respectivamente "Olha" (de 1975) e "Emoções" (1981), as duas originalmente lançadas pelo outro autor mais popular de todos os tempos (você sabe quem). A primeira virou bossa carioca à la João Gilberto; a segunda se transformou em toada jazz-mineira à la Milton Nascimento; e eis-nos aqui instados (outra vez) a entender (se quisermos) que Erasmo & Roberto são a espinha dorsal da música popular brasileira, de toda e qualquer música brasileira.

Em 1980, Erasmo abriu apenas duas exceções a assinaturas de fora de sua heróica (e inúmeras vezes esnobe) geração: chamou também para brincar no primeiro disco coletivo os jovens grupos A Cor do Som e Frenéticas, que eram então pimpolhos mal saídos das fraldas. Hoje, ele inverte a equação. Convida o agora veterano Mu Carvalho, integrante original d'A Cor do Som, para produzir o volume 2. E coalha o CD de convidados que, se não são exatamente noviços, devem muito do quilate pop que possuem a pai Erasmo Carlos.

Quem dá liga especial ao convescote de gerações de 2007 é o trio pop-rock Kid Abelha, em versão desbragada da arrepiante "O Portão", lançada em 1974 por Roberto Carlos. Recobrando a co-autoria de "O Portão", o rebelde número 1 da jovem guarda dos anos 60 reafirma: a marca registrada da música emotiva brasileira também é dele, sim, senhores e senhoras.

(A propósito: Paula Toller é a única a participar pela segunda vez de um projeto coletivo de Erasmo: em 1989, ele rendeu homenagem exclusiva à geração 80 em Ao Vivo – Sou uma Criança, cantando iê-iê-iês com Paula, Paulo Ricardo, João Penca & Seus Miquinhos Amestrados e Léo Jaime.)

Em praia vizinha, o roqueiro Lulu Santos retrabalha o samba-rock "Coqueiro Verde", jóia da coroa riquíssima de lados B de Erasmo. Lulu se vale, ainda por cima, do alucinante arranjo da gravação de 1971 do Trio Mocotó, lado B do lado B.

Em praia mais afastada, mas também egressa dos anos 80, Zeca Pagodinho transforma "Cama e Mesa" num autêntico samba de fundo de quintal. E reinstala a eterna dúvida do ovo & da galinha: "Cama e Mesa" virou samba agora, ou a dupla dos Carlos já escondiam o ouro sambista em 1981, quando Roberto emplacou a melô em favelas & motéis & rádios de todo o Brasil? Por via das dúvidas, não custa reconstruir a provocação: os roqueiros românticos Erasmo & Roberto são, no mínimo há uns 40 anos, dois dos mais certeiros sambistas do Brasil.

Um breque no samba: a geração 90 abre passagem para fazer mesuras de ritmos os mais diversos ao mestre. O Skank se responsabiliza pela tarefa corajosa de recriar um dos mais irônicos e iconoclastas não-sucessos de Erasmo, "Banda dos Contentes" (do genial LP homônimo de 1976).

Marisa Monte encara um Robertão de frente, na canastrona "Não Quero Ver Você Triste" (de 1965), avó materna e paterna de "Amor, I Love You".

Los Hermanos mergulham no lado B com a pungente "Sábado Morto", do incrível álbum Sonhos e Memórias – 1941-1972 (1972), numa integração quase assustadora entre as vozes de Erasmo e de Rodrigo Amarante.

Adriana Calcanhotto forra de bom humor e de leveza partimpim o punk pop "Ilegal, Imoral ou Engorda", surgido em 1976 como um canto de cisne do lado mais malcomportado de Roberto Carlos.

Uma pausa nos saltos entre gerações (cuja diversidade, aliás, está expressa também num time de arranjadores que alterna Vittor Santos, Rildo Hora, Nivaldo Ornelas, Luis Cláudio Ramos, Dadi, Domenico e Kassin, entre outros): quase contemporâneos de Erasmo, Simone e Djavan completam o elenco, em duas canções mui românticas. A primeira tira do baú tudo que sabe sobre suavidade e faz Erasmo se sentir bem à vontade em "Vou Ficar Nu pra Chamar Sua Atenção" (1970), que originalmente integrou o filme Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa. O segundo vem acompanhado de cordas ternas na dramática "De Tanto Amor", que estourou em 1971 na voz de Claudette Soares.

