psiu. tá na folga letárgica aí, viajandão, pleno feriadão? tá na praia, na montanha, tá descansando da marcha evangélica, esquentando os tamborins para a parada da diversidade sexual? então que tal um pouquinho de literatura de geração espontânea, brotada da fala coloquial do brasileiro "médio"? paratodos, nesses momentos verdes-azuis-amarelos de sandálias havaianas no dedo, tome a fala suingada de seu jorge, cidadão de deus, cidadão do rio de janeiro, cidadão das ruas e cidadão do mundo nascido em 8 de julho de 1970, dez mil anos atrás.
vai aí a quase-íntegra da entrevista que ele concedeu à "carta capital" e a este repórter, em sua casa paulistana (que também é estúdio de ensaios e a produtora cafuné), entre pilhas de discos de vinil de gente bacana de z a a, como vicente celestino, roberto carlos, raul seixas, paulinho da viola, miles davis, michael jackson, martinho da vila, joyce, a trilha sonora de "gabriela", ella fitzgerald, ednardo, a trilha sonora de "o casarão", clementina de jesus, clara nunes, bob dylan, outros muitos...). ah, mas não se esqueça de que o presente de que fala seu jorge é a virada fevereiro-março de 2006, quando a entrevista aconteceu, ok?
(mas, puxa, e a aracruz, hein, psit?)
pedro alexandre sanches - o que você anda fazendo?
seu jorge - outro dia foi
cesaria evora que ligou aqui e perguntou se eu queria fazer uns shows com ela, abrindo para ela. falei "cara!, minha senhora, fico honrado em fazer qualquer coisa com a senhora". vou viajar com ela no
ônibus, é
brasil-cabo verde, uma relação muito importante. de certa forma eu sempre quis isso, me aproximar da
áfrica, ou de africano ou de artista africano, para eu me entender melhor, sabe? eu nunca tive muita
informação sobre os africanos no brasil, o pouco que eu sei é aquilo corriqueiro. e é superimportante, não para se defender uma
questão negra no
brasil, mas por curiosidade histórica mesmo, para saber como se deu esse
processo, saber por que há uma
linha politizada do
negro africano no mundo, e no brasil é diferente. que influência
positiva e
negativa isso pode ter para nós? todas essas coisas parecem nada, mas numa turnê de três ou quatro dias, trocando idéias, se pode conversar sobre isso.
pas - quando será essa turnê? vai acontecer no brasil também?
sj - é agora em março. mas, não, vamos tocar só nos
estados unidos. nova york, los angeles, san francisco. aí começa o ano, loucura de agenda, concerto para caramba nos estados unidos. a
europa vai estar bagunçada e badalada com
copa do mundo, aí todo mundo vai para lá e eu vou para cá [
ri]. são uns 25 concertos, vou tocar com
radiohead, com a maior galera legal. chego de volta no dia da final da copa.
a primeira turnê que fiz nos EUA foi de 19 shows em 22 dias. ou seja, você canta todos os dias. foi um sucesso, tudo "sold out", 2005 foi um ano muito feliz para mim. andei, fiz relações, conheci
foo fighters, uma turma bacana. mas não é fácil. quando se chega na
frança, no
aeroporto charles de gaulle, para nós está tudo bem, todo mundo nos conhece e tal. mas se vai para outro terminal que não é o a gente sempre chega... se chega na
inglaterra,
suíça, ou em terminal de
trem, já passa por uma burocracia rigorosa. as pessoas acham o maior barato ir para a europa, mas quando você utiliza o aeroporto como
instrumento do seu trabalho, meu
deus. meu deus. não é fácil. somos cinco na banda, todos brasileiros.
pas - todos
negros?
sj - todos negros. aí tem a equipe, minha equipe francesa, dois técnicos, o tour manage, o assistente dele e o estafeta. Ccega aquela turma com aquele equipamento, eles vêem, principalmente quando voltamos para o brasil, uns vão para são paulo, outros para o rio, outro vai para paris. o cara nos eua vê aquele monte de
crioulo, aquela confusão, aquele montão de bagagem... para resolver o problema, é aquela má vontade. quando descobre que a bagagem está errada começa o
trombone. o
polícia já encosta, já acha esquisito, que neguinho está nervoso e querendo levar não sei o quê. já pára para dar dura, já chama o
cachorro. aí o sargento chama o rintintim, o rintintim cheira a coisa toda. é um desgaste. o cara já fez você perder a história aqui, aí você perde a conexão lá. se perder, só no outro dia. e por aí vai.
pas - a que se deve isso? medo de terrorismo,
racismo, preconceito contra brasileiro?...
sj - terceiro mundo. é terceiro mundo. é
preconceito contra pobre. é um
misto de tudo. mas se você tem uma cara de quem não comeu bem, de quem não dormiu bem, de quem teve problema..., você é
problema, independente de ter superado o problema. você é um problema. o gringo fica com medo, cara. você cruza com um cara na rua, se não estiver alinhado a uma
imagem que ele está habituado a ver... em alguns lugares não dá certo, vou falando por experiência própria. na
itália [
onde filmou "a vida marinha com steve zissou", de wes anderson] não deu certo. tentei de tudo: me vestir como eles, falar italiano, até fiquei
almofadinha lá. não rola. era posto para fora, não entrava no restaurante. sozinho era isso. quando ia com minha mulher [
mariana, que é branca], mais outro casal, chegava lá, cheio de mesa vazia, o cara falava "está tudo reservado". a gente sabia.
pas - qual é sua atitude quando acontece isso?
sj - o moral cai, dá aquela caída. dá a
abaixada na cabeça, retira e sai. volta para
casa, pelo menos em casa só tem gente boa com você, o
violão. toda vez
prestar queixa não dá.
pas - quantas vezes você já prestou queixa?
sj - tentei, tentei muito prestar queixa, mas nunca consegui. a polícia sempre
acoberta a situação, porque é uma situação que acontece todos os dias. todos os negros lá vão reclamar. então eu era mais um. "você é estrangeiro? ah, então não é esta delegacia." tem que ir numa delegacia com um cara lá que fala português para ele poder bater a
ocorrência. tá certo, você vai lá, "não é aqui". eles ficam acobertando. "Mas o que é?" foi um problema de racismo, o cara fala "mais um, quanto custa"... então eu peguei um bode da itália.
pas - tentar dá sempre a sensação de que não vai adiantar?
sj - não vão nunca resolver nada. não tenho mais reserva com relação a isso porque já sei. quando estava dentro dos poderes da
cinecittà, cercado ali pelo
walt disney e pelos atores, aí é maravilhoso. aí é coisa de
hollywood. aliás, eu só estava lá por isso, porque se eu fosse um câmera ou um fotógrafo eu não trabalharia lá nunca. não tem um negro, não tem
faxineiro. é tipo um
projac enorme, você chega lá e tem cartaz de "ben-hur", filmes incríveis que foram feitos naquele lugar. e eu estava trabalhando naquela coisa.
para não dizer que não tem negro, tem um ou outro, como o james, que é
motorista, já trabalha lá dentro há 20 anos, é de
gana, a mulher negra, as crianças negras italianas. e tem o omar, que é cubano, a situação dele é pior, se voltar para
cuba fica agarrado. fico pensando naquelas crianças na
escola, bicho. a juventude lá diz que é racista mesmo. fizeram uma pesquisa e descobriram que o racismo existe, que há um bando de adolescente racista.
pas - você já foi a cuba?
sj - nunca. nem imagino como é a
lei lá. sempre procuro saber como é a lei de cada lugar para não chegar lá e dar
gafe. vai que você chega e é proibido cigarro, pena de morte com pisada de elefante [
ri]. você tem que estar sabendo. não teve aquela modelo linda que foi para a prisão perpétua porque acharam uma prancha de surfe cheia de
bagulho?
pas - como é isso aqui no Brasil, quando você está se deslocando dentro do país?
sj - ótimo. tranqüilo.
pas - porque você é conhecido, ou por quais razões?
sj - lá fora é um trânsito muito grande de gente. e tem a questão do terrorismo, que é muito delicada. estávamos eu e mariana na
inglaterra quando estourou a
bomba. a gente estava num hotel bacana,
o bom e o melhor, até que acordou com muito barulho de sirenes. ligamos a televisão, era
metrô parado, o
celular da gente cortado, inteiramente incomunicável.
esse show que fui fazer lá não tinha nada a ver com a estratégia da
turnê ou de
gravadora. ligaram aqui na
cafuné e falaram que queriam. foi quando falei que só voltava à inglaterra à la
joão gilberto. fizeram uma
estupidez comigo, falei que não botava mais meu pé lá nem fodendo, nunca mais. "não, não, por favor." vai pagar todo mundo por causa de uma estupidez, vocês não são
primeiro mundo?, o que é isso? vão ser estúpidos, o cacete. só volto na condição de joão gilberto, o mitão de tudo. aí eles armaram tudo lá e eu voltei.
quando acordei tinha caído a bomba. íamos para a frança e para a
holanda nos dias seguintes, resolvemos ficar, eles cortaram o celular, achavam que era o celular. com coisa de terrorismo eles são muito minunciosos. o cara vem com uma luva, se achou que tem um polenzinho ali na minha bolsa, coloca dentro de uma máquina e espera o resultado. aquilo vai dizer se tem algum componente, até
droga acha. mas lá, basicamente, eles estão procurando
explosivo, coisas assim.
e os caras não têm muita paciência, porque é o trabalho deles, e as pessoas às vezes não recebem muito bem. como para mim ficou um hábito andar no aeroporto, para mim está tudo certo, estou acostumado, faz parte, eu facilito mais a minha vida quando colaboro com os caras. aí eles não me pegam muito, não seguram muito meus horários. na bagagem do povo passante, senhor e senhora
de idade, é todo mundo
suspeito, não tem essa história de ser velhinho. acham absurdo ter que tirar sapato e cinto de senhora, ficar de pé no chão, ficam putos, nego está chegando no país pela primeira vez e levando aquele
balão. de cada dez, os caras vão pegar um para tomar uma
dura, e os caras ficam escolhendo. geralmente são os negros, os
árabes, os
albaneses, pessoal da
polônia,
rússia,
países nórdicos onde a
prostituição é muito grande.
pas - quem parece
latino-americano entra nessa também?
sj - pessoal da
américa do sul, geralmente as pessoas mais
humildes do aeroporto. outro dia tinha um cheiro de urina horrível na fila de um vôo que ia para a áfrica, uma senhora deve ter passado mal. ninguém fazia nada, por quê? porque eram os
pretos. deixa assim, quando acabar a gente vai e limpa, mas enquanto estiverem aí deixa assim para mostrar quem eles são. rola esse tipo de pensamento, é uma
maldade isso. o aeroporto é para todos, mas não ali.
pas - por suas descrições, aeroporto é então um lugar de discriminação pesada?
sj - é, porque não tem muito por onde correr também. eles não têm como não fazer, são mil pessoas passando toda hora ali. fico olhando o aeroporto, porque passo a maior parte do tempo e tenho que entender alguma coisa, como funciona essa coisa? alguns são
shopping centers, você encontra tudo, tudo bacana, restaurantes legais. ao mesmo tempo a gente arrisca a vida, né?, são 12 horas pegando essa
lagoa, esse
atlântico. é muito vôo, teve mês que fui quatro vezes, 12 horas para cá, 12 horas para lá... vai lá, passa dois dias e volta. fui lá às vezes para fazer só isso que estou fazendo com você, uma
entrevista. "é uma televisão superimportante, não pode faltar." o cara manda a porra toda, para fazer um programa de
televisão. a coisa com a
mídia lá é diferente.
pas - você costuma dizer que trabalha para não precisar andar de ônibus, por causa da discriminação que sofre ao entrar num ônibus no brasil. não é um pouco parecido, em outra escala, com o que você está contando?
sj - depende da situação. tem situações em que nós somos a
alegria do ponto de ônibus. a gente tem um
humor diferente, se é de dia a gente puxa um
cavaquinho, canta, o povo já gosta. quando você está mais à vontade em
avião, o pessoal da
gravata olha meio esquisito para a gente, [
faz muxoxo] "essa gente", "esses artistas", "esses bagunceiros".
pas - mas você está passível de sofrer discriminação num ônibus no rio de janeiro ou num aeroporto na europa. é sem escapatória?
sj - tem que ser preto para saber [
ri]. ou
nordestino, ou
homossexual... tem que fazer parte de alguma
minoria para entender como essa minoria se transforma em
maioria sofrendo. na hora do
sofrimento a minoria se transforma em maioria. e aí, o que mais me deixa chateado não é o fato de as pessoas não estarem nem aí mais para nossas reclamações.
o que me deixa chateado é ainda continuar o mesmo discurso de dizer que o preconceito é paranóia que está na nossa cabeça, na cabeça do negro. como, se fomos nós que fomos para o
tronco? como, se fomos nós que depois de passar a
escravidão ficamos aqui
desempregados, porque nego preferiu dar emprego para os italianos e não dar para a gente? "como vou dar emprego para esse cara? eu não pagava ele, ele trabalhava para mim
de graça, eu vou pagar esse
filho da
puta por causa de quê?
porra nenhuma."
então aí se deu o processo de
marginalização do
povo brasileiro, que pegou todo mundo: o pessoal da
cidade, o pessoal da
periferia, o pessoal das
campinas, o pessoal das
gerais, todo mundo. pegou o Brasil. é um país enorme, muito difícil de administrar, com problemas institucionais em todas as rodas, e mais a
omissão. a única coisa que me deixa chateado é essa mentalidade implantada não sei por quem, de que o negro é que é
paranóico de achar que todo
branco é racista. não é o branco mais, o problema é que a gente tem uma visão
ariana da coisa. então vai ser o preto que vai dançar, vai ser o branco que gosta de preto, vai ser o homossexual, vai ser a
mãe solteira, vai ser todo mundo, na cabeça dessa pessoa ariana. ariano não é só aquele cara que acha que é
raça pura, não. ariano é aquele cara que acha que a situação dele é diferenciada, que ele é diferenciado perante as demais pessoas do mundo, perante a
sociedade. então eles se
excluem, se reservam a um grupo. quando têm algum tipo de
poder ou
manipulam alguma coisa que é de gênero
coletivo, a coisa desanda mesmo. se é dono de uma
multinacional, ele tende a atrasar muito a vida de muita gente, mesmo que precise dessa gente para fazer sua vida, para serem seus
funcionários. ele não está nem aí para a humanidade, não é preocupação dele.
no brasil não cabe mais isso. o brasil é um país
multirracial, de uma língua própria. a gente não fala mais
português, a gente fala brasileiro. é um país que já deveria batalhar pela unidade de seu povo e sofreu esse baque muito forte, que é
luiz inácio lula da silva e sua comitiva, o
pt, tudo. eu fui uma pessoa que
votou nele e saiu daqui. no começo da minha turnê lá fora, eu falava muito bem desse
governo. acreditava muito nele, "ele vai superar, ele é do
povo, fomos nós que colocamos ele lá, ele perdeu três eleições para ganhar essa". nós mostramos que somos do povo e colocamos lá quem a gente quer. quando chega aqui, o cara, pô, corre
mancomunar com um montão de babaca, de cafajeste. josé dirceu quer voltar a ser deputado, tomara que não consiga, tomara que as pessoas se liguem que esse homem não pode voltar, que não pode ter retorno de jedi para ele.
pas - descontado isso, lula não é tratado do mesmo modo como você é tratado nos aeroportos?
sj - com certeza. eu não atribuo o problema a ele. a única coisa que magoou na situação do lula é que eu senti que ele
não explicou direito para a gente o que aconteceu. depois assisti ele no "fantástico", ele continuou não explicando o que deveria explicar. se eu tivesse uma oportunidade, ia fazer uma pergunta a ele: queria saber quais são realmente os verdadeiros poderes do
presidente da república neste país. na minha cabeça, o presidente de um país não é só um administrador. ele tem lá sua comitiva de técnicos, ministros e secretários. ele é um líder na frente não só de um povo, mas da sua técnica, da sua
nave. ele é o comandante de uma nave. e entendi eu que lula, apesar de continuar sendo um mito vivo, ele tinha uma chance. lula foi colocado em escanteio até onde nem o povo brasileiro não pôde colocar. foi discriminado, sofre coisas que eu sofro e sofri como todo brasileiro que sofre, porque veio de
garanhuns, porque é
pernambucano, porque era
metalúrgico, não fala com um
sotaque agradável a essa
sociedade que não é sócia de ninguém. então ele não poderia personalizar essa sociedade que vende para a gente que ele não seria uma pessoa preparada para estar onde está. mas ele se fez.
eu acho que o que aconteceu em relação a ele, ao governo dele e sobretudo ao partido que ele representa com ilustre biografia é o fato de que 15 anos de desenvolvimento do brasil este ano estão comprometidos pelo fato de a gente não saber quem é que vamos colocar. tinha sido colocado todo mundo e tinham decidido que nunca iam colocar lula. colocado todo mundo, sobrou quem? lula, insistindo em estar lá. a gente foi lá e colocou, agora a gente vai colocar o que e quem? se a gente não pensa no processo de desenvolvimento, tudo pode sambar nesta eleição. a gente precisa contar com quatro gestões bem-sucedidas para que de hoje a 16 anos a gente esteja numa situação diferenciada. muita coisa estará mudando no mundo. a posição econômica no mundo mudou, houve um remanejamento, um deslocamento que configura um novo perfil econômico mundial entre os países pobres.
pas - você não é um representante disso, com a projeção que consegue ter no exterior, que brasileiros como você nunca tiveram até pouco tempo?
sj - é, mas quando eu fiz foi muito natural, e começou aqui na
nossa terra, sabe? se não fosse [
o filme de fernando meirelles e kátia lund] "cidade de deus" - sempre vou frisar isso -, eu não sei.
pas - no passado
cartola e uma infinidade de outros nomes não tiveram isso.
sj - não, nossa senhora. poxa, meu sonho é poder estimular mais isso, meu investimento agora é na
juventude, no
movimento estudantil. todo mundo diz que o movimento estudantil se vende fácil. não acredito nisso. acho que o brasil precisa de mais e novos técnicos. precisa pegar a juventude que está se formando agora. vamos transformar os advogados em juristas, os médicos em bacharéis, em técnicos preparados para
assumir o brasil. é a única escapatória que o brasil tem. a única chance é pegar os recém-formados interessados em tomar o país de uma maneira
pacífica para ser a
renovação política, em todas áreas: jornalismo, música, futebol. em todas as áreas da nossa cultura nós estamos em processo de renovação, de
transferência de poderes. assim é a vida. mas acho que na política não tem, ainda apelam para o
conchavismo antigo, "porque eu fiz parte do governo de não sei quem", "porque eu escrevi a constituição com ulysses guimarães". fica uma protelação, todo mundo segurando sua
aposentadoria por aí. duda mendonça, que vergonha, um
milionário vivendo uma
fantasia de novela da globo, sinceramente. eu, para não ficar chovendo no molhado, estou mais imbuído em gastar meu tempo estimulando os jovens.
pas - nas áreas em que você atua, de música e cinema, também há essas figuras que ficam só segurando sua apostentadoria?
sj - é, ficam segurando a carteira e detendo poder. muitas vezes, lá fora, os caras passam de nossa influência. é uma
luta para explicar à turma lá que minha verdadeira
influência musical é
roberto ribeiro,
bezerra da silva,
jovelina pérola negra,
dona ivone lara. na minha
comunidade era isso, tenho certeza que era assim na comunidade de meninos de
reggae, do
cidade negra. na área do
chico césar, em
catolé do rocha, tocava
jackson do pandeiro, não era
tom jobim. não era, não era, não era.
é claro que todos nós sofremos influência de tom jobim, joão gilberto,
chico buarque [
ele!] e
caetano veloso, todos nós. é uma música que ganhou asas, mas também não é verdade que esses caras vão ver a comunidade tocar. eles fizeram uma música universal, realmente, mas o problema é que chega lá fora e o gringo acha que a música brasileira é a
bossa nova. agora, recentemente, ele tem descoberto que a bossa nova, sim, era uma música de expressão totalmente brasileira feita com muito carinho e amor, mas que o brasil é basicamente um país de música de
raiz, e não de música
sofisticada. essa música sofisticada que aconteceu nos anos 60 fez sucesso nos anos 60 para um público sofisticado nos estados unidos. aí foi ganhando o mundo, porque tinha lá algo correlacionado com a moda da época. fez muito sucesso, mas no circuito carnegie hall, essas coisas
chiques.
pas - são essas razões que o levam a cantar a música "
zé do caroço" [
no álbum "ana-jorge", com ana carolina], de
leci brandão?
sj - olha, leci é uma das poucas
mulheres deste Brasil que não se prestam à
opressão do que ela diz na sua obra. se conhece muito pouco e se investiga muito pouco sobre a obra de leci. essa música é um manifesto do cacete, ela fala de muitos assuntos num só. zé do caroço todo mundo sabe quem é, é aquele cara que
solta caroço para cima mesmo. quando ele avisa no comando de
alto-falante da
favela que "todo mundo para casa", é todo mundo para casa. por outro lado quer dizer que no
morro, na favela, não há
impunidade. vacilou lá, acabou.
pas - aqui há muita impunidade.
sj - aqui no chão tem impunidade demais. é filho de coronel, filho de delegado de polícia, filha de não sei o quê. vai passar batido, vai
furar fila, vai bater de carro, vai fazer pega, vai matar um, vai atropelar outro, mas vai passar batido. acaba provando que maluco foi atropelado porque estava errado. no morro, jamais. se você chegar lá e der um cascudo numa criança que não é sua...
leci fala um pouco desse povo mesmo, que trabalha todo dia, que quer ver a coisa melhor. é o
povão, ! sou meio contra essa coisa do tom jobim. lógico que era brincadeira dele, mas via neguinho reclamando demais, "ah, tá ruim em
madureira? vai para
ipanema" [
tom jobim falava isso, é?]. nem todo mundo que mora em
campo grande quer morar em ipanema. nego só quer campo grande melhor. não é porque ipanema é maneiro que ele quer ir para ipanema. madureira é que tem que ficar bom. é ipanema, madureira, cascadura, vila madalena [
onde ele mora quando está em são paulo], perdizes, todo mundo tem que ficar bom. não é só em
jardins e
morumbi que tem que ser bom. sou meio contra essa maneira de pensar.
acaba que leci vira e mexe está falando [
canta, melancolicamente]: "no serviço de alto-falante/ no
morro do pau da bandeira/ quem avisa é o zé do caroço/ amanhã vai fazer alvoroço/ alertando a favela inteira/ mas como eu queria que fosse em
mangueira/ que existisse outro zé do caroço/ pra falar de uma vez pro senhor/ que carnaval não é esse colosso/ nossa escola é raiz, é madeira". você não precisa fazer a coligação que vocês estão fazendo para fazer o que vocês fazem, entendeu? "mas é morro do pau da bandeira/ de uma
vila isabel verdadeira/ que o zé do caroço trabalha/ que o zé do caroço batalha/ que malha o preço da
feira", está tudo caro, tudo zoado, né? "
e na hora que a televisão brasileira/ destrói" ou "
distrai toda gente com sua novela/ o zé bota a boca no mundo/ ele faz um discurso profundo/ ele quer ver o bem da favela." o resto está tudo certo, só a favela que tem precisa carregar todo o peso...
bicho, o brasil precisa trabalhar, quer serviço. uma babá trabalha de babá, se pintasse trabalho de faxineira ela fazia também. o que aparece, qualquer coisa serve. esse é o brasileiro. se aclimata em qualquer situação. conheci gente na
noruega que saiu do
maranhão há 27 anos, maranhão 40º, noruega 40º abaixo de zero. é outro
eixo. uma senhora que está acostumada a comer farinha vai ter que comer não sei o que lá, é outra viagem. mas está lá mantendo a coisa do brasil. fui cantar lá "
eu sou favela", a mulher chorava e gritava "é o meu país", sentindo falta da comunidade da favela, eu tenho certeza. estava no bem-bom, casada com norueguês velhinho bacana, mas tenho certeza que lá não tem a generosidade da favela. é como diz o
mano brown, a gente pode sair de lá,
a gente sai da favela, mas a favela não sai da gente. não sai, não sai. eu vim da outra divisão, se eu tivesse rebolado a
bunda no
faustão eu teria medo. se eu for no faustão, o show sou eu, não é ele. meu negócio é no palco. nós seguramos a onda da
daslu. eu era isento, hoje me sustento.
é uma rota de colisão.
pas - você se recusa a aparecer na
rede globo?
sj - não, eu vou no
serginho groisman, no
galvão bueno.
me convidem para cantar, não para me divulgar. você vai para dar um depoimento, cantar uma musica, em dez minutos vai tudo por água abaixo: entra o último eliminado do "
big brother brasil". não vou conseguir fazer papel de
bom moço na tevê.
eu não sou católico, sou da macumba. não vou conseguir fazer o
marcelo anthony. tenho
olheira mesmo,
não vou disfarçar.
você vê em novelas a
avenida paulista, mas o
subúrbio é sempre
cenográfico. o
andaraí que os caras inventam é um
mar de rosas. não existe bar da jura. aquele cara [
cacá carvalho] é ator premiado, renomado, mas está fazendo o papel de
jamanta pela segunda vez, está me sacaneando. prefiro me envolver com a
tv da gente do
netinho. são só seis horas de programação, não temos anunciantes.
fiz uma capa para a "
vogue rg", teve problema de
patrocínio, não saiu. no natal mando bicicleta para os sobrinhos, presentes para irmão, pai, mãe, tia que me cuidou, deixo r$ 40 mil no natal, feliz da vida. tenho três irmãos desempregados, o vizinho sabe, "seu irmão não ajuda, não?". vem a mina da "
playboy" e questiona meu
cachê de show, r$ 70 mil. é, e daí, qual é o problema? pago imposto. o baile é esse. tenho meu samba no
na mata, está o maior sucesso, cheio. não tenho
ostentação, a casa não é minha, pago
aluguel. tudo certinho, sou
independente total, somos eu e a mari. vou fazendo outras coisas, um pouco de cinema e de teatro, e a
banda fica parada. são
operários, precisam tocar, preciso dar uma mão. este início do ano foi triste para todos nós. está sendo bom porque tem muito trabalho para a frente, mas virar o ano sem nenhum dinheiro, as contas meio no vermelho, meio preocupado... a gente é um país de
inadimplência, aquele que as contas vencem no dia 5 e a gente só tem dinheiro até o 15, e tem que dar graças a Deus por ter no dia 15, porque tem gente que não tem. e assim vai todo mundo para o buraco.
pas - você está querendo dizer que ninguém questiona o salário de alguém
rico, mas o seu é questionado pelos dois lados? é como se fosse errado você
ganhar bem?
sj - é, exatamente. como se fosse uma afronta pessoal. nessa eu concordo com tom jobim, o sucesso é uma afronta neste país.
pas - qual é sua
crítica ao fato de
chico buarque não cantar na favela?
sj - na minha favela ele nunca foi. chico buarque já tocou no
capão redondo? nunca. como ele quer ser
amado lá? ele é
inteligente, tenho tudo dele, está aqui [
mostra uma caixa de CDs buarquianos]. tenho tudo do cara, respeito, é a obra viva do país. mas na favela nunca tocou, um homem com uma importância dessa. A música dele para o morro ele nunca levou.
pas - é uma reclamação que você está fazendo?
sj - é mesmo, é uma reclamação. um homem dessa grandeza? a música dele é útil demais, "andou na contramão como se fosse...", isso é útil, não é qualquer coisa. vai lá, leva o violão, faz um show no morro. na mangueira ele vai, tá certo, tem que
tirar onda, tem que ter lazer,
carlinhos de jesus, todo protegido, a comunidade é bem. tenho admirado essa aproximação dele com o
samba, porque ele sempre foi
sambista, apesar de ocupar ali a cadeira da
mpb, que, dentro da sua equivalência, parece ser
maior que o samba. a música popular brasileira fica com uma equivalência maior perante o samba.
pas - ninguém chama
zeca pagodinho de gênio do mesmo modo como fazem com chico e caetano.
sj - ninguém. e zeca pagodinho é o nosso
roberto carlos.
pas - nosso de quem?
sj - do
povinho. do povo.
pas - mas roberto carlos também é do povo...
sj - não sei. acho que roberto carlos é mais da
igreja católica. nada contra, mas acho ele mais católico do que do povo. o povo é
macumba, é
evangélico, é
universal do reino de deus. Eu tenho vários do
rei ali [
aponta para as pilhas de vinis]. mas eu falo do quanto chico buarque é útil e deve ser útil. falo sobre
dorival caymmi, a importância que ele tem como utilidade pública.
pas - o fato de chico gravar uma música com
zezé di camargo & luciano não indica uma tentativa de aproximação dele?
sj - acho isso muito bom. todo mundo é um pouco acanhado com Chico Buarque.
pas - você também?
sj - ó, eu não, viu? tenho mais medo do
almir guineto, aí eu fico nervoso. mas é o que estou falando, o cara é monstro, é bamba mesmo. mas ele tem uma
configuração acadêmica, e é legal poder estar junto com zezé di camargo, que é um grande compositor, gênio, na área dele. assim como o samba também sofreu, o
sertanejo, por conta da febre, do "fever", foi muito discriminado, e ainda é. mas eles se organizaram, aglutinou-se todo mundo sem essa coisa de "esse é o artista maior e depois vêm os outros". não, todo mundo era junto, tanto é que eles é que bolaram e juntaram
dinheiro para o programa "
amigos", na televisão. é uma sociedade musical que se organizou, virou industrial, tem suas fazendas, exporta coisas, participa do pib do brasil de uma outra maneira. é uma gente muito inteligente. é luta, eu bato palma para quem luta e chega. não é porque é sertanejo que vamos ficar batendo nos caras, muito pelo contrário. é música honesta, bonita, que mexe com o coração das pessoas. tem muita gente que gama, dorme e acorda apaixonada com essas canções, casa e tem seus filhos com essas canções, depende até da movimentação desse trabalho para sobreviver. é todo um pilar de estrutura que foi a música que fez. antes
tonico & tinoco,
milionário & zé rico eram regionais, não chegavam a ter uma cobertura nacional. sou a favor, assim como sou a favor do
rap, de toda coisa que tem luta,
movimento,
expressão, integridade.
mas é verdade que muita gente monta suas duplas, confunde um pouco as coisas e quer sucesso a todo custo. isso vai acontecer em todas as áreas, inclusive da mpb. não era de esperar a junção de chico e zezé, mas é de esperar que todo mundo malhe a atitude, principalmente do chico. o desqualificado, na visão dessas pessoas, seria o zezé, e não o chico. mas quem sabe, quem pode dizer que chico está qualificado para fazer a praia do zezé? chico mesmo é uma das pessoas que mais sofreram pelo fato de sua voz não ter sido vista no passado como uma voz linda. voz aqui tinha que ser linda, não bastava cantar bem ou afinado. isso é um erro, talvez o brasil esteja deixando de ver isso. olha só como a galera é, né? o cara foi cantar uma música, aí o disco já não pára em pé porque tem um sertanejo no meio. como eu, preto, vou passar batido com uma gente que pensa isso de chico buarque? não vou [
ri].
pas - você diz que Chico nunca foi à sua favela, e como é sua favela, seu lugar de origem?
sj - nunca vi ele na minha favela, fui conhecer ele fora de lá. assim como eu, com muitos outros de favela foi assim, a vida toda. no
rio de janeiro, pelo menos, nunca ouvi dizer que chico botou o pé numa favela para fazer concerto, nem filantropia. a única vez que ouvi falar que ele foi nalguma comunidade foi na mangueira, palácio do samba, que também é
ar-condicionado,
manobrista na porta e coisa e tal, e o carlinhos de jesus lá dando força. é diferente, é toda uma assessoria de um rei, um séquito. o povão continua vendo tevê e vê o quanto chico é importante, mas não sabe da sua verdadeira importância, assim como não conhece teatro. o teatro também nunca foi à favela.
minha comunidade,
gogó da ema, na
baixada fluminense, depois de
belford roxo, era
barro, continua assim. faz muito tempo que não vou lá. não moram mais
parentes lá, meu
irmão foi
assassinado e não tinha mais condições. aliás, só morávamos minha
mãe, eu e meu irmão
vitório. tem esse barro, muito pouca iluminação. não é morro, é baixada, então as casas são todas de alvenaria, não tem barraco de pau. os caras vão construindo suas casinhas, não é agrupado, amontoado, não tem beco. tem ruas, é tipo
conjunto habitacional. O conjunto foi criado pela
caixa econômica federal, acho que para pessoal do corpo de
bombeiros. era comunidade afastada, não tinha
encanamento,
luz, nada. os caras não queriam comprar a casa, ela ficava abandonada e as pessoas
invadiam. minha mãe invadiu uma daquelas casas e a gente foi morar lá. ficou como
usucapião, posseiro, a gente
tomou posse, porque estava
abandonado mesmo. a casa ficou nossa.
pas - com
documento, ou sem?
sj - ah, ficou sem documento mesmo, mas ninguém nunca foi lá cobrar nada. depois que todo morador entrou lá para morar, a malandragem fazia um cerco, não deixava os caras passarem, não. os caras botavam a cara lá na porta, era
pá-pá-pá-pá-pá, botava eles para correr. o cabra não voltava.
tinha um
campo de futebol, o mais importante deles virou um
ciep. o campo era o único
lazer que a gente tinha. quais eram os
sonhos daquelas pessoas? sair de lá. tem uma passagem engraçada: eu tinha um amigo chamado
ruzivan, olha o que acontece com o ruzivan. ele tinha parentes em
são paulo, tinha certa idade, tinha estudado um pouquinho, uma
tia arrumou emprego de vender bilhete na
rodoviária de são paulo. à noite, conseguiu um emprego de
garçom, e dividia os horários de
emprego com estudo. ralava pra caramba, porque tinha uma pretinha, ele queria casar com a comadre. era quarto zagueiro, jogava, nunca teve oportunidade. a menina e a família eram evangélicas, ele queria casar e veio para são paulo. um belo dia, o cara fez uma fezinha na
quina da loto e acertou, com mais um outro gaiato. meu irmão, o cara ganhou um dinheiro, estudou, comprou umas coisas. voltou para o gogó, comprou time de camisa, fez
churrasco para a rapaziada, tirou a mãe de lá... pronto,
fodeu. todo mundo queria ser igual ao ruzi. todo mundo sonhava em ganhar na loto e sair dali,
inclusive eu.
foi horrível isso. estou falando sério, porque hoje eu compreendo. foi um golpe muito duro, porque a gente viu aquele cara que era nosso, do mesmo lance, de repente o cara, pum, virou outra coisa, mais inteligente, mais despachado. falava diferente, se vestia diferente, não era mais aquela coisa... não é que ficou babaca, metido. deu uma ajeitadinha, a coluna dele estava meio assim [
se encurva] e ficou meio assim [
fica ereto] certinha. aquilo causou uma estranheza e, em muitos dos casos até, não comigo, "ficou
metido pra caralho". foi um problema na comunidade.
pas - despertou os sonhos de todo mundo?
sj - despertou os sonhos, a inveja, um montão de treco. e eu fiquei pensando nisso. saí de lá numa fatalidade, perdi um irmão numa
chacina, assassinado. e aí, porra, eu virei
artista. de hollywood. e hoje toco no
rádio, apareço na tevê, um pouco, mas apareço. a minha comunidade, cara, é outra. está todo mundo tocando lá, todo mundo. todo mundo montando bandinha, fazendo um
som, por causa disso. é uma coisa que inclusive quero acompanhar de perto, não porque vou fazer alguma coisa ou ajudar, mas quero acompanhar para tirar os
fantasmas da frente. ah, você vai nessa? vai na música, vai encarar? então vamos tirar os fantasmas daqui, ó: tem esse fantasma, esse e esse. o meu desejo é acompanhar um pouco. estou morando aqui, bem longe, é mais complicado... mas eu agora vou fazer um documentário da
bbc de
londres sobre a minha vida, eles estão chegando. a gente vai até o gogó, minha mãe está empenhada em ir lá. não vou há muito tempo, e a direção das coisas mudou, a rapaziada que comandava a comunidade não é mais a mesma, morreu todo mundo. é outra gente. por mais que os caras saibam que sou eu e como sou eu, não me conhecem pessoalmente.
pas - nesse sentido é até um pouco esquisito você voltar lá, não?
sj - voltar lá para filmar é, eu tenho um supermedo de utilizar isso como
zoológico, sabe? chegar na favela,
gringo é foda, zoológico, pensa que é bichinho. e depois eles ganham prêmios lá fora. então já deixei claro, não é zôo. vamos falar da minha vida. entrar com câmera em comunidade hoje não é um negócio muito bom de fazer, sem devidas autorizações. viu o que aconteceu com
tim lopes. podem acontecer coisas, e eu não quero uma desgraça com ninguém, muito menos com estrangeiros no meu país, pelo amor de deus. então tem que falar com as autoridades competentes da comunidade, que estamos chegando aí, não temos nada a ver, não vamos filmar nada deles. queremos fazer uma história da minha vida, remontar a casa onde vivi, as coisas que fiz, os amigos. vamos pegar depoimento dos amigos, quem eu era, o que a gente fazia junto, mostrar lugares que eu freqüentava dentro da comunidade, levar no
pé de jamelão em que eu roubava fruta. nosso lazer era esse,
jogar bola ou
roubar fruta,
pegar rã,
caçar tanajura e fazer com farofa.
essas coisas existem.
sopa de rã é maravilhoso, curei
bronquite e
asma de muita gente na minha comunidade caçando rã para a galera. passava noite em
charco de vala caçando rã. é isso que quero mostrar para a bbc, depois vamos mostrar um pouco o cenário do rio, vamos até a
bahia, para falar do cenário negro baiano. é um trabalho bacana.
é curioso, este ano estou concorrendo a dois prêmios na bbc, de melhor cantor e melhor disco, pelo "
cru". aí eles se anteciparam para fazer esse documentário. enfim, é uma coisa importante, né?, porque nunca imaginei na minha vida de chegar uma companhia como a bbc, mandar uma equipe para o brasil para filmar minha vida, minha mãe, meus irmãos, minhas filhas, minha casa, e falar do carnaval, da
cultura, do cenário político do brasil. continuo tentando vender a idéia do brasil. falo de coisas que realmente
não sei, "não, porque temos um projeto de exportação, o país está desenvolvendo". acabo falando um montão de
merda para
enganar os gringos, para eles virem botar dinheiro aqui. tenho que fazer, não entendo na verdade, fico acompanhando e
invento um montão de coisa, invento mesmo. é bacana, porque eles estão muito interessados.
pas - age como um
embaixador informal?
sj - informal, é. meu trabalho é esse. mas não quero ser aquele cara do
símbolo, da camisa do
ronaldinho, do
pandeiro que roda, da mulher que tem um
cavadão. isso tudo só depõe contra gente.
pas - da
carmen miranda?...
sj - é, da
banana. temos banana também, mas tem banana organizada.
tem banana em todo lugar, espera aí. não é coisa só de Brasil, não. calma, vamos falar de negócio que podemos fazer juntos. estamos tentando, né?, colocar o brasil numa situação assim do
povo que cuida do brasil, do
povo que gosta do brasil. não é a política. quero dizer isto para os gringos: somos nós que gostamos do Brasil, nós que estamos preocupados. qualquer coisa que ele fizer com a gente é legal, a gente é
serviçal, a gente gosta de trabalho, de
serviço. então dá serviço, que a gente quer. nesse sentido tenho trabalhado muito, em falar sobre o brasil, os investimentos, os sonhos do Brasil, que o rio de janeiro precisa de indústria. [
imita sotaque inglês] "é mermo? se eu fazer coisa de sapatos no rio dá certo?" dá certo, eu falo para os caras que [
faz sotaque] "dinheiro no Brasil representa muito pouco, nenhum".
pas - o membro da comunidade que ganhou na loto quando você era mais novo teria sido um dos motivadores para que acontecesse com você tudo o que aconteceu depois? como se explica que você tenha virado esse cara que faz filme em hollywood e é um embaixador informal do brasil?
sj - não sei, não tenho certeza. mas as pessoas, o público, todo mundo na rua diz que leu o que eu falei, acha do caralho. acho que minha
cabeça é uma das coisas que as pessoas querem entender. o caminho da
música é meio previsível, menos previsível que a música é o
cinema... mas estamos aí, estão acontecendo coisas, vou fazer agora um filme com
tim roth, e tal. vou fazer outro filme na
venezuela, está acontecendo, é claro que com muito menor expressão que a música. mas está indo. acho que essas coisas estão bem definidas, talvez as pessoas estejam querendo saber o que eu penso, o que passa pela minha cabeça, qual é a idéia que tenho da vida, o quanto
posso e quero participar. quero muito, muito participar. não corro da minha
responsabilidade, sociedade participativa. não vou desistir do sonho de ver meu país integrado, de ver meu povo falando a língua brasileira. não vou desistir de uma série de coisas que peguei para mim como sonhos. alguns desses sonhos antigos eu realizei. mas como se deu... acho que foi a paciência também, né?
pas - no passado, carmen miranda abandonou o Brasil para acontecer. tom jobim e joão gilberto, de alguma forma, também fizeram isso, e depois voltaram. você está levando as coisas junto, sem abandonar o seu país?
sj - já posso
morar em qualquer lugar. tenho apartamento na frança, muito bom. tenho uma situação artística muito boa, uma companhia muito boa, tenho tudo para ser independente lá. tenho meu escritório lá, funcionários franceses. e ainda digo mais: os
recursos sociais que existem na frança viriam muito a calhar para minha família.
mas não vou abandonar o brasil, não. só saio daqui se me expulsarem, igual fizeram com os caras antigamente. se me tirarem daqui, se não me agüentarem.
pas - esse perigo não parece existir hoje em dia, não?
sj - não, hoje em dia, não. Mas a
ditadura está dormindo, só [
êita, seu jorge!, isola!, bate na madeira!]. ela não morreu. é esse processo que não pode voltar. mas não posso desistir do meu país. eu não tinha nada. é aqui que vou fazer meu
quinhão,
foi aqui que eu vim. tem muito sangue negro, escravo, que se precisa rever, homenagear. não é vingar, mas homenagear, dar valor a esse
sangue derramado, dos
índios daqui. quero ver meu país unificado, quero ver a integralidade do povo inteiro de novo. quero ver o povo brasileiro discutindo de novo, nós somos o desenvolvimento do país,
cada um de nós. cada um de nós que sai da merda e vira aquele que paga imposto e sustenta o pib é
desenvolvimento.
eu sou o desenvolvimento do país, e
muita gente é. vamos dar um uso para essa gente, falar de amor, perseverança e futuro. estamos precisando fazer um projeto de futuro para nós mesmos, brasileiros, que conseqüentemente vai resultar no brasil. é preciso de um tratamento, de um cuidado, de um acesso, de um carinho para o povo brasileiro. somos todos irmãos, falamos esta língua, temos esta cultura e temos pontos diferentes na nossa cultura que fazem com que hoje nós sejamos a
bola da vez.
é complicado, é um país enorme, quase um continente, teve uma estagnação, também teve uma
garra pesada, uma
mão de ferro na
comunicação. a
informação, até chegar ao maranhão, chega deturpada. o
satélite a gente sabe muito bem a quem pertence.
eu tenho muita fé na tevê do neto, acho que vai ser um marco na história do brasil. é muito curioso, porque ele era o netinho do
negritude jr., um
reles pagodeiro, que segundo outros bate na mulher. muito bem, mas no "
los angeles times" ele é comparado ao
malcolm x. não sou eu quem está falando, é o "los angeles times". se tudo correr bem como está para correr, a gente vai ter uma televisão muito forte, basicamente negra.
pas - você contesta que netinho tenha batido na mulher?
sj - não, não estou contestando, não. não vi, não estava lá e não tenho nada com isso, mas todo mundo fica perguntando "como você pode ser amigo de um cara que bate na mulher?". se a mulher batesse nele ninguém falava nada. não concordo, acho errado bater, mas espera aí. hoje eles estão bem para caralho. estão juntos. quem se meteu ficou com cara de merda. isso é problema deles. e favelado, assim, não tem muito essa conversa, não. escreveu, não leu, o pau comeu. não quer dizer que isso seja correto. o problema é infantilizar, pintar o cara com cara de monstro que bate em mulher. não é "bate em mulher", ele bateu na mulher dele, o cara deve ter perdido a cabeça. é ser humano, tem umas coisas que acontecem. e todo mundo faz uma sensação em cima da história e fica aqui, calcando, a porrada que ele deu no
vesgo, mais um cascudo que deu na mulher dele, aí ele já virou um
agressivo. vesgo eu sei que chegou na festa da gente lá, que
imprensa nenhuma notificou...
pas - a "
carta capital" noticiou [
se quiser checar, consulte o item 2 deste tópico aqui, ó]...
sj - é, são diferentes as intenções de trabalho da "carta capital" com relação aos
jornais que têm seis
colunas sociais. não posso dar atenção para um jornal que tem seis colunas sociais e fica falando de cicarelli, ronaldinho, galisteu..., num país com problemas pra caralho, e essa mídia aí,
top de linha,
cabeça de chave, tirando essa coisa. na nossa festa, o vesgo estava sacaneando, zoando nosso jeito de vestir, cabelo, roupa... zoou a gente, tirou onda, humilhou os pretos. na nossa festa, na nossa festa, que fizeram para a gente, com depoimentos lindos, grandes depoimentos.
pas - como o de
toni tornado...
sj - toni tornado fez um depoimento maravilhoso.
glória maria fez um outro que foi horrível. ele disse "
só deus sabe como é ter a cor que eu tenho e trabalhar na televisão em que trabalho, só Deus sabe o que eu passo lá", falou isso
chorando, com 76 anos de idade. o cara não estava fazendo sensação, com a idade que tem ele não precisa. e aí a comadre chegou lá, glória maria, "comigo é diferente, sempre fui muito respeitada e admirada". mas nunca apresentou um programa dela, em 40 anos que está nessa televisão, a carreira toda. nunca, nunca. e quer saber? nunca terá. poruqe não serve. não faz o
padrão global. e ela vem dizer que é mole trabalhar lá sendo preta? não. ela fez um discurso porque tinha lá governador e não sei quem. mole não é, e nunca foi para ela. mas reconheço, acredito que muita
jornalista e
menina negra deve olhar para ela como uma inspiração, "vou estudar jornalismo, ser repórter igual à glória maria". mas era para ela ter conquistado um posto num lugar que ela merece, por tempo de serviço, pela inteligência que tem, pela qualidade que tem. era para ela ter reivindicado esse direito. ela não reivindica seu direito, então é omissa.
pas - assim como dizem que netinho bate em mulher, sobre você já se disse que você diz que foi morador de rua por
marketing. é um modo de desqualificá-lo?
sj - [
bravo, exaltado.] falo para eles: cobrem minhas vitórias, não cobrem minhas derrotas. vão cobrar minhas derrotas? vem cobrar minhas vitórias. eles não têm para cobrar, porque eu ganho todas, todas. tenho a integridade aqui da minha casa, não faço ostentação, tenho um cenário totalmente independente. vivo no brasil, moro no brasil, mas não arranco dinheiro de ninguém. não fico assim "compra meu disco", "compra meu dvd", não fico. é marketing meu? marketing de quê? para ficar de bonzinho, de
coitadinho? não sou digno de pena, nunca fui.
pas - e não é marketing, já que aconteceu de verdade, certo? por que as pessoas duvidam?
sj - [
exaltado.]
morei na rua, é verdade. perdi um irmão no gogó da ema, não tinha mais como ficar lá. tiraram a metade do rosto do meu irmão, quer que eu diga a verdade? então é o seguinte: meu irmão tomou três tiros de
escopeta, ficou sem a metade do rosto, ficou no chão, um garoto de
16 anos. se bobear, eu tenho a foto até hoje. ele e mais quatro pessoas foram mortas lá, [
voz embargada] chacina, [
irônico] um bagulho que acontece aí, lá na minha baixada fluminense mataram 30 na última que teve, que todo mundo soube, pelo menos. porque tem todo dia, umas são divulgadas e as outras, não. mataram 30 pessoas, 20 eram da mesma família, foi um escândalo, todo mundo sabe, foi repercussão internacional. pois o meu irmão morreu numas condições assim também.
eu tinha um
tio que me abrigou, fui parar na casa dele, eu já tinha 20 anos. me envolvi com música, meu tio falou assim: "cara, você é preto, 20 anos, não estudou, sacou? teu
pai está separado da tua mãe, tua mãe está morando na casa da irmã. aqui a carga aumentou, a despesa aumentou. você vai ter que arrumar um emprego, cara". e eu não podia dizer para os caras que eu tinha sido excluído do
exército, ia ser uma puta decepção para o meu tio. ele queria muito que eu servisse, que eu seguisse carreira. e eu tinha sido expulso. para ele eu estava numa condição perfeita, porque nunca viram eu cantando ou tocando lá em casa. nunca imaginaram. na minha
família, depois do meu pai, sou o primeiro, juntamente com [
o sambista]
dudu nobre, meu
primo. de resto ninguém, não tem músico. talvez nessa geração que está nascendo agora aconteça.
[
bravo.] mas então é isso, eu devia estar dando aula na escola de propaganda e marketing, se é marketing mesmo. deu certo, né?, o
merchandising, vocês caíram igual patinhos. [
sério.] não poderia fazer merchandising com isso. qualquer um pode levantar minha vida aí e saber. vai lá na
uerj, todo mundo vai contar minha história. pode perguntar para qualquer um, vai na vila isabel, no passo da vila, no petisco da vila, no méier, vão lá perguntar quem fui eu.
conheci
gabriel moura [
seu ex-colega no grupo farofa carioca], nem tocava nada, só cantava, eu cantava e ele tocava para mim. ele é sobrinho do
paulo moura, paulo moura sabe da minha história,
antônio pedro sabe,
amir haddad sabe,
anselmo vasconcelos, até
paulo josé me viu lá no teatro da uerj dormindo na
concha acústica. toda a
universidade me conhece, eu passei cinco anos dentro de lá, pulando aquele muro escondido muitas das vezes. teve um ou dois anos de guarida dentro da universidade.
quando entrei, em 1993, o
anfiteatro era uma
ruína. nas duas semanas que fui primeiro na companhia, acho que tem filme e imagem disso, eu ia e participava do evento, depois eu saía. duas semanas depois, eu saía com eles, esperava, voltava e dormia lá. até que um dia achei que aquilo ia dar problema e eu ia acabar prejudicando a companhia. cheguei para o antônio pedro e falei "sou
morador de rua, não tenho onde morar", ele me deu uma carteirinha para eu poder freqüentar como se fosse
segurança de lá. aí comecei a freqüentar e a dormir como se fosse segurança que tomava conta.
às vezes pintavam shows, barzinhos para tocar de noite, eu dava canja. não tinha instrumento, mas cantava bem.
alexandre, do
grupo revelação, pode contar minha história, nós começamos juntos, eu fui
percussionista dele no bar. ele me viu andando com a foto do meu irmão no jornal, revoltado, querendo me vingar, ir lá matar os caras. se não fosse essa turma, eu tinha sido um
problema social. então, beleza, se os caras pensarem que é marketing... todo jornalista vem me perguntar a respeito disso e eu acabo dizendo, e aí parece que o tempo todo sou eu.
pas - vários outros artistas, como
orestes barbosa,
belchior ou
odair josé, tiveram experiências parecidas, mas não se costuma contar essas histórias do modo direto como você faz. você entende que algumas pessoas não acreditem, num primeiro momento, pelo fato de sua história parecer excepcional mesmo?
sj - a minha mãe, cara, era triste. ela também morou, nesse período,
morou oito meses no
banheiro da central do brasil. bo banheiro da central, ela varria lá. quando meu irmão vitório foi assassinado, em 1990,
rogério tinha 13 anos, eu tinha 20. um ano depois, meu irmão menor, com 14 anos, estava trabalhando no
globinho,
entregando jornal. com o salariozinho dele, juntava dinheiro para qualquer eventualidade. minha tia fez uma conta de poupança, com salariozinho de globinho. minha tia sempre foi organizada, a gente tinha obrigação de ajudar em casa. eu trabalho desde os 10 anos, meus irmãos todos trabalham desde muito cedo, têm profissão desde 12, 13 anos. esse que morreu com 16 era um
relojoeiro foda, um puta relojoeiro, um puta
ourives.
quando meu pai soube que minha mãe estava dormindo no banheiro... ela estava com problema na coluna, passou mal um dia, ligaram, meu pai soube. e soube que eu estava por dentro e não tinha falado nada, sendo o filho mais velho. nossa, eu sofri, cara. sofri com a chamada. foram ele e meu irmão no teatro, eu estava lá na universidade todo maltrapilho, sujo, fazendo montagem de luz. meu pai falou [
imita, bravo] "sua mãe está morando na rua, rapá, está abandonada e você aí fazendo nada, teu irmão é que vai dar dinheiro". aí meu irmão pegou dinheiro da conta dele e alugou um barraco lá em
pedra de guaratiba para ela ficar. não tinha nada, nem móvel.
eu não tinha casa, não tinha nem documento. eu era
indigente, se tivesse morrido em alguma situação não iam achar meu corpo. me lembro do dia em que tirei meu documento, em
copacabana, fui tirar de novo a
carteira de identidade. tive que explicar por que eu fiquei sem. eu nunca tinha votado. com 20 anos eu não tinha votado, dos 20 aos 27 nunca votei. ficava com medo de ficar embargado ou prejudicado, não arrumar emprego, sei lá, não ter documentos porque não tinha votado. ignorância mesmo da minha parte. mas aí eu tinha que explicar: fui morador de rua. perdi meus dentes, descalcificação... para estar nesse contexto, passei muito perrengue, muito.
pas - a conversa com seu pai foi um motivador para você mudar as coisas?
sj - meu pai é uma pessoa maravilhosa, uma figura apaixonante. ele sempre teve um nível intelectual muito grande. porque meu pai é do morro de
são carlos, mas nasceu no
asfalto. minha mãe é que era
chucra, não sabia ler nem escrever. foi a gente que ensinou ela.
fico imaginando muito, sabe? as pessoas não sabem como se dá um problema desses. eu sempre tive casa, era pobre, tinha um
cômodo só, mas tive. perdi por uma fatalidade. não fui morar na rua para estilo, ninguém faz isso. nego não sabe o que é ter que
fazer cocô e xixi na rua. nego não sabe o que é
dormir num papelão, vir dois ou três garotos cheios de cola puxar seu cobertor no meio da noite. você ganhou o cobertor, às vezes passam umas tias, uns caras com
sopa,
rango,
quentinha. dão cobertor, camisa. e eu sempre andei destacado, porque sempre tinha um violão, uns
livros e tal. eu era
o mendigo do violão. nego me enxergava não como um problema, um mendigo, mas como
o maluco do violão.
então nem eu mesmo podia imaginar que isso ia acontecer comigo. eu não poderia nunca escolher a profissão que escolhi. é mesmo difícil de imaginar. estou dando um relato aqui de coisas que aconteceram mesmo, que eu nunca falei, nem o porquê. quando saí até fui morar numa
vaga, fiquei um tempo lá na vaga, mas como não conseguia mais pagar, a coroa,
dona maria, era maior sangue quente... eu queria até encontrar essa senhora. ela tinha uma vaga para rapazes. e tinha muita gente com muitos tipos de problema. tinha um cara com problema de sangue sério, ele gritava de madrugada, "vamos matar!, vamos matar!". tinha muito cachorro, os cachorros latiam, acordavam todo mundo. morei num bagulho assim, logo depois da morte do meu irmão. aí não deu mais.
uma noite fui para um barzinho de violão e voz, ia atrás de gabriel moura em tudo quanto era lugar que ele ia. acabava, o barzinho fechava, 2h ou 3h da manhã, gabriel, pum, pegava a namorada e ia embora. e eu ficava meio naquela, ia para outro lugar. quando acabavam todos os barzinhos, eu ia para a
barraca de angu do
gerson. ele era a noite toda. sempre o pessoal da
cachaça passava lá e comia um hambúrguer para poder dirigir e ir para casa. e ia a madrugada toda até de manhã, ficam
antero,
paulinho rangel, Gerson e eu. antero era um desenhista fantástico, que por coisas da vida fez um curso para polícia e virou
retrato falado. virou um polícia que não tinha nada a ver com polícia, que fazia livro infantil, gostava de cavaquinho. paulinho tocava em
banda de baile. tinha dia que estava todo de preto, tinha dia que estava todo de branco, que era o uniforme da
orquestra de gafieira. toda noite, juro por deus, de segunda a sexta.
o que me levantou muito, também, foi uma turma de
pensadores que tinha num barzinho que tinha um
chope muito bom. a turminha se encontrava regularmente, quase todo dia, era um
físico, um
professor de história, um
advogado e mais outros dois ou três caras. e eu ficava ali, porque era o cara do violão. mas sempre tinha um papo de filosofia no meio. papo de pensador,
filosofia, história. e eu ia ali escutando aquilo, fazendo as minhas
analogias com o mundo da favela: "mas isso é meio parecido na favela também!". os caras ficavam olhando assim...
pas - foi um dos seus diferenciais perceber que era possível fazer analogias em tudo?
sj - em tudo. das analogias que mais tenho trabalhado é da vida com relação ao futebol. vejo muita coisa semelhante entre a vida e o futebol. na vida só sei andar para a frente, e a bola também só está na frente, nunca atrás. você pode ter o talento que for, mas você depende do talento do outro para aparecer.
ronaldinho gaúcho não joga sozinho contra 11, ele precisa de
ronaldo,
roberto carlos,
cafu. até do
dida que está lá atrás e nem é da área ou do departamento dele ele precisa.
um belo dia passou a noite, os caras tocando
joão bosco e coisas que eu gostava, mas não tocavam na comunidade por não ter acesso. eu gostava. joão bosco até tocava, porque tocava na novela, "nos dissemos que o começo é quase sempre inesquecível...", "
o casarão", "
o astro".
joão bosco e aldir blanc eram mais populares. um dia,
bebão, eu caí, estava com vergonha de ir para a casa da minha tia de manhã. umas duas ou três ou quatro vezes, que eu lembro, cheguei à casa dela de manhã com papo torto. ela: "não comeu, come, vai tomar um banho". depois de dias comecei a ir lá só levar roupa para lavar. arrumava uma
água sanitária, um
sabão de coco, não ia gastar os da minha tia. gastava só a
água. ia lá lavar minha roupa. já estava completamente aclimatado na rua.
aí perdi meu documento. falei "foda-se desse jeito mesmo". mas ficava preocupado com aquilo, "essa porra não vai dar certo, uma hora um polícia vai descer aí e tirar uma onda comigo". dito e feito, os caras me deram uma dura, bagunçaram. "documento." "não tenho, estou morando aqui." "tu é de onde?" "da baixada fluminense." "é longe, hein?" era longe, eu estava na vila isabel. "e esse violão aí, qual é?" o cara pegava o violão, balançava para ver se caía alguma coisa. "toca?" "toco." "toca alguma coisa aí." tocava um negócio lá do
djavan, essas coisas assim. na época eu cantava música dos outros, não tinha a minha.
pas - aprendeu tudo sozinho?
sj - é, tudo em
revistinha cifrada. ensinava a posição dos dedos, eu ia. os amigos iam me dando a batida da mão direita, a batida do samba... eu ia praticando, tinha todo o tempo do mundo. a única coisa que era foda era para
comer. eu tinha muito
acanhamento de
pedir trocado, era homem velho, não me imaginava naquela posição.
pas - você não pedia? há gente que vive na rua e não pede?
sj - não pedem, não pedem. tem gente que é
trabalhador de rua, só. o cara mora em japeri, como o dinheiro da
passagem todo dia é muito, ele é trabalhador de rua e vive do
reciclado. então ele dorme na rua.
pas - o brasil desconhece completamente essas distinções, não?
sj - são pessoas que não têm condição. mas tem gente que trabalha na rua e da rua mesmo, aqueles caras que têm
carrinhos, papelão, três ou quatro cachorros. são pessoas que têm
atividade, família, casa,
endereço, tudo certo. só vivem do reciclado. o dinheiro do reciclado é um ganho muito pequeno, calcula-se que essa gente faz por mês r$ 120. é a féria do mês, é o que dá para fazer durante um mês catando papelão, trabalhando. são trabalhadores. aqueles cachorros são para
alerta,
contra crueldade, gente que quer
queimar o outro,
tacar fogo. você tem que ter dois ou três cachorros, se de repente estão chegando os cachorros uivam e o cara acorda e já fica legal.
as pessoas precisam mesmo dormir, trabalham o dia inteiro empurrando aquele carrinho e botando
lixo para dentro. fazem um serviço de reciclagem que a conlurb deveria estar fazendo e não faz. por isso digo que não é pecado pegar uma latinha de cerveja e jogar fora do carro. faça isso sempre que puder, porque você está ajudando gente, é verdade. papel, não, mas latinha de
cerveja e
coca-cola pode, porque tem gente que vai precisar daquela parada ali.
eu convivi com essa gente. procurava estar sempre perto dos trabalhadores de rua, ou só. porque ali entre eles mesmos também tem muito
barraco, muita
fofoca, muita confusão, problema, problema, só merda. mas tem um quadro muito também de
doença mental, muito sério. nesse período em que vivi, naquele cenário, o rio é mais infestado disso que são paulo.
pas - o que você pensa da atitude do [
hoje ex] prefeito de
josé serra, de construir
rampas "antimendigo" em são paulo?
sj - como é que é? [
explicações]. é, isso está acontecendo no
japão também. eu passei lá e falei: "olha a favela ali", debaixo da ponte, vários barracos. vi isso lá. eles estavam tirando também. cara, não sei o que vai acontecer, não posso dizer o que essa gente tem em mente. tem um
êxodo, né?, dessas pessoas que vivem nessas condições, para fora. é uma cidade muito
industrial, não tem muito o que fazer... mas eles correm o risco de, por exemplo, essa gente invadir a rua
oscar freire [
risos]. Aagente pode começar a dormir nas barraquinhas da oscar [
pronucia "óscar"] freire, aí não vai ficar nada bom. aí quero ver ele fazer rampinha lá.
pas - essa não é uma ideologia de resolver, mas de esconder, para quem passa pela avenida paulista não ver esse outro lado da cidade.
sj - mas é isso que estou falando, eles vão acabar caindo na
consolação, e vão cair naquelas lojas bonitas da óscar freire. e onde está o dinheiro, esses moradores vão parar lá.
pas - não seriam expulsos rapidamente?
sj - é capaz que a própria gente rica não deixe isso acontecer. tem muita gente boa ainda por aí, não é porque é rica... é capaz de a própria gente rica ver aquela mão estendida, pegar uma bolsa e dar, fazer um bonito. e capaz de essa própria gente rica que muitas vezes enche o saco do prefeito para tirar essa gente daí, ela mesma, utilizar essa gente para falar "pô, eu sou legal". há sempre uma
mão dupla, dois caminhos numa mesma estrada, né?
com relação a essas pessoas que estão abandonadas, a coisa tende a ficar pior. porque a delinqüência também vai junto para esses bairros de óscar freire. onde está o abandono, estão a delinqüência e a promiscuidade também. vai junto, e começa a ficar brabo. enquanto estiver dormindo e pedindo dinheiro, tudo bem. o foda é quando começar a roubar, a cheirar cola, a cagar na porta da loja. "ah, filho da puta, me sacaneou? tá bom, ele vai fechar essa loja e vamos lá cagar lá". aí fica aquele cheiro, não adianta lavar, botar
criolina, aquele cheiro fica ali na tua porta. o cliente chega na loja e não entra.
o povo da rua também tem suas armas, o povo da rua também tem suas armas. é uma tristeza, mas... é a situação do brasil.
pas - dentro da loja rica pode até haver problemas parecidos, mas mais
camuflados...
sj - é, os ricos às vezes precisam
se espelhar em alguma coisa mais forte, para poder seguir o seu caminho. o cara ganhou grana,
status,
nome e não sabe mais para onde ir. não tem forças, foge, não tem querer, comando, articulação. às vezes ele dá de cara com uma imagem forte assim e começa tudo a fazer um outro sentido. é uma pena essa parada aí. faz uma rampinha, mas faz um conjunto habitacional para a galera, né?
cidade de deus foi fundada assim. eram pessoas que moravam no
centro. antigamente era cruel, tacavam fogo nos barracos de madrugada. lembra das notícias "favela pegou fogo", "foi
bujão de gás que queimou"? o caralho. Ttnha uma mulher,
sandra cavalcanti, lá no rio de janeiro, que foi acusada de matar muitos mendigos. a carreira política dela não foi para a frente porque o povão sabia disso. não sei se ela matava, mas o
boato que tinha era esse, então ela não conseguiu voto de jeito nenhum. não sei se é verdade, mas eu me lembro em belford roxo, minha mãe falando isso para mim, "não voto nessa mulher porque ela mata mendigo". minha mãe falava isso, aí foi parar na rua.
e a
candelária, deu no quê? no
ônibus 174. eu conheci aquele
moleque, conheci ele mais moleque. era uma turma
peralta, que botava para quebrar. na rua tem muita droga, muita droga, muita droga. você não dá r$ 2, o outro lá dá, quando vai ver o cara tem r$ 50, sobe, compra o
pó, mistura, racha, rateia, usa.
pode reparar que ninguém bebe. já viu moleque de rua tomando cerveja? nunca ninguém viu, porque é uma
convenção social você poder tomar uma cerveja. quem está ali na rua não faz parte da sociedade, não é apresentado a ninguém, então não tem esses hábitos de tomar uma cervejinha. tem a cachaça, que é barata, um
entorpecente. mas tudo é mais baseado em
dependência química mesmo. o cara toma o negócio porque é dependente químico, senão
treme, tem
convulsões, o
sistema nervoso é uma
falência. se está sem a droga o
bulbo acusa, fica tremendo, toma uma
talagada, dá uma melhorada
psicológica, o olho cai, a cara cai, está na entorpecência. naquilo você segura a
fome, esquece que está
sujo, esquece um montão de coisa com essa entorpecência. é um processo. o processo de limpeza é muito sério, não basta dar um tapinha e tirar as pessoas. elas vão voltar.
o mais chato de tudo, o que mais mexe comigo, é o
nascimento de pessoas na rua, o quanto têm nascido pessoas na rua. no rio nasce muita gente na rua. às vezes vem da favela na
barriga e já nasce ali na rua. teve barriga lá, ninguém vai segurar essa barriga, o cara desce e vive
pedinte embaixo, a barriga estoura. é muito triste uma criança não nascer numa
maternidade, não nascer com um médico, com uma história. a pessoa mesmo ali arruma ali, arruma uma camisinha para o
neném, se tem parente perto vai lá, corre, coloca um sapatinho, uma coisa que sobrou, um
leitinho do peito,
não vai registrar, com um ou dois anos não tem registro.
batizado? o cara não tem registro, vai ser batizado? não fez
teste do pezinho, não sabe que sangue tem, isso é de cortar mesmo. é de cortar, porque tenho
minhas filhas, depois de tudo que eu vi. é uma felicidade ver essas crianças, minhas filhas
felizes, a mulher grávida, vai ter outra criança, tudo certo o
partinho. é um bagulho que mexe comigo, sabe? [
os olhos se avermelham de lágrimas.] porque meu pai e minha mãe não me
abortaram, entendeu,
pedro? eles me tiveram, tiveram meus irmãos, passaram o perrengue que foi. então eu vejo essa coisa, essas mulheres tendo filho na rua, porra. não sei o que vai ser dessas crianças, não sei. [
abaixa a voz.] vi muita criança pequena morrendo, de não agüentar duas ou três semanas. porque a mãe
cheirou cola, nasceu
debilitado, não agüentou duas semanas. é
porrada, é porrada.
ao mesmo tempo é chato, porque fica essa gente aí achando que é marketing. não me revolto porque são uns nadas, uma meia dúzia de dois ou três. eles ainda vão me ver no comando de alguma merda neste país. vou comandar alguma coisa,
este país é meu também. todo mundo manda, por que eu não posso mandar? o país não é seu? você também tem direito. é isso, eu penso assim. americano chega aqui e diz que o
mogno é dele, alemão chega e diz que a
rapadura é dele. soube dessa? uma empresa
alemã patenteou o nome rapadura. e os produtores do
nordeste, que exportam rapadura, ficaram sabendo. o governo e o
itamaraty entraram nessa, falaram "pode parar com isso que isso é nosso, é da nossa cultura, você não tem o direito". acho que agora vai resolver. o alemão chega aqui e vai patentear nossa rapadura?
pas - é possível contar em hollywood ou na bbc essas histórias todas que você contou agora?
sj - dá para contar, dá para falar para o
bill murray o que é, sim. falei para ele o que é a favela, de onde eu vim. todo mundo sabe.
anjelica houston bateu maior palma para mim não por causa de "cidade de deus", mas pela
resistência. eu falo assim: "eu faço coisas para uma nação, eu quero
libertar o meu povo". eles dizem: "não escuto ninguém falar assim há tanto tempo, como assim libertar o seu povo?". falo: "tem um povo no brasil que é o meu povo e que eu vou libertar. eu sou um
líder. estou aqui por isso, porque isso aqui é importante para mim. se der certo isso aqui, se eu for bem-sucedido aqui, se eu for reconhecido como trabalhador profissional aqui, muita coisa pode mudar no brasil, para o brasil e para gente da minha
laia, da mesma
enfermaria que eu". e eles: "nós vamos fazer de tudo para ajudar". outro dia, anjelica mandou um e-mail, "estamos preocupados, fazendo abaixo-assinado, porque estão dizendo que vão usar não sei quantos por cento da
amazônia para desmatar e fazer plantio. dizem que o governo brasileiro está aprovando essa lei, vocês não devem deixar isso acontecer". então há gente fora do brasil preocupada com a gente aqui, ligada no movimento. sabe que atinge eles lá fora.
é interessante fazer parte de uma coisa dessas, cesaria evora me ligar aqui e dizer "vamos fazer um show". vou entrar num ônibus com ela e vamos sair juntos. e eu quero saber como é cabo verde, vou explicar para ela como é o brasil, que ela conhece e sabe. a
língua aproxima. tudo isso dá para ser contado, tem que ser contado. essa gente pode ajudar. essa gente é muito forte, muito grande, pode usar sua imagem para dizer "parem com isso, prestem atenção, estamos de olho também".
eu tento fazer a cabeça dessa gente, o próprio
wes anderson. falo para ele: "vamos fazer cinema no brasil,
mano. lá todo mundo fala inglês, as companhias são boas, os lugares são lindos. dá para fazer qualquer coisa, até
deserto das
arábias você faz lá. pô, vamos fazer filme lá, cara, com us$ 70 milhões você monta uma companhia lá para você e faz 15 filmes". wes ouve e ri para caramba. e eu, papudo, "vamos, cara". é capaz, ele é
maluco.
pas - dá para ver pelo "
a vida marinha com steve zissou".
sj - e não é maluco só por isso, não. ele filma em seis meses, oito. ninguém mais faz isso. hoje a
tecnologia permite que você entre num estúdio fodão e faça um filme em dois meses. mas o filme do wes também levou esse tempo porque era trabalho em
alto mar, com dois
navios [
dá entonação de espanto às palavras]. é coisa de maluco. pedro, eram dois navios, um navio de
jeff goldblum e um navio do bill murray. o do jeff não foi muito usado, eram poucas cenas, mas o do bill era usado em tudo. você está no
mar, você não pode colocar aquilo dentro de uma lagoa. aquilo não entra numa lagoa, sabe como é? é no mar mesmo. tinha que ter um staff enorme de
marinheiros para limpar o quadro.
pas - marinheiros verdadeiros?
sj - marinheiros mesmo, marinheiros. enquanto o navio está em quadro, tem que ter uma porrada de
botes, jets,
lanchas... tem um barco passando pela esquerda, um monte de
gaivota gritando, é muito engraçado. é cheio de
peixe, as gaiovotas ficam todas atrás do
barco. o barco vai para lá, a gaivota vai. Oobarco vem para cá, as gaivotas atrás. e às vezes passa um barco, um
jet ski, um
windsurf qualquer, na frente do quadro, o cara tem que ir de lancha lá na casa do cacete falar para o capitão: "
fora, meu, você está na frente do filme". é um trabalho, um trabalho, leva dias. e o mar mexe, né? não é igual
carro, que você pára aí e pronto. o mar mexe. tem que estar na posição. às vezes o barco está virado para lá, vai virando para cá. aí o cara tem que manobrar tudo, demora, todo mundo sentado esperando manobrar.
pas - era nessas horas que o brasileiro ficava fazendo versões de
david bowie ao violão?
sj - é, nessas horas [
ri], que os caras aproveitavam e me filmavam. era
bom pra caramba. foi
ótimo fazer isso. agora vou ter uma experiência maravilhosa, um filme na venezuela. sou um dos protagonistas, chama "
o coiote" [
as informações de seu jorge ficam mais precisas após a seguinte nota, publicada na coluna de 17 de junho de mônica bergamo: "O cantor e ator Seu Jorge emplaca mais uma no exterior: ele interpreta o traficante Coyote no filme 'Elipsis', do venezuelano Eduardo Arias-Nath. O longa foi filmado em março, em Caracas]. é uma história de
narcotráfico, meu personagem é um
gângster que cobra dinheiro para o narcotráfico. ele é o cara da cobrança. tem uma
limusine, uns
capangas, e é
sádico pra caramba. você olha, que figura, que pessoa maravilhosa. e o cara tem o pésismo hábito de queimar as pessoas com aquele
isqueiro de carro. então todo mundo tem uma
marca do
coiote na
testa.
pas - o coiote é você, então?
sj - é, o meu personagem, e é o nome do filme. é muito
pequeno o que eu faço, tem um
texto bacana, eu fico lá uma semana, filmo em quatro ou cinco dias. todas as minhas cenas são pequenas, tem muitos atores no filme. mas o personagem é fundamental, porque no final do filme se revela que o
governador tem a marca do coiote [
ri]. todo mundo tem a marca do coiote. e tem esse outro filme que estou amarradão em fazer, que é "
os fugitivos". é um filme do diretor do "
x-men". vai rolar em dublin, na
irlanda.
pas - esse é hollywood mesmo? "o coiote" não é?
sj - é, "o coiote" também é americano, mas é o primeiro filme venezuelano que saiu com dinheiro americano. os caras estão apostando no
eduardo arias, que é o diretor. ele é novo, é seu primeiro filme. só lá mesmo é que vou ver como é que é, se é um set hollywoodiano mesmo.
hollywood é um padrão, em todos os sentidos. você não faz um filme sem estar completamente
coberto e
alinhado, sem estar com os documentos todos assinados, sem o
seguro cobrindo sua vida. ninguém filma se você não tem um seguro de vida legal. não pode acontecer nada com você.
para eu filmar com wes, tinha que fazer o curso de
mergulhador. quando me deram um questionário perguntando sobre minha
saúde, eu tinha que responder dizendo que não tinha nada. se tem um problema no olho do cara por causa de sol demais, eles param tudo, remanejam, esse cara pode nos foder amanhã e dizer que teve um problema no seu filme. tudo é muito pensado. é uma indústria de cem anos, de tradição, de dificuldades superadas. é
capital de
investimento, é
topo da cadeia alimentar. e tem os deuses, que são os atores e grandes diretores, tratados como deuses mesmo. o alcance que os caras tem é instantâneo.
pas - algo parecido com o projac?
sj - é um
projacão, né? é instantâneo, é no mundo inteiro. fiz um show lá, fiquei bem na foto porque tinha
cambista no show, nego vendendo ingresso a us$ 100 a cadeira, achei maneiro. estavam lá bill murray,
david byrne... bill falou para mim assim: "é, david byrne veio, mas eu sou
fã e
amigo primeiro". falei "calma, bill". acabou o show, fomos jantar, bill falou assim para mim: "
jorge, coisa mais bonita, estou muito feliz de ver você bem, com mariana. qualquer parada me
pede, coisa pequena, coisa grande. pede, eu estou aqui, posso ajudar, quero dar uma força". quando saí de lá, todos – o diretor de fotografia, anjelica, todos eles – falaram "pede aí, qualquer parada a gente ajuda". tem essa coisa de dividir.
a gente não aluga, não quer essa coisa. já basta que toda vez que chegamos lá o cara quer levar a gente no
nobu porque sabem que mariana adora. mas o nobu é caro pra caralho.
japonês caríssimo, muito caro aquele rango lá. a mari gosta, eu não ligo, eu gosto de
arroz e feijão, qualquer churrascaria eu entro. cheiro de
pelanca, eu estou. ela gosta dessas coisas chiques, finas. aí ele que segura aquela onda no cartão. é o maior barato.
robert de niro é o dono do nobu, eles são todos parceiros.
niels, que é o japonês do filme, é
gerente do nobu. olha que história engraçada. wes chegou lá para comer, olhou para a cara dele, achou que ele era bom, falou "vem aí, vamos fazer meu filme". ele pegou uma licença de seis meses com de niro para fazer o filme. mas voltou, já. e eu como lá pra caralho [
ri]. não é de graça, mas um montão de prato vem de graça. o grosso a gente paga. caríssimo, só vai gente chique,
grã-fina.
pas - você se sente bem lá dentro?
sj - me sinto, acabei com esses complexos. eu tinha muito, né? na favela o
complexo de inferioridade é muito forte, porque você cresce aprendendo que você é
feio,
preto,
não tem educação. depois, para se livrar disso... muita coisa tem que acontecer de bom na vida para você falar "ah, não é nada disso que eles falavam". foram acontecendo essas coisas, meu primeiro
tapete vermelho foi muito engraçado. eu não acreditei naquilo. foi um susto. foi no lançamento do "
life aquatic" [
título original de "a vida marinha"] em nova york. o filme tem uma constelação muito grande, vamos combinar... só a
cate blanchet já dá o peso do chique. no dia em que a conheci ela estava
grávida,
linda, parece uma
boneca de porcelana,
branca, branca, branca, branca, branca, parece uma
lâmpada fluorescente. linda,
gentil, inteligente, divertida,
carinhosa, maravilhosa.
cheguei lá com mari, foi
ricardo almeida que me vestiu, muito gentil. o cara parou a limusine na entrada oficial dos atores, ficam aquelas
grades de prefeitura, mas é muita gente
atrás das grades. é muita
câmera, muito, muito, é muito. tudo bem que o país é grande, mas será que os jornalistas do país inteiro estão aqui agora? porque é muita gente, muita. e os atores vão passando [
passeia pela sala, simulando sorrisos forçados], e vão dando entrevistas. para eles é natural. e eu, de
cabelo grande, ninguém me conhece, fui passando. ninguém me perguntava nada, eu passei.
horrível, cara, horrível. passei batido, não falei nada. fiquei
sem graça. parece que é um
desfile de moda, passa um, passa outro, passa outro, passa outro...
aí mais lá na frente todo mundo se encontra, mas é um corredor enorme. eu era o último, cheguei meio além do horário, e fui passando, as pessoas olhando para a minha cara, não sabendo quem era aquela pessoa. entro eu, minha mulher, arrumadinho, ninguém pergunta nada, tira
foto, horrível. quando nego do filme me viu, aí foi uma festa, aí saiu uma foto enorme com todo mundo abraçado. aquele montão de câmera disparando. eu
tentando rir, sem graça,
estou rindo de quê?, qual
motivo para rir? Mas foi legal esse convívio aí.
uma coisa boa que lembro também do convívio com eles foi no dia em que bill ganhou o
globo de ouro por "
lost in translation" [
filme de sofia coppola, chamado "encontros e desencontros" no brasil]. foi justamente no dia em que "cidade de deus" foi indicado a quatro
oscars. cheguei 5h30 da manhã, a gente chegava e ia direto para o
figurino, do figurino para a
maquiagem, da maquiagem esperava, cada um no seu
trailer, a ordem para filmar. era ali também que eu ficava fazendo música, 14 músicas, era só eu sozinho,
não falava inglês, ficava todo o tempo ali tirando, escrevendo as letras da minha cabeça, as minhas
loucuras. ah, é versão? então é a minha versão,
versão seu jorge, demorou.
nesse dia, chegando, vi o trailer do bill todo decorado com balões
dourados, parabéns e o caramba. ele ficou todo bobo quando chegou, fizemos uma puta farra para ele. fomos para o set, filmamos, era a cena em que explode o hotel. daqui a pouco, vamos almoçar, volto para meu trailer, estava lá ele todo cheio de balão também. neguinho ficou fazendo festa, "ê, seu filme, quatro oscars!". ele ganhou o globo de ouro e também foi indicado ao oscar.
pas - cada ator tem um trailer só para ele, você inclusive?
sj - cada um tem o seu. eu tinha o meu. você não está entendendo, é coisa legal mesmo [
ri], com
cama,
tevê,
vídeo, tudo.
geladeira,
fogão, uma
pessoa para fazer rango, uma pessoa para fazer
massagem, uma menina linda, colossal, fazendo massagem. tinha umas
regalias. mas tinha muito trabalho também, 12 a 16 horas por dia.
era o dia em que bill foi para a premiação, a
sofia coppola esteve lá. foi engraçada essa cena, mari cometeu a maior gafe. estávamos todos na
praia na itália, estávamos de folga, aparece uma menina nariguda, baixinha, ficava falando "que linda sua filha", não sei o quê. mariana, sem companhia, começou a conversar com aquela magrinha, praia deserta, lindo, o
sol caía dentro d’água, coisa linda. a magrinha falou tchau, a mariana: "chegou a mulher aí, metida para caramba, essa gente mente, né? chegou dizendo que fez filme com não sei quem, que fez '
o poderoso chefão'". qual é nome dela? coppola, coppola... caralho, ela é a sofia coppola! foi aí que ela sacou quem era, eu nem sabia quem era sofia coppola. depois ela ficou amiga também.
pas - de que se trata "os fugitivos"?
sj - somos cinco fugitivos que fazem um
túnel e escapam da
penitenciária, indo parar dentro de um
metrô em funcionamento. aí tem toda uma confusão, é um filme de ação, de suspense.
pas - incomoda você fazer sempre esses papéis de gângster, fugitivo? eles são ainda
estereótipos, não?
sj - não. eu fiz um negro amante de uma mulher lindíssima em "casa de areia" [
filme brasileiro de andrucha waddington]. foi aplaudidíssimo lá em berlim, de pé, né?
pas - mas hollywood evidentemente ainda estereotipa qualquer pessoa do terceiro mundo, não?
sj - sim, mas não, acho que não... não são todos os atores lá que poderiam fazer a mesma coisa que vou fazer. ninguém pensa assim mais, "vou botar aquela coisa ali". o que ainda tem esse pensamento aqui talvez seja a rede globo, no caso das
novelas. no
cinema não tem espaço para isso mais. é tão grande, é tanta grana. não pode errar, não tem espaço para erro. quando está definitivo que é você que vai fazer é porque interessa o seu jeito, a linguagem, a cara e tal. o cara pode chamar um
boy qualquer e vai arrebentar, não vai ter outro. pode colocar
denzel washington, mas vai repetir, né? como o filme é em dublin e outra parte na inglaterra, naturalmente eles têm que usar alguém desses países. é uma convenção mundial, se você vem fazer filme de hollywood no brasil tem que ter ator brasileiro, um ou dois pelo menos.
pas - esses filmes são da disney? você fica vinculado a um estúdio?
sj - não, cada caso é um caso.
pas - você é
free-lance.
sj - eu sou
cafuné. o cara liga aqui na cafuné e contrata, "alô, cafuné, aqui é a disney".
pas - você disse que gosta de analogias. que analogias você faria entre viver na rua e viver em hollywood? haveria algo parecido entre esses dois extremos que você conhece?
sj - [
longo silêncio.] tenho a sensação de que no cinema, em hollywood, você espera que vá
ser assistido, ou na sala de cinema, ou por quem está fazendo o filme junto com você. na rua você
não é assistido por
ninguém. não tem
assistência, não existe. esse é um ponto diferente das experiências. você vai até um extremo onde não tem assistência de nada, e você vai até um outro em que você é muito assistido. ao mesmo tempo, na rua, está
todo mundo assistindo aquilo que se passa. e no cinema as pessoas não têm olhos para o que é feito por dentro, para o real trabalho que é feito, como se dá o trabalho de um ator, de um filme. fica muito
raso, não se sabe o trabalho que é. digo isso porque tive uma experiência com andrucha [
ri], foi uma loucura o que ele fez. nos levou para os
lençóis maranhenses, foi uma experiência
gigante. podia ter dado errado, porque era muito difícil de fazer.
pas - seria automático pensar que é melhor e mais fácil estar em hollywood do que na rua. é verdade?
sj - não. Não. olha, é muito melhor, com certeza, estar em hollywood. mas muito fácil não é, não. principalmente se você veio da rua, né? aí é que não é fácil mesmo. caramba. como é que você vai chegar ali? é um negócio que você precisa ter muita segurança para estar. por exemplo, estou saindo para fazer um filme grande agora. o
cartel desses
boxers é enorme, eu sou um boxer começando. não
bati em ninguém ainda, só
apanhei [
ri], sabe como é? eles, não, eles têm um
cinturão mundial. e é complicado. vou lá, estou seguro que vou para fazer, que vou resolver, mas não sei se resolvo. eu não sei. pode chegar lá e complicar, o diretor dizer que não é assim.
pas - você faz ou já fez
psicoterapia? não é preciso apoio para segurar a cabeça, seja na vida anterior ou nesta?
sj - não, não faço, nunca fiz. não pensei nisso, não sei... eu
converso com as pessoas mesmo, né? converso, divido minhas experiências com as outras pessoas, tem muita gente que vai dizer "calma, seu jorge". não tenho respostas para tudo, não, mas sempre procurei me
espelhar nos
exemplos das pessoas, não precisar fazer se tenho exemplos na minha frente que me mostram resultado. ah, tá legal, o
fogo está ali, o garoto botou a mão e queimou. vou botar a mão, se sei que vai queimar também? não vou.
outra coisa que também segura bem a cabeça é o fato de entender que a
felicidade é um instrumento rico, muito simples, quando você vê a vida com
simplicidade. a felicidade se torna uma coisa simples, mais acessível. é lógico que é muito melhor ter uma casa de praia com
sauna e tudo, mas se eu não tenho a casa de praia, se eu puder alugar uma e levar minhas crianças de vez em quando para passar 15 dias, eu vou, para mim isso é a felicidade também. tornar as coisas mais simples também é uma maneira de ser feliz. a maneira que encontrei de ser feliz é dizer que vou estar completo quando eu puder realizar meus
pequenos grandes sonhos, que são poder dar
sustento à minha família, continuar trabalhando, ter um trabalho com dignidade, seja ele qual for, na música ou na faxina. e fazer disco, que é o sonho mesmo, tocar, cantar para umas pessoas, ter umas músicas. Já consegui.
pas - quando sai o próximo disco?
sj - estou doido para entrar em estúdio, e dei sorte. eu ia estar filmando em abril, mas o filme passou mais para frente. e aí minha filha vai nascer em abril, eu vou estar esperando meu neném num momento em que também vou aproveitar para gravar disco. vou tentar segurar o escritório, se eu não freio eles, não pára, não. eles ficam botando agenda, botando agenda, é infernal. tudo tem que ser programado com antecedência, porque somos independentes e somos nós que geramos os compromissos com as pessoas. se nos comprometemos de eu estar lá, tudo bem, tenho que chegar no horário, que honrar isso. não há uma empresa que faça por mim e fique me cobrando para que eu esteja lá. eu mesmo me cobro isso, porque eu sou a empresa que faz isso.
então acho que esse disco vai acontecer já, e não sei o que vai ser. tenho muitas propostas, sei que se faço um disco de samba hoje vai dar uma ondinha legal. tem um povo que quer, e eu tenho sambas interessantes para fazer. sei que se faço um disco de
rock vai criar uma curiosidade. tem uma banda preta [
mostra um vinil do grupo cain & abel], em que eu me inspirei e quero fazer uma
big band com uma formação assim, preta.
não é segregador, mas precisa ser preto para ter essa identidade de rock preto brasileiro. a linguagem de som que quero fazer é essa [
coloca o disco na vitrola]. queria usar umas roupas de
super-herói, para matar gente de rir da cara da gente, para neguinho dizer "esses caras são loucos".
pas - você costuma evitar as grandes gravadoras, mas o disco com
ana carolina saiu pela
sony & bmg.
sj - é, eu não tinha
companhia, porque eu
não me aclimato num formato. vou criar uma expectativa para a companhia... já até tenho um público, mas eu não vou no faustão, "uuuh", não dá, não dá para ficar na
hebe, [
imita] "gracinha". eu não vou. gosto da véia, mas não, vou, "gracinha" complica. aí eu atrapalho, os caras botam dinheiro, investem e o disco não vende. para quê? para que vou ficar enchendo o saco dos caras? a maioria dessas companhias não é
indústria brasileira, está lá fora.
a rapaziada aqui é empregada. eles têm um limite, podem ir até um ponto e depois desse ponto não podem. aí começa o problema. abro minhas frentes sozinho, me viro, dou meu jeito. fui embora sozinho do brasil, eu e meu violãozinho, cinco anos atrás. fui no
favela chic, cantei três músicas, falei que ia voltar porque ia dar certo. e deu. rolou. e ninguém daqui me botou lá, ninguém.
outro dia fui conversar na sony [
no brasil], a diretoria toda nos estados unidos me conhece, mas aqui eles não têm articulação nos eua, o máximo que vão é à américa latina. aí o presidente geral de lá fala para me contratar, "contrata o
negão que o negão é bom", aí vamos fazer um barulho aqui. aí falo de
aqüé, o aqüé não bate. a
verba que o cara liberou lá não dá aqui, eles sabem muito bem o valor do
real e o valor do
dólar.
pas - você está planejando um show com os
racionais mc’s?
sj - vai acontecer. mano brown me disse uma coisa, e ele tem razão: eu não toco no rádio. "seu jorge não toca no rádio, você tem que tocar no rádio, sua música é boa.mMuita gente de comunidade pede suas músicas, então a gente está com uma idéia de botar você para tocar mais para essa gente, onde é nosso público, onde a gente domina". porra, do caralho, fiquei honrado. sou fã demais do trabalho deles, adoro a mensagem e amo mano brown, porque ele é um cara
sério, sério, sério, sério, correto, anda certo, uma
inspiração para mim. com ele eu vou ficar bem. não defendendo a mesma linha de pensamento, mas se eu conseguir me desprender um pouquinho mais de algumas coisas que ainda fazem parte de uma educação velha, do meio. a gente também é educado pelo meio, essas coisas acabam misturando e se confundindo um pouco.
ele está num caminho muito importante, é preocupado em dar satisfação do estudo dele. ele é um homem que estuda muito, sobre o povo negro, a história do Brasil, do governo, as causas, os efeitos, os problemas, a sociedade, os dias de hoje. está terminando um documentário em dvd, eu até participei, sobre os
bailes black de periferia. mas ele começou a contar isso desde a época da escravidão, desde o fim até os bailes famosos. em
1888 teve a
abolição, mas não foi fácil. teve muita resistência, como nós sabemos a porrada cantou. proibiram a comercialização, mas muita gente continuou comercializando. parece muito distante, era distante para mim, mas não é. foi
ontem, ontem, porque de um dia para outro milhões de pretos estavam desempregados, e
amanhã vão continuar. quando terminou a escravidão, nós não servíamos para receber nada, nem abaixo de uma tabela de marcado. negro não servia. ele tenta frisar esse processo, de como a gente tentou ser uma sociedade organizada depois desse processo imposto ao negro. éramos tratados como
animais. não tinha
carteira de trabalho, depois de muito tempo o negro começou a conseguir trabalho, sofreu todo um enquadramento. a foto 3 por 4 tinha que ser com terno e gravata, negão tinha que repartir o cabelo no meio para poder parecer branco ou sei lá o quê. era uma porrada na cultura africana.
então eu sinto a indignação do Brown hoje, com relação ao povo dele, ao nosso povo negro, que é de que quanto mais ele estuda mais a verdade vem. por que ser chamado de
mulato? na concepção do
cartório, era o cruzamento do
homem com a
mula, por isso somos chamados de mulatos. e a mula, você sabe, é o cruzamento de um
cavalo ou
égua com outra
raça que fica
estéril, não dá em nada. o português dizia "esse país aí não vai dar em nada, é um bando de mulatos, um bando de mulas". era assim que era a coisa. você se aprofundar na nossa
diáspora, para saber quem somos nós e o que fazemos aqui, faz parte do processo. pensamos em fazer no
consulado, que é a casa do netinho, mas o espetáculo que a gente montou não cabe lá.
pas - está montado já?
sj - em tese está montado. acontece assim: a gente tem um show do
quinteto em branco e preto, a gente está vendo se traz
beth carvalho e
arlindo cruz para cantar algumas com eles, mais
bebeto são joão, eu, depois os racionais com banda. uma noite de
música negra brasileira.
pintou a possibilidade de fazer na
via funchal. brown continua a
política de não tocar para
playboy, a
mídia faz
sacanagem,
fode a vida das pessoas. mas pode ser uma temporada na via funchal.
por falar nisso, você conhece o
samba da vela? é a coisa mais emocionante, a mídia precisa ressaltar. para começo de conversa, não tem
bebida alcoólica. é uma mesa, uma vela no meio, as pessoas em volta cantando sambas inéditos, lindos, até a vela apagar. não se bebe. no final tem uma
sopa e tal. é aqui em são paulo, quem diz que é o túmulo do samba está completamente enganado. é uma das coisas mais lindas.