segunda-feira, dezembro 24, 2007

...de uns novos dias...

...tanta coisa para falar, tão pouco tempo...

este (pseudo)blog, deste (pseudo)jornalista, entra em recesso, por tempo (curto, porém) indeterminado.

...tanta coisa para falar, tão pouco tempo...

nos tornamos temporariamente "unplugged", com agradecimentos mil, a todos que deixaram mensagens carinhosas nos últimos tempos, e a todos que acompanharam silenciosamente, e a todos que ainda vão chegar, mas...

...tanta coisa para falar, tão pouco tempo...

é tempo de descanso, de repor energias, de repensar estratégias, de contemplação.

de prazer.

...tanta coisa para falar, tão pouco tempo...

tanta coisa pela frente. e um (novo) mundo inteiro a construir. vamos?

você já deu ouvidos aos novos hoje, ontem, anteontem? ou continua(remos) mofando, indefinifamente? 2008? ou 1958? ou 2018?. agora mesmo?, já?

...tanta coisa (nova) para falar, tão pouco tempo (velho)...

feliz 2008!, feliz década de 2010!, que já está prestes a chegar e a gente mal se permitiu perceber nem mesmo a década dos 2000. did you hear the news today, oh boy, oh girl, oh xxy?

[o cafona vai voltar!, o brega vai voltar!, em grande estilo!, e eu vou estar aqui para presenciar (e participar)!!!]

...tanta coisa para falar, e tão pouco tempo... e tanto tempo pela frente, ainda... até já, para sempre agora (são itamar assumpção)!

quinta-feira, dezembro 20, 2007

papa don't preach

mas, ei, por falar em charles, diana, imperial (como temos feito na janela vermelha abaixo, e também alhures)... e o bispo chantagista, hein? os leitores da "folha" alvoroçaram geral hoje, mas eu estou mais é adorando a polemiquinha lançada por um padre-leitor, alguém prestou atenção? só recapitulando, é mais ou menos assim:

1, ontem, escreve o pároco-leitor:

Dom Cappio
"Há grande confusão sobre o direito à greve de fome de dom Luiz Cappio. Altas eminências do Vaticano e da CNBB alegam que isso vai contra os princípios cristãos. Então como justificar a opção de Jesus pela própria morte? E como legitimar o sacrifício de tantos mártires da Igreja Católica?

Uma coisa é o suicídio, geralmente irracional e imoral; outra coisa é o martírio, merecedor até de culto e de canonização."
OTTO DANA, pároco da igreja de Sant'Ana (Rio Claro, SP)

2, hoje, em resposta, um leitor detecta brilhantemente (em minha opinião) o desatino do padre-leitor (e arranha de raspão a chantagem emocional do bispo suicida):

"Diferentemente do que disse o padre Otto Dana ontem nesta seção, não há nenhuma diferença de mérito no caso da greve de fome do bispo Cappio. É muito contorcionismo mental dizer que um suicida é irracional e imoral, enquanto o bispo seria um mártir.
Uma pessoa que se mata é um suicida. Suas razões dizem respeito somente a ela, mas um Estado não pode se render a uma chantagem."
JOSÉ CLÁUVER DE AGUIAR JÚNIOR (Macaé, RJ)

3, também hoje, outro leitor, aparentemente afinado com a "indignação"-sabatella e o sensacionalismo-mídia, põe o imbroglio na conta do "governo" (enquanto "agressor") e do "povo" (enquanto "vítima"), só para variar:

"No 'Painel do Leitor' de ontem, o senhor Otto Dana, pároco em Rio Claro, em poucas palavras apresentou argumentos inquestionáveis na defesa da greve de fome do nosso querido dom Luiz Cappio, mostrando que martírio não é suicídio. Alguns setores da sociedade organizada já se movimentam para imitá-lo, ampliando assim o protesto contra essa obra descabida.

Se dom Luiz morrer, o que não desejamos, não tenhamos dúvidas de que será mais uma alma sacrificada na defesa do povo pobre do sertão nordestino."
HÉLIO PEIXOTO (São Paulo, SP)

mas o que é que eu estou adorando nesta polêmica tipo nau dos desatinados? é que hoje, em pleno 2007(quase-8), podemos celebrar o fato de já possuirmos, entre outras mirabolâncias,:

a, bispo católico suicida,

b, pároco católico que solicita (prematuramente, diria eu, já que o peru natalino robertocarlista ainda não chegou à véspera fatídica) o "culto" e a "canonização" de bispo católico chantagista-suicida,

c, padre (e não-padre) enrodilhado em contorcionismos circenses-verbais para dizer que o suicida não é suicida (afinal, suicídio é "pecado", né?...),

d, preencha você mesma(o),

e, e até gente "avisando" que em breve vai haver suicídio em massa no brasil (!!!), com aquiescência e incentivo de bispo católico (!!!!) e da igreja apostólica romana (!!!!!).

dentro destas surpreendente gaiola de desatinado(a)s, o que eu mais faço é torcer fervorosamente para que, após os padres que defendem o suicídio não-suicida, comecem a surgir padres que defendam a homossexualidade não-homossexual (afinal, ser-gay também é "pecado", não é mesmo?, assim como usar camisinha para não ter doenças sexualmente transmissíveis nem filhos indesejados nem abortos prenhes de culpa & dor).

ufs, que dá até vontade de plagiar o simão! minha santa periquita do nonsense doido!! o papa veste prada!!! a bênção, sr(a). 2007 do arco-da-diaba!!

(p.s.: quem escrevinha as linhas "blasfemas" acima é este que vos fala, um católico batizado e educado de acordo com as leis doidonas do catolicismo, que detesta as luzinhas multicoloridas que se acendem nesta época do ano em "homenagem" e "comemoração" a um cara martirizado-ensangüentado-pregado-numa-cruz e que já foi -e continua sendo, constantemente, diariamente - muito cruelmente maltratado e humilhado pelo "saco de bondades" - com "bondades" assim, quem precisa de "maldades"? - do catolicismo. xô, satanás!, sai do armário, diabo!)

quarta-feira, dezembro 19, 2007

atravessando fronteiras

nesta madrugada, pensei numa música que eu ouvia por volta de 1988, 1989, quando eu tinha por volta de 20, 21 anos de idade.

reouvi-la agora há pouco, por volta de 20 anos depois, me faz pensar que as imagens podem até demorar muito a sedimentar, a criar raízes e a brotar frutos, mas, uma vez processadas, processadas estão, ainda que demorem mil anos a sedimentar, arraigar e florescer (bom-dia, chávez, bachelet, kirchner, lula, evo, correa, kirchner, e quem mais chegar).

em 1989, eu também ouvia (e detestava) "political world", daquele cara (chato e estranho, supunha eu) que eu nem sabia que era judeu, descendente de russos, vindo de minnesota, norte gelado dos estados unidos, o bob dylan, esse mesmo que hoje me deixa embasbacado, apaixonado, cinco minutos antes de eu descobrir que em março ELE virá (de novo) fazer um show em são paulo - não é possível, depois de um mês ouvindo bob dylan, será que alguém anda fazendo lavagem cerebral em mim, para que eu goste tanto daquele judeu esquisito de minnesota (tanto quanto gosto daquela japonesa newyorkizada-cidadã-do-mundo named yoko)?

pois bem, eu achava que detestava, mas "political world" mora em mim até hoje, bem pertinho desta outra em que pensei nesta madrugada, "across the lines". era composta e cantada por tracy chapman, uma artista que em minha ignorância juvenil eu supunha quase banal, e seus versos eu copio letrinha por letrinha linhas abaixo, não sem promover, of course, algumas pequenas interferências-2008, de minha (não-)exclusiva responsabilidade.

"across the lines"
(tracy chapman)


across the lines
who would dare to go
under the bridges (sobre águas turbulentas)
over the tracks
that separates whites from blacks
choose sides
or run for your life
tonight the riots begin

on back streets of america (do sul)
they (nunca) kill(ed) the dream of america (latina)

little black girl gets assaulted
ain't no reason why
newspaper (nunca) prints the story
and racist tempers fly
next day it starts a riot
knives and guns are drawn
two black boys get killed
one white boy goes blind (o assum preto)

little black girl gets assaulted
don't no one know her name
lots of people hurt and angry
she's (not) the one to blame (nunca mais)

quarta-feira, dezembro 12, 2007

nara takai. na vanguarda?

"carta capital" 473, de 5 de dezembro de 2007. será o benedito, será a benedita, será o sebastião?


NARA NA VANGUARDA
A modernidade da artista, morta em 1989, volta à tona no CD de uma cantora pop e em desfiles no Brasil e no Japão

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Nara Leão estava na moda em 1964. A ditadura militar acabava de nascer, e a cantora topava, não sem certa hesitação, desfilar roupas da coleção Brazilian Style, da Rhodia, na Europa e no Japão. Nos bastidores da caravana, dedicava-se ao proselitismo político. Como narra Sérgio Cabral (pai) em Nara Leão – Uma Biografia (Lumiar, 2001), ela tentava, aos 22 anos, fazer a cabeça das modelos para que abandonassem "futilidades" e se preocupassem com "a miséria do povo".

Morta em 1989, aos 47 anos, em decorrência de um tumor inoperável no cérebro, Nara não está na moda em 2007. Quem hoje se apresenta em passarelas japonesas é Fernanda Takai, também integrante do grupo pop-rock Pato Fu, no desfile de Ronaldo Fraga, um entre poucos estilistas que trabalham com o princípio de que a moda e o design do Brasil podem e devem dialogar diretamente com a cultura natal.

Na passarela, a não-modelo Takai canta músicas lançadas por Nara, com quem guarda semelhanças físicas e vocais. Ao redor se movem as estampas de Fraga, todas inspiradas no imaginário da dita "musa da bossa nova". Nara Leão está na moda em 2007.

Confirma-o Fernanda, que lança agora, pelo selo independente Do Brasil, o disco Onde Brilhem os Olhos Seus, tributo irreverente não a um compositor, mas a uma personalíssima intérprete. Amapaense que vive em Belo Horizonte há mais de 20 anos, ela soube das intenções do amigo mineiro de devolver Nara às passarelas quando já trabalhava no CD, sob produção de John Ulhoa (seu marido e colega de Pato Fu) e sugestões e orientação do produtor e jornalista Nelson Motta.

A conexão Nara-Japão traz reminiscências musicais e familiares a Fernanda, que era ninada pelo pai descendente de japoneses com Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos (1971), de Roberto e Erasmo Carlos, uma das músicas regravadas. É que Nara, capixaba como Roberto, lançou em 1978 um LP inteiro com a obra da dupla romântica, sob saraivadas de críticas dos defensores mais puristas da dita MPB.

"Fiquei tão contente de ter conhecido e me reaproximado da origem de meu pai que comecei a estudar japonês. Fiz matrícula numa Quarta-Feira de Cinzas", diz Fernanda.

A distribuição japonesa de Onde Brilhem os Olhos Seus, pelo selo local Taiyo, foi garantida durante a passagem do desfile por um país que costuma amar música brasileira em geral e Nara Leão em particular. "O Brasil não se deu conta de Nara. 'Musa da bossa nova' é muito pouco para ela", Fraga exerce proselitismo político-musical. Nara concordaria com ele, pois contestava o rótulo, segundo a biografia de Cabral: "Musa, não. Talvez eu seja a muda da bossa nova".

Mas de muda Nara não tinha nada. Em 1964, causou espécie entre colegas ao desancar publicamente a bossa fermentada ao redor de seu umbigo, nas míticas sessões coletivas no apartamento do pai, na orla carioca. "Chega de bossa nova. Chega de cantar para dois ou três intelectuais uma musiquinha de apartamento", disse à revista Fatos & Fotos, entre elogios ao "samba puro" e afirmações de que "a bossa nova me dá sono".

"Escrevi e sustento que o primeiro disco dela inaugurou essa coisa que se chama MPB. Nunca nenhum samba até então tinha recebido o tratamento que ela deu", avalia Cabral.

Já em Nara (1964), o primeiro LP, começava a se tornar dissidente do movimento de que era a figura feminina emblemática. Nara iria à faculdade de psicologia tardiamente, nos anos 70, mas a sigla de extração universitária "MPB" nascia ali a partir da mistura que ela fazia entre sambas de "raiz"
dos então anônimos Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, canções de "protesto" de Carlos Lyra e bossas "alienadas" de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. As vertentes conflitantes cabiam todas dentro de um vinil da desassossegada cantora.

Muda Nara não era, como demonstrou novamente em 1966, ao apontar os canhões da ditadura contra si própria. "Os militares podem entender de canhão ou de metralhadora e nada pescam de política", afirmou no Diário de Notícias. O Exército e o Ministério da Guerra desejaram a prisão da moça pós-adolescente, mas os militares desistiram da idéia diante de um poema-pergunta escrito especialmente por Carlos Drummond de Andrade: A menina disse coisas/ de causar estremeção?/ Pois a voz de uma garota/ abala a revolução?

A jovem Nara se posicionava sem freios, e não raro a fogueira verbal era instrumentalizada mercadologicamente pela imprensa. Cabral relata o fogo cruzado com Elis Regina, produzido com a cumplicidade de ambas para a série "as grandes rivalidades", da revista Manchete. "Ela começou gradativamente a trair cada movimento do qual participava", disparava Elis, indignada com suposta conversão da "rival" ao iê-iê-iê. "Essa agressividade pueril e desequilibrada não é interessante para nenhuma de nós", Nara contra-atacava. Na foto, apareciam juntas e sorridentes.

O que Elis interpretava como "traição" é o que hoje identifica Nara como uma vanguardista desde a origem. Em conseqüência, foi por vezes ignorada, por outras combatida. "A vida inteira enfrentou vigias intelectuais, de direita e de esquerda", diz Fraga. "Ela mesma me dizia: 'Canto muito bem!'", lembra a sobrinha artista plástica Pinky Wainer, ciente de que criticar o canto pequeno de Nara foi por algum tempo um esporte popular.

Talvez por desamor à unanimidade e ao lugar comum nacionalista, a jovem Nara elogiava os Beatles, cantava Rolling Stones na Record (está no YouTube), passeava com o jovem-guardista Jerry Adriani e se casava com o cinema-novista Cacá Diegues. Em breve, desnortearia Elis, Edu Lobo e cia. ao se alistar não à turma do iê-iê-iê, mas da tropicália. Artista plástica ocasional e quase-atriz nos espetáculos de esquerda Opinião e Liberdade, Liberdade, aderiu ao movimento em 1968, com um elogio musical à "Gioconda do subúrbio" Lindonéia. O arranjo era do maestro erudito Rogério Duprat e a composição, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, sob inspiração de um quadro de Rubens Gerchman, hoje reproduzido nas estampas de Fraga.

Intérprete pioneira dos contemporâneos Chico Buarque, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Sidney Miller, Francis Hime, Torquato Neto e Jards Macalé, Nara faria meia-volta nos anos 70, ora de volta aos clássicos da bossa, ora dedicada a reler Chico, Roberto e Erasmo, ora pesquisando o passado musical nas cantigas de ninar de Meu Primeiro Amor (1975).

Antes de um mergulho final melancólico de volta à bossa (em discos feitos para o mercado japonês), apadrinhou Fagner e apresentou novos autores nortistas, nordestinos e sulistas. "Chegou a fazer uma seleção de músicas indígenas, mas (o produtor e amigo da vida inteira) Roberto Menescal a convenceu a não gravar", diz o "narólogo" Fraga.

Inspirada por Nara, Fernanda Takai percorre hoje a contramão da contramão para homenageá-la. "Prefiro fazer boa música pop que fazer samba torto, mal tocado, sem suingue", justifica.

Quem a traduz é Nelson Motta, que comemora o fato de o CD ter sido gravado "distraidamente": "O mais bacana é que, tendo formação de pop-rock anglo-americano, Fernanda e John não sabem fazer samba, bossa, choros, baiões, os ritmos de Nara. Em vez de ficar uma sub-bossa com uma sub-Nara, são versões pop arrojadas".

Ele concorda que Chico Buarque talvez estranhe a (per)versão de Com Açúcar, com Afeto: "Mas, pode não parecer, ele é um cara mais aberto musicalmente do que se pensa. Gosta de rap, é um bom rapper potencial. E me atrevo a dizer que Nara, que era abertíssima, gostaria muito de algumas coisas, de outras nem tanto, mas ficaria amicíssima de Fernanda".

Se Takai estará na moda ou não em 2008, não se sabe, mas desde já a discípula distraída pisa o jardim da vanguarda e da afronta ao lugar comum, onde Nara sempre morou.


O "SÍNDICO" DO BRASIL
Um livro revela as brigas do trovejante Tim Maia com os parceiros e os fãs

Nelson Motta é o ponto de ligação entre a reavaliação de Nara Leão e a de um oposto quase simétrico da cantora, o trovejante Tim Maia (1942-1998). Além de orientar o disco de Fernanda Takai, ele é autor da recém-lançada biografia Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia (Objetiva, 392 págs., 50 reais), que diz ter vendido os primeiros 40 mil exemplares prensados em menos de um mês.

A boa aceitação parece refletir a popularidade de que o soul man à brasileira continua a desfrutar, à revelia das características "negativas"
que expressava publicamente, sem restrições nem controle.

Motta ilustra o fenômeno com um exemplo da fase de refluxo dos ápices artísticos de Primavera (1971), Gostava Tanto de Você (1973) e Sossego
(1979): "Em 1993, Tim fez diversos comerciais de big anunciantes, tipo Petrobrás, bombons Garoto, Banco Nacional, Cartão Sollo e Antarctica. Apesar de ter uma imagem pública capaz de queimar o filme de qualquer produto, sempre envolvido com drogas, brigas, processos e excessos, as pesquisas das agências mostravam que sua popularidade era absoluta da classe A à Z, em todas as faixas etárias".

Escrita por vezes de modo displicente e pouco preciso em relação a datas, a biografia avança surpreendentemente no relato da precariedade emocional de Tim, quase sempre tratada de modo folclórico e reducionista. O autor relata situações de desamparo (como a "fuga" para os EUA, aos 16 anos, e prisões lá e cá) e dá pistas de que, atrás do clichê do "irresponsável" que não comparecia aos shows, havia uma personalidade em guerra constante consigo mesmo e, conseqüentemente, com colegas, banda, técnicos de som, mídia e mesmo a platéia.

Não precisava muito para que, fora de controle, abandonasse o palco depois de xingar espectadores de "piranha", "corno", "mocréia". Sabotava-se o tempo todo, mas os shows, ironicamente, alternavam-se entre esvaziados e lotados. Mais que afrontar e ofender interlocutores, parecia entrar em contato com os humores mais sombrios de empregadores, colegas de trabalho, anunciantes e fãs, que por sua vez oscilavam entre se assustar e se reaproximar.

Sem querer, Tim fazia das agruras uma espécie explosiva de marketing ao avesso, que somava a um apego constante por souls, funks e baladões melosos de forte poder comunicativo.

Embora o tema dos atritos entre ídolos e suas cortes costume ser tratado como tabu, Motta opina que não era prerrogativa exclusiva de Tim. "Renato Russo tambem adorava 'discutir a relação' com a platéia. Angela Ro Ro, Lobão, Cazuza, Raul Seixas, Marcelo D2, Seu Jorge, Luiz Melodia... Que time, hein? Por outro lado, quando Tim queria ser simpático, caloroso, sedutor, era irresistível. Qualquer um fazia o que ele queria. Tinha um carisma avassalador".

E cita de novo a diversão que brotava de alegrias e pesares de Tim. "Fui amigo e fã desde que o conheci, como músico e como meu personagem favorito. Todo mundo sempre amou histórias e lendas de Tim Maia. Ivan Lins fazia coleção de 'causos'. Durante anos me diverti imitando-o, especializei-me a ponto de passar trotes com a voz dele."

A revisão biográfica evidencia que, no grande circo chamado MPB, Tim foi um dos "palhaços" mais talentosos. E não escamoteia que, como convém a tal personagem, havia muita dor e tristeza escondidas por trás das gargalhadas e da maquiagem. – PAS


PLÁCIDO VAMPIRO
Arnaldo Antunes tenta driblar regras da indústria

POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

O cenário e a filmagem em preto-e-branco fazem pensar o tempo todo no expressionismo alemão. Parece que O Vampiro de Dusseldorf passará encostado na parede ao fundo a qualquer momento. Mas, no centro do palco minúsculo, um cantor de voz grave entoa interpretações contidas, sob arranjos essencialmente delicados. O contraste entre expressionismo visual e impressionismo musical se repete em várias frentes.

O paulista Arnaldo Antunes elege o paradoxo como protagonista do primeiro DVD e CD ao vivo que cria, o que pode ser percebido desde o título, Ao Vivo no Estúdio (Biscoito Fino). O show acontece num ambiente aparentemente sombrio, tipo porão, diante de um público de cerca de 50 pessoas, todo mundo sentado no chão do minúsculo espaço que é ao mesmo tempo platéia e palco. Em certas cenas, flagram-se os técnicos de gravação do lado de cá do vidro, Arnaldo lá no fundo, qual vampiro paulistano ou peixe expressionista num aquário de placidez. "É como se o estúdio fosse uma caixinha de músico", sintetiza, arredio a maiores elucubrações, o músico e poeta.

Os contrastes se espalham por entre músicos e convidados, que vão dos roqueiros ex-colegas do grupo Titãs (Nando Reis e Branco Mello) aos parceiros hippies "tribalistas" (Marisa Monte e Carlinhos Brown). No trio que o acompanha, sobressai Marcelo Janeci, que faz da sanfona quase um co-protagonista da gravação. No Brasil, o instrumento ficou identificado com o baião de Luiz Gonzaga e foi proscrito da música dita "sofisticada" pela geração bossa nova. "João Donato e Gilberto Gil começaram tocando sanfona", ele lembra, mas admite que os foles em primeiro plano soam como uma “novidade” no contexto da banda e do trabalho.

Arnaldo oscila no paradoxo, ora fazendo da sanfona veículo de alta sofisticação (como em Luzes, do poeta paranaense Paulo Leminski, levada como num tango de Astor Piazzolla), ora usando-a para traduzir rock denso em leve quadrilha junina (em O Silêncio).

A série de contrastes se consolida, enfim, no balé entre redundâncias e inovações ao qual o artista demorara a se entregar, desta época de transição entre música gravada em CD, música para ver em DVD e o futuro de formato ainda indefinido. Ao Vivo no Estúdio é projeto retrospectivo feito sob medida para atender às convenções do DVD, mas sai pela tangente da redundância ao inserir a sanfona como elemento de corte, ao transformar os arranjos de modo marcante, ao adotar o paradoxo de ser gravado "ao vivo" "no estúdio" (em geral, os dois clichês são tidos como incompatíveis no jargão musical).

Pelo que diz, quase parece um trabalho inédito. Sem ser. Pelo que deixa de dizer, nem parece preocupado em ajudar na solução de impasses da indústria musical. Mas quem sabe?

terça-feira, dezembro 04, 2007

acender as velas já é profissão?...

da "carta capital" 472, de 28 de novembro de 2007.

O APAGÃO FONOGRÁFICO
O preço do CD desaba e a indústria busca sobrevida na isenção de impostos


POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES

Durante anos, a indústria produtora de discos se queixou do avanço da pirataria, enquanto afirmava repetidamente que não tinha condições de reduzir preços para tentar fazer frente à "concorrência desleal" da internet, dos camelôs e do crime organizado. A pirataria nunca parou de aumentar. Nem o mercado oficial de encolher. Neste 2007, quando gravadoras vivem uma espécie de "apagão" e a sensação compartilhada por produtores, artistas e consumidores é de que o formato CD está prestes a se desintegrar, a indústria fonográfica contradiz os antigos argumentos e protagoniza uma redução inédita e generalizada de preços para tentar se salvar do naufrágio.

A multinacional Warner, por exemplo, retirou do baú a quantidade fabulosa de 1.200 títulos em CD e DVD, de nomes outrora comercialmente preciosos como Frank Sinatra, Madonna, Gilberto Gil e Red Hot Chili Peppers, e os jogou no mercado por preços que chegam a 20, 18 e 16 reais. Até outro dia, era raro encontrar em lojas regulares os mesmos títulos por preços inferiores a 35 ou 40 reais. A gravadora EMI afirma que há muito não segue curvas de inflação e que, só neste ano, reduziu os preços em 20%.

Na ponta dos lojistas, a rede Fnac detecta uma queda média de 13% nos preços dos CDs e de 25% nos de DVDs musicais, segundo o diretor comercial Benjamin Dubost. “Há um movimento grande de redução nas gravadoras, e nós a repassamos 100% ao consumidor”, afirma. A rede vende discos recém-lançados por 23 reais, algo inimaginável até há pouco tempo.

O fenômeno tende a se intensificar no futuro próximo, se for aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 98 de 2007, apresentada pelo deputado federal Otavio Leite (PSDB-RJ) e co-assinada por um pool pluripartidário de 15 parlamentares, da oposição e da situação. Em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Congresso Nacional, a PEC pretende isentar de qualquer tributação a produção musical brasileira, a exemplo do que a Constituição de 1946 estipulou para livros, jornais e periódicos.

"Comprar um CD por 30 pratas? Não dá. Se a emenda for aprovada, os CDs poderão ser oferecidos ao público por 12 a 13 reais", calcula o deputado Leite, que adota retórica de preservação da cultura nacional para fundamentar a proposta. A emenda encontra apoio uníssono em setores em geral divergentes da cadeia produtiva musical, como gravadoras multinacionais, selos independentes e até mesmo defensores das novas tecnologias.

A Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), que congrega as multinacionais e a Som Livre (da Globo), ajudou a municiar o texto da PEC com dados e afirmações incomumente explícitas, como as de que "o mercado brasileiro de música gravada está em queda livre" e "somente nos dois primeiros meses deste ano tiveram suas vendas depreciadas em 49% abaixo do mesmo período do ano passado".

Em termos mais diretos, a decadente indústria de discos busca tábuas de salvação na redução de preços e na isenção de impostos, contra uma realidade que prova o encerramento do ciclo em que os discos, fossem de vinil, CD ou DVD, eram o suporte essencial e indispensável para a disseminação da música.

"Os preços vêm caindo nos últimos anos por um conjunto de razões, que são as mesmas que causam mudanças significativas no 'business' com música gravada", afirma o presidente da ABPD, Paulo Rosa. "Os motivos que a meu ver mais se destacam são a pirataria física e on line e o fato de haver muito mais concorrência com outras mídias e produtos de entretenimento em disputa pelo orçamento do consumidor", diz, em referência a um mundo novo em que a música se espalha velozmente por internet, celular, iPod, iPhone e "novidades" tecnológicas que surgem a cada dia.

A reivindicação de isenção é antiga, mas ironicamente a atitude pró-ativa de agora não partiu das multinacionais, e sim da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), cujo presidente, Carlos de Andrade, é um dos líderes da mobilização. "Para nós, a aprovação da emenda é urgentíssima, porque a indústria está morrendo, definhando. Trabalhamos numa indústria linda, maravilhosa, que nos últimos anos virou quase uma alça de caixão", diz Andrade, do topo do setor independente, que foi em geral colateral à grande indústria, mas conquistou importância na conjuntura de declínio das "grandes" gravadoras.

No front oposto ao da indústria tradicional, manifesta-se o advogado Ronaldo Lemos, da Fundação Getúlio Vargas, que propaga no Brasil a filosofia dos Creative Commons, que pregam a flexibilização dos direitos autorais e a convivência do antigo conceito de "propriedade intelectual" com o de "generosidade intelectual". "Como me disse Chris Anderson, editor da revista Wired, tem se propagado uma idéia falsa de que exista uma crise na indústria musical. Não existe. O licenciamento de fonogramas só aumenta, assim como a venda digital, de ringtones de celular e de aparelhos de MP3 e iPod. O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) cresce astronomicamente. A única coisa que está caindo é a venda de CDs", afirma.

O "apagão", em síntese, seria da indústria, e não da música. E mesmo a queda de vendas de CDs está sujeita a oscilações. O resultado da política de rebaixamento de preços, segundo o diretor comercial da Fnac, é um acréscimo de 11% em peças vendidas pela rede nos dez primeiros meses de 2007, em relação a 2006.

Na Warner, o diretor comercial Adriano Papa descreve os resultados práticos de sua extensa série mid-price: "Um disco dos Bee Gees, que normalmente venderia mil cópias, pela metade do preço vendeu 20 mil".

A Universal comemora o "sucesso" da série Music Pack, que reempacota lançamentos mais ou menos recentes num formato simplificado, de caixinhas toscas de papelão e sem encarte, com preços sugeridos de 10,90 reais (para títulos nacionais), 12,90 (estrangeiros) e 19,90 (DVDs). Em sintonia incipiente com o novo mundo, os encartes e letras são oferecidos para download gratuito no site oficial.

O presidente local, José Antonio Eboli, afirma que a gravadora vendeu 120 mil cópias da série no mês de lançamento (julho) e agora lança nova leva de 400 mil exemplares. São números em nada parecidos aos mais de 100 milhões de exemplares vendidos até hoje de um dos discos mais populares da história, Thriller (1982), de Michael Jackson, mas suficientes para animar gravadoras em queda livre.

"Foi um choque para mim quando vi que 30% do espaço da Virgin (tradicional rede de lojas de CDs) de Nova York está ocupado por mochilas, camisetas e outros artigos. Precisamos baixar os preços para competir com a pirataria", Eboli verbaliza a constatação que corrói a indústria desde ao menos 1997.

Os projetos tipo bóia da salvação rendem-se, tardiamente, à evidência de que as caixinhas de plástico com um disco laser dentro perderam dramaticamente o valor diante da desmaterialização proporcionada pela circulação via internet.

O longo hiato até que as gravadoras mudassem de comportamento corresponde ao tempo em que os ditos consumidores se acostumaram a consumir (quase sempre ilegalmente) música barata (nos camelôs) ou gratuita (por downloads feitos à revelia dos direitos autorais). Agora, trava-se corrida desesperada atrás dos prejuízos, num cenário que o presidente da ABMI apelida humoradamente de "apagão aerofonográfico".

"Antes, a indústria fazia o avião da música decolar. Hoje não consegue nem pegar o avião no ar", compara. Andrade cita um exemplo: "Hoje não existe mais CGC de loja de discos, e sim de livraria, loja de artigos para bebê e de produtos naturais que vendem discos. A indústria perdeu a permeabilidade pela falta de pontos de venda, que nós precisamos restaurar. Sem cano no Nordeste, a água não chega ao Nordeste".

Ele se refere ao fato de que a indústria fonográfica perdeu quase integralmente para a pirataria o mercado nordestino, justamente o que hoje apresenta o crescimento econômico mais acelerado no País. Segundo Eboli, em média 47% dos produtos da Universal são vendidos só no estado de São Paulo. "O Nordeste a gente perdeu. Antigamente, só na Bahia eram vendidos 100 mil exemplares de cada disco de Roberto Carlos, hoje a indústria não investe mais lá", lamenta Eboli.

O presidente da EMI, Marcelo Castello Branco, fala de uma redução real de preços de cerca de 50% em relação a cinco anos atrás. De fato, as lojas estão apinhadas de CDs de Rolling Stones e Marisa Monte, na faixa de 20 reais. E ele justifica a concretização do que antes era tido como irrealizável: "Tivemos de fazer sacrifícios muito severos. Reduzimos custo com pessoal, renegociamos contratos com artistas. Achávamos que o consumidor ia constatar há mais tempo a redução, mas agora, finalmente, ele constatou".

Por ora, não é possível inferir uma reaproximação entre as gravadoras e a sociedade. As atitudes da indústria são percebidas com desconfiança e incompreensão por lojistas ditos pequenos, aqueles poucos que mantêm a empreitada de alimentar colecionadores, DJs e outros nichos de público que ainda compram discos.

"Se for para comprar essas caixinhas da Universal, prefiro abrir uma loja de MP3", ironiza Luiz Calanca, dono da loja e selo Baratos Afins, reduto resistente de venda não só de CDs, mas dos antigos LPs de vinil. "Nunca tive nem vou ter, assim como DVDs da Warner, que saem mais caros para mim que os importados."

Ele diz que se deterioraram as relações entre lojistas e vendedores de gravadoras: "Não nos atendem, não têm mais vendedores, mandam toneladas de listas de promoções por e-mail e quando pedimos respondem que os títulos não estão disponíveis".

Calanca diz que as independentes não ficam atrás, e cita a Biscoito Fino e o disco Carioca, de Chico Buarque: "Lançaram em formato de luxo, por 50 reais. Ninguém vendeu nada e estão oferecendo por 25 reais. Eu morro de vergonha do meu cliente que comprou por 50 no lançamento. Não roubo, não vendo pirata e sempre fico tachado como ladrão".

Ciente de que "estamos com os dias contados", ele busca alternativas para aquecer o movimento na chamada Galeria do Rock, no centro de São Paulo, onde fica a Baratos Afins. Capitaneou o bem-humorado Galeria Fashion Rock, um desfile de moda roqueira com modelos fora dos padrões ditados pela São Paulo Fashion Week e congêneres. "Sou dono dos meus imóveis, não quero ver a galeria ir à bancarrota", justifica. "A galeria está mudando, tudo vira loja de tatuagem, piercing ou roupa."

A constatação condiz com uma observação de Andrade, da ABMI, sobre o encolhimento da indústria fonográfica: "Perdemos 45 mil posições de empregos de 2000 para cá. Onde foram parar? Em outras indústrias ou na informalidade".

"A molecada não compra CD nem pintado de ouro", generaliza Joel Valc, dono da loja paulistana Compact Blue, uma das poucas que ainda se dedicam à importação. Também ali a queda de preços é pronunciada, mas a razão principal é a queda do dólar. Discos ditos "raros", que há um ano custariam 80 reais, hoje se encontram facilmente por 40 reais ou menos.

"Sobrevivo graças a colecionadores que ainda fazem questão de ter CDs, capas, encartes. Gravadora trabalha com discos de novela ou de Zeca Pagodinho, e esses não vendem nem de graça. Hoje nem camelô quer mais CD. Eles sabem que se encontra qualquer coisa na internet, passaram a vender só DVD e MP3", completa Valc.

A redução de preços recebe críticas pontuais, como a do presidente da ABMI: "Vender Elis Regina por 6 reais é dilapidação do patrimônio cultural". A idéia de que a isenção de impostos vá solucionar os problemas da indústria parece improvável, mas Andrade sustenta que resolveria muitos impasses, principalmente porque revitalizaria os canais de venda, pela isenção de ICMS, por exemplo.

Curiosamente, a proposta encontra apoio até entre militantes das novas tecnologias. Para Ronaldo Lemos, a eventual aprovação da imunidade teria impacto sobre indústrias periféricas como o funk carioca e o tecnobrega, hoje mergulhadas na marginalidade. "Há redes informais que distribuem CDs ilegalmente pelo país inteiro. Sem a obrigação de recolher ICMS, elas sairiam da marginalidade", diz.

Ele observa que a redação da PEC não restringe a isenção a discos físicos, mas a estende a toda a cadeia produtiva, de aluguel de estúdio e pagamentos a músicos e a arquivos digitais que transportem música virtualmente. "O positivo é que a imunidade avança para o mundo digital", afirma.

A indústria "tradicional" demonstra não ignorar a porta que estaria se abrindo para a virtualidade e as periferias, até hoje vistas predominantemente como inimigas. "A imunidade tributária pode equalizar a sociedade, dar um sentido de legalidade, por exemplo, ao funk carioca, que é um movimento sócio-cultural dos mais legítimos. Se eliminamos as barreiras tributárias, ele automaticamente se integra à formalidade", diz Andrade, dono da gravadora de perfil erudito Visom.

Mas o projeto não encontraria frentes de resistência, junto a quem deixará de recolher, por exemplo? "A pirataria não paga imposto. Há hordas de piratas vendendo CDs nas alamedas dos ministérios em Brasília. Nada mais justo que o governo me devolva o dinheiro que pago para ele fazer o tipo de serviço que faz, não?", Andrade responde de pronto.

Lemos mira a questão de outro ângulo: "Os tributos aplicados a CDs e conteúdos musicais são impostos em cascata. Incidem em todos os pontos da cadeia e são repassados ao consumidor final. É ele quem paga, não a gravadora".

Chega-se, por fim, à questão sobre se, uma vez conquistada a imunidade, ela seria mesmo repassada ao consumidor, e não incorporada pela indústria. No setor livreiro, por exemplo, o benefício se diluiu em políticas de preços que não são percebidos como baixos pelo consumidor. O presidente da ABMI defende a PEC sob esse ângulo: "A idéia não é nos locupletarmos de uma isenção, mas transformar um fomento em alicerce de reconstrução. A gente sabe que terá necessariamente que diminuir o valor dos discos, restaurar uma malha de distribuição. Baixar os preços é uma necessidade".

Palavras-chave como redução e isenção podem dar sobrevida ao ramo fonográfico, mas dificilmente solucionariam a percepção crescente na população, de que se trata um bem público à disposição no ar e no cyber-espaço, não necessariamente dependente de suportes físicos.

"O que se pode pensar que vai acontecer é a mudança da noção de música como mercadoria para serviço. As gravadoras já discutem o assunto aqui e ali, de que os consumidores venham a pagar por música não mais como produto, mas como serviço público, como água, luz ou gás", afirma Lemos.

De fato, uma pilha de CDs ou um disquinho "oficial" com 14 músicas simplesmente deixam de fazer sentido, diante do fato avassalador de que hoje se pode reunir toda a discografia de Elis Regina ou de Bob Dylan em um ou poucos CDs de MP3 (formato até hoje não adotado pelas grandes gravadoras), ou num minúsculo iPod. Se as antigas gravadoras quiserem sobreviver ao apagão que ajudaram a inventar, terão de encarar que a música inevitavelmente se parecerá cada vez menos com um CD e cada vez mais com água saindo da torneira, de acordo com o comando do consumidor.