O dueto com Simone reavalia delicadamente a fase de desamparo que Erasmo viveu ao final da jovem guarda, enquanto Roberto decoloava para longe do rock'n' roll e se lançava à façanha de ídolo romântico número 1 do Brasil. O encontro com Djavan confirma e reafirma a co-participação de Erasmo na escrita de dez em cada dez sucessos incontestáveis de Roberto Carlos - a quem, afinal, Erasmo Carlos Convida - Volume II é dedicado.

Por fim, antes de terminar: entre dedicatórias e homenagens (às vezes ao avesso), justo seria que Erasmo Carlos caprichasse na homenagem a si próprio. Coladinha a "O Portão" do Kid Abelha, aparece por isso faixa mais irreverente do CD, "Pão de Açúcar (Sugar Loaf)", recolhida do lado B do LP Amar pra Viver, ou Morrer de Amor (1982), aquele acachapante libelo pop em cuja capa Erasmo apareceria libertando uma pomba branca de dentro do próprio peito em carne viva.

"Pão de Açúcar" renasce povoado de scratches modernos e de levadas em samba-rock, mas também das exímias harmonias vocais do grupo Os Cariocas. É o único momento em que pai Erasmo reverencia os mais velhos, numa confissão terna de amor à pré-bossa nova e ao elo perdido de vocalizações perfeitas (à moda daquelas que o próprio Erasmo, apesar de muito tímido, sempre construiu) de conjuntos vocais como Bando da Lua, Anjos do Inferno, Garotos da Lua (de onde saiu João Gilberto) ou, bem mais tarde, MPB 4.

Pode se tratar de um breve tributo do cantor a seu próprio passado, mas é mais que isso: há mais de uma década, um dos maiores amigos de Erasmo, Tim Maia, gravou um disco inteiro com Os Cariocas (Amigo do Rei, 1996). Um remoinho de tempos & espaços se condensa em "Pão de Açúcar" – Carmen Miranda, Os Cariocas, João Gilberto, Erasmo & Roberto & Tim Maia, samba-rock, hip-hop... E esse é mesmo o sentido deste novo (e amorosíssimo) ajuste de contas (ou melhor, de notas musicais) de Erasmo Carlos com o passado, o presente e o futuro.

(*) Jornalista militante em críticas, entrevistas e reportagens, nunca pensei seriamente que algum dia fosse escrever o release de um disco. Não simpatizava com esse tipo de "intercâmbio" entre imprensa e indústria fonográfica, nem muito menos com o tom tipo "Erasmo Carlos está no melhor momento de sua carreira!!!" que esse gênero de texto volta e meia acaba adotando. Mas essa convicção contrária durou até o dia em que Léo Esteves, empresário e filho de Erasmo, fez chegar até mim o recado de que queriam que eu escrevesse este texto.

Balancei no ato: não se tratava tão-somente daquele que é, em minha opinião, um dos maiores artistas populares (e nem sempre devidamente reconhecidos) que já conhecemos aqui neste Brasilzão. Tratava-se, além disso, de Erasmo Carlos, nada menos que o co-protagonista do meu livro Como Dois e Dois São Cinco – Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa) (editora Boitempo, 2004)! Nem preciso dizer, mas digo mesmo assim: seu convite me enche de orgulho, dá aura de legitimidade a cada uma das palavras que ali deixei escritas, enobrece meu trabalho e me faz ficar muito, muito, muito feliz.

Releio então as minhas mal traçadas linhas neste release, e até receio que afinal ele esteja, sim, um tantinho bajulatório. Mas (que saco, eu não sou de ferro!), não, não é sacrifício nenhum reconhecer que, mesmo que Erasmo não esteja no ápice, estou diante de um belo disco, de um belíssimo, gigantesco artista. Ora, esse não é o dever de qualquer "crítico" que se preze, ainda que seja uma criança e não entenda nada? Então é isso, "seu" Erasmo... Meus sinceros parabéns, e obrigado por mais (este disco e) esta lição